Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
593/22.1T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
APROPRIAÇÃO DE QUANTIA
Nº do Documento: RP20240222593/22.1T8PFR.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
II - No recurso sobre a decisão da matéria de facto, em caso de dúvida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
III - O Tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al. e), do nº 1, do art. 615.º do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 593/22.1T8PFR.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra BB e CC, pedindo a condenação dos réus:
a) A restituir solidariamente à autora €24.000,00, quantia acrescida dos juros moratórios calculados à taxa legal dos juros civis, desde a data em que foi retirada da conta bancária tal quantia até efetivo e integral pagamento.
b) A pagar solidariamente à autora as quantias que se venham a apurar respeitantes à variação dos preços dos materiais de construção que ainda faltem aplicar em obra.
c) A pagar solidariamente à autora os custos e encargos que esta tiver que suportar junto do Banco 1... decorrentes do incumprimento do contrato de mútuo, na eventualidade de este vir a ocorrer, na medida do que resultar em sede de liquidação de sentença, por consequência direta e necessária do comportamento dos réus.
A ré CC apresentou contestação, na qual alegou que foi alheia à transferência do dinheiro para a sua conta e nunca se chegou a apropriar ou a beneficiar do mesmo, tendo ele saído da sua conta nos dias seguintes.
O réu BB, por sua vez, apresentou contestação, alegando que retirou o dinheiro da conta bancária para se pagar do trabalho realizou durante a realização das obras, das suas despesas e do dinheiro com que contribuiu para adquirir o imóvel objeto das obras.
Deduziu ainda reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
a) Ser reconhecida a existência de melhoramentos/benfeitorias no prédio propriedade da A. realizadas com capitais próprios do Réu reconvinte e do seu trabalho;
b) Ser reconhecido ao réu reconvinte o direito de ser ressarcido por força do enriquecimento injustificado da autora no valor de, pelo menos, 24.000,00€;
c) Ser a autora condenada no pagamento ao aqui réu reconvinte de 24.000,00€, sem prejuízo de valor superior que se venha a apurar em liquidação de sentença, acrescido de juros moratórios civis, a contar da data da citação da presente reconvenção até ao seu efetivo pagamento.
A autora apresentou réplica.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:
“Em face do exposto:
a) Decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
- Condenar o primeiro réu a restituir à autora o montante de vinte e quatro mil euros, quantia acrescida dos correspondentes juros moratórios à taxa legal desde a data da retirada de tal quantia da conta bancária titulada pela autora e pelo primeiro réu, até efetivo e integral pagamento;
- Condenar o primeiro réu no pagamento à autora das quantias que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença respeitante à variação dos preços dos materiais de construção que ainda faltem aplicar na obra;
- Absolver o primeiro réu do demais contra si peticionado;
- Absolver a segunda ré de todos os pedidos contra si formulados;
- Condenar a autora e o primeiro réu no pagamento das custas processuais na medida dos respetivos decaimentos, que fixo, para a autora, em 10 % e, para o réu, em 90 %, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
b) Decido julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência:
- Absolvo a autora dos pedidos reconvencionais contra si formulados;
- Condeno o primeiro réu no pagamento das custas processuais respeitantes à reconvenção, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”.
*
Não se conformando com o assim decidido, veio o réu BB interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a ação dos autos parcialmente procedente, condenando o 1º Réu:
I. a restituir à Autora o montante de vinte e quatro mil euros, quantia acrescida dos correspondentes juros moratórios à taxa legal, desde a data da retirada de tal quantia da conta bancária, titulada pela Autora e 1º Réu, até efetivo e integral pagamento;
II. no pagamento à Autora das quantias que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença respeitante à variação dos preços dos materiais de construção que ainda faltem aplicar na obra;
III. E julgando improcedente o pedido reconvencional formulado pelo 1ª Réu contra a Autora.
2. O Apelante não concorda com os fundamentos de facto e de direito que sustentam a Douta decisão proferida e considera que a mesma advém de uma errada apreciação da prova produzida e com o consequente erro de julgamento, e, do mesmo modo, uma desadequada subsunção jurídica dos factos e aplicação do direito, desde logo porque não teve em devida linha de conta toda a prova carreada aos presentes autos, nomeadamente a prova testemunhal – a qual, quanto a nós valorou de forma desadequada.
3. Concretamente na instrução da matéria factual plasmada nos factos nºs 10, 11, 17, 18, 26, 27, 28 e 31, os quais, deverão ser considerados não provados ou parcialmente não provados.
4. Os concretos meios probatórios cujo reexame se solicita a este Venerando Tribunal da Relação, e que impunham decisão diversa da proferida são os que se passam a elencar:
Depoimentos testemunhais:
a. DD, prestado em audiência de julgamento 27-03-2023, início: 11:32:20 e fim 27-03-2023 11:40:57 gravado no ficheiro 20230327113218_3805666_2871691
b. EE, depoimento produzido em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 14:26:31e fim 14:39:28 gravado no ficheiro 20230327142629_3805666_2871691
c. FF, depoimento produzido em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 14:44:44 e fim às 14:58:02 gravado no ficheiro 20230327144442_3805666_2871691
d. GG, depoimento produzido em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 14:58:49 e fim às 15:09:56 gravado no ficheiro 20230327145846_3805666_2871691
e. HH, depoimento produzido em audiência de julgamento de 27-03-2023 com início às 15:10:48 e fim às 15:21:20 gravado no ficheiro 20230327151045_3805666_2871691
f. II, depoimento produzido em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 15:22:16 e fim às 15:34:03 gravado no ficheiro 20230327152214_3805666_2871691
Declarações de Parte:
g. Da Autora AA, prestadas em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 10:00:05 e fim às 10:05:12
h. Do 1º Réu BB, prestadas em audiência de julgamento de 27-03-2023, com início às 10:15:38 e fim às 10:55:47
5. É flagrante a falta de rigor impressa na decisão em crise, quanto ao facto provado 1.), em que refere que a Autora e Réu namoraram durante oito anos e que tinham intenção de casar. Apesar de este facto ser verdadeiro, necessitaria de um enquadramento cronológico para que revestisse relevância para os restantes factos.
6. A história do casal, apesar de ter durado oito anos, apenas releva caso coincida com o período temporal do contrato de financiamento à construção junto de uma instituição bancária, e com o intuito de reabilitar um imóvel. Doutro modo, tal factualidade é deserta de sentido, devendo dar-se por não escrita, por dela nenhum facto relevante se poder concluir, mesmo em conjugação com os restantes.
7. A. e o 1º Réu celebraram um contrato de empreitada (facto nº 10), com prova documental nos autos, mas o mesmo não acontece com o facto nº 11, que tenham contratado outras especialidades, porquanto não existe qualquer suporte documental nos autos.
8. Rezam as regras da experiência comum que, caso o casal tivesse contratado qualquer especialidade de obra, era imperioso terem sido adjudicados tais serviços e, consequentemente, terem sido pagos os mesmos, o que não sucedeu, ou pelo menos, não foi feita prova cabal dessa realidade, por falta de elementos que o comprovem.
9. Inexiste no processo, demonstração documental para dar como provado o teor do facto nº 11, razão pela qual, deve ser retirado do elenco dos factos provados e incluído na listagem dos não provados.
10. Confirma o Tribunal a quo que, nem todos os orçamentos de fls. 60 e seguintes, integram o contrato de empreitada.
11. Mas mais que isso, nenhuma prova foi feita de qual o quantitativo - se mais, se menos, se equivalente ao valor da última tranche, que o banco creditou na conta conjunta de A. e 1º R.,
12. Se se atentar ao teor das declarações de parte do 1º Réu, fica esclarecida a questão que parte do dinheiro seria para esse fim, mas já não em que medida, determinação essa que o Tribunal a quo, por dever de ofício, e antes de se pronunciar quanto à matéria de facto, teria de averiguar, para que pudesse decidir em consciência sobre a matéria de facto elevada ao estatuto de factualidade provada.
13. Atendendo à falta de rigor no apuro do valor a pagar na especialidade de caixilharia, não podia o Tribunal dar como provado o facto de que a obra não avançou, por causa dessa pretensa falta de pagamento.
14. A Autora nenhuma prova carreou aos autos de quais as faturas que efetivamente se encontram por pagar. Nada consta dos autos que pudesse conferir certeza à circunstância de, à data da transferência da última tranche – agosto de 2021, existirem pagamentos por efetuar, da parte do casal. Motivo pelo qual não há incumprimento.
15. O motivo que levou ao facto de não terem sido executados mais trabalhos ou obras ou aplicados mais materiais, não foi a falta de pagamento (não demonstrada nos autos), foi sim porque o 1º Réu deixou de os fazer. É esta a realidade que deve ser comprovada. Nem era expectável que o fizesse!!!
16. Estranho seria se, depois de concretizada a rutura do casal, o 1º Réu ainda contribuísse de algum modo para o pagamento das obras, quer através da força do seu trabalho, quer através de quantias monetárias depositadas na conta em apreço nos autos,
17. Eivada de incerteza toda esta realidade, os factos 17, 18 e 19 deverão ser transferidos para o elenco dos factos não provados.
18. Por outro lado, o Tribunal reconheceu que o 1º Réu transferiu para a conta conjunta, mensalmente, 200,00€ durante, pelo menos, nove meses do ano de 2016 (cfr. Facto provado 23º) e ainda que a autora admitiu que pagou uma parte, mas apenas uma parte, do preço da compra do imóvel (veja-se o teor da escritura de compra e venda de fls. 99 verso e seguintes) com dinheiro retirado da conta conjunta, motivo pelo qual deverá tal factualidade ter-se por provada (cfr. facto nº 24).
19. Ou seja, admitiu que a compra do imóvel contou com dinheiro do 1º Réu.
20. Mais uma vez, tal facto apesar de ter sido demonstrado, quer com recurso aos extratos da conta conjunta do casal, quer através das declarações de ambos, nesse sentido, certo é que nenhum efeito útil trouxe aos presentes autos, em benefício do 1º Réu, o que se afigura de inaceitável, contrariando a justiça no caso em concreto.
21. Assim, impõe-se dar por certa, a necessidade do acerto de contas, desde sempre reclamado por este.
22. Apesar deste facto estar no elenco dos provados, e que corrobora a versão que desde sempre o 1º Réu sustentou, tal não se vislumbrou suficiente para efetuar o merecido ajuste de contas.
23. A Autora reconheceu que o seu imóvel, fruto das obras de beneficiação de que foi alvo, foi valorizado, de tal modo, que o bem efetivamente passou a valer quase dez vezes mais.
24. Com o reconhecimento de que o imóvel, pertença da Autora, beneficiado com as obras realizadas, passou a valer € 200.000,00, deveria o Tribunal apreciar tal facto como confessório, fazendo proceder o pedido reconvencional formulado nos presentes autos, o que não sucedeu.
25. Aliás, tal prova declaratória, acompanhada de presunções judicias, ou mesmo, através das regras de experiência comum, a par de outros meios de convencimento do tribunal, estariam aptos a ser instrumentos de formação da convicção de que a Autora se locupletou à custa do 1º Réu.
26. Ao invés, apenas houve, da parte do Tribunal a quo, uma recusa em valorar tal declaração confessória, desfavorável à depoente, o que implicou, desde logo, uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas.
27. Do cotejo dos extratos da conta conjunta de 2017/07/03 a 2017/09/29 verifica-se o seguinte: Nos dias 03 e 04 de agosto de 2017 foi transferida a quantia global de € 10.000,00 da conta conjunta para uma conta pessoal da Autora, e não conforme redação dada ao facto provado nº 25.
28. O Tribunal a quo como provado que o 1º Réu utilizava o montante depositado na conta conjunta para despesas do seu dia-a-dia, cfr art.28.
29. Tal afirmação é tão tendenciosa que merece censura exemplar, e da parte do Tribunal ad quem.
30. Resulta consensual que todas as contas que ambos tinham à data em que foi contraído o empréstimo de financiamento de obras, foram canceladas. Em face desse cancelamento, a única que existia era a que se encontrava associada a este contrato de financiamento.
31. Nada mais normal, na vida de um casal, com projetos de vida em comum (designadamente reabilitação de uma casa de morada de família), terem todas as suas economias conjugadas na mesma conta, o que sucedeu, de facto.
32. E em compaginação com as declarações de parte, do teor dos extratos da conta conjunta surge uma realidade natural de que, quem tinha acesso à conta (Autora e 1º Réu), pagaria as suas despesas do dia-a-dia, indistintamente, quer fosse para proveito comum do casal, quer fosse para proveito próprio. Até porque aquela conta era a única que ambos tinham.
33. Face ao acima exposto, não pode aquele facto, artigo 28, ser aduzido aos provados, sob pena de se estar a penalizar desmesuradamente o 1º Réu, sendo certo que, de acordo com as regras da experiência comum, o normal é que ambos usem a conta indistintamente.
34. Entendeu o tribunal onerar a condenação do Réu no pagamento tendo em conta que a “obra ficou parada antes do início da guerra na Ucrânia, em Fevereiro de 2022, e que, desde então os preços têm sofrido sucessivas subidas, não sendo previsível qualquer descida de preço num futuro próximo, dada a sua notoriedade, consideramos inevitável que, quando a obra for retomada, os trabalhos que ainda falta executar terão custos acrescidos, embora ainda não seja possível aferir o concreto valor desse acréscimo”.
35. Mas incumbia à Autora alegar e demonstrar quais os trabalhos que ainda falta executar, sob pena de se passar um cheque em branco, na condenação a liquidar em execução de sentença.
36. Porque na verdade, em momento algum ficam esclarecidos quais os trabalhos executados, quais os preços, quais as entidades que os levaram a cabo, e muito menos quais os serviços que ficaram por prestar, para concluir a obra.
37. Assim sendo, seria uma clara futurologia que, a partir do ano de 2023, para conclusão dos serviços em falta (quais?), passassem a ser cumpridas todas as formalidades fiscais, nomeadamente emissão de faturas, respetivo pagamento através de transferência bancária e emissão de correspondentes recibos.
38. Não pode o 1º Réu conformar-se com esta condenação, por não ter sido, até à data, demonstrado qualquer rigor no tratamento dos pagamentos dos respetivos serviços efetivamente prestados, na reabilitação deste imóvel.
39. Por outro lado, a motivação da convicção não é clara, não concretizando as provas que atendeu e em que medida o fez, nem sequer especificando a credibilidade que lhe mereceram.
40. Aliás, poder-se-ia pensar que esta decisão foi proferida sem terem sido julgados os factos, através da audição de depoimentos testemunhais.
41. À exceção das declarações de parte de ambas as partes, o tribunal não faz qualquer referência aos depoimentos das testemunhas, fazendo tábua rasa, da prova que ali se produziu, ignorando em toda a linha, o conhecimento direto que muitas delas tinham dos factos.
42. Por outro lado, o Tribunal reconheceu que o 1º Réu transferiu para a conta conjunta, mensalmente, 200,00€ durante, pelo menos, nove meses do ano de 2016 (cfr. Facto provado 23º) e ainda que a autora admitiu que pagou uma parte, mas apenas uma parte, do preço da compra do imóvel (veja-se o teor da escritura de compra e venda de fls. 99 verso e seguintes) com dinheiro retirado da conta conjunta, motivo pelo qual deverá tal factualidade ter-se por provada (cfr. facto nº 24). Ou seja, admitiu que a compra do imóvel contou com dinheiro do 1º Réu.
43. Mais uma vez, tal facto apesar de ter sido demonstrado, quer com recurso aos extratos da conta conjunta do casal, quer através das declarações de ambos, nesse sentido, certo é que nenhum efeito útil trouxe aos presentes autos, em benefício do 1º Réu, o que se afigura de inaceitável, contrariando a justiça no caso em concreto.
44. Assim, impõe-se dar por certa, a necessidade do acerto de contas, desde sempre reclamado por este.
45. O Tribunal a quo efetuou uma incorreta apreciação da prova, também na instrução da matéria factual plasmada nos pontos. d. h. J, K, I, do elenco da factualidade considerada não provada, os quais, deveriam ter sido considerados provados ou parcialmente provados.
46. Em sede de motivação, o Tribunal a quo somente discerne acerca do I. da matéria não provada. Os aos pontos J. e K., não foram objeto de qualquer análise crítica por parte do Tribunal a quo.
47. Nomeadamente nenhuma análise critica faz, aos concretos testemunhos prestados, nomeadamente as testemunhas cuja apreciação ora se pede a este Venerando Tribunal, que examine.
48. Dúvidas não subsistem que TODAS as testemunhas elencadas foram unânimes a afirmar duas questões absolutamente determinantes para decisão diferente da dada nos referidos pontos: O 1º R. e a A. executaram inúmeros e significativos trabalhos, de artes várias, na reconstrução do imóvel em crise e fizeram-nos para “poupar dinheiro”, nas palavras das testemunhas.
49. Tivesse o Tribunal a quo avaliado criticamente os testemunhos prestados em sede de audiência e julgamento e não restariam dúvidas da existência de trabalho realizado pelo Alegante na obra de reconstrução do imóvel supramencionado com duas consequências óbvias: Primeiro, a efetiva poupança no orçamento comum do casal, por não ter de dispor de quaisquer quantias para pagar serviços contratados externamente e segundo, o indubitável incremento patrimonial do valor do imóvel.
50. Deste modo, a matéria ínsita nos pontos d. h. j. k, i, do elenco da factualidade considerada não provada, pelos motivos supra expostos, devem ser considerados provados ou parcialmente provados.
51. A Sentença em crise padece igualmente de erro notório na apreciação da prova.
52. O Tribunal, face à prova produzida, dá como não provado o facto sob a alínea d). - “O réu pagou parte das obras.” E, simultaneamente, da factualidade provada resulta outra realidade diametralmente oposta. Ou seja, o Tribunal a quo apelidou e qualificou a conta associada ao empréstimo, criada para o efeito, por ambos (Autora e 1º Réu), em outubro de 2019, altura em que previsivelmente iriam dar início as obras de reabilitação, como sendo CONJUNTA.
53. A par dessa circunstância incontestada, o Tribunal a quo deu como provado o facto de que ambos (Autora e Réu) passaram a depositar os salários de cada um. Assim, não se compreende como pode, tão levianamente, dar-se como não provado o facto de que o 1º Réu não pagou as obras. Para além de tais factos estarem em contradição, tais realidades também o estão.
54. Ora, assim sendo, a Sentença em crise padece do vício, assente num erro notório de julgamento, num vício de decisão.
55. A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”. Artigo que ostensivamente o Tribunal a quo, violou.
56. Neste conspecto e revisitando o vício decisório, impõe-se apenas rever e harmonizar a fundamentação de facto em conformidade, no sentido de eliminar o erro de lógica interpretativa que se manifesta no teor da sentença recorrida e releva em sede de thema decidendum, ao abrigo do disposto no artigo 615º do Código de Processo Civil.
57. E no que concerne ao facto não provado h), o 1º Réu não se conforma que este não possa estar no elenco dos provados, devendo o mesmo ser submetido ao elenco dos factos provados.
58. Qualquer cidadão comum, mediante o teor dos extratos juntos aos autos, tiraria a conclusão lógica de que aqueles montantes integraram a conta conjunta do casal (depois desavindo) e que se destinaria à contribuição da aquisição do imóvel em causa até 2017, e que igualmente serviria para o pagamento das obras.
59. Por outro lado, através da consulta do extrato de fls. 86, é exuberante a conclusão que, no ano de 2016, existia na conta conjunta € 9.815,84 em depósito a prazo, sendo forçoso concluir que tal montante tenha sido utilizado pela autora para, no ano seguinte, pagar o preço dos imóveis que adquiriu.
60. Ora, considerando todo este circunstancialismo, o Apelante vê-se forçado a manifestar todo o seu inconformismo para com a douta decisão da matéria de facto que, salvo o devido respeito por melhor opinião, partiu de uma errada apreciação da prova produzida, ocorrendo, portanto, erro de julgamento.
61. Face à prova produzida, quer documental, quer testemunhal, e porque dos autos, em bom rigor, sobeja matéria factual demonstrativa da existência de um efetivo enriquecimento sem causa, sendo a mesma idónea a infirmar a versão dos factos avançada pelo Alegante, terá, necessariamente, de se dar como não provado o teor dos factos 10, 11, 16, 17, 18, 19, 26, 27, 28, 30 e 31, e provados os factos d) h) j) k) i), com a consequente alteração da douta decisão de mérito, no sentido da total improcedência da ação e, consequentemente, da procedência do pedido reconvencional.
62. Um dos requisitos da sentença é o dever de fundamentação, que constitui um elemento indispensável para assegurar o efetivo exercício do direito ao recurso, constitucionalmente garantido pelo artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e tornar funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição.
63. O Tribunal a quo, em ordem a prover pelo cumprimento do artigo 607º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, discriminou os factos que considerou provados e quais os que julgou não provados.
64. Contudo, e salvo melhor opinião, não analisou criticamente as provas, sendo totalmente omisso quanto à valoração probatória dos depoimentos que lhe mereceram credibilidade e daqueles que, ao invés, não lograram convencer o tribunal.
65. Não especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem tão pouco compatibilizou os factos apurados com as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
66. O tribunal a quo nunca poderia, com a prova produzida nos autos e no julgamento, dar por provados e não provados os factos tal como vêm elencados na sentença em crise.
67. E impugnada que foi a matéria de facto, verifica-se uma manifesta ausência dos factos essenciais ao objeto do processo no elenco dos factos provados e não provados, bem como uma manifesta ausência da respetiva fundamentação, tudo, ao arrepio do legalmente exigido no citado art. 607º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Civil,
68. Para que este dever constitucional se cumpra, é necessária uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou se valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência.
69. O que, claramente, não sucedeu na decisão em crise.
70. Violando, deste modo, nomeadamente, as disposições dos artigos 607º e 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, 20º da CRP.
Pede, assim, que seja concedido integral provimento ao recurso interposto e revogada a sentença proferida.

A recorrida AA apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência da apelação do Réu e pela manutenção, nos seus exatos e precisos termos, da sentença recorrida.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se ocorre algum motivo de nulidade da sentença, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 615.º, nº 1, als. b) e c) do CPC;
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a decisão de direito.
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2. Sentença recorrida
2.1. O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. A autora e o réu namoraram durante oito anos e tinham a intenção de casar.
2. Tendo em vista a construção de uma casa para habitarem após o casamento, pediram um financiamento à construção junto do Banco 1... (Banco 1..., SA.) no montante de €100.000,00.
3. Através de um contrato de abertura de crédito com hipoteca, o banco concedeu-lhes o empréstimo de tal montante, destinando-se à construção de habitação própria e permanente.
4. Como garantia do empréstimo, a autora constituiu a favor do banco mutuante hipoteca sobre dois imóveis, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ... e o prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o n.º ..., com inscrição de aquisição por compra a favor da autora pela ap. ... de 2017/08/09 e ap. ... de 2017/08/09.
5. O referido contrato previu o pagamento de juros remuneratórios à taxa anual efetiva de 11%, acrescidos de uma sobretaxa de 3% ao ano em caso de mora e outros acessórios do crédito e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em €4.000,00.
6. Por conta do montante financiado, o banco foi entregando à autora e ao primeiro réu, quantias que creditava na conta associada ao financiamento, proporcionalmente à evolução da construção, o que implicava a realização de vistorias a realizar pelos serviços do banco.
7. A autora e o primeiro réu são co-titulares da conta bancária do Banco 1... que foi associada ao contrato de financiamento.
8. O contrato foi celebrado pelo prazo de 24 meses, com termo em outubro de 2021.
9. A autora e o primeiro réu contrataram uma empresa de construção civil para levar a efeito as obras necessárias à construção da sua casa de morada de família.
10. A empresa contratada para a fase de «grosso» foi a sociedade A..., Lda., tendo o contrato de empreitada sido celebrado em 20 de novembro de 2019.
11. A autora e o primeiro réu contrataram especialidades a outras empresas.
12. Durante o processo de construção, o banco fez vistorias à obra, verificou a conformidade dos autos de medição e foi creditando na referida conta bancária as quantias faturadas.
13. No decurso da execução das obras de construção civil, a autora e o réu terminaram o seu relacionamento amoroso, assim como os planos de vida em comum.
14. Por essa altura, no dia 09/08/2021, ao abrigo do contrato acima mencionado, o banco creditou na referida conta bancária €25.000,00.
15. Destinando-se tal montante a proceder ao pagamento das obras realizadas no imóvel cujos autos de medição mereceram a aceitação do banco.
16. Posteriormente, o primeiro réu, sem o consentimento ou o conhecimento da autora, transferiu da referida conta bancária para a conta bancária da segunda ré a quantia global de €24.000,00, mediante duas transferências bancárias de € 12.000,00 no dia 13/08/2021.
17. Como aquela quantia se destinava a pagar as obras realizadas no imóvel e a autora não dispunha de dinheiro suficiente para proceder ao respetivo pagamento, as mesmas ficaram em dívida.
18. Face ao não pagamento dos valores devidos aos empreiteiros, não foram executados mais trabalhos ou obras nem aplicados mais materiais.
19. Consequentemente, não foram realizados autos de mediação nem o banco entregou mais montantes no âmbito do contrato.
20. O primeiro réu outorgou um aditamento contratual com vista a prorrogar o prazo de vigência do contrato até maio de 2022.
21. A segunda ré acedeu ao pedido do primeiro réu, sem conhecer o motivo, por ser seu irmão, no pressuposto de que a quantia em causa seria transferida para uma outra conta a indicar por aquele.
22. A quantia global de € 24.000,00 foi, posteriormente, transferida pela segunda ré para conta com o IBAN ..., do Banco 2..., titulada apenas pelo primeiro réu, através de três transferências nos dias 20/08/2021 e 23/08/2021.
23. O primeiro réu transferiu para a conta conjunta referida, mensalmente, 200,00€ durante, pelo menos, nove meses do ano de 2016.
24. Para o pagamento de parte do preço do imóvel que veio a ser objeto das obras financiadas, a autora e o réu utilizaram parte do saldo da referida conta conjunta.
25. Em 08 de Março de 2017, a autora e o réu acordaram em transferir a quantia de €10.000,00 da conta conjunta supramencionada para uma conta pessoal da autora.
26. Tal montante foi utilizado para pagar as férias conjuntas de ambos no montante de €762,00, montante pago a 08-04-2017, e a auxiliar a autora na aquisição do imóvel, cujo preço ascendeu à quantia global de €28.750,00.
27. A autora contraiu também um empréstimo junto de uma tia, a qual lhe mutuou a quantia global de €10.000,00 para que a autora conseguisse pagar o preço e os encargos de aquisição do imóvel, montante que foi transferido para a conta conjunta de autora e do réu, sendo uma tranche de €1.000,00 em 14-03-2020, outra de €2.000,00 e outra de €7.000,00 a 15-03-2020.
28. O primeiro réu utilizava o montante depositado na conta conjunta para despesas do seu dia-a-dia.
29. A autora e o réu passaram a depositar na conta comum os seus salários.
30. O valor orçamentado de €298.729,05 não integrou o contrato de empreitada com a empresa A....
31. Quando a execução da obra for retomada, ela terá custos e encargos acrescidos com os trabalhos que faltam executar, concretamente, de carpintaria, pichelaria, eletricidade, acabamentos exteriores e interiores.

2.2. E deu como não provados os factos seguintes:
a. A segunda ré atuou de modo concertado e em comunhão de esforços com o primeiro réu, auxiliando-o conscientemente nos seus propósitos, o que logrou conseguir.
b. Em 2017, a autora e o réu adquiriram o imóvel em questão nos presentes autos.
c. A autora e o primeiro réu acordaram que optariam por casar ao abrigo do regime de comunhão geral de bens para que os referidos imóveis hipotecados integrassem o património comum do casal.
d. O réu pagou parte das obras.
e. Quando, em 2014, a autora e o primeiro réu abriram a conta conjunta, o réu depositou nela € 6.000,00.
f. Posteriormente, o primeiro réu depositou igual quantia de €6.000,00, quantia que foi totalmente investida nas obras de restauro da casa.
g. A partir de 10 de abril de 2014 e durante 24 meses, o primeiro réu passou a transferir de uma conta pessoal sua para a conta conjunta referida, mensalmente, 100,00€, perfazendo o valor total de € 2.400,00, o qual foi utilizado para o pagamento do preço do referido imóvel.
h. A autora utilizou € 9.815,84 que se encontrava em depósito a prazo titulado pela autora e pelo primeiro réu para pagar o preço do referido imóvel e parte das obras.
i. A atuação do primeiro réu e o consequente incumprimento do contrato celebrado com o banco provocará encargos bancários.
j. Entre agosto de 2017 e agosto de 2021, o réu despendeu diariamente, de segunda a sexta-feira, em média, 2h e 30min na realização dos mais diversos trabalhos no imóvel.
k. Naquele mesmo período, ao sábado, o réu realizou, durante oito horas, em média, trabalhos no imóvel e, ao domingo, dedicou manhãs ou tardes inteiras dedicadas à realização de obras no imóvel, nomeadamente, fazendo demolições, trabalhos de carpintaria e abertura de valas.
l. O trabalho efetuado pelo primeiro réu apresenta o valor diário de € 10,00 e o valor total de € 42.260,00€, considerando o indicado período temporal.
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2.3. E motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:
Tanto o autor (quereria dizer a autora) como o réu confirmaram a existência da relação de namoro e o seu fim, a celebração do contrato de abertura de crédito com hipoteca destinado à construção de habitação e os seus termos, os quais, aliás, se encontram documentados pelo contrato de fls. 12 e seguintes, articulado com as certidões do registo predial de fls. 22 e seguintes, que evidenciam a existência das hipotecas, assim como a co-titularidade da conta bancária associada ao empréstimo.
O aditamento contratual escrito que estendeu o termo do contrato, com a intervenção do primeiro réu, encontra-se no processo a fls. 26 verso.
O contrato de empreitada celebrado entre a autora e o primeiro réu e a empresa A... encontra-se documentado no processo a fls. 10 verso e seguintes. O mesmo contém anexo com descrição dos trabalhos, cujo preço global é de € 37.833,53 e corresponde à parte estrutural da obra (movimentação de terras, estruturas de betão armado, estruturas metálicas e alvenarias). A análise do objeto do contrato de empreitada permite corroborar a afirmação tanto da autora como do primeiro réu de que contrataram outras empresas para executar especialidades. Por outro lado, é possível verificar que nem todos os orçamentos de fls. 60 e seguintes – cujo valor global ascende a € 298.729,05 - integraram o contrato de empreitada, já que este abrangeu apenas uma parte dos trabalhos.
O crédito de € 25.000,00 do banco na conta conjunta da autora e do primeiro réu, figura diretamente no extrato da conta de fls. 27 verso do apenso, com data de 9 de agosto de 2021, observando-se no mesmo extrato os dois movimentos a débito com a designação “TRF P/ CC”, cada um de € 12.000,00, em 13 de Agosto e, em espelho, observando-se no extrato da conta da segunda ré (fls. 45 verso) os correspondentes movimentos a crédito. A consulta deste mesmo extrato, conjugados com as notas de transferência de fls. 44 a 45, permite verificar que a segunda ré ordenou a transferência, em três tranches, do mesmo montante global para outra conta bancária, o que suporta a alegação do réu de que, logo que criou uma conta bancária pessoal, conseguiu a transferência do dinheiro da conta da irmã.
O réu não teve qualquer dúvida em afirmar que a quantia de € 25.000,00 que o banco mutuante creditara na conta conjunta tinha como finalidade o pagamento das obras realizadas, nomeadamente, a obra de caixilharia.
A autora deu conta de que, após falhar o pagamento das faturas a que se destinada a tranche de € 25.000,00 transferida pelo primeiro réu, a obra não avançou e o banco deixou de creditar dinheiro.
O Tribunal ficou convencido de que a segunda ré foi alheia às intenções do seu irmão, primeiro réu e de que, por esse motivo, não existiu conluio entre ambos para se apropriarem da referida quantia creditada pelo banco. Para além de a segunda ré ter negado terminantemente conhecimento da intenção do irmão, parece-nos verosímil que, dada a relação de parentesco muito próxima, a segunda ré tenha nele confiado, não questionando o motivo de lhe pedir para ficar na sua conta com o dinheiro em causa durante escassos dias, até criar uma conta bancária pessoal. O primeiro réu reconhece que se aproveitou da confiança que a irmã deposita em si para conseguir retirar para outra conta bancária aquele dinheiro até conseguir criar uma conta só por si titulada, não a tendo posto a par dos seus planos ou da origem do dinheiro. Finalmente, o namorado da segunda ré, II, tendo presenciado o telefonema no qual o primeiro réu pediu à irmã o NIB da sua conta, disse que o primeiro réu não explicou à irmã os seus motivos.
As transferências mensais de € 200,00 no ano de 2016 encontram-se documentadas no extrato bancário de fls. 104.
A autora admitiu que pagou uma parte, mas apenas uma parte, do preço da compra do imóvel (veja-se o teor da escritura de compra e venda de fls. 99 verso e seguintes) com dinheiro retirado da conta conjunta, motivo pelo qual deverá tal factualidade ter-se por provada.
O réu admitiu em julgamento que utilizava o saldo da conta conjunta para pagar despesas pessoais do seu dia-a-dia.
A consulta do extrato da conta conjunta do mês de abril de 2020 permite confirmar que, pelo menos, nesse período temporal, os salários da autora e do réu eram lá creditados.
Finalmente, tendo em conta que a obra ficou parada antes do início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, e que, desde então os preços têm sofrido sucessivas subidas, não sendo previsível qualquer descida de preço num futuro próximo, dada a sua notoriedade, consideramos inevitável que, quando a obra for retomada, os trabalhos que ainda falta executar terão custos acrescidos, embora ainda não seja possível aferir o concreto valor desse acréscimo.
D – Motivação dos factos não provados
Remete-se para a motivação expressa na secção anterior quanto aos motivos pelos quais o Tribunal não ficou convencido de que a segunda ré atuou de modo concertado e em comunhão de esforços com o primeiro réu.
Pela consulta quer da escritura de compra e venda de fls. 99 e seguintes quer das certidões do registo predial de fls. 22 e seguintes é possível concluir que apenas a autora adquiriu o direito de propriedade sobre os imóveis, e não também o primeiro réu, como ele, aliás, acaba por admitir na sua contestação.
O réu não logrou provar que acordou com a autora casar-se ao abrigo do regime da comunhão geral de bens, uma vez que tal alegação se encontra desacompanhada de qualquer elemento probatório que a sustente e a autora afirmou que não queria casar-se em tal regime, mas que o primeiro réu insistia que assim acontecesse.
Foi por ausência de elementos probatórios nesse sentido que ficou por provar que parte das obras foi paga com dinheiro do primeiro réu e que este depositou na conta conjunta, a partir de 2014, € 12.000,00 em duas tranches de € 6.000,00 cada.
Por não existir prova das transferências mensais de € 200,00 fora do período de nove meses do ano de 2016 a que nos referimos na secção anterior, ficou o facto g por demonstrar.
Embora a consulta do extrato de fls. 86 permita concluir que, no ano de 2016, existia na conta conjunta € 9.815,84 em depósito a prazo, já não existe prova de que tal montante tenha sido utilizado pela autora para, no ano seguinte, pagar o preço dos imóveis que adquiriu e veio a hipotecar.
Foi por absoluta falta de elementos probatórios nesse sentido que resultou não demonstrado o facto i.
Apesar de a autora ter reconhecido que trabalhou com o réu no jardim da casa, negou que ele tivesse efetuado os trabalhos por ele alegados. Tanto o primeiro réu como as testemunhas que indicou confirmam que ele, juntamente com o seu pai e a autora, realizaram alguns trabalhos na obra, nomeadamente, de demolição, não tendo, porém, o Tribunal ficado convencido de que tivessem feito trabalho diário e durante o número de horas alegado, na medida em que as testemunhas apenas mostraram razão de ciência em relação a alguns dias em que estiveram no local, sem prejuízo de algumas contradições verificadas entre o depoimento da testemunha EE, que contrariou o primeiro réu no que respeita ao horário em que via este último a trabalhar na obra. O próprio pai do primeiro réu também apenas se referiu a um curto período temporal, de não mais de um mês, em que ajudou a autora e o filho primeiro réu nas demolições. Assim sendo, não pôde o Tribunal considerar provado que o réu tenha efetuado os alegados trabalhos nas condições por ele expostas, muito menos se tendo provado que tal trabalho tenha trazido qualquer poupança, inexistindo qualquer prova a tal respeito, não bastando para o efeito a afirmação não fundamentada de que um dia de trabalho custa dez euros, o que igualmente não se provou.
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3. Da nulidade da sentença
Nas conclusões das suas alegações veio o recorrente arguir alegados vícios da decisão recorrida que identifica como nulidades, a saber:
A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC;
A falta de fundamentação, exigida pelas disposições conjugadas dos nºs 3 e 4 do art. 607º do CPC, e do art. 615º, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal.
Apreciando:
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

3.1. A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC
Invocando uma errada apreciação da prova produzida, com o consequente erro de julgamento, e uma desadequada subsunção jurídica dos factos e aplicação do direito, desde logo porque o Tribunal recorrido não teve em devida linha de conta toda a prova carreada para os autos, e após impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, entende o recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância padece de uma séria obscuridade e ambiguidade, nomeadamente quando refere que a autora admitiu que pagou uma parte do preço da compra do imóvel com dinheiro retirado da conta conjunta, mas não dá como provado que o réu pagou parte da aquisição e das obras do imóvel referido nos autos e que é propriedade da autora, e não decide pela necessidade de um acerto de contas.
Ora, a ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, para gerar a nulidade da decisão, tem de tornar a decisão ininteligível, o que implica que, seja na decisão, seja na fundamentação, se chegue a um resultado que possa traduzir dois ou mais sentidos distintos e porventura opostos, que permita hesitar sobre a interpretação adotada, ou não possa ser apreensível o raciocínio do julgador, quanto à interpretação e aplicação de determinado regime jurídico (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 4258/18.0T8SNT.L1.S1, de 12-01-2021, disponível em dgsi.pt).
Quando a matéria de facto seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, como, aliás, o recorrente fez, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do CPC.
Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 2759/17.7T8VNG.P2.S1, de 31-01-2023, “Não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º, do CPC, quando o reclamante manifesta discordância com a decisão, pois que, se o reclamante manifesta discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua.”.
E, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 309/20.7T8PDL.L1.S1, de 30-05-2023, que refere: “I - A ambiguidade ou obscuridade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC só releva quando torne a parte decisória ininteligível e, por outro lado, só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”. II - A invocação de nulidade do acórdão recorrido só pode ter sucesso quando existe um vício formal ou estrutural da decisão, mas não quando constitui somente um modo de o recorrente exprimir a sua discordância com o decidido e de invocar erro de julgamento.”.
Não ocorre, pois, a invocada nulidade por ambiguidade ou obscuridade.

3.2. A falta de fundamentação, exigida pelas disposições conjugadas dos nºs 3 e 4 do art. 607º do CPC, e do art. 615º, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal
Para além do vício acabado de analisar, invoca o recorrente, ainda, a falta de fundamentação da sentença, entendendo que o Tribunal a quo discriminou os factos que considerou provados e os que julgou não provados, mas não analisou criticamente as provas, sendo totalmente omisso quanto à valoração probatória dos depoimentos que lhe mereceram credibilidade e daqueles que, ao invés, não lograram convencer o tribunal, concluindo que o tribunal a quo nunca poderia, com a prova produzida nos autos e no julgamento, dar por provados e não provados os factos tal como vêm elencados na sentença em crise.
Mais refere que, impugnada que foi a matéria de facto, verifica-se uma manifesta ausência dos factos essenciais ao objeto do processo no elenco dos factos provados e não provados, bem como uma manifesta ausência da respetiva fundamentação, tudo, ao arrepio do legalmente exigido no art. 607º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Civil, violando, deste modo, nomeadamente, as disposições dos artigos 607º e 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, 20º da CRP.
Posto isto, perante esta alegação, podemos já concluir que, tal como na situação decidida anteriormente, a arguição da nulidade constitui apenas um modo de o recorrente exprimir a sua discordância com o decidido e de invocar erro de julgamento.
Senão, vejamos.
Conforme já mencionado, a al. b), do nº 1, do art. 615.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607.º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Contudo, conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em gdsi.pt):
“Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”.
Acresce que, “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.”.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 19/14.4T8VVD.G1.S1, de 22-01-2019, se conclui em termos idênticos: “1. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
Ou seja, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão, quando exista uma falta absoluta de fundamentação, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
Não é claramente o que ocorre no caso, como, aliás, resulta da fundamentação de facto transcrita supra, onde o Tribunal a quo menciona aos meios de prova a que atendeu para tomar a decisão da matéria de facto que tomou, referindo também as testemunhas, as quais, como resulta, não mereceram credibilidade suficiente para se darem como provados os factos pretendidos pelo recorrente.
Assim, sem necessidade de outras considerações, conclui-se que não ocorre a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação.
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4. Do erro de julgamento
Nas conclusões de recurso veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que o apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

Posto isto, cabe analisar se assiste razão ao apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Como resulta das respetivas conclusões do recurso, o apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos números 11, 17, 18 e 19, 26, 27, 28 e 31 dos factos provados, os quais devem ser considerados como não provados; o facto número 1 dos factos provados deve ser dado como não escrito; e os factos não provados que constam das alíneas d), h), j), k) e l), devem, por sua vez, ser dados como provados.

Começando pelo facto dado como provado no ponto 1., ou seja, “A autora e o réu namoraram durante oito anos e tinham a intenção de casar.”, não se entende o motivo pelo qual o recorrente pretende que tal facto seja considerado como não escrito.
Desde logo, o próprio réu admite que o facto é verdadeiro, pelo que nada há a alterar.
Por outro lado, tal como se vem entendendo e foi decidido, a título de exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 3960/16.6T8LRA.C1, de 24-09-2019 (disponível em dgsi.pt), não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
Ora, o facto em causa, sendo verdadeiro, não tem influência na decisão a tomar neste recurso, pelo que se mantém.

Quanto aos factos 11, 17, 18 e 19, 26, 27, 28 e 31 dos factos provados, que o recorrente entende deverem ser considerados como não provados:
Do facto provado 10., que o recorrente não impugna, resulta que foi contratada a empresa aí referida, para a “fase de grosso”. Logo daí, resulta que não incluía as especialidades, pelo que as regras da experiência comum permitem concluir que seriam contratadas a outrem.
Sucede que, acresce, ainda, que o próprio recorrente admitiu que seriam contratadas as especialidades a outras pessoas, para além de tal ter sido confirmado por, pelo menos, uma testemunha que realizou os trabalhos relativos a uma das especialidades, no caso, as caixilharias, o que foi referido pela testemunha DD. Esta testemunha disse que trabalhou na casa em questão, tendo feito trabalhos de caixilharias de alumínio, tendo dado orçamento, tirado medidas e aplicado o trabalho na obra.
Mantêm-se, pois, os factos provados 10. e 11.
Os factos provados 17., 18. e 19., têm o seguinte teor:
17. Como aquela quantia se destinava a pagar as obras realizadas no imóvel e a autora não dispunha de dinheiro suficiente para proceder ao respetivo pagamento, as mesmas ficaram em dívida.
18. Face ao não pagamento dos valores devidos aos empreiteiros, não foram executados mais trabalhos ou obras nem aplicados mais materiais.
19. Consequentemente, não foram realizados autos de mediação nem o banco entregou mais montantes no âmbito do contrato.
Diz o recorrente que atendendo à falta de rigor no apuro do valor a pagar na especialidade de caixilharia, não podia o tribunal dar como provado o facto de que a obra não avançou por causa dessa pretensa falta de pagamento, referindo, ainda, que a autora não fez prova de quais as faturas que se encontravam por pagar.
Ora, mostra-se provado através do respetivo contrato, e consta do facto 6., dos factos provados, que o banco creditava na conta associada ao financiamento concedido para construção da habitação, determinados valores, proporcionalmente à evolução da construção, o que implicava a realização de vistorias a realizar pelos serviços do banco.
Assim, resulta claro que o Banco apenas creditava valores, quando recebia autos dos trabalhos executados, e os verificava, pelo que, ainda que se desconheçam os trabalhos concretos em causa, se pode concluir que se trata de trabalhos já realizados e medidos.
Deste modo, esteve bem o tribunal a quo ao dar como provada a factualidade em causa, sendo certo que as regras da experiência comum permitem chegar, precisamente, a essa factualidade, após o recorrente ter procedido ao levantamento da quantia que se destinava a pagar trabalhos já efetuados.
No que diz respeito aos factos 26., 27., 28. e 31., diremos o seguinte:
Os factos 26. e 27., se bem entendemos, não foram, na realidade, impugnados, embora o recorrente refira que devem considerar-se como não provados.
O facto 26., relacionado com o 25. (o qual contém um lapso quanto à data concreta da transferência, mas que não tem interesse na decisão), foi confirmado pela própria autora que o admitiu, tal como o facto 27., sendo certo que o réu também não o contraria. Aliás, o facto 26., vai precisamente ao encontro do que o recorrente alega, pelo que nada há a alterar, parecendo-nos, mesmo, que o recorrente apenas pretende que de tal facto seja tirada uma conclusão jurídica diferente.
Já quanto ao facto 28., não assiste razão ao recorrente, até porque o próprio o admitiu, pelo que, sendo verdadeiro, não deve ser alterado.
Cabe, ainda, referir que resulta existir alguma imprecisão quando o recorrente refere que todas as contas que ambos tinham foram canceladas, mas depois concorda que foi transferida a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros) da conta conjunta para uma conta pessoal da autora (então não foram todas as contas canceladas?).
Finalmente, quanto ao facto 31., dos factos provados, o tribunal a quo fundamentou perfeitamente a decisão, nada havendo a apontar-lhe, sendo certo que em sede de liquidação de sentença terá que ser feita a prova devida de um qualquer aumento que apenas será devido se efetivamente tiver ocorrido.

Insurge-se o recorrente também quanto à decisão da matéria de facto, no que diz respeito aos factos não provados que constam das alíneas d), h), j), k) e l), os quais pretende ver dados como provados.
São os seguintes os factos em causa:
d. O réu pagou parte das obras.
h. A autora utilizou € 9.815,84 que se encontrava em depósito a prazo titulado pela autora e pelo primeiro réu para pagar o preço do referido imóvel e parte das obras.
j. Entre agosto de 2017 e agosto de 2021, o réu despendeu diariamente, de segunda a sexta-feira, em média, 2h e 30min na realização dos mais diversos trabalhos no imóvel.
k. Naquele mesmo período, ao sábado, o réu realizou, durante oito horas, em média, trabalhos no imóvel e, ao domingo, dedicou manhãs ou tardes inteiras dedicadas à realização de obras no imóvel, nomeadamente, fazendo demolições, trabalhos de carpintaria e abertura de valas.
l. O trabalho efetuado pelo primeiro réu apresenta o valor diário de € 10,00 e o valor total de € 42.260,00€, considerando o indicado período temporal.
Posto isto:
Quanto ao pagamento das obras por parte do réu, sendo certo que existe facto provado que diz que o réu depositava determinada quantia na conta conjunta, mas também que utilizava essa conta para despesas do dia a dia, o certo é que a conta titulada por ambos e associada ao empréstimo, era creditada, como já referido, com quantias destinadas ao pagamento das obras.
Assim, não existe qualquer prova concreta no sentido de que as obras foram pagas pelo recorrente, pelo que se mantém o facto como não provado.
Em relação ao facto h), existe prova documental (extratos bancários) que comprova que a certa altura existia na conta conjunta o valor de € 9 815,84. Contudo, tal verificou-se no ano de 2016, nada existindo que comprove que tal quantia, em concreto, tenha sido usada para os fins referidos pelo recorrente.
Aliás, mostra-se provado – factos 24. a 26., que, efetivamente, foi usado parte do saldo da conta conjunta, já que foi transferida a quantia de dez mil euros que foi usada para pagar as férias comuns, e o restante para pagar parte do preço de aquisição do imóvel. Dado como provado o facto, ficamos com a evidência de que foi usada a quantia de € 9 238,00 para pagar parte do preço de aquisição do imóvel, mas já não o valor dado como não provado.
Por fim, relativamente aos factos relacionados com as horas de trabalho que o recorrente alegadamente despendeu a realizar trabalhos na habitação, ao longo de quatro anos, diariamente, de segunda a sexta-feira, ao sábado, durante oito horas, em média, e, ao domingo, manhãs ou tardes inteiras, realizando todo o tipo de obras no imóvel, trabalho num valor total de € 42.260,00€, questionamo-nos que trabalhos terão sido feitos pela empresa contratada e pelos “artistas” das especialidades.
Refere o recorrente que o tribunal a quo não teve em conta a prova produzida, nomeadamente, a prova testemunhal, mas sem razão.
Na fundamentação de facto transcrita supra, o tribunal a quo refere “Apesar de a autora ter reconhecido que trabalhou com o réu no jardim da casa, negou que ele tivesse efectuado os trabalhos por ele alegados. Tanto o primeiro réu como as testemunhas que indicou confirmam que ele, juntamente com o seu pai e a autora, realizaram alguns trabalhos na obra, nomeadamente, de demolição, não tendo, porém, o Tribunal ficado convencido de que tivessem feito trabalho diário e durante o número de horas alegado, na medida em que as testemunhas apenas mostraram razão de ciência em relação a alguns dias em que estiveram no local, sem prejuízo de algumas contradições verificadas entre o depoimento da testemunha EE, que contrariou o primeiro réu no que respeita ao horário em que via este último a trabalhar na obra. O próprio pai do primeiro réu também apenas se referiu a um curto período temporal, de não mais de um mês, em que ajudou a autora e o filho primeiro réu nas demolições. Assim sendo, não pôde o Tribunal considerar provado que o réu tenha efectuado os alegados trabalhos nas condições por ele expostas, muito menos se tendo provado que tal trabalho tenha trazido qualquer poupança, inexistindo qualquer prova a tal respeito, não bastando para o efeito a afirmação não fundamentada de que um dia de trabalho custa dez euros, o que igualmente não se provou.”.
E acrescentamos, agora, que, ao contrário do que o recorrente entende, as testemunhas não prestaram depoimentos no sentido de confirmar os factos dados como não provados.
A testemunha DD disse, no que para o caso interessa, que trabalhou na casa, na colocação das caixilharias em alumínio, mas que nunca viu lá o réu a trabalhar.
EE, amigo do réu, disse que via lá o réu a trabalhar, mas também referiu que era estudante e que ia lá quando não tinha aulas, ajudar, não demonstrando ter conhecimento concreto de trabalhos executados pelo réu.
Os pais do réu confirmaram que o mesmo trabalhou lá muito e pouparam muito por causa disso, mas não especificaram os dias de trabalho, os trabalhos concretos e o valor da poupança.
HH, tia do réu, admitiu viver a sete ou oito quilómetros da casa objeto das obras, mas afirmou, insistentemente, que via lá o réu a trabalhar, e também a autora, referindo pensar que era para reduzir despesas. Ou seja, nada sabia em concreto, afirmando mesmo, de forma pouco verosímil, que via lá o réu a trabalhar, mas, curiosamente, nunca viu lá qualquer “artista”, ou seja, nunca viu lá nenhuma das pessoas que foram contratadas para a execução das obras.
Também a testemunha II, namorado da ré CC, afirmou que via lá o réu e a autora a trabalhar, referindo mesmo trabalhos como partir paredes e chapar massa, mas não sabe precisar períodos ou tempo, e nunca viu lá ninguém a trabalhar para além do réu e da autora.
A acreditar nestes depoimentos, toda a construção foi feita pelo réu, pelo que, estando assente que foi contratada uma empresa para o efeito e outros trabalhadores para execução das especialidades, bem se compreende que o tribunal a quo não tenha dado aos depoimentos, a credibilidade suficiente para dar como certa a matéria factual em causa.
Improcede, pois, na totalidade a impugnação da matéria de facto.
Aliás, na decisão do recurso sobre a matéria de facto, importa não esquecer que se mantêm em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Em caso de dúvida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos referidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-06-2021, Processo 2479/18.5T8VLG.P1, disponível em dgsi.pt).
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5. Decisão de Direito
O apelante discorda da sentença proferida em 1ª Instância, que diz ter feito uma desadequada subsunção jurídica dos factos e aplicação do direito, pelo que, alterada a matéria de facto nos termos que pretende, conclui pela consequente alteração da decisão de mérito, no sentido da total improcedência da ação e, consequentemente, da procedência do pedido reconvencional.
Tal como se refere na decisão recorrida, está em causa nos autos decidir sobre o direito da autora à restituição do dinheiro que o primeiro réu retirou da conta conjunta e a uma indemnização pelas despesas acrescidas que terá de suportar; bem como o direito do primeiro réu à restituição pela autora dos montantes em que ela se enriqueceu indevidamente à custa dele.
Pelo pedido formulado, resulta que a autora pediu a condenação dos réus a restituir a quantia de € 24.000,00 que o réu retirou da conta e que o banco mutuante nela creditara para pagamento das despesas autorizadas das obras objeto de financiamento, bem como a condenação dos réus no pagamento dos encargos acrescidos com as obras e com o contrato de mútuo, decorrentes da sua atuação.
Absolvida a segunda ré, sem que tal decisão tenha sido posta em causa, temos, no que agora interessa, como provado que a autora e o primeiro réu, enquanto namorados e com planos de casar, pediram um financiamento bancário para custearem as obras de construção da casa que pretendiam habitar, financiamento ao qual estava associada uma conta bancária conjunta da autora e do recorrente.
O financiamento consistia em que à medida que as obras fossem executadas, o banco ia aprovando os autos de medição, e creditava na dita conta conjunta, os montantes necessários ao pagamento das obras realizadas.
Posto isto, embora o recorrente, enquanto cotitular da conta bancária, tivesse poder para a movimentar, não podia já alterar a afetação da quantia creditada pelo banco, a qual era destinada ao pagamento da obra de construção civil.
Concorda-se com o tribunal a quo quando refere que o recorrente atuou em abuso de confiança, ao levantar o dinheiro que pela entidade bancária, fora confiado à autora e ao réu, para o pagamento das obras aprovadas e não para qualquer outro fim, como resulta do contrato de abertura de crédito.
Com tal comportamento, o recorrente não apenas violou o contrato de abertura de crédito como, ao colocar-se a si e à autora em situação de incumprimento, colocou a autora perante o risco de perder os imóveis hipotecados que servem de garantia ao contrato bancário.
Ora, não restam dúvidas de que logo após a rutura do namoro, o réu, aproveitando a circunstância de o banco ter depositado na conta conjunta € 25.000,00 para pagamento das obras realizadas, retirou dessa conta, a quantia de € 24.000,00 e, em vez de pagar as obras realizadas e aprovadas pelo banco, apropriou-se de tal montante que acabou por ser transferido para uma conta da sua titularidade.
Na decisão recorrida entendeu-se que, perante a autora, o réu praticou um facto ilícito de apropriação da quantia creditada pelo banco financiador, em violação do direito de propriedade daquela e em abuso de confiança, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, até porque o réu admitiu que praticou tal facto, com a consciência das respetivas consequências, pois bem sabia que não podia utilizar o dinheiro em causa para fins diversos dos estipulados no contrato de abertura de crédito, com as respetivas consequências - a impossibilidade de a autora pagar aos empreiteiros que realizaram as obras aprovadas e assim entrar em incumprimento, com a paralisação da obra e do próprio financiamento.
Afigura-se, assim, correto decidir pela obrigação de indemnizar a autora lesada pelos danos resultantes da violação, através da restituição à conta associada ao financiamento, do montante que o recorrente de lá retirou.
Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que a simples restituição da quantia indevidamente transferida não se mostra suficiente para reparar todos os danos, tendo em conta o atraso da obra e o previsto aumento de preços, pelo que, estando em causa danos futuros com carácter previsível que merecem tutela do Direito e, em consequência, são indemnizáveis (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil), bem andou o tribunal recorrido ao decidir que deverá ainda o primeiro réu ser condenado no pagamento do diferencial de preços, a liquidar em fase posterior à prolação da sentença.
Deve, pois, manter-se a decisão quanto à ação, nos seus precisos termos.
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Já quanto à reconvenção formulada pelo recorrente, diremos o seguinte:
A habitação objeto das obras pertence apenas à autora.
Muito embora, não se tenha provado que o réu/recorrente executou trabalhos de construção civil no imóvel, nos termos em que alegou, que contribuíram para o aumento do valor do imóvel, ou que contribuiu com algum valor monetário para o pagamento das obras, o certo é que se mostra provada matéria de facto que faz presumir que o recorrente contribuiu para o pagamento do preço de aquisição do imóvel.
Aliás, na própria sentença recorrida se diz que “Os imóveis onde foi feita a construção pertenciam apenas à autora, tendo esta utilizado o saldo de uma conta conjunta com o primeiro réu para pagar parte do preço dos imóveis (€ 28.750,00), concretamente, a quantia de € 9.238,00, cuja metade se presume pertencente à autora e a outra metade (€ 4.619,00) ao primeiro réu (artigos 513.º e 516.º do Código Civil).
Ora, o réu pede, em reconvenção, que se reconheça que o prédio propriedade da autora sofreu melhoramentos/benfeitorias com capitais próprios do réu e com o seu trabalho.
Em consequência, pede o seu ressarcimento por força e nos termos do regime do enriquecimento sem causa pelo valor de € 24.000,00, sem prejuízo de valor superior que se venha a apurar em liquidação de sentença.
Mas alega também que embora a habitação se encontre apenas registada em nome da Autora, contou com a contribuição monetária do Réu reconvinte para a sua aquisição e seu melhoramento.
Refere a transferência de um total de 2.400,00€, que diz foram também utilizados na aquisição da casa.
Diz que em 30-12-2016, Autora e Réu reconvinte tinham em depósito a prazo, a quantia de 9.815,84€, valor esse que contribuiu para a aquisição da casa e realização de parte das obras.
E afirma que o imóvel, pertença da Autora, foi adquirido e melhorado com capitais próprios do Réu reconvinte e com o seu trabalho.

O tribunal recorrido apreciou a situação segundo o regime do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º, do Código Civil, de acordo com o qual, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, tendo a obrigação de restituir por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
O regime do enriquecimento sem causa tem em vista exigir daquele que injustificadamente se locupletou à custa de quem sofreu o correspondente empobrecimento a restituição do enriquecimento indevido, apurado pela diferença entre as medidas do enriquecimento e do empobrecimento (artigo 479.º do Código Civil).
Entende o réu que, tendo contribuído com o seu trabalho e com o empréstimo que contraiu juntamente com a autora para benfeitorizar os imóveis pertencentes à autora, com a rutura do namoro e o afastamento de um cenário em que o primeiro réu habitará a casa em construção, só a autora fica beneficiada, pois fica para si com um imóvel mais valorizado e o réu fica prejudicado, pois não poderá beneficiar do investimento que fez.
Sucede que, no que diz respeito à valorização do imóvel, nomeadamente com o trabalho do recorrente, este não logrou provar a medida do seu investimento em trabalho, como resulta da matéria de facto provada e não provada, que o recorrente impugnou, mas cuja alteração não logrou obter, pelo que, cabendo-lhe o ónus da prova dessa factualidade, não se mostra possível concluir que ocorreu um enriquecimento da autora à custa do empobrecimento do réu.
Bem andou, pois, o tribunal a quo, também quando deu a reconvenção por inteiramente improcedente.
E se é certo como se disse supra, e se refere na própria sentença recorrida, que “Os imóveis onde foi feita a construção pertenciam apenas à autora, tendo esta utilizado o saldo de uma conta conjunta com o primeiro réu para pagar parte do preço dos imóveis (€ 28.750,00), concretamente, a quantia de € 9.238,00, cuja metade se presume pertencente à autora e a outra metade (€ 4.619,00) ao primeiro réu (artigos 513.º e 516.º do Código Civil)”, certo é também que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al. e), do nº 1, do art. 615.º do CPC).
Ora, o réu/reconvinte pede na sua reconvenção que:
“Deve ser julgada procedente, por provada, a presente reconvenção e, por via dela:
I. Ser reconhecida a existência de melhoramentos/benfeitorias no prédio propriedade da A. realizadas com capitais próprios do Réu reconvinte e do seu trabalho;
II- Ser reconhecido ao Réu reconvinte o direito de ser ressarcido por força do enriquecimento injustificado da A. no valor de, pelo menos, 24.000,00€;
III- Ser A. condenada no pagamento ao aqui Réu reconvinte no valor de 24.000,00€, sem prejuízo do valor superior, que se vier a apurar em liquidação de sentença, acrescidos de juros moratórios civis, a contar da data da citação da presente reconvenção até ao seu efetivo pagamento.”
Como se vê, o recorrente não formula qualquer pedido relacionado com o alegado investimento na aquisição do imóvel em causa, pelo que o Tribunal não pode condenar no que não foi pedido.
O apelante impugna a decisão de direito, fazendo-o, contudo, no seguimento da impugnação da matéria de facto, provada e não provada.
Mantendo-se a decisão da matéria de facto, manter-se-á igualmente a decisão de direito, afigurando-se correta a subsunção dos factos ao direto que foi feita na 1.ª Instância, a qual não nos merece qualquer reparo.
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III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 2024-02-22
Manuela Machado
Aristides Rodrigues de Almeida
Ernesto Nascimento