Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0423231
Nº Convencional: JTRP00037346
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: CONTESTAÇÃO
PRAZO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RP200411090423231
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A contagem do prazo peremptório de defesa e a dilação que a antecede, faz-se como se tratasse de um único prazo, sendo por isso irrelevante que, por exemplo, o termo do prazo dilatório seja dia de encerramento do tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

RELATÓRIO

B..... e mulher, C....., residentes na Travessa....., ....., ....., intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra D..... e marido, E....., residentes na Rua....., ....., ....., pedindo que se declare que o incumprimento do contrato promessa celebrado em 26 de Outubro de 1999 é imputável aos Réus e que, em consequência disso, sejam restituídos por estes da quantia de 2.000.000$00, equivalente ao dobro do sinal pago.

Para esse efeito, alegam que:
- em 26.10.1999 prometeram comprar aos Réus, que lhes prometeu vender livre de quaisquer ónus ou encargos, hipotecas ou outras responsabilidades, o prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar, sito na Travessa....., freguesia de....., ....., pelo preço de 4.000.000$00;
- nessa data entregaram aos Réus a importância de Esc. 1.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, ficando o remanescente de ser entregue na data da outorga da escritura pública de compra e venda;
- à data do contrato-promessa, e como os Autores bem sabiam, o 1º andar do referido prédio encontrava-se onerado com um contrato de arrendamento para habitação a favor de F....., e o rés-do-chão estava arrendado a G.....;
- no decurso das negociações preliminares do contrato-promessa, os Réus comprometeram-se perante os Autores, a libertar o prédio em questão do ónus do arrendamento, pois a estes só interessava a aquisição do prédio se este se encontrasse livre e desimpedido;
- em 3 de Julho de 2000, os Réus comunicaram aos Autores a resolução do contrato-promessa;
- contudo, na data estipulada no contrato-promessa para a escritura pública de compra e venda, o imóvel ainda se encontrava onerado com os dois arrendamentos;
- assim, se existe mora ou incumprimento, é por banda dos Réus;
- não obstante, os Autores aceitam a resolução do contrato-promessa.

Os Réus apresentaram a contestação de fls. 44 e ss., mas a mesma foi considerada extemporânea dado que, como se diz no despacho de fls. 65, o prazo para a sua apresentação terminava no dia 09.10.2001 e a sua entrada em juízo só ocorreu no dia 15.10.2001.

Na sequência desse despacho os Réus vieram dizer que foram problemas de comunicação com o aparelho de telecópia do tribunal recorrido que impediram a recepção da contestação e dos restantes documentos no dia 08.10.2001, dizendo ainda que a carta com esse articulado, documentos cópias e duplicados seguiu pelo correio em 12.10.2001, tendo sido recepcionada pelo tribunal no dia 15.10.2001. Pedem, por isso, que se considere ter existido justo impedimento na recepção do fax ou, subsidiariamente, que se considere o acto praticado, pelo menos, no terceiro dia com multa, ordenando-se a emissão das competentes guias para o pagamento da multa devida – v. fls. 76 a 80.
Além disso, os Réus, no final desse requerimento, interpuseram recurso de agravo do despacho de fls. 65.
A fls. 133, o Mmº Juiz, depois de indagar do estado de funcionamento do aparelho de telecópia do tribunal, indeferiu o requerido – v. fls. 133.
Deste despacho voltaram a recorrer os Réus. Esse recurso foi admitido como sendo de agravo, com subida diferida.

Nas extensas alegações de recurso, os agravantes batem-se pela procedência das suas razões, asseverando que a contestação foi apresentada tempestivamente.

Os Autores não responderam.

O Mmº Juiz sustentou o despacho recorrido.

O processo prosseguiu, tendo-se elaborado a sentença de fls. 183 e ss., na qual se julgou procedente a acção, condenando os Réus “nos pedidos”.

Os Réus recorreram da sentença.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso, os Réus pedem a revogação da sentença e, continuando a sua prolixidade, formulam 43 conclusões (?), nas quais realçam os seguintes aspectos:
- a escritura de compra e venda só não se realizou por culpa dos Autores, que não compareceram ao acto apesar de estarem devidamente notificados (conclusões 1ª a 10ª, 21ª e 25ª);
- os Autores não lograram provar que na data da realização da escritura existissem ónus e encargos sobre o imóvel que prometeram comprar (conclusões 11ªa 18ª e 22ª a 24ª);
- por outro lado, a resolução do contrato exige culpa do devedor e a prova desta também não foi feita pelos Autores a quem cabia, nos termos do art. 342º, do CC (conclusões 19ª, 20ª e 26ª);
- a sentença violou o disposto nos arts. 342º, 406º, 431º, 762º, 801º e 808º do CC.

Os Autores não contra-alegaram.

Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o âmbito dos recursos balizado pelas conclusões dos recorrentes – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – as questões que se colocam são:
No agravo: se a contestação foi apresentada em tempo;
Na apelação: se o contrato não foi cumprido por causa imputável aos Autores.
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FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

a) Agravo

Começaremos por apreciar o recurso de agravo, de acordo com o que estipula o art. 710º, n.º 1, do CPC.

Os factos que interessam a esse recurso são os que constam do antecedente relatório, aos que se aditam os seguintes:

1. A presente acção foi proposta em 10 de Julho de 2001.
2. Em 16 de Julho de 2001 foram enviadas aos Réus cartas registadas, com avisos de recepção, para a sua citação – v. fls. 38 e 39, cujos dizeres se dão aqui por reproduzidos.
3. Em virtude de a citação não ter sido feito na pessoa de cada um dos Réus, foram estes advertidos nos termos do art. 241º do CPC – v. fls. 42 e 43, cujos dizeres se dão aqui por transcritos.
4. A contestação dos Réus foi remetida pelo correio e deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia no dia 15 de Outubro de 2001 – v. fls. 44 e informação de fls. 95, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

O DIREITO

A citação por via postal não foi feita na pessoa de cada um dos Réus, já que foi um terceiro quem assinou os respectivos avisos de recepção.
Tratou-se, assim, daquilo a que se costuma designar por citação quase pessoal, consentida pelo art. 236º, n.º 2 do CPC.
Sempre que a citação se faça pelo modo previsto nesse preceito, será enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada – art. 241º. Como refere Abrantes Geraldes, “Citações e Notificações em Processo Civil”, CEJ, 1997, “esta diligência suplementar visa evitar as consequências processuais da revelia, constituindo uma manifestação evidente da persistente preocupação do legislador em assegurar, pelos meios possíveis, o efectivo conhecimento por parte do réu da existência de um processo contra si interposto, para que este possa assumir, se assim o entender, a sua defesa”.

Embora não conste dos avisos de recepção de fls. 40 e 41 a data em que foi aposta a assinatura da pessoa que recebeu a citação, não podem restar dúvidas de que essa data se inclui no período das férias judiciais que vai de 16 de Julho a 14 de Setembro.
Como resulta do art. 144º, n.º 1, do CPC, o prazo processual suspende-se, se já se tiver iniciado, durante as férias judiciais; não se tendo ainda iniciado, o prazo só começa a correr após o termo das férias judiciais.
O prazo para os Réus contestarem a acção era de 20 dias. Mas como a assinatura do aviso de recepção não foi feita por nenhum dos Réus, a esse prazo acresce a dilação de 5 dias – v. arts. 236º e 252º-A, do CPC.
Foi isso que constou, além das outras menções obrigatórias, da notificação/advertência feita aos Réus, nos termos do art. 241º do CPC – v. fls. 42 e 43.
A dilação (ou prazo dilatório) antecede a contagem do prazo peremptório da defesa (art. 145º, n.º 2). Não obstante, a contagem de ambos faz-se como se tratasse de um único prazo (art. 148º), sendo por isso irrelevante que, por exemplo, o termo do prazo dilatório seja dia de encerramento do tribunal – v. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 262.
Assim, contados os 25 dias, com início no dia 15 de Setembro de 2001, o último dia desse prazo verifica-se em 9 de Outubro de 2001 (uma terça-feira), como bem se assinalou no despacho de fls. 65.
O art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC, permite, porém, que a parte pratique o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato da multa aí cominada.
Temos, então, que os Réus poderiam apresentar, com multa, a sua contestação até ao dia 12 de Outubro de 2001 (uma sexta-feira).
Ora, tendo o Ex. mandatário dos Réus, com escritório em Matosinhos, expedido a contestação pelo correio, como é admitido na alínea d) do ponto 2 da informação de fls. 95. – (v. 4.), e tendo ela sido recebida pelo Tribunal no dia 15.10.2001, uma segunda-feira, só pode concluir-se que sua a expedição ocorreu, o mais tardar, no dia 12.10.2001 uma sexta- -feira, atentas as regras da experiência – art. 351º do CC.
Concluir-se, como fez o Mmº Juiz a quo de que há estações dos CTT que estão em funcionamento aos sábados de manhã e que, por isso, se configurava a possibilidade de a carta ter sido expedida em 13.10.2001, é ir muito para além do que é a normalidade do procedimento dos serviços postais, designadamente no que toca aos horários de atendimento ao público.
Além disso, os Réus juntaram um documento que, embora não seja completamente esclarecedor, fortalece a sua tese. Referimo-nos, claro está, ao recibo de fls. 84, que comprova a despesa de Esc. 650$00, relativa a expedição postal, recibo esse emitido pelos CTT em 12.10.2001.
Segundo o art. 150º,n.º 1, do CPC, os articulados podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.
É verdade que os Réus não juntaram o comprovativo do registo da carta em referência e, por outro lado, também não se encontra junto aos autos o sobrescrito da remessa por via postal. Em relação ao primeiro aspecto, supomos que se afigura legítima a presunção acima extraída, na medida em que os factos disponíveis indicam, com grande margem de certeza, que a carta contendo a contestação foi expedida para o tribunal no dia 12.10.2001; no que respeita à não inclusão nos autos do respectivo sobrescrito, pode ela justificar-se face ao grande volume de correio recebido diariamente no tribunal recorrido (cerca de 600 cartas – v. fls. 95).
Conclui-se, pelo exposto, que a apresentação da contestação foi tempestiva, ainda que sujeita à multa cominada no art. 145º, a processar pela secretaria nos termos do n.º 6 do art. 145º.

b) Apelação

O despacho recorrido de fls. 65, ao não admitir a contestação, originou que fossem dados como assentes os factos articulados pelos Autores. Essa circunstância, influindo clara e substancialmente na decisão da causa, obriga a que se anule a sentença condenatória de fls. 183 e ss., que partiu do pressuposto da falta de oposição dos Réus - art. 201º, n.º 1, do CPC.

Por isso, fica prejudicado o conhecimento da apelação.
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II. DECISÃO

Nesta conformidade, decide-se:

A. Conceder provimento ao agravo, julgando-se tempestiva a contestação de fls. 44 e ss., devendo a secretaria actuar no cumprimento do disposto no n.º 6 do art. 145º do CPC.

B. Anular a sentença proferida a fls. 183 e ss.

C. Não tomar conhecimento da apelação.
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Custas de acordo com o vencimento que se verificar a final.
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PORTO, 9 de Novembro de 2004
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge