Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2836/18.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
REJEIÇÃO LIMINAR
EMPREITEIRO
DEFEITOS DA OBRA
Nº do Documento: RP202304202836/18.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II - Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III - Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, ou seja, o Réu, beneficia da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos atos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC).
IV - Ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum.
V - Assim, para afastar tal presunção o empreiteiro terá que alegar e provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra, podendo fazê-lo através da apresentação de articulado superveniente, sem prejuízo das exigências processuais relativamente à tempestividade desse articulado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2826/18.0T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2

Acordam os juízes neste Tribunal da Relação do Porto.

I.RELATÓRIO

A..., Lda., NIPC ... com sede na Rua ..., ..., 1º,... Porto, instaurou contra AA, residente na Rua ..., ... ... Porto, ação de condenação sob a forma de processo comum, pelos factos e com os seguintes fundamentos:
No exercício da sua atividade, a A. celebrou um contrato de empreitada com o R. em 24.03.2014, no qual se comprometia a proceder à execução dos trabalhos de reabilitação geral de imóvel propriedade do R., sito na Rua ..., ... ... Porto (Doc.2 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
.No contrato de empreitada referido estavam incluídos trabalhos de reabilitação geral de moradia no Porto, incluindo trabalhos de demolição, restauro e beneficiação de paredes, instalação de tetos falsos, instalação de caixilharias, restauro de carpintarias, restauro de pavimento e escadaria, pintura, trabalhos de eletricidade e pichelaria, construção de garagem exterior e limpeza de terreno, de acordo com o orçamento e descrição dos trabalhos anexos ao contrato e que dele fazem parte integrante (Cfr. doc. 2).
Para o pagamento parcial dos trabalhos efetuados, a A. emitiu a fatura nº 2016F/27 de 09.09.2016 no valor de 3.311,08€ que enviou ao R. (Doc.3 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
Enviou ainda para o mesmo efeito a fatura nº 2017F/45 no dia 24-10-2017 ao R. no valor de 19.236,72€ (Doc.4 que aqui se dá como reproduzido para todos os efeitos legais).
Pela soma dos valores referidos nas faturas nº 2016F/27 e 2017F/45, deduzidos da nota de crédito supra referida, o R. encontra-se em dívida para com a A. no montante de 19.236,72€, pelos serviços prestados no âmbito do referido contrato.
O pagamento desses serviços deveria ter sido efetuado a pronto, conforme está evidenciado nas faturas supra referidas (Cfr. Doc. 3 e 4).
Contudo, até à presente data nenhuma dessas faturas foram pagas pelo R. à A.
No dia 26.10.2017 foi recebida pela A. uma carta do R. datada de 24.10.2017 em que este vem resolver o contrato de empreitada celebrado por ambas as partes a 24.03.2014 invocando justa causa (Doc.6 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
Posteriormente por carta datada de 10.11.2017, o R. procedeu à devolução da fatura nº FT 2017F/45, declarando além do mais não aceitar ser devedor à A. De nenhum montante. (Doc. 7 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
Tendo em conta a resolução do contrato pelo R., a A. ficou impedida de realizar as obras da garagem que estavam incluídas no contrato de empreitada e por isso deixou de ganhar EUR 2.069,00 correspondente ao lucro que tinha expectativa de receber pela obra da garagem.
São falsos e/ou inexatos os fundamentos apontados pelo R. para resolução do contrato e constantes da carta referida em 11º, pelo que vão os mesmos impugnados para todos os efeitos legais.

Citado, o réu contestou a ação e deduziu pedido reconvencional.
Assim, alegou:
No que concerne aos trabalhos previstos no contrato de empreitada:
alega que a Autora não realizou as obras da garagem previstas no contrato pelo montante de € 15.626,54 (valor sem IVA).
.Assim, considerando o valor final da obra espelhado nos últimos autos - € 143.865,45 (ligeiramente inferior ao valor inicial previsto no contrato) –, o valor pago pelo Réu e o valor correspondente aos trabalhos referentes à garagem que a Autora não realizou, o Réu pagou a integralidade dos trabalhos contratuais facturados, com excepção da factura n.º 2016F/27, no valor de € 3.311,08 (IVA incluído) que a Autora aqui peticiona.
Ou seja, todos os trabalhos facturados referentes ao contrato junto como Doc. 1 à Petição Inicial, com excepção do valor residual referido no artigo precedente, foram integralmente pagos pelo Réu.
Já no que concerne aos trabalhos a mais,
Alega que faltava ao Réu pagar apenas a quantia de € 8.997,83, pelo que, pagou o Réu à Autora cerca de 80% dos trabalhos a mais.
Descobriu o Réu que (i) alguns dos trabalhos facturados e pagos não haviam sido, afinal, executados pela Autora; (ii) os trabalhos executados pela Autora padeciam de inúmeros defeitos que esta nunca eliminou; e (iii) protelou a Autora, muito além do prazo contratado e do razoável, o término dos trabalhos que lhe haviam sido adjudicados.
Senão vejamos:
Em Agosto de 2015, apesar de a obra não se encontrar concluída nem entregue, o Réu mudou-se para a moradia intervencionada pela Autora com a sua mulher e filho menor com, à data, 1 ano.
Sendo que, em Outubro de 2015, verificou-se um problema na Caldeira, que o Réu prontamente comunicou à Autora, sendo que, o Réu contratou à Autora o “Fornecimento e aplicação de caldeira a "pellets" com 30 kW para aquecimento central, com potência necessária para todas as divisões” (cfr. autos finais juntos como Doc. 13/C).
Acontece que, a caldeira começou a deitar fumo para dentro de casa, pois esta não foi correctamente montada, encontrando-se mal instaladas as tubagens de saídas de fumo, o que podia mesmo estragar a Caldeira.
Isto mesmo foi, aliás, confirmado pelo próprio vendedor da Caldeira.
Sendo que, além do risco de explosão, originou um cheiro a plástico insuportável, porquanto queimou o tubo da passagem de água, o que originou queixas até da vizinha, pois a tinta e a pedra da parede contígua, pertencente à vizinha, ficaram pretas e as janelas do Réu no R/C, nas traseiras, com uma película de gordura preta.
Acresce que, verificou-se também que a Caldeira não tinha potência suficiente.
Neste seguimento, a Autora fez um vaso de extensão na Caldeira, ao invés de substitui-la pela correcta, de modo a mitigar o prejuízo, o que o Réu aceitou acreditando, porque assim lhe foi assegurado, que o problema ficaria resolvido, o que não se verificou.
Com efeito, o problema apenas ficou resolvido cerca de um ano depois e na sequência de uma queixa que o Réu apresentou junto da B... (da qual a sociedade Autora é franchisada).
Note-se que a própria Autora reconheceu o aludido defeito, da sua responsabilidade, (…)
Esteve o Réu a sua família, nesta sequência, um ano sem Caldeira para aquecimento da casa e águas sanitárias, designadamente durante todo um Inverno.
Por outro lado, Em Janeiro de 2016, a Caleira do piso superior frente da casa provocou uma inundação.
Sucede que, a referida Caleira não foi, afinal, substituída, ou seja, a Autora manteve a Caleira antiga, que se revela desadequada/pequena.
Circunstância que o Réu já havia tomado conhecimento em data anterior, tendo a Autora, nessa altura, recusado a substituição da Caleira e apresentado uma “solução” para o problema: colocação de um ralo de pinha para protecção de sujidade.
Contudo, tal “solução” verificou-se completamente desadequada, pois provocou o entupimento da Caleira e a referida inundação.
Sintomático de que a referida inundação teve origem no ralo de pinha colocado pela Autora na Caleira – e, portanto, que lhe é imputável – é o facto de a Caleira não mais ter entupido depois de se ter retirado o ralo de pinha.
Naquela ocasião, a Autora assumiu o erro, tirou medidas para uma nova Caleira (maior) e retirou o ralo de pinha.
No entanto, a verdade é que a Autora acabou por não substituir a Caleira.
Mais grave ainda:
A generalidade do chão da casa do Réu está num estado lastimável em virtude da sua má execução pela Autora, cujos trabalhos foram realizados contra as mais elementares regras da boa arte.
Com efeito, verifica-se que em diversas zonas do R/C e 1.º piso o soalho encontra-se levantado.
Isto porque:
Por um lado, a Autora, antes da colocação do soalho, deveria ter procedido à limpeza do chão, o que claramente não fez.
Pelo que se detectou a presença de térmitas, caruncho e fungos que infestam a madeira.
Ou seja, não procedeu a Autora, como devia, à prévia desinfestação das estruturas de apoio.
Necessidade da qual não deu sequer a conhecer ao Réu.
Por outro lado, colocou a Autora pladur sobre parede húmida do R/C.
Com efeito, a parede estava húmida antes da entrada da Autora em obra e não diligenciou esta, como deveria ter feito, pelo seu tratamento.
Não tendo a dita parede sido seca, provocou a destruição dos rodapés e, ainda, do chão novo da sala do R/C frente, esquerdo.
Ainda,:
Fechou a Autora, com betão, as aberturas de ventilação ao nível do passeio exterior (na rua).
Além do mais, verificou o Réu que, ao contrário do contratado (cfr. autos finais juntos como Doc. 13/C), não procedeu a Autora à substituição dos rodapés antigos por novos, pelo menos, na sala do R/C frente, esquerdo.
Note-se que já era do conhecimento da Autora que, àquela data, os rodapés antigos da mencionada sala não eram recuperáveis.
O soalho e rodapés da sala do R/C frente, esquerdo, estão, assim, podres.
Os betumes usados pela Autora na recuperação da escadaria do 1.º e 2.º pisos, cujo soalho é o original, estão degradados e apresentam buracos.
E o verniz do 1.º e 2.º pisos, cujo soalho também é o original, carece de correcção.
Verifica-se também uma ausência total dos rufos laterais em toda a cobertura executados sob as telhas tal como ditam as regras da boa arte, pelo que não existe uma estanquidade total do telhado que tinha sido executado, novo, pela Autora.
Por outro lado, a Autora usou parafusos de gesso cartonado – que são usados em interior – a fixar as chapas de revestimento da fachada ondulada da Rua ... e da fachada exterior e, ainda, sem qualquer borracha a impermeabilizar a furação dos mesmos.
O que provocou humidades e infiltrações em diversas zonas da casa.
As pinturas de diversas paredes estão a levantar ou encontram-se rachadas, designadamente na parede do closet, na parede da caixa de escadas, na parede do hall junto aos radiados, nas fachas de rodapé e na parede da cozinha.
Algumas paredes apresentam fissuras.
Algumas faixas de pladur do tecto também se encontram em mau estado, nomeadamente com fissuras, e a necessitar de substituição, como é o caso do tecto em pladur da varanda, que apresenta marcas de infiltração e áreas de podridão, desconhecendo-se, inclusive, a estabilidade das estruturas interiores que sustentam a marquise dos dois quartos de crianças, que, por esse motivo, não estão a ser utilizadas.
Refira-se que existe uma infiltração no tecto da casa de banho do 3.º piso, que, inclusive, danificou o pladur.
Ademais,
O chão de pedra do R/C apresenta-se manchado.
Verifica-se a passagem de ar pelas janelas devido a uma incorrecta vedação e afinação das mesmas.
E, nas janelas do último piso, foi há muito identificada falta de pingadeiras pelo que é necessária a sua colocação, retirar os vidros e recoloca-los.
As caixilharias da cozinha e da sala de jantar permitem a entrada de vento e não isolam, sendo que as demais encontram-se empenadas e as massas das bandeiras encontram-se por pintar.
Algumas juntas do rodapé abriram.
As portas do armário da suite do último piso estão empenadas e a porta do roupeiro do corredor do mesmo piso está desnivelada.
Existem ainda folgas entre as portas anteriores e posteriores dos roupeiros dos quartos pequenos.
O ventilador do R/C colocado pela Autora apresenta problemas, na medida em que faz ruído ao ligar.
Dos trabalhos contantes no ponto 8. dos autos finais juntos como Doc. 13/C, sistema de segurança contra intrusão, que o Réu pagou, na íntegra, à Autora, esta apenas instalou o alarme de intrusão.
Relativamente ao sistema de CCTV (circuito fechado de televisão) previsto no ponto 9. dos autos finais juntos como Doc. 13/C, a Autora limitou-se a montar o sistema, no entanto, não funciona nem foi dada ao Réu qualquer instrução acerca do mesmo.
Por outro lado, não instalou a Autora o detector de gás, o detector óptico de fumos e a base com relé para incêndio previstos nos pontos 8.1.4, 8.1.5 e 8.1.6 dos autos finais juntos como Doc. 13/C, pelos quais o Réu pagou.
Ou seja, existem trabalhos pelos quais o Réu pagou e que a Autora simplesmente não executou.
No que concerne aos trabalhos a mais:
Adjudicou o Réu à Autora “Fornecimento e aplicação de pontos trabalhados de luz em teto, incluindo colagem e pintura dos mesmos”, num total de 9, ao preço unitário de € 53,50, num total de € 481,60 (valor sem IVA) (cfr. autos finais juntos como Doc. 13/B).
No entanto, verifica-se que a Autora ali colocou 9 peças de esferovite, que tão pouco pintou, o que não corresponde ao contratado pelo Réu.
As obras realizadas na moradia do Réu originaram alguns problemas na casa de uma vizinha, cuja reparação o Réu assumiu e contratou à Autora.
Adjudicou o Réu à Autora a remoção do soalho danificado da sala da casa da vizinha, a sua substituição e acabamento (cfr. autos finais juntos como Doc. 13/B).
O que a Autora fez com um custo para o Réu de € 1.437,38 (valor sem IVA).
Acontece que, o referido trabalho foi deficientemente executado pela Autora e o chão da casa da vizinha não tardou em apodrecer.
Pelo que necessário foi reparar novamente o piso da sala da casa da vizinha, o que obrigou à remoção do piso que a Autora havia colocado.
Nesta sequência, teve o Réu de pagar à vizinha o montante de € 1.000,00 para que esta contratasse nova obra de reparação do soalho a terceiros.
Contratou o Réu à Autora a “alteração roupeiro, 4 portas novas lacadas a branco”, pelo preço de € 360,00 (valor sem IVA) (cfr. autos finais juntos como Doc. 13/B).
As anteriores portas dos referidos roupeiros tinham espelhos, sendo que as portas não tinham estrutura para aguentar o seu peso, motivo pelo qual estavam empenadas.
A Autora, ao invés de substituir as portas anteriores por novas, como havia sido contratado, colocou as mesmas portas anteriores, lacadas a branco e sem espelhos.
Portas essas que estão empenadas e não funcionam correctamente.
Em virtude do exposto, Nunca aceitou o Réu os referidos trabalhos a mais mal executados pela Autora, cujos defeitos denunciou, e, consequentemente, o pagamento do preço dos mesmos, num total de € 2.278,98 (valor sem IVA).
Em causa estão defeitos que foram todos e por várias vezes denunciados pelo Réu à Autora.
Alguns desses defeitos a Autora chegou a assumir–prometendo reparar aquando a realização da obra na garagem –, mas nunca reparou.
O Réu, não só denunciou os defeitos, como deu oportunidade à Autora de os eliminar, bem como de terminar a obra.
Ao Réu assistiu justa causa para resolver o contrato.
A factura n.º 2016F/27, no montante de € 3.311,08 diz respeito aos trabalhos descritos nos pontos 11.2.2. e 11.2.4 dos autos finais juntos como Doc. 13/B.
Verifica-se pelo confronto do valor facturado e pelo preço do serviço contratualizado que a Autora facturou a 100% os referidos trabalhos não lhe sendo exigível a manutenção do vínculo contratual com a Autora.
No que concerne à factura n.º 2017F/45, desconhece o Réu a que trabalhos se reporta a mesma.
É o Réu credor da Autora em montantes significativamente superiores aos valores que a Autora aqui lhe peticiona decorrentes dos danos provocados pelo incumprimento contratual desta.
Da cláusula 7.ª do contrato que a própria Autora juntou à Petição Inicial como Doc. 1 RESULTA que as Partes estabeleceram o prazo de pagamento de 15 dias após emissão das facturas.
Sempre se concluindo, a final, nada ter o Réu a pagar à Autora.
Para a eliminação dos defeitos verificados nos trabalhos realizados pela Autora e deles decorrentes e, ainda, com a execução dos trabalhos que a Autora deixou por efectuar, terá o Réu de contratar os serviços de terceiros.
As correcções dos referidos defeitos e a execução do que a Autora não realizou implica a realização dos trabalhos identificados no orçamento da empresa C..., Lda. que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
O referido orçamento apresenta um preço total de € 41.415,06 (valor sem IVA), ao qual é necessário deduzir o valor de € 1.645,28, correspondente ao ponto 1.8., na medida em que está em causa um trabalho extra/novo, que nada tem que ver com a obra realizada pela Autora.
Do referido orçamento é, assim, responsabilidade da Autora a quantia de € 42.155,97 (IVA incluído).
Deve a Autora ser condenada a pagar ao Réu o montante total de € 66.491,86 (sessenta e seis mil quatrocentos e noventa e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida da renda mensal da garagem que o Réu se encontra a suportar até que a obra da mesma fique concluída e, ainda, da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Termina a contestação-reconvenção, nos termos seguintes.
a).Deve a Autora ser condenada a pagar ao Réu o montante total de € 66.491,86 (sessenta e seis mil quatrocentos e noventa e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida da renda mensal da garagem que o Réu se encontra a suportar até que a obra da mesma fique concluída e, ainda, da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
b) Declarar judicialmente resolvido, com justa causa, pelo Réu o contrato de empreitada celebrado com a Autora;
c) Julgar improcedente, por não provada, a presente acção e absolver o Réu dos pedidos formulados pela Autora.
Caso assim não se entenda,
d) Sendo o Réu condenado a pagar à Autora algum montante, declarar tal montante compensado com o crédito do Réu sobre a Autora peticionado em sede de Reconvenção; e
Como quer que seja:
e) Julgar totalmente procedente o pedido reconvencional e, consequentemente:
i.Condenar a Autora a pagar ao Réu a quantia de € 66.491,86 (sessenta e seis mil quatrocentos e noventa e um euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde a data da notificação da Contestação à Autora até efectivo e integral pagamento;
ii.Condenar a Autora a pagar ao Réu o valor da renda mensal da garagem que este se encontra a suportar até que a obra da mesma fique concluída,
iii.Condenar a Autora a pagar ao Réu o valor dos danos que ainda se vierem a apurar, em liquidação de sentença, ser da sua responsabilidade, porque decorrentes dos defeitos que lhe são imputáveis, bem como os custos que o Réu vier a ter de suportar durante o período da realização das obras de reparação de todos os defeitos e termo dos trabalhos caso se veja obrigado a ausentar-se da habitação e a remover o seu recheio;
iv.Condenar a Autora a entregar ao Réu as telas finais da obra

Foi apresentada réplica, na qual, a autora impugnou os factos os factos alegados pelo réu nos artigos 90º e 178º da Contestação/Reconvenção pois todos os trabalhos faturados foram executados pela A., impugnou o artigo 179º, porque todos os defeitos denunciados pelo R. foram corrigidos pela A. enquanto esta esteve na obra.
Alega que a A. iria corrigir outros defeitos denunciados posteriormente pelo R. quando reentrasse na obra, após obtenção da referida licença camarária, tal como ficou acordado com o R. (Doc. 14 da Contestação/Reconvenção).
Existem, no entanto defeitos que a A. não assume, nomeadamente os danos provocados pela existência de térmitas, caruncho e fungos.
Diga-se que estes danos que foram provocados pela existência de térmitas, caruncho e fungos e apenas o foram por culpa do R. que não quis suportar o preço da desinfestação, sendo certo que este ponto não estava orçamentado.
Este serviço foi realizado e faturado através da emissão da fatura nº 2016F/27 de 09.09.2016 no valor de 3.311,08€ e não foi pago pelo R. (Doc. 3 junto na Petição Inicial).
E como o R. não pagou, a A. não terminou a obra nem eliminou os defeitos, à exceção de alguns que a A, considerou serem mais gravosos, como sendo a questão relacionada com a caldeira que mais à frente será explicada.
Significa que o R. não deu oportunidade à A. para corrigir os defeitos, sendo certo que esta sempre disse que os eliminaria.
E, se pretende o R. utilizar serviços de terceiros sibi imputat, porque rescindiu o contrato de empreitada com a A. ilegalmente, pelo que se impugnam os artigos 180º a 182º da Contestação/Reconvenção.
Prossegue e impugna os demais factos alegados para suportar a versão dos factos vertida na contestação.

Findos os articulados, convocada que foi a audiência prévia, foi admitida a reconvenção e foi proferido despacho saneador com fixação do objeto do litígio e fixação dos temas de prova, reproduzindo-se aqui os temas de prova fixados:
“Temas da prova (art. 596 nº 1 do Código de Processo Civil):
Estando em causa a apreciação do contexto em que foi (foram) celebrado(s) o(s) contrato(s) e relações técnicas entre autora e réu e incidências durante a sua execução, no essencial e sem prejuízo de todos os demais factos instrumentais constantes dos articulados das partes que se mostrem com relevo para a decisão a proferir, é a seguinte, também apenas no essencial, a matéria de facto que constitui tema de prova:
- Apurar o contexto fáctico em que autora e réu terão celebrado o contrato de empreitada alegado na petição inicial, bem como apurar se em cumprimento do mesmo estão em dívida as quantias peticionadas pela autora e tituladas pelas facturas que identifica;
- Apurar o contexto fáctico, dinâmica e negociações entre as partes que levaram à outorga do contrato, bem como posteriores acordos que identificam como trabalhos a mais;
- Apurar a dinâmica e modo como decorreu a execução dos trabalhos contratados e/ou acordados, nomeadamente atrasos e/ou incorrecções na sua execução (que identificam como defeitos de obra);
- Apurar se, em consequência de erros na execução da(s) obra(s) e/ou atrasados imputáveis à autora, o réus sofreu os prejuízos que elenca e nos valores reclamados.

Agendado o julgamento, a autora apresentou no dia 3.11.2022 articulado superveniente no qual, no tocante aos defeitos invocados pelo Réu, consubstanciados em parte na existência de humidade e infiltrações provocadas pela não estanquidade (sic) total do telhado, na medida em que, alegadamente o telhado construído pela Autora não impedia a passagem de água e que essa era a causa das infiltrações e humidade existentes na sua casa, a autora alegou que em Agosto/22 soube que a causa das infiltrações e humidade tem a ver com o tubo de queda que existe no saguão do edifício vizinho e que está em contacto directo com a parede cega sul dessa moradia do Réu e que faz o escoamento das águas residuais das instalações sanitárias localizadas nessa prumada
Esse tubo de ferro encontra-se extremamente enferrujado, com buracos e fissuras e completamente permeável, e aquando da sua remoção partiu em várias secções o que atesta a fragilidade do material
O pavimento do saguão encontra-se acabado em argamassa simples, sem impermeabilização ou revestimento cerâmico e que através das fotografias juntas com o articulado superveniente pode ver-se que existe água no pavimento, marcas de absorção de água no pavimento e betonilhas degradadas com fissuras e marcas de humidade.
Para além de que no pavimento do saguão existem caixas de visita fundas e com falta de impermeabilização, certamente fonte das infiltrações de água para os pavimento contíguos.

Na sessão de julgamento realizada a 7.11.2022 foi proferido em ata o seguinte despacho, o qual, foi transcrito posteriormente:
“Transcrição do despacho proferido em acta no dia 07/11/2023
“Relativamente ao articulado superveniente:
O artº 588º do CPC dispõe que, “Os factos constitutivos, modificativos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior, ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão e que são considerados supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados para a apresentação dos articulados normais da ação como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.
Assim, quanto à tempestividade, o timing do oferecimento deste novo articulado, seria na audiência prévia, quanto aos factos ocorridos até então, ou nos dez dias posteriores à notificação da data da designação da data para a realização da audiência de julgamento, neste caso, a notificação foi a 02-05-2022. Quando não se tenha realizado a audiência prévia e os factos acorrerem ou a parte deles tiver conhecimento em data posterior às anteriormente referidas.
No caso, a Autora, relativamente aos factos que alega, que teve conhecimento dos mesmo em agosto e, portanto, verifica-se a tempestividade deste articulado superveniente.
Por outro lado, na sequência da reconvenção, a Autora apresenta a réplica, e nesta, não deduz factos propriamente modificativos. Os fatos que, na replica alega são de assunção e de impugnação, não há exceções.
A lei é clara nesse sentido, e a jurisprudência também, e eu cito aqui o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021, processo nº 2632/18.0T8BCR.1 e até inclusive um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-10-2016, processo nº 469/12.6TBLSB-A.1, para além de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código Processo Civil anotado II, na 4ª edição, página 614. Lebre de Freitas diz que os factos supervenientes têm que ter eficácia no âmbito das situações jurídicas controvertidas de acordo com as normas de direito substantivo aplicadas ao caso concreto.
Relativamente a estes dois acórdãos que citei, os factos a alegar como supervenientes, têm que ser factos essenciais. O artigo 588º, nº 1 ao falar de factos constitutivos, modificativos ou extintivos, refere-se a facto essenciais e os ora alegados, entendemos que serão, quando muito, instrumentais ou complementares, não têm essa qualidade (além de não carecerem de alegação para serem
tidos em consideração). Só esses, aliás como refere o nº 2 do artigo 611º, tem, segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
Portanto, como eu disse, são objeto do articulado superveniente os factos constitutivos do direito do autor, ou do réu, nas ações de simples apreciação negativa, e os factos extintivos e modificativos integrantes das exceções apostas pelo autor.
Ora, entendemos nós que, não foram antes invocados estes factos extintivos ou modificativos, ou se o foram com determinado fundamento legal.
Em relação a estes factos essenciais designadamente…, recordo-me que, quanto às infiltrações, a autora impugna e não as aceita - simplesmente não aceita que os defeitos da obra causem infiltrações (com exceção obviamente daquela infiltração que é referida como sendo o resultado de uma situação muito específica).
Também estamos a falar do ónus da prova, a prova da justa causa passa a ser do autor, na sequência da resolução que foi feita.
Mas a Autora, faz só impugnação dos factos.
Obviamente, que temos aqui a presunção de culpa que incide sobre empreiteiro, e a ilisão que possa ocorrer.
Mas a verdade é que os factos concretos alegados como supervenientes e como causa das infiltrações de água – a situação do saguão e do tubo de queda que, entretanto, foi retirado da casa vizinha - não são factos essenciais, mas também não um facto que tenha influência na relação controvertida - que é verificar, se existe ou não justa causa de resolução, que pressupõe incumprimento pois já está declarada a resolução.
Na presente ação só se discute se a justa causa existe ou não e se existe imputabilidade ou não. No caso, o ónus da prova inverte-se, ou seja, não há aqui que atender á presunção de culpa (aliás há jurisprudência nesse sentido).
Como tal o tribunal entende que os factos alegados no articulado superveniente, são instrumentais, complementares, não conduzindo a uma conclusão de direito que determine a procedência ou improcedência da ação e/ou que possam levar á demonstração de factos essenciais.
Como tal, o tribunal rejeita liminarmente o articulado superveniente com esses fundamentos.”

Inconformada, a autora apelou e concluiu:
I- A Meritíssima Juiz a quo rejeitou liminarmente o articulado superveniente deduzido pela Autora com fundamento na impertinência dos factos alegados naquele articulado
II- O legislador não esclareceu em que termos deve ser entendida a manifesta falta de interesse à boa decisão da causa, cabendo ao julgador decidir caso a caso
III-A rejeição liminar do articulado superveniente só deve ser decidida quando os factos alegados não relevem para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito
IV-Nos presentes autos o Réu deduziu reconvenção peticionando a condenação da Autora em indemnização de valor correspondente ao que despendeu com a eliminação dos defeitos existentes na obra que atribui à Autora
V-Entre esses defeitos invocados pelo Réu, avulta a existência de humidade e infiltrações provocadas pela não estanquicidade do telhado construído pela Autora
VI- No articulado superveniente a Autora alega factos de onde decorre que essas infiltrações e humidades são consequência da existência de um tubo de queda de águas residuais no saguão do edifício vizinho e que está em contacto directo com a parede cega sul da moradia do Réu
VII- Tubo de ferro esse que está extremamente enferrujado, com buracos e fissuras e completamente permeável e que aquando da sua remoção partiu em várias secções o que atesta a fragilidade do material
VIII- E que o pavimento do saguão encontra-se acabado em argamassa simples sem impermeabilização ou revestimento cerâmico e que através das fotografias juntas com o articulado superveniente pode ver-se que existe água no pavimento, marcas de absorção de água no pavimento e betonilhas degradada com fissuras e marcas de humidade.
IX- Para além de que no pavimento do saguão existem caixas de visita fundas e com falta de impermeabilização, certamente fonte de infiltrações de água para as paredes contíguas
X- Todos os factos alegados no articulado superveniente têm manifesto interesse para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito
XI- São factos novos essenciais que correspondem a uma excepção de direito material modificativo do direito do Réu deduzido na reconvenção
XII- A Autora não obstante apenas tendo deduzido impugnação na réplica não vê precludido o seu direito de em articulado superveniente alegar novos factos essenciais de que só agora teve conhecimento e que constituem excepção de direito material, factos esses modificativos do direito do Réu invocado na sua reconvenção
A douta sentença a quo desaplicou o disposto no nº4 do art. 588º do C.P.Civil
Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas suprirão peticiona a revogação da douta decisão a quo com as consequências legais.
Foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A questão colocada traduz-se em apreciar se os factos alegados no articulado superveniente têm manifesto interesse para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, concretamente, apreciar e decidir se tais factos são factos novos essenciais que correspondem a uma excepção de direito material modificativo/extintivo do direito do Réu deduzido na reconvenção.
III.APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO.
3.1. Os factos que relevam foram por nós vertidos no relatório.
3.2. Como resulta da delimitação do objecto do recurso acima exposta, a questão que se nos coloca é apenas a que se refere à admissibilidade do referido articulado superveniente deduzido pela Autora –recorrente e que foi rejeitado liminarmente nos termos do artigo 588º, n.º 4, do CPC.
Vejamos.
O citado artigo 588º, do CPC, prevê, no que releva ao caso, o seguinte:
“1 – Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitam, até ao encerramento da discussão.
2 – Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha tido conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 – O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;(…)
4 – O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 – As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.”
Como é consabido, o artigo 611º, n.º 1, do CPC, prescreve que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à instauração da acção, de modo que a decisão final corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Naturalmente, o modo «normal» de o tribunal aceder a tais factos é o de as partes os alegarem, sendo que, por princípio, o momento temporal da alegação é o da apresentação dos articulados. Portanto, por princípio, todos os factos constitutivos do direito do autor têm de ser invocados na petição inicial e todos os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do seu direito têm de ser invocados pelo réu na contestação, em conformidade, aliás, com o princípio da auto-responsabilidade das partes, da preclusão e da concentração da defesa na contestação e, em última instância, em conformidade com o princípio do dispositivo, no sentido de que é às partes que incumbe o ónus de trazer ao processo o quadro factual essencial à decisão do litígio.
Pode, porém, suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram depois de oferecida a petição inicial, assim como é possível que determinados factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor só ocorram depois de oferecida a contestação (superveniência objectiva); por outro lado, é ainda possível que determinados factos constitutivos do direito, apesar de ocorridos antes da propositura da acção, venham ao conhecimento do autor após aquele articulado inicial, assim como é possível que determinados factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, apesar de ocorridos antes da contestação, apenas venham ao conhecimento do réu já após o oferecimento de tal articulado de defesa (superveniência subjectiva).
Face ao prescrito no já citado artigo 611º, impõe-se, assim, neste contexto, à parte interessada carrear para o processo tais factos (objectiva ou subjectivamente supervenientes), sendo essa, precisamente, a função do articulado superveniente, como decorre do consignado no n.º 1 do citado artigo 588º.
Importa, todavia, distinguir os vários momentos processuais fixados na lei para a admissibilidade do articulado superveniente.
Assim, se o processo admitir o articulado réplica (como ora sucede, pois que o Réu deduziu pedido reconvencional – cfr. artigo 584º, n.º 1, do CPC) e os factos constitutivos do direito ocorrerem ou chegarem ao conhecimento do autor depois de apresentada a petição inicial, mas ainda a tempo de serem incluídos na réplica, é em tal peça que essa alegação deve ter lugar, valendo a réplica como o articulado posterior a que se refere o n.º 1 do artigo 588º.
Por seu turno, se o processo não comportar réplica (como sucede hoje, como regra geral) ou, mesmo admitindo-a, os factos constitutivos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte depois de oferecida a réplica, no caso do autor, ou se os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito feito valer em juízo ocorrerem ou chegarem ao conhecimento do réu depois de apresentada a contestação, a alegação de tais factos supervenientes deve fazer-se em novo articulado, nos termos consignados no artigo 588º, n.º 3, ou seja:
a) Se houver lugar à audiência prévia e os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte até ao seu encerramento, será nesta diligência judicial que o novo articulado deve ser apresentado;
b) Se não houver lugar à audiência prévia, o novo articulado deve ser apresentado nos 10 dias contados da notificação da data designada para a realização da audiência de julgamento;
c) Se houver audiência prévia e os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte após o respectivo encerramento, será no início da audiência de julgamento que o novo articulado deve ser deduzido;
d) No caso previsto em b), se os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte depois de decorrido o prazo ali indicado (10 dias após a notificação da data do julgamento), será também no início da audiência que o novo articulado deve ser oferecido;
e) Por último, se os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte interessada depois de iniciada a audiência de julgamento será no decurso desta (e até ao encerramento da discussão) que deverá ser deduzido o novo articulado.
Dito isto, importa, ainda, relativamente ao autor, ter em consideração que, segundo a posição da maioria da doutrina e se mostra aceite pela própria Recorrente, os factos constitutivos cuja alegação superveniente se prevê no artigo 588º tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efectiva alteração ou modificação da causa de pedir inicial (ampliação da causa de pedir), o que vem a significar que, demonstrada pela parte interessada a superveniência (objectiva ou subjectiva), a mesma é o bastante para afastar as restrições fixadas pelo artigo 265º, do CPC ao nível da alteração da causa de pedir.
Neste sentido, pode o autor, neste específico condicionalismo, através dos novos factos supervenientes completar ou alterar a causa de pedir inicial, nomeadamente, ampliando-a mediante a alegação de outra causa de pedir, sem carecer, para tal, do acordo do réu ou, ainda, independentemente de a mesma resultar de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, nas condições do citado artigo 265º, n.º 1, do CPC.
Dito isto, importa, no entanto, ter presente que é sempre suposto que o articulado superveniente seja admissível, no sentido de estarem reunidas as condições legais para a sua admissibilidade e, em particular, é suposto que a parte interessada faça prova da superveniência objectiva ou subjectiva dos factos em causa e de que o articulado foi oferecido nos momentos processuais fixados na lei. Em suma, dir-se-á, como refere Francisco Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 168, “Supervenientes são, não só os factos que tenham ocorrido em datas posteriores às previstas para a apresentação dos articulados normais (ou eventual) – superveniência objectiva -, como também os factos ocorridos anteriormente a essas datas, mas nesta segunda hipótese, de que a parte só tenha tomado conhecimento depois de expirados esses prazos – superveniência subjectiva (nesta segunda hipótese, exige a lei prova da superveniência – cfr. n.º 2 do artigo 588º).”
Aqui chegados, vejamos o caso dos autos e, em particular, o requerimento deduzido pela A. com data de 3.11.2022, sendo certo que, em nosso ver, o Tribunal a quo não fez a melhor análise de tal requerimento, na parte em que considerou e passamos a reproduzir.
“(…)
Mas a Autora, faz só impugnação dos factos.
Obviamente, que temos aqui a presunção de culpa que incide sobre empreiteiro, e a ilisão que possa ocorrer.
Mas a verdade é que os factos concretos alegados como supervenientes e como causa das infiltrações de água – a situação do saguão e do tubo de queda que, entretanto, foi retirado da casa vizinha - não são factos essenciais, mas também não um facto que tenha influência na relação controvertida - que é verificar, se existe ou não justa causa de resolução, que pressupõe incumprimento pois já está declarada a resolução.
Na presente ação só se discute se a justa causa existe ou não e se existe imputabilidade ou não. No caso, o ónus da prova inverte-se, ou seja, não há aqui que atender á presunção de culpa (aliás há jurisprudência nesse sentido).
Como tal o tribunal entende que os factos alegados no articulado superveniente, são instrumentais, complementares, não conduzindo a uma conclusão de direito que determine a procedência ou improcedência da ação e/ou que possam levar á demonstração de factos essenciais.
Como tal, o tribunal rejeita liminarmente o articulado superveniente com esses fundamentos.”

Analisados os autos resulta dos articulados que as partes estão de acordo que entre elas foi celebrado um contrato havido entre os Autores e a Ré como contrato e empreitada, resultando que as questões controvertidas respeitam, entre o mais, à apreciação e decisão sobre a existência dos defeitos na obra executada pela autora a pedido do réu e que alegadamente foram denunciados pelo Réu.
Ora, é pacífico, mesmo indiscutível, que o ónus da prova da existência dos defeitos recai sobre o dono da obra (aplicando-se a regra geral do art. 342.º, n.º 1 do CC).
Contudo, e quanto à causa dos defeitos, já não cumpre ao dono da obra prová-la, e muito menos obviamente as causas técnicas dos defeitos.
Com efeito, «o dono da obra não tem (…) de provar que o defeito, oculto à data da entrega da obra, que nesta se vem a verificar, se deve à execução da empreitada, à conceção do projeto ou à implantação deste no solo: apenas lhe cabe provar a existência do defeito, na parte do prédio em que interveio, e a sua gravidade. O resto, isto é, a prova dos factos excludentes da responsabilidade do empreiteiro pelo facto danoso assim verificado, é com o empreiteiro. O entendimento inverso (ao dono da obra caberia provar, não só o defeito da obra na sua expressão material, mas também aquilo que a originou a fim de se determinar se é ou não imputável ao empreiteiro) levaria, sem qualquer justificação racional, a onerar o credor com uma prova que, nos termos gerais, não lhe cabe suportar» (Lebre de Freitas, «O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil; o Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos», Estudos sobre o Direito Civil e o Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, págs. 191-244, designadamente pág. 202 - com bold apócrifo -, também publicado em O Direito, 1999, I e II, págs. 231-281).
Pode, pois, afirmar-se que é hoje consensual na doutrina e na jurisprudência que, em caso de incumprimento defeituoso da prestação, incumbe ao dono da obra a prova da existência do defeito, enquanto incumbe ao empreiteiro a prova de que o defeito não deriva de má execução da obra [1]
As desconformidades traduzem-se em desvios ao projeto de obra, expressa ou tacitamente convencionado. Nestes casos, o defeito resulta do facto do empreiteiro realizar obra diferente da que foi estipulada, independentemente de qualquer exclusão ou redução do seu valor, ou da adequação do fim a que se destina.
Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato. Essas deficiências na estrutura de composição da obra para relevarem como defeitos, têm de provocar uma exclusão ou redução do valor daquela, ou da sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, podendo ocorrer estas duas consequências em simultâneo.
O cumprimento defeituoso da obrigação de realizar a obra, como fundamento de responsabilidade civil contratual, pressupõe a culpa (salvo casos excecionais de responsabilidade objetiva), que consiste na imputação da conduta violadora do dever de cumprimento ao obrigado, num juízo ético de censura.
Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, ou seja, o Réu, beneficia da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos atos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC).
Portanto, quando não se mostre excluída a relevância da culpa do empreiteiro na realização da obra com defeitos, esta presume-se, como acontece na responsabilidade contratual.
Ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum.
Assim, para afastar tal presunção o empreiteiro terá que provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra.

Feitas estas breves considerações, no caso em apreço, porque o despacho julgou tempestivo o articulado superveniente e apenas está impugnada a parte em que o tribunal rejeitou liminarmente o articulado superveniente deduzido pela Autora com fundamento na impertinência dos factos alegados naquele articulado, importa apreciar e decidir se os factos alegados naquele aticulado são impertinentes para a decisão da causa.
Vejamos.
Assim, na contestação entre os defeitos invocados pelo Réu, avulta a existência de humidade e infiltrações provocadas pela não estanquicidade do telhado construído pela Autora
No articulado superveniente a Autora alega factos de onde decorrerá que essas infiltrações e humidades são consequência da existência de um tubo de queda de águas residuais no saguão do edifício vizinho e que está em contacto directo com a parede cega sul da moradia do Réu, tubo de ferro esse que está extremamente enferrujado, com buracos e fissuras e completamente permeável e que aquando da sua remoção partiu em várias secções o que atesta a fragilidade do material. E que o pavimento do saguão encontra-se acabado em argamassa simples sem impermeabilização ou revestimento cerâmico e que através das fotografias juntas com o articulado superveniente pode ver-se que existe água no pavimento, marcas de absorção de água no pavimento e betonilhas degradada com fissuras e marcas de humidade. Para além de que no pavimento do saguão existem caixas de visita fundas e com falta de impermeabilização, certamente fonte de infiltrações de água para as paredes contíguas.
Ora, afigura-se-nos que esses factos alegados no articulado superveniente têm manifesto interesse para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito porquanto a autora através dos factos alegados no AS pretende alegar e provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento.
São factos novos essenciais que correspondem a uma excepção de direito material modificativo-extintiva do direito do Réu deduzido na reconvenção.
Tudo visto e ponderado, importa portanto reconhecer que à apelante assiste razão no recurso interposto, não dispondo em rigor o Mmº Juiz a quo de fundamento legal pertinente que obrigasse à rejeição do articulado superveniente.
Destarte, a apelação procede in totum, devendo o tribunal a quo proferir decisão liminar de admissão do articulado superveniente, e, consequentemente, aditar um tema que inclua os factos nele alegados que possam interessar à boa decisão da causa.
Concluindo (cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
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IV. DECISÃO.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela autora, revogar o despacho recorrido, determinando que tribunal o quo proferira decisão que admita o articulado superveniente, com o subsequente aditamento aos temas de prova dos factos pertinentes nele alegados e que possam interessar à boa decisão da causa .
Custas da apelação, pela parte vencida, a final.

Porto, 20.04.2023
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
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[1] Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, págs. 356 a 359; João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2.ª edição, Almedina, págs. 76 e 77; e Rui José Simões de Sá Gomes, «Breves Notas sobre o cumprimento defeituoso no contrato de empreitada», AV BVO AD OMNES, 75 anos da Coimbra Editora, págs. 605 e 606. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 05.07.2012, Salazar Casanova, Processo n.º 2722/03.5TCSNT.L1.S1, e Ac. da RC, de 24.12.2015, Maria João Areias, Processo n.º 735/11.2TBFND.C1.