Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
568/10.3TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PESSOA COLECTIVA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP20141020568/10.3TTVRL.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Embora as pessoas colectivas com fins lucrativos não tenham direito a protecção jurídica (artigo 7º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho), sendo aos serviços da segurança social que compete apreciar o pedido de apoio judiciário, a apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, formulado por uma pessoa colectiva com fins lucrativos, junto o comprovativo de tal apresentação aos autos, interrompe o prazo de contestação em curso (artigo 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 568/10.3TTVRL.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente na Rua …, nº .., .º Dto., Vila Real, com patrocínio do Ministério Público, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Lda., com sede na …, nº .., .º Piso, Sala …, Lisboa.
Pede que seja declarado lícita a resolução do contrato de trabalho que celebrara com a ré e esta condenada a pagar-lhe indemnização no montante de €27.343,50, e as quantias de € 1.093,74, de subsídio de Natal de 2009, e € 2.079,48, de férias e subsídio de férias vencidos em 1-1-2010, tudo acrescido de juros.
Alega que foi entrou ao serviço da ré em 1982, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, auferindo ultimamente o salário mensal de € 1.093,74, tendo procedido à resolução do contrato em 23-9-2009, em virtude de a ré a ter suspendido e não ter concluído qualquer processo disciplinar contra si, impedindo-a de entrar nas suas instalações.
Realizou-se a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré contestou não apresentou contestação no prazo de dez dias.
A ré requereu a interrupção do prazo para apresentação da contestação, em virtude de ter requerido nos serviços sociais competentes pedido de concessão de benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e de nomeação de patrono.
Foi proferido despacho indeferindo-se a pretendida interrupção do prazo para contestar, seguido de sentença, na qual se condenou a ré integralmente no pedido.
Inconformada veio a ré invocar a nulidade da sentença, alegando que a mesma não contém fundamentação, de facto e de direito.
Mais interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo:
1. A ré, que é uma sociedade comercial, fez-se representar, na audiência de partes a que alude o artigo 55º, do C.P.T., pela Exma. Senhora Doutora D…, a quem, através de procuração, a ré conferiu os suficientes poderes para o efeito, poderes esses que incluíram os de confessar, desistir ou transigir – vide os documentos número 1 e 2 anexo.
2. Da procuração atrás referida não consta que a mencionada Senhora Doutora D… seja advogada, nem a indicação de qualquer cédula profissional, ou de qualquer escritório de tal Senhora – vide o documento número 1 anexo.
3. Na acta de audiência de partes, que teve lugar no dia I0 de Março de 2011, que foi uma Quinta-feira, aquela Senhora Doutora D…, que não é advogada, nem sequer licenciada em Direito, e que disso informou os funcionários judiciais, que na mesma audiência de partes intervieram, é sempre designada como legal representante da ré – vide o documento número 2 anexo.
4. Tendo-se gorado, como se gorou, a conciliação entre a autora e a ré, esta, no dia 10 de Março de 2011, e na própria audiência de partes, foi notificada, na pessoa da mencionada Senhora Doutora D…, para, no prazo de 10 dias, a contar daquela data, contestar a presente acção.
5. Prazo este que, tendo em conta o estatuído, nos artigos 279º-b) e 296º, os dois do C.C., 1º-2-a), do C.P.T. e 144º-1 e 2, do C.P.C., e considerando ainda que o dia 20 de Março de 2011 foi um Domingo, dia da semana este em que os tribunais se encontram encerrados, só terminava na Segunda-feira seguinte, isto é no dia 21 de Março de 2011, ou até mesmo no terceiro dia útil seguinte, isto é, na Quinta-feira seguinte, dia 24 de Março de 2011, tendo em conta a faculdade constante do artigo 145º-5, do C.P.C., aplicável em processo de trabalho, ex vi do comandado no artigo 71º-a), do C.P.T.
6. Assim continuando a ser, mesmo que, para esse prazo de dez dias, se considerasse que contava o próprio dia da notificação, isto é, O próprio dia 10 de Março de 2011, pois que, então, o dies ad quem desse prazo de 10 dias, cairia no dia 19 de Março de 14 2011, isto é, num Sábado, dia da semana esse em que, tal como aos Domingos, os tribunais também se encontram encerrados, transferindo-se pois, por força dos artigos 1º-2-a), do C.P.T. e 144º-1 e 2, do C.P.C., esse dies ad quem, para a Segunda-feira 17 seguinte, quer dizer, para o dia 21 de Março de 2011, ou até para a Quinta-feira seguinte, dia 24 de Março de 2011, pelos motivos legais já invocados na parte final da quinta conclusão.
7. No dia 20 de Março de 2011, a ré, por volta das oito horas e onze minutos, e para intervir no processo em questão e/ou apresentar no mesmo contestação, requereu, no serviço de atendimento ao público, dos serviços de Segurança Social, sito nas instalações da E…, em …, distrito de Beja e concelho de Almodôvar, pertencente ao Centro Distrital de Beja, do Instituto de Segurança Social, I.P., o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de nomeação e pagamento da compensação de patrono - vide o documento número 3 anexo.
8. Fê-lo, através de requerimento, formulado em modelo próprio (Mod. PJ 2/2007-DGSS), e enviado, via telecópia, para o número ………, que é o do serviço de atendimento ao público atrás referido, como tudo é permitido pelo estatuído no artigo 22º, da Lei nº34/2004, cujos números 1 e 2 estabelecem que o requerimento de protecção jurídica é apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público, dos serviços de segurança social, sendo formulado em modelo próprio, e podendo tal apresentação ser feita, nomeadamente, através de telecópia, possibilidade esta de apresentação via telecópia que está aliás inclusivamente expressamente consignada no ponto 7, da página 3, de tal modelo próprio –vide os documentos números 4 e 5 anexos.
9. Cerca das 18 horas e 31 minutos, desse mesmo Domingo 20 de Março de 2011, a ré enviou para aos autos, via telecópia, expedida para o número ………, que é o do aparelho de fax do Tribunal de Trabalho de Vila Real, um requerimento, constituído por duas folhas, e acompanhado de dois documentos, documentos esses então numerados com os números 1 e 2 –vide o documento número 6 anexo.
10. Todo esse expediente se encontra nos autos, de folhas 44 a folhas 48, com a excepção do segundo dos dois documentos atrás mencionados (o então numerado com o número 2), falta essa relativamente à qual a requerente apresentou já no processo um requerimento, de que se junta uma fotocópia –vide o documento número 7 anexo.
11. Os originais do expediente em questão foram entregues no Tribunal de Trabalho de Vila Real, na Segunda-feira seguinte, dia 21 de Março de 2011, encontrando-se todos no processo, de folhas 49 a folhas 53.
12.Assim sendo, como assim é, e muito embora data venia, a decisão interlocutória de 28 de Março de 2011 que se está a por em crise, fez uma errada apreciação dos factos, que então já constavam dos autos, e que dos mesmos autos continuam agora a constar, designadamente, ao considerar, como considerou:
a) que os documentos, que nos autos se encontram, de folhas 44 a folhas 4-3, e de 25 folhas 49 a folhas 53, não comprovavam que a ré tivesse pedido, no dia 20 de Março de 2011, através de telecópia, expedida para a entidade para apreciar tal pedido competente, o benefício do apoio judiciário, inclusivamente na modalidade de nomeação e pagamento de patrono, e que, nesse mesmo dia 20 de Maço de 2011, a ré igualmente, via telecópia, tivesse comprovado esse pedido de apoio judiciário no processo;
b) que a ré já tinha constituído nos autos advogado, que seria a Exma. Senhora Doutora D…, senhora esta que não é advogada, nem sequer licenciada em Direito.
13. Tendo por isso, e também por qualquer erro na contagem dos prazos, a decisão interlocutória sob crítica, violado diversas disposições legais, designadamente os artigos 22º e 24º-4, ambos da Lei nº34/2004, bem como até o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, padecendo pois tal decisão, também do vício da inconstitucionalidade, que aqui fica desde já arguido.
14. E ainda os artigos 279º-b) e 296º, os dois do C.C., 1º-2-a), do C.P.T., e 30º-1-a), 144º-1 e 2, 145º-5 e 678º, todos do C.P.C.
15. Devendo, por tais motivos, e sem que isso constitua qualquer demérito para a Exma. Senhora Doutora Juiz que a proferiu, ser revogada tal douta decisão interlocutória recorrida, e substituída por um Acórdão, que considere que, em 20 de Março de 2011, se interrompeu o prazo, que estava em curso, para a ré contestar a presente acção, com as inevitáveis consequências na sentença final, que não poderá deixar -íe ser anulada.
16. Anulação esta que, de qualquer forma, sempre resultaria da nulidade arguida ne início do requerimento de interposição de recurso.
17. Seja como seja, e só se tendo a ré constituído, como só se constituiu em 2003, e só tendo a ré adquirido, como só adquiriu, personalidade jurídica, no dia 26 de Julho de 2003 (artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais), como resulta da certidão pela ré junta ao processo no dia 12 de Janeiro de 2011, e que agora, como documento 8, se anexa novamente, o montante indemnizatório a conceder à autora, nunca poderia ultrapassar o correspondente a sete anos de antiguidade, ou seja, nunca poderia ser superior a 11.484,27 euros.
O Ministério Público respondeu, concluindo:
I. O abuso de direito constitui a violação de um princípio clássico, o da boa fé, e traduz-se num comportamento do seu autor violador do sentido e intenção normativos do direito, sendo manifesto o excesso.
II. A Lei 34/2004, de 29 de Julho, (lei do apoio judiciário) tem em vista um fim social nobre que é o de permitir o acesso à justiça por todas as pessoas e sobretudo pelas mais carenciadas.
III. Viola o sentido normativo do direito (desta Lei), o princípio da boa fé, o princípio da celeridade processual e da cooperação, aceites pelo nosso Direito Processual Civil e do Trabalho, e ofende o mais elementar sentido de justiça, o comportamento processual da recorrente, que, enquanto ré nesta acção, foi citada para ela e para a audiência de partes com 60 dias de antecedência, esteve representada nesta audiência de partes pela Dra. D…, com procuração junta a fls. 41, apesar disso e sendo sua intenção pedir apoio judiciário, o que faz em todos processos, sabendo que é sempre indeferido por ser uma sociedade com fins lucrativos, (como o seu mandatário, neste e em múltiplos outros processos, enquanto Técnico da Segurança Social, na área do Apoio Judiciário lhe pode explicar) só o fez no último dia do prazo para contestar, sendo de Vila real, onde exerce a sua actividade e residindo nesta cidade a legal representante da ré, foi apresentar o pedido de apoio judiciário na E…, de …, localidade do concelho de Almodôvar, distrito de Beja, apresenta impugnação judicial da decisão que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário (que levou já ao Tribunal Constitucional, sem êxito - Decisão Sumária n.º 524/2010, de 14.12.2010, no processo n.º 735/10, 2ª secção, DR, IIª série, de 6.07.2010), não paga a taxa de justiça mesmo depois de lhe ser indeferido, tudo com intenção de retardar e criar obstáculos a uma rápida e justa decisão.
IV. O abuso de direito é de conhecimento oficioso e pode ser decidido em sede de recurso, tendo como sanção “a paralisação dos efeitos jurídicos do exercício desse direito”.
V. Assim, neste caso concreto não deverá a recorrente beneficiar da interrupção do prazo para apresentar contestação, atenta a sua conduta processual, que caracteriza à saciedade a figura do abuso de direito.
VI. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
VII. Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor – art.º 57º, 1 e 2 do C. P. T.
VIII. Neste caso, devem considerar-se confessados os factos articulados pela A. na petição inicial e confessados pela ré, por força da não contestação, que foi pessoalmente notificada para contestar, e, levando estes factos à procedência da acção, que se revela de grande simplicidade, a fundamentação foi feita por simples adesão ao alegado pela A.
IX. A adesão é feita quer quanto aos factos quer quanto ao Direito, não havendo necessidade de mais fundamentação, a não ser esta declaração.
X. Não foi violada qualquer norma jurídica, nem a decisão recorrida é nula ou padece de qualquer vício.
XI. Deve pois negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a aliás douta decisão recorrida.
O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões a decidir:
I. Suspensão do prazo para contestação e a nulidade da sentença;
II. Abuso de direito da ré.

II. Fundamentação de facto
Importa considerar os seguinte factos:
1. A autora intentou a presente acção em 20 de Dezembro de 2010, com o patrocínio do Ministério Público;
2. Foi designada a audiência de partes para o dia 10 de Março de 2011;
3. A recorrente fez-se representar em audiência por D…, a qual apresentou procuração com o seguinte teor:
Documento número 1 1/1
……...……………………...………...…..PROCURAÇÃO………...…......…...……………………………
C…, LDA, com Cartão de identificação de Pessoa Colectiva número ………, com o capital social, integralmente realizado, de cinco mil euros, e com sede social na …, número .., .ª piso, sala número …, em Lisboa, freguesia da Nossa Senhora de Fátima, concelho e. distrito de Lisboa, com o Código Postal ….-… Lisboa, cidade essa em cuja Conservatória do Registo Comercial se encontra definitivamente matriculada, sob o número ………, representada neste acto pela sua gerente, com poderes para a prática do mesmo, F…, divorciada, natural da freguesia de …, do concelho de Vila Real, cidade onde tem o seu domicilio profissional, na …, número …, rés-do-chão, portadora do Bilhete de Identidade número ……, emitido, no dia … de Agosto de 1998, em Vila Real, e válido vitaliciamente, contribuinte número ………, constitui seu bastante procurador, a Exma. Senhora Doutora D…, com domicílio profissional na Rua …, …, …, rés-do-chão direito, conferindo-lhe poderes para representar a sociedade conferente da procuração na audiência de partes, que terá lugar, no dia 10 de Março de 2011, no Tribunal de Trabalho de Vila Real, no âmbito da acção de processo comum, a correr termos pela Secção Única de tal Tribunal de Trabalho de Vila Real, sob o número 568/10.3TTVRL, poderes esses que incluem os de, em tal audiência de partes, confessar, desistir ou transigir ………………...............................................
………………….……………………………………………………………………………….…….……..………………...........
......................……….Vila Real, 08 Março de 2010….............….…………………….
Por C…
F…
4. Frustrada a tentativa de conciliação, foi a ré citada para no prazo de dez dias, a contar de tal data, contestar, querendo, a acção, sob pena de não contestando se considerarem confessados os factos articulados pela autora na petição inicial e ser logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
5. Em 20 de Março de 2011 a ré apresentou requerimento nos autos, por fax, informando que nesse mesmo dia solicitara junto da Segurança Social, balcão de …, pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono;
6. Juntou então documento comprovativo;
7. Em 28 de Março de 2011, foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos veio a aqui demandada requerer a interrupção do prazo para apresentação da contestação, em virtude de ter requerido nos serviços sociais competentes pedido de concessão de benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e de nomeação de patrono.
Como comprovativo do por si alegado juntou a aqui demandada o documento de fls. 50 a 52.
Vejamos.
Em primeiro lugar verifica-se que o documento que antecede não apresenta sequer o comprovativo de ter sido entregue nos serviços competentes para a respectiva apreciação, pelo que não é, em nosso entender, demonstrativo da R. ter formulado, de forma atempada, este pedido junto da Segurança Social.
Mas, mesmo que assim não fosse, também não se poderia considerar que este pedido tivesse como consequência a interrupção do prazo em curso, já que, atenta a data nele aposta pela aqui demandada – 20/03/11 – aquando da sua alegada apresentação nos serviços sociais, o prazo em curso já se encontrava esgotado, tendo em conta a data da notificação da mesma para contestar – 10/03/11 (cfr. fls. 42).
A estas considerações acresce uma terceira que consiste no facto da aqui R. ter já junto aos autos procuração a favor de pessoa a quem conferiu poderes especiais para confessar e transigir – cfr. fls. 41 – pelo que tendo junto aos autos procuração, não pode requerer a concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, única susceptível de interromper o prazo para apresentação do articulado de contestação.
Pelos motivos supra expostos, indefere-se a pretendida interrupção do prazo para contestar.
Notifique.
8. Seguidamente foi proferida sentença que, julgando confessados os factos articulados pela autora na petição inicial, face à falta de contestação, condenou a ré integralmente no pedido.
9. O pedido de apoio judiciário foi indeferido por decisão de 13 de Abril de 2011, notificada à requerente por carta registada a 18 de Abril.
10. A ré/recorrente contestou a acção a 10 de Maio de 2011.

III. O Direito
1. Suspensão do prazo para contestação
Nos termos do disposto no art. 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho,[1] quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Embora a decisão sobre o pedido seja da competência dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente (art. 20º, nº 1, da mesma Lei), ele pode ser apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços de segurança social (art. 22º, nº 1), sendo a apresentação demonstrada por qualquer meio idóneo de certificação mecânica ou electrónica da recepção no serviço competente do requerimento quando enviado por telecópia ou transmissão electrónica (art. 22º, nº 6, al. b), ainda da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).
Quanto ao prazo, é vidente o erro cometido no despacho sob recurso, uma vez que, tendo a recorrente sido notificada a 10 de Março, o prazo de dez dias nunca se poderia considerar decorrido no dia 20 do mesmo mês.
Por outro lado, conforme salienta a recorrente, não consta dos autos que tenha sido conferido mandato judicial a advogado antes da apresentação do pedido de apoio judiciário. A procuração junta aos autos para representação da recorrente na audiência das partes não refere que a mesma seja outorgada a advogado ou que confira poderes forenses.
Assim se conclui, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-6-2013:[2]
É certo que nos termos do artigo 7.º, n.º 3, da lei em análise, «[a]s pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica».
Contudo, sendo aos serviços da segurança social que compete apreciar o pedido de apoio judiciário serão os mesmos que terão que indeferir, porventura liminarmente, um pedido de apoio judiciário apresentado por uma pessoa colectiva com fins lucrativos, como acontece no caso em presença; aceite nos serviços em causa um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e junto o comprovativo de tal apresentação aos autos, verifica-se ope legis (artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004) a interrupção do prazo em curso.
A entender-se que não podia haver interrupção do prazo para contestar porque sendo a ré uma sociedade por quotas não podia beneficiar do apoio judiciário, seria, por um lado, o tribunal conhecer de uma matéria que nessa fase lhe estava vedado por lei, já que era da competência da segurança social, e, por outro, violar o princípio da confiança na medida em que ao ser aceite o pedido de apoio judiciário, e junto o comprovativo ao processo, daí decorre a interrupção do prazo em curso, não podendo posteriormente vir a invocar-se que jamais podia a parte beneficiar do apoio judiciário e, por isso, também não podia beneficiar da interrupção do prazo em curso.
Assim, não obstante a ré, como se deixou implícito, não poder beneficiar de protecção jurídica, uma vez que apresentou na segurança social, entre o mais, pedido de nomeação de patrono, deve considerar-se que ficou interrompido o prazo para contestar a acção nessa data.
Por força do art. 23º, nº 5, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o prazo interrompido com a apresentação do pedido de apoio judiciário iniciou-se após a notificação à requerente, aqui recorrente, do indeferimento de tal pedido, pelo que tendo sido remetida carta para tal efeito em 18-4-2011, se considerou notificada em 26-4-201 (art. 254º, nº 3, do CPC então em vigor). Por isso, tendo apresentado a contestação em 10 de Maio de 2011, fê-lo para além do prazo de 10 dias previstos na lei, ficando a validade do acto dependente do pagamento da multa a que alude o artigo 145º, nº 6.
Nestes termos deveriam prosseguir os autos com eventual conhecimento da contestação e realização de julgamento.

2. Abuso de direito da ré
Veio o Ministério Público, para fundamentar o indeferimento da pretensão da recorrente invocar o abuso de direito, alegando que A recorrente sabe que, como sociedade comercial que é, com fins lucrativos, não tem direito a apoio judiciário.
Segundo o disposto no art. 334º do C. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.[3]
O instituto do abuso de direito, é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de anti-finicidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o acto ilícito.
O ordenamento jurídico, ao acolher esses concertos moderadores, compromete-se a assegurar a confiança nas condutas e comportamentos das pessoas responsáveis ou imputáveis. E é assim que, enquanto princípio ético-jurídico fundamental, o princípio da confiança não pode deixar de ser tutelado pela ordem jurídica dando guarida e protecção à “confiança legítima baseada na conduta doutrem”, designadamente quando esta conduta contrária à “fides” causar ou for susceptível de causar danos.[4]
A complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.[5]
No caso, não se provou que a recorrente tivesse conhecimento que não lhe seria deferido o apoio judiciário pretendido, sendo certo que o advogado apenas teve intervenção nos autos depois do indeferimento do pedido.
Assim, não se mostra suficientemente demonstrada a existência de abuso de direito por parte da recorrente.
Fica prejudicada a apreciação da questão da nulidade da sentença face à anulação da mesma.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a prossecução dos autos com notificação à ré, aqui recorrente, para proceder ao pagamento da multa a que alude o art. 145º, nº 6, pela apresentação da contestação, após o que se observarão os trâmites legais subsequentes.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 20-10-2014
Rui Penha - relator
Maria José Costa Pinto
João Nunes
__________________
[1] Alterada e republicada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto.
[2] Proc. n.º 400/11.0TTSTR.E1, relator João Luís Nunes (aqui adjunto), acessível em www.degsi.pt/jtre.
[3] Vejam-se Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pág. 93, Vaz Serra, no B.M.J. nº 74, pág. 45, e Antunes Varela, na Colectânea, ano XI, tomo 3º, pág. 13, e ano XII, tomo 4º, pág. 28.
[4] Baptista Machado, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium, na Rev. de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, pág. 363.
[5] Para além dos já referidos, veja-se Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, 3ª edição, Coimbra: Almedina, 1966, pág. 63, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, pág. 298, e Antunes Varela, na Rev. de Legislação e Jurisprudência” ano 114º, pág. 75.