Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3249/21.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: JUNTA MÉDICA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP202306053249/21.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ANULADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: As respostas dadas pelos senhores peritos aos quesitos que lhe são formulados devem ser devidamente fundamentadas, por forma a convencer pela sua fundamentação, pois só assim se cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade. Fundando-se a sentença no laudo pericial, a nulidade deste determina como consequência a nulidade da própria sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 3249/21.9T8PNF.P1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
Na acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA, residente na ..., ..., ..., patrocinado por mandatário judicial, e entidade responsável a Companhia de Seguros A..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, não se conformando a seguradora com a perícia realizada em fase conciliatória, veio solicitar a realização de junta médica, apresentando os respectivos quesitos
Igualmente inconformado, requereu o sinistrado exame por junta médica, formulando quesitos para o efeito, tendo ainda requerido “A realização de um Parecer Técnico junto do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (Av. ..., ... ..., Vila Nova Gaia) com vista a apurar o seguinte:
1. Quais as concretas tarefas que o sinistrado executava antes do acidente?
2. Quais as tarefas que integravam o conteúdo funcional da profissão habitual e quais as exigências funcionais que lhe eram exigidas?
3. Quais as alterações funcionais relacionáveis com o acidente com impacto no domínio profissional do sinistrado?
4. Qual o impacto das limitações funcionais no desempenho da sua profissão habitual?
5. Quais as funções profissionais compatíveis com o seu estado funcional atual?
6. O atual perfil funcional do sinistrado é compatível com as funções que anteriormente desempenhava?
7. Padece o sinistrado de IPATH para o seu trabalho habitual?”
Foi proferido o seguinte despacho:
“Requer ainda o sinistrado a realização de avaliação quanto à capacidade de trabalho e de ganho do sinistrado, o apuramento das actividades concretas que integram o conteúdo funcional da profissão habitual e respectivas exigências físicas e impacto das sequelas ou limitações funcionais no desempenho da profissão habitual.
Nos autos encontra-se já junto a fls. 8 verso-9 inquérito profissional e análise do posto de trabalho, elaborado pela entidade empregadora, e que o sinistrado em momento algum impugnou, pelo que a nova realização de tais actos afigura-se acto inútil e, como tal, proibido por lei, que assim se indefere.
Relativamente ao parecer técnico requerido, considerando que tal parecer terá de ser elaborado com base nas sequelas que sejam fixadas ao sinistrado, afigura-se necessário que primeiro se realize a junta médica.
Considera, assim, o Tribunal que tal parecer apenas se justificará caso entre os peritos exista divergência quanto à fixação de IPATH, uma vez que a junta médica se inicia sempre com o exame clínico do sinistrado e questões a responder por este quanto às suas funções profissionais e dificuldades inerentes em virtude do acidente, para além do facto do sinistrado, nos quesitos a que pretende que os peritos respondam, inclua já nos pontos 8) a 13) questões sobre a sua capacidade de execução das várias funções do seu trabalho. Assim, afigura-se ao Tribunal que apenas se poderá justificar a realização de tal parecer no caso de divergência dos peritos quanto à fixação de IPATH.
Notifique.”
Realizada a junta médica, foi fixada ao sinistrado a incapacidade parcial permanente de 38,925%, incluindo uma incapacidade de 25,95%, acrescida da bonificação de 1,5 pela idade do sinistrado, com IPATH.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, na qual se decidiu, a final: “julga-se a presente acção procedente e, em consequência, condena-se a R. Companhia de Seguros A..., S.A.:
A) no pagamento ao A. AA:
1) €24,00 (vinte e quatro euros) a título de despesas de transporte ao GML de Penafiel e ao Tribunal, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
2) €5.584,57 (cinco mil quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de pensão anual vitalícia, com início em 21/01/2022, a ser paga nos termos estabelecidos no artigo 72º da LAT, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
3) €4.300,91 (quatro mil e trezentos euros e noventa e um cêntimos) referente a subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, acrescido dos juros de mora desde 21/01/2022 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;
B) No fornecimento de ajudas medicamentosas e ajudas técnicas (tala anti-equino).
Fixou-se à acção o valor de €62.840,03.
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. , que decidiu estar o sinistrado AA, afectado de uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 38,9250% (2595% x 1,5 pela idade), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), condenando a ora apelante a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de 5.584,57 €, a partir de 21 de Janeiro de 2022, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.300,91 € e a quantia de 24,00€ de despesas de transportes, bem como no fornecimento de ajudas medicamentosa e ajudas técnicas (tala anti-equino).
2. Salvo o devido respeito, esta decisão deve ser revogada, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, ao considerar que o sinistrado se encontra afectado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
3. Com efeito, na sequência da instauração de processo emergente do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 18/11/2018, foi realizada a competente perícia médico-legal pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Minho-Lima.
4. Esse exame médico, realizado em 05/05/2022, concluiu estar o sinistrado afectado de uma IPP de 38,925% (29,95% x 1,5) e – sem a realização de exames complementares de diagnóstico, sem descrever as sequelas resultantes das lesões e sem as relacionar com o núcleo essencial da actividade do sinistrado, que também não identificou – que “as sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional do sinistrado”.
5. Não se conformando com esse resultado, quer o sinistrado, quer a ora recorrente requereram exame por junta médica, requerendo ainda o sinistrado a realização de um Parecer Técnico junto do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia com vista a apurar elementos que permitissem concluir se o sinistrado está afectado por IPATH.
6. No despacho proferido sobre estes requerimentos, a Mta Juíza ordenou a realização de uma junta médica da especialidade de ortopedia e “Relativamente ao parecer técnico requerido, considerando que tal parecer teráde ser elaborado com base nas sequelas que sejam fixadas ao sinistrado, afigura-se necessário que primeiro se realize a junta médica. Considera, assim, o Tribunal que tal parecer apenas se justificará caso entre os peritos exista divergência quanto à fixação de IPATH, uma vez que a junta médica se inicia sempre com o exame clínico do sinistrado e questões a responder por este quanto às suas funções profissionais e dificuldades inerentes em virtude do acidente, para além do facto do sinistrado, nos quesitos a que pretende que os peritos respondam, inclua já nos pontos 8) a 13) questões sobre a sua capacidade de execução das várias funções do seu trabalho. Assim, afigura-se ao Tribunal que apenas se poderá justificar a realização de tal parecer no caso de divergência dos peritos quanto à fixação de IPATH”.
7. Realizada a junta médica, a maioria formada pelo perito do sinistrado e do tribunal atribuíram ao sinistrado uma IPP de 38,925% (29,95% x 1,5) e consideraram-no afectado de IPATH, sem de qualquer forma justificar essa posição; o perito da responsável e ora recorrente entendeu que a IPP deveria ser atribuída em junta da especialidade de Neurocirurgia, tendo em conta que o quadro sequelar apresentado pelo sinistrado é dessa especialidade, e, no que respeita à atribuição de IPATH, que “o sinistrado deveria ser submetido a uma junta de Medicina do Trabalho com o intuito de verificar a readaptação do sinistrado ou não”.
8. Na sequência desse auto de junta médica, a Mta Juíza decidiu não mandar proceder à realização do parecer técnico requerido que já tinha decidido mandar efectuar caso não houvesse unanimidade quanto à IPATH na junta médica, entendendo, inexplicavelmente, que o facto de o perito da responsável não ter atribuído IPP ao sinistrado (por entender que só uma junta médica de Neurocirurgia teria competência para o fazer) e ter referido que seria necessária a realização de uma junta médica da especialidade de Medicina do Trabalho prévia à decisão quanto à atribuição de IPATH, não implicava divergência dos peritos quanto à fixação de IPATH...
9. Ora, para decidir quanto ao grau de incapacidade a atribuir ao sinistrado e para decidir pela atribuição de IPATH, a Mta Juiz recorrida apoiou-se no resultado daquela mesma maioria que entendeu que o sinistrado está afectado de IPATH, mas não justificou por qualquer forma essa atribuição, sendo certo que aqueles médicos também não o justificaram e que em momento algum do processo foi trazida a descrição de todos os actos que integram a profissão de técnico de telecomunicações e quais aqueles que o sinistrado efectivamente realizava no exercício da sua profissão habitual e quais aqueles que se mostrava impedido de realizar face às sequelas consideradas e quais aqueles que conseguia realizar, embora com as dificuldades acrescidas e inerentes à IPP que lhe foi atribuída.
10. Com efeito, para fundamentar a sua decisão a Mta Juiz a quo limita-se a escrever: “Realizada a junta médica, consideraram os Exmos. peritos por maioria composta pelos peritos do Tribunal e do sinistrado que este é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) global de 38,925%, com atribuição de uma IPATH. O perito da entidade seguradora não se pronunciou sobre a IPP e IPATH, considerando que o sinistrado deveria ser submetido a junta de neurocirurgia e de medicina do trabalho.
11. Relativamente ao parecer técnico requerido pelo sinistrado, bem como a posição do perito da entidade seguradora, considera o Tribunal o seguinte: tanto em sede de exame singular como em sede de junta médica pelos peritos do sinistrado e do Tribunal, fixaram os peritos precisamente a mesma IPP e IPATH. O perito da entidade seguradora não se pronunciou em junta médica, acabando por não concordar ou discordar com esta posição.
12. Temos, assim, que a maioria dos peritos se pronunciaram pela fixação de IPP e IPATH, sendo que esta, por sua vez, face às lesões e sequelas fixadas por unanimidade no exame médico e junta médica, coincide com o núcleo das funções exercidas pelo sinistrado, de acordo com o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho junto a fls. 8-9 dos autos, no sentido de ser um trabalho exercido permanentemente em pé.
13. Entende, assim, o Tribunal que face a este elemento documental não se justifica a realização do parecer técnico requerido pelo sinistrado.
14. Não tinha, pois, a Mta Juiz recorrida os elementos necessários e obrigatórios para poder determinar se o sinistrado se encontra afectado de IPATH, assim como não fundamentou minimamente a sua adesão à opinião neste sentido da maioria dos médicos que integraram a junta médica, sendo certo que estes também não fundamentaram essa sua opinião, pelo que a remessa para esse auto de junta médica implica, necessariamente, falta de fundamentação daquela decisão quanto à matéria de facto.
15. Acresce que, como já se aflorou, nos termos do artigo 21º nº 4 da LAT, “a convicção da atribuição de IPATH passa também, sob pena de insuficiência probatória, pela caracterização do trabalho habitual do sinistrado, da actividade exigida e no confronto com as reais sequelas advindas ao sinistrado em consequência do acidente” (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 16/11/2018, in www.dgsi.pt), sendo “que é aconselhável a requisição de parecer prévio de peritos especializados, designadamente dos serviços competentes do ministério pela área laboral. O que também resulta da instrução geral 13-b) da T.N.I.
16. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20-01- 2020, relatado pela Exma. Juíza Desembargadora Rita Romeira (disponível em www.dgsi.pt): “I - Assim, sempre que se encontre em discussão se as sequelas que o sinistrado apresenta, resultantes do acidente, lhe permitem ou não desempenhar aquele conjunto de tarefas que desempenhava aquando aquele e o laudo pericial não dê resposta, devidamente fundamentada e não existam outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a uma conclusão segura sobre essa questão, o juiz pode e deve requisitar pareceres prévios de peritos especializados, nomeadamente, dos serviços competentes do Ministério responsável pela área laboral (art. 21º, nº 4, da NLAT).
17. III – Tudo porque, o juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico, que não tem força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º, do CC e 489º do CPC).
18. IV – Pois, o exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI.
19. V - Se as conclusões a que chegaram os senhores peritos não se mostram fundamentadas, o Juiz não dispõe de todos os dados factuais essenciais para a formulação do juízo crítico subjacente à formação da sua convicção e, consequente, prolação de decisão sobre a fixação da incapacidade, particularmente, quando esta possa ser absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
20. No presente processo, não existem quaisquer pareceres prévios de peritos especializados, nomeadamente, dos serviços competentes do Ministério responsável pela área laboral, nem foi feita a caracterização do núcleo essencial do trabalho habitual do sinistrado e da actividade exigida e o confronto com as reais sequelas advindas ao sinistrado em consequência do acidente.
21. Assim como não está minimamente fundamentada a posição dos peritos médicos em que a Mta Juiz apoia a sua decisão de atribuição de IPATH, nem esta justifica essa decisão por qualquer outra forma na sua sentença.
22. Ao decidir que o sinistrado está afectado de uma incapacidade permanente parcial de (IPP) de 38,9250% (25,9500% x 1,5 pela idade), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), condenando a ora apelante a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de 5.584,57€, a partir de 21 de Janeiro de 2022, acrescida de subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de 4.300,91 € e a quantia de 24,00€ de despesas de transportes, bem como no fornecimento de ajudas medicamentosa e ajudas técnicas (tala anti-equino), a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 21º-4, 48º-3-b) e c), 67º-3 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e a instrução geral 13-b) da T.N.I. aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que essas decisões devem ser revogadas.
23. E substituídas por outra que julgue que as sequelas que afectam o sinistrado em consequência do acidente dos autos o desvalorizam em 38,9250% (25,9500% x 1.5) sem IPATH, a que corresponde a pensão anual de 1014,76€, com base na retribuição anual de 9.664,40€, com a correspondente absolvição parcial da recorrente dos pedidos formulados neste processo.
O sinistrado alegou, concluindo:
1. O objecto do recurso está delimitado pelas suas conclusões., sendo estas que balizam o conhecimento da decisão por parte deste Venerando Tribunal.
2. A recorrente pretende a alteração à matéria de facto dada como provada.
3. A recorrente não observou nenhum dos ónus estatuídos no artigo 640, nº 1 do CPC., pelo que deve o recurso ser rejeitado liminarmente.
4. Bem andou a douta sentença recorrida em considerar que o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 38,925% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de maquinista.
5. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
6. A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objecto de inspecção judicial (cfr. o artigo 388º do Código Civil e o 591º do Código de Processo Civil agora revogado, a que corresponde o artigo 489º do NCPC).
7. Nos termos do artigo 389º do Código Civil, que estatui sobre a prova pericial e a sua força probatória, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, pelo que a prova pericial, em que traduzem os exames médicos efectuados no quadro nas acções emergentes de acidente de trabalho, quer de natureza singular, quer colectiva, está sujeita à livre apreciação do julgador.
8. De acordo com a douta sentença recorrida, foi considerado o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho a fls. 8-9 quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, o que justificou, em virtude das lesões e sequelas fixadas, por unanimidade, seguir o enquadramento feito pela maioria dos peritos da junta médica.
9. Na verdade, todos os peritos médicos, incluindo o perito da ré seguradora, concordam quanto ao tipo de lesões e sequelas de que padeceu e padece o sinistrado.
10. E, se analisarmos bem a resposta aos quesitos, designadamente por parte do perito médico da seguradora, existe unanimidade de que o sinistrado se encontra numa situação de incapacidade para desempenhar as suas tarefas profissionais habituais, perlo menos, não discorda desse facto.
11. Se atentarmos à resposta aos quesitos 4 e 8, o senhor perito da ré seguradora entende que o sinistrado deveria ser submetido a uma Junta de Medicina do Trabalho apenas com o intuito de “verificaras readaptação do sinistrado ou não”.
12. Conclui-se que, se o perito médico da seguradora, quando coloca a questão de apurar-se quanto a uma eventual readaptação do posto de trabalho é porque admite que o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.
13. Considerando o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho a fls. 8- 9 quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, as exigências físicas que lhes estão associadas e as sequelas que é portador, conclui-se que o sinistrado está permanentemente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual, devido às sequelas em face dos elementos probatórios, nos quais se incluem os elementos médicos deles constantes respeitantes à incapacidade laboral permanente de que ficou a padecer o sinistrado em consequência do sinistro por si sofrido, cremos que não merece censura a decisão sob recurso ao proceder à ponderação global da prova, dentro dos parâmetros do princípio da livre apreciação da prova, e conferir prevalência à maioria pericial obtida na junta médica e que corrobora o resultado da pericial médica singular realizada no IML.
14. De referir ainda que, se a ré entendesse que o sinistrado deveria ter sido submetido a uma junta médica da especialidade de neurologia e de medicina do trabalho deveria fazê-lo, como meio de prova, aquando do requerimento inicial.
15. Finalmente, se o perito médico da ré entende que devia realizar-se uma Junta Médica de Medicina do Trabalho quanto à questão de readaptação ou não do posto de trabalho (como se viu, se se coloca a questão de readaptação do posto de trabalho é porque o sinistrado não consegue desempenhar as suas tarefas habituais), não pode, apenas com base nesta resposta, e num “golpe de magia” pretender que seja absolvida da condenação de IPATH.
16. Contudo, e como se referiu, face aos elementos reunidos no processo, a decisão recorrida entendeu estar munida dos necessários elementos de prova para a produção da decisão que proferiu e que deve manter-se.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer a que as partes não responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A questão colocada no recurso consiste em apreciar da irregularidade da perícia por junta médica, por falta de fundamentação, e consequente nulidade da sentença.

II. Fundamentação de facto:
Na sentença foram considerados como provados os seguintes factos:
A) AA nasceu em .../.../1959, sendo que, no dia 18/11/2020, pelas 08h15m, em ..., Paredes, sofreu um acidente de trabalho quando exercia as funções de operador de máquinas de móveis sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora;
B) O acidente ocorreu quando, ao pegar numa tábua de madeira, ficou com uma forte dor na perna, seguida de dor ao nível da coluna lombar com impotência funcional, do que resultou hérnia discal L4-L5 direita com pé pendente imediato;
C) A responsabilidade infortunística encontrava-se integralmente transferida para a seguradora demandada;
D) AA auferia a retribuição anual de €9.664,40;
E) AA teve alta médica em 20/01/2022;
F) A seguradora demandada reconheceu o acidente identificado em A) como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição anual identificada em D);
G) AA reclamou o pagamento de €24,00 de despesas de deslocação, ajudas medicamentosas e subsídio de elevada incapacidade permanente;
H) Em consequência do acidente dos autos resultou para o sinistrado lesão do nervo ciático poplíteo externo (CPE) associada a diminuição da sensibilidade em todo o membro inferior direito;
I) AA é portador, em consequência do acidente identificado em A), de uma IPP global de 38,9250%, e incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), estando dependente de ajudas medicamentosas e ajudas técnicas (tala anti-equino).
Para além destes factos, importa igualmente considerar, com relevância para a decisão, o que consta do relatório e o seguinte:
1. A seguradora apresentou os seguintes quesitos para junta médica:
1- Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que o sinistrado é portador?
2- Qual o seu enquadramento na T.N.I.?
3- Qual a natureza e grau de desvalorização que lhes corresponde?
4- Encontra-se o sinistrado permanentemente incapacitado para a profissão de maquinista?
5- Encontra-se o sinistrado dependente de ajudas medicamentosas?
2. O sinistrado apresentou os seguintes quesitos para junta médica:
1- Que tipo de lesões sofreu o sinistrado na sequência do acidente ocorrido em 18/11/2020?
2- Quais as sequelas que sinistrado padece atualmente em consequência do acidente?
3- Padece de alguma IPP? Qual o grau?
4- A IPP de que padece é enquadrável nas seguintes alíneas da TNI: Capitulo III- 6.2.1?
5- As sequelas são causa de incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH) de operador de máquinas? Justifique.
6- Encontra-se o sinistrado dependente de ajudas medicamentosos?
7- Padece ou não paralisia total do membro inferior direito?
8- O sinistrado consegue operar na esquadrejadeira, na tupia, no desengrosso, na orladora, na calibradora, na plaina?
9- O sinistrado consegue transportar/carregar peças de madeira e placas de madeira com diversos os tamanhos e pesos?
10- Consegue colocar as peças e tábuas de madeira nas máquinas e manobra-las e cortar nos tamanhos e formas desejadas?
11- Consegue serrar e aparelhar a madeira com diversos tamanhos e pesos?
12- Consegue carregar, manobrar e montar móveis?
13- Necessita do uso permanente de canadianas para caminhar?
3. Os Senhores peritos responderam aos quesitos da seguinte forma:
Quesitos de fls. 134:
Quesito 1º: Lesão do nervo ciático poplíteo externo (CPE) associada a diminuição da sensibilidade em todo o membro inferior direito
Quesito 2º: Ver Quadro anexo, por maioria dos peritos médicos do Tribunal e do sinistrado. Teve-se em conta a IPP de 13,5% referente a acidente de trabalho anterior. Pelo perito da seguradora foi dito que a IPP a atribuir deveria ser em Junta de Neurocirurgia, uma vez que o quadro sequelar é dessa especialidade
Quesito 3º: Ver quadro anexo
Quesito 4º: Por maioria (perito do Tribunal e Perito do sinistrado). Sim. Pelo perito médico da seguradora foi dito que o sinistrado deveria ser submetido a uma Junta de Medicina do Trabalho com o intuito de verificar a readaptação do sinistrado ou não
Quesito 5º: Sim e ajudas técnicas (tala anti-equino)
Quesitos de fls. 136 verso e quesitos de fls. 137:
Quesito 1º: Hérnia discal L4-L5 direita com pé pendente imediato
Quesito 2º: Lesão do nervo ciático poplíteo externo (CPE) associada a diminuição da sensibilidade em todo o membro inferior direito.
Quesito 3º: Sim. Ver quadro anexo
Quesito 4º: Não
Quesito 5º: Já respondido
Quesito 6º: Sim. Já respondido
Quesito 7º: Não
Quesito 8º a Quesito 13º: Por maioria (perito do Tribunal e Perito do Sinistrado). Sim. Pelo perito médico da seguradora foi dito que o sinistrado deveria ser submetido a uma Junta de Medicina do Trabalho com o intuito de verificar a readaptação do sinistrado ou não.

Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doençasCoeficiente de incapacidade Previstos na TabelaFator de Bonificação (se for caso disso)Outros fatores de correcção
III.6.2.20,20-0,501,5
Coeficientes Arbitrados (Incapacidades Parciais)Capacidade RestanteDesvalorização arbitrada
0,300,8650,2595 x 1,5 (idade) = 0,38925
Coeficiente Global de Incapacidade: 38,925%

III. O Direito
Irregularidade da perícia por junta médica e nulidade da sentença
Alega a recorrente: “para decidir quanto ao grau de incapacidade a atribuir ao sinistrado e para decidir pela atribuição de IPATH, a Mta Juiz recorrida apoiou-se no resultado daquela mesma maioria que entendeu que o sinistrado está afectado de IPATH, mas não justificou por qualquer forma essa atribuição, sendo certo que aqueles médicos também não o justificaram e que em momento algum do processo foi trazida a descrição de todos os actos que integram a profissão de técnico de telecomunicações e quais aqueles que o sinistrado efectivamente realizava no exercício da sua profissão habitual e quais aqueles que se mostrava impedido de realizar face às sequelas consideradas e quais aqueles que conseguia realizar, embora com as dificuldades acrescidas e inerentes à IPP que lhe foi atribuída. Da falta de alegação de tais factos resulta, naturalmente, a impossibilidade de os provar ou dar como provados e de requisitar prévio parecer sobre eles de peritos especializados quanto à existência de IPATH. (...) Não tinha, pois, a Mta Juiz recorrida os elementos necessários e obrigatórios para poder determinar se o sinistrado se encontra afectado de IPATH, assim como não fundamentou minimamente a sua adesão à opinião neste sentido da maioria dos médicos que integraram a junta médica, sendo certo que estes também não fundamentaram essa sua opinião, pelo que a remessa para esse auto de junta médica implica, necessariamente, falta de fundamentação daquela decisão quanto à matéria de facto.”
Respondeu o sinistrado: “A recorrente pretende impugnar a matéria facto dada como provada, no sentido de não ser atribuída IPATH ao sinistrado. PORÉM, E sob pena de rejeição, deve o recorrente obrigatoriamente especificar:- Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. - Quais concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. - A decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os concretos pontos de facto impugnados. Tudo nos termos do artigo 640, nº 1 do CPC. ORA A Recorrente não observou nenhum daqueles ónus. PELO QUE Deve o recurso ser rejeitado no que se refere à pretensão da recorrente quanto à impugnação à matéria de facto.”
Nos termos do disposto no art. 140º, nº 2, do CPT, a decisão que fixa a natureza e grau de incapacidade “só pode ser impugnada no recurso a interpor da sentença final.”
A recorrente vem invocar a falta de fundamentação da decisão pericial, e, por inerência, da decisão proferida relativamente à atribuição ao sinistrado de IPATH.
Este Tribunal da Relação do Porto vem entendendo uniformemente que, se a decisão da primeira instância, que fixa o grau de incapacidade permanente de que ficou afectado o sinistrado em consequência de acidente de trabalho, e se pronuncie sobre a IPATH, o faz por referência apenas ao auto de perícia por junta médica, como aconteceu no caso vertente, e nesse auto pericial não estão descritos de modo completo os elementos de facto indispensáveis àquela fixação, estas deficiências do laudo da junta médica, para cujo conteúdo a decisão remete, implicam insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e justificam a anulação da decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, alínea c), do CPC (conforme o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 22 de Maio de 2019, processo 3770/15.8T8OAZ.P1, acessível em www.dgsi.pt.
Ou seja, os fundamentos da alteração pedida não se devem encontrar na impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC, nem ma invocação da nulidade da decisão, por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do mesmo Código, mas sim nos termos apontados, o que entendemos fez a recorrente, ainda que não invoque o aludido preceito (art. 662º, nº 2, alínea c), do CPC).
Assim, importa conhecer de tal questão.
Quanto à falta de fundamentação da perícia acrescenta o sinistrado recorrido:
“De acordo com a douta sentença recorrida, foi considerado o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho a fls. 8-9 quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, o que justifica em virtude das lesões e sequelas fixadas por unanimidade pelo que decidiu seguir o enquadramento feito pela maioria dos peritos da junta médica.
Por outro lado, é de referir que todos os peritos médicos, incluindo o perito da ré seguradora, concordam quanto ao tipo de sequelas de que padece o sinistrado.
Isto é, existe unanimidade quanto às sequelas de que padece o sinistrado.
E, se analisarmos bem a resposta aos quesitos, designadamente por parte do perito médico da seguradora, existe unanimidade de que o sinistrado também padece de uma IPATH.
Com efeito, o perito médico da seguradora não discorda do facto de o sinistrado se encontrar incapaz para desempenhar as suas tarefas profissionais habituais.
Se atentarmos à resposta aos quesitos 4 e 8, o senhor perito da ré seguradora entende que o sinistrado deveria ser submetido a uma Junta de Medicina do Trabalho com o intuito de readaptação do sinistrado ou não.
Ora se o perito médico da seguradora, quando coloca em causa apurar-se quanto à uma eventual readaptação do posto de trabalho é porque admite que o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.
Considerando o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho a fls. 8-9 quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, as exigências físicas que lhes estão associadas e as sequelas que é portador, conclui-se que o sinistrado está permanentemente incapaz para o exercício do seu trabalho habitual, devido às sequelas em face dos elementos probatórios, nos quais se incluem os diversos elementos médicos deles constantes respeitantes à incapacidade laboral permanente de que ficou a padecer o sinistrado em consequência do sinistro por si sofrido, cremos que não merece censura a decisão sob recurso ao proceder à ponderação global da prova, dentro dos parâmetros do princípio da livre apreciação da prova, e conferir prevalência à maioria pericial obtida na junta médica e que corrobora o resultado da pericial médica singular realizada no IML.”
Consta da sentença, na parte da motivação da decisão relativa à matéria de facto:
“A matéria de facto dada como provada resultou, no que se refere aos pontos A) a G), do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos.
No que diz respeito aos pontos H) e I), resulta do teor dos autos de exame por junta médica, por maioria dos peritos nos termos dados como provados e em conformidade com o teor dos exames médicos constantes dos autos, nos termos já supra expostos.
De acordo com o disposto no artigo 388º do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objecto de inspecção judicial”, sendo que, em sede de acidentes de trabalho, é legalmente imposta a realização de exames médicos com vista ao apuramento das lesões sofridas pelo sinistrado, nexo causal com o acidente de trabalho e as incapacidades provocadas por aquelas (cfr. artigos 101º, 105º, 117º, 138º e 139º, todos do CPT), por se tratar de factos que pressupõem conhecimentos médicos que o julgador não domina, não podendo este utilizar a sua ciência privada e substituir-se aos peritos.
Assim, o resultado da avaliação pericial, apesar de não constituir um juízo vinculativo do Tribunal, é-lhe de grande auxílio, uma vez que importa para os autos os elementos objectivos e técnicos imprescindíveis à formação da convicção do julgador, sobretudo se se verificar a carência de outros elementos objectivos que permitam outra conclusão.
Sendo que, quando haja disparidade entre os peritos do Tribunal e os outros, deve merecer a preferência do julgador o laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica, de presumir.
No caso em apreço, os peritos do tribunal e do sinistrado concluíram pela IPP e IPATH fixada em exame médico na fase conciliatória, nos termos dados como provados. O perito da seguradora limitou-se a indicar juntas de especialidade.
Por outro lado, e no que se refere à IPATH, foi ainda considerado o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho junto a fls. 8-9 dos autos quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, o que a justifica em virtude das lesões e sequelas fixadas por unanimidade, como já supra referido, pelo que se decide seguir o enquadramento feito pela maioria dos peritos da junta médica.”
Sobre a questão pronunciou-se esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 8 de Janeiro de 2018, processo 234/16.6T8VLG.P1, subscrito pelos aqui relator e primeiro adjunto como adjuntos, ao que se supõe não publicado, nos seguintes termos:
“Como o seu nome indica, na IPATH o trabalhador fica, de forma permanente, totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual e com uma incapacidade parcial (IPP) para o exercício de outro, diferente, trabalho.
Como diz José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª Edição, 1983, Livraria Petrony, p.97, considerações que, sendo embora tecidas a propósito da Base XVI, nº 1, al. b), da então Lei 2127, de 3.08.65, são aplicáveis no âmbito do art. 17º da Lei 100/97 e do art. 48º, nº 3, al. b), da Lei 98/2009, “a fixação do regime especial para os casos da al. b), resultou da consideração lógica (consagrada em legislação estrangeira) de que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é sempre mais grave do que uma diminuição parcial da mesma amplitude fisiológica, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exigindo por isso uma compensação maior”.
O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional.
A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma mera IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual.
Tal questão tem a natureza de questão de facto, prende-se com a determinação da incapacidade e deverá ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, e/ou exame por junta médica, na fase contenciosa do mesmo). [Arts. 105º e 139º, respetivamente, do CPT aprovado pelo DL 480/99, de 09.11, alterado pelo DL 295/2009, de 13.10 (CPT/2009).
Todavia, o laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não têm força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), sem prejuízo, todavia, de a eventual divergência dever ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária por se tratar de matéria em que o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos.
Mas, importa também referi-lo, definidas e enquadradas que sejam, na TNI, as lesões que o sinistrado apresente (questão esta de cariz essencialmente técnico/médico), o juízo a fazer quanto à questão de saber se as mesmas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação de diversos outros aspetos, como o tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
Ora, neste âmbito, apresenta-se da maior importância que o laudo da junta médica se encontre devidamente fundamentado, para que se entenda a razão de, na perspetiva da junta médica, as sequelas determinarem, ou não, IPATH, tanto mais quando, como ocorre no caso em apreço, no exame médico singular foi considerado que estar a A. afetada de tal incapacidade (IPATH).
E poderá também mostrar-se relevante a realização do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as als. a) e b) do nº 13 das Instruções Gerais das TNI, bem como a requisição, pelo tribunal de 1ª instância e se tal se mostrar necessário, de parecer(es) prévio(s) por parte de peritos especializados a que se reporta o art. 21º, nº 4, da Lei 98/2009.
Refira-se que tais pareceres poderão ser, entre outras entidades, solicitados ao Instituto de Emprego e Formação Profissional e aos Centros de Reabilitação Profissional, entidades que, pelas atribuições, competências e atividades que levam a cabo, se mostram especialmente habilitadas.”
Sobre a função da prova pericial em sede de acidente de trabalho, considerou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2020, proferido no âmbito do processo 2651/17.5T8PNF.P2, acessível em www.dgsi.pt e relatado pelo aqui primeiro adjunto, o seguinte:
“Este exame inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio deprova (artigos 467º e seguintes do CPC).
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art. 388º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 578].
Por conseguinte, as respostas aos quesitos dos Senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas. Justamente por isso, importa não esquecer, o nº 8, do Anexo I, da TNI, estabelece o seguinte: “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 185/186]
Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por caber ao Juiz decidir na sua livre convicção, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência, dependentes, desde logo, quer da natureza da questão de facto objecto da perícia quer da clareza e suficiência da fundamentação do relatório pericial.
E, para assim poder proceder, certo é, também, que em qualquer caso é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.”
Analisando o caso dos autos:
Respondem os Srs. Peritos ao quesito 4º, formulado pela recorrente/seguradora (“Encontra-se o sinistrado permanentemente incapacitado para a profissão de maquinista?”), por maioria, com um lacónico “sim”, respondendo ao quesito 5º, formulado pelo sinistrado (“As sequelas são causa de incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH) de operador de máquinas? Justifique.”), com “Já respondido”. Fica, portanto, por esclarecer porque motivo os Srs. Peritos concluíram pela IPATH do sinistrado.
É certo que se considerou na motivação da decisão quanto ao facto provado que, “no que se refere à IPATH, foi ainda considerado o inquérito profissional e estudo do posto de trabalho junto a fls. 8-9 dos autos quanto ao exercício das funções pelo sinistrado em pé, o que a justifica em virtude das lesões e sequelas fixadas por unanimidade, como já supra referido, pelo que se decide seguir o enquadramento feito pela maioria dos peritos da junta médica”. E, efectivamente, responderam os Srs. Peritos que o sinistrado sofreu “Lesão do nervo ciático poplíteo externo (CPE) associada a diminuição da sensibilidade em todo o membro inferior direito”, em resposta ao quesito 1º da recorrente. Ora, esta silogismo, embora lógico, não assenta em matéria de facto relativa às funções especificamente desempenhadas pelo sinistrado, para se poder alicerçar o mesmo.
Acresce que, aos quesitos formulados pelo sinistrado relativamente à possibilidade de, com as lesões referidas na perícia (quesito 1º da seguradora e quesitos 1º e 2º do sinistrado), o sinistrado poder desenvolver determinadas actividades, descritas nos quesitos 8º a 12º, os Srs. Peritos responderam, por maioria, “sim”. A saber, responderam “sim” às seguintes perguntas: “8- O sinistrado consegue operar na esquadrejadeira, na tupia, no desengrosso, na orladora, na calibradora, na plaina? 9- O sinistrado consegue transportar/carregar peças de madeira e placas de madeira com diversos os tamanhos e pesos? 10- Consegue colocar as peças e tábuas de madeira nas máquinas e manobra-las e cortar nos tamanhos e formas desejadas? 11- Consegue serrar e aparelhar a madeira com diversos tamanhos e pesos? 12- Consegue carregar, manobrar e montar móveis?”. E igualmente responderam afirmativamente à questão “13- Necessita do uso permanente de canadianas para caminhar?”, o que se apresenta contraditório.
Ou seja, mesmo que se possa admitir lapso na redacção da resposta aos quesitos 8º a 13º do sinistrado, dada a semelhança com a resposta ao quesito 4º da seguradora, não podiam as mesmas sustentar a decisão quanto à atribuição da IPATH.
Por outro lado, como se vê, o laudo pericial não se encontra minimamente fundamentado no que respeita à atribuição da IPATH.
Importa, portanto, que o Tribunal “a quo” mande repetir a junta médica e, no uso do disposto no art. 139º, nº 7, do CPT, devendo eventualmente determinar previa elaboração de Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual, pelo Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, podendo-se ainda eventualmente elaborar novos quesitos em complemento dos quesitos 8º a 12º do sinistrado, apresentando então novas respostas devidamente fundamentadas, ou fundamentar o parecer nos mesmos termos.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, anulando-se a sentença recorrida, nos termos do artigo 662º, nº 2, al. c), do CPC, devendo o Tribunal de primeira instância mandar repetir a junta médica e, no uso do disposto no art. 139º, nº 7, do CPT, devendo eventualmente determinar previa elaboração de Relatório de Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual, pelo Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, podendo-se ainda eventualmente elaborar novos quesitos em complemento dos quesitos 8º a 12º do sinistrado, apresentando então novas respostas devidamente fundamentadas, ou fundamentar o parecer nos mesmos termos.

Custas pela parte vencida a final.


Porto, 5 de Junho de 2023
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes