Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11679/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RP2024020811679/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nas acções paulianas e segundo o disposto no art.º 618º do Código Civil, “o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.”
II - Nestes casos e uma vez que não é a excepção de prescrição que está em causa, não pode ser aplicado ao caso o disposto no artigo 323º, nº1 do CC, sendo pois irrelevante a data da citação de quem é demandado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 11679/21.0T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto


Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Paulo Dias da Silva
Isabel Silva




Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório:
AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra A..., Lda. e B..., Lda., todos devidamente identificados nos autos, pedindo a final, caso se verifiquem os requisitos para se julgar procedente a impugnação pauliana, que se declare o direito (do Autor) à restituição, na medida do seu interesse, do direito e acção que a primeira Ré tinha sobre os bens melhor identificados nos artigos 15º e 16º da petição inicial, mais se reconhecendo (ao Autor) o direito a executar tal direito e acção no património da segunda Ré.
Tramitado o processo, após a contestação das Rés, realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou procedente a excepção peremptória de caducidade suscitada pelas Rés e também por não resultar provada a factualidade invocada, se julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição das Rés do pedido contra elas formulado pelo Autor.
O Autor veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Ré B... Lda. contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autose efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como sendo o válido, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
I
Como sintetizado na douta sentença recorrida, o objecto do litígio é:
“O Autor instaurou a presente acção, peticionando a final, caso se verifiquem os requisitos para se julgar procedente a impugnação pauliana, se declare o direito (do Autor) à restituição, na medida do seu interesse, do direito e acção que a primeira Ré tinha sobre os bens melhor identificados nos artigos 15º e 16º da petição inicial, mais se reconhecendo (ao Autor) o direito a executar tal direito e acção no património da segunda Ré.”
II
Na sequência da realização da audiência de discussão e julgamento, o Meritíssimo Juiz a quo determinou os factos provados e não provados e, em consequência e como resulta do dispositivo da douta sentença recorrida, decidiu:
- julgar a acção improcedente com a consequente absolvição das Rés do pedido contra elas formulado, dada a procedência da exceção perentória de caducidade suscitada pelas Rés e também por não resultar provada a factualidade invocada.
III
A discordância do Autor relativamente à douta sentença recorrida decorre, desde logo, da existência de uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova carreados para os autos e a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, no tangente à factualidade considerada não provada, bem como quanto à aplicação do direito.
IV
Concretamente, o Autor Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto atinente a todos os factos considerados não provados, ou seja, factos não provados n.º 1, 2, 3 e 4.
V
Com efeito, entende o Autor Recorrente que os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento a respeito da materialidade em causa nos pontos de facto impugnados não têm a virtualidade probatória que o Meritíssimo Juiz a quo lhes conferiu na formação da sua convicção e, portanto, enquanto sustentáculo da decisão sobre a matéria de facto, impõem decisão diametralmente oposta à que foi proferida.
VI
Pelo que, salvo o devido respeito, em virtude de erro na apreciação das provas, os aludidos pontos de facto foram incorrectamente julgados e, por consequência, impõe-se, quanto a eles, proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, conforme seguidamente se passa a demonstrar.
VII
Infere-se de toda a prova produzida nos autos, que o Autor Recorrente e a primeira Ré Recorrida desenvolveram uma relação laboral de trabalhador e empregador, respectivamente, no período que medeia entre 08/01/1996 e 17 de Outubro de 2013, data em que o Autor Recorrente foi despedido pela Ré Recorrida.
VIII
E que esse despedimento foi fundamento de uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tendo sido a primeira Ré ali condenada a proceder ao pagamento ao Autor uma indemnização que incluía retribuições, antiguidade e despesas médicas, acrescidas de juro, no valor global de € 14.807,59 (catorze mil, oitocentos e sete euros e cinquenta e nove cêntimos).
IX
Nunca a Ré procedeu voluntariamente a tal pagamento, o que motivou a instauração de uma acção executiva destinada a obter a satisfação do crédito do Autor Recorrente; todavia, tal não foi possível.
X
De facto, a primeira Ré Recorrida não tinha bens penhoráveis que permitissem a satisfação do seu crédito e, tal ocorreu, porque em 11-02-2016 procedeu à transmissão dos veículos automóveis e dos restantes bens móveis (instrumentos de trabalho) à segunda Ré Recorrida.
XI
Este acto envolveu uma diminuição patrimonial, colocando-se a primeira Ré Recorrida numa posição de impossibilidade de satisfazer o crédito do Autor que bem sabia ser devido, já que o crédito é anterior à transmissão.
XII
As Rés Recorridas agiram com má-fé com a consciência do prejuízo que iriam causar ao Autor na qualidade de credor, pois de forma dolosa, impediram e impedem a satisfação do direito do Autor Recorrente.
Ora.
XIII
Perante o exposto, dúvidas não restam quanto à existência de uma errada qualificação e apreciação dos factos não provados, notando-se até contradições entre os mesmos, pelo que se impõe a sua alteração.
Senão vejamos.
XIV
Quanto ao facto não provado n.º 1, o Tribunal a quo deu como não provado:
“Que a 1ª Ré, em 19/1/2016, era proprietária dos seguintes bens móveis:
- estufa composta por duas portas, máquina nº 256, modelo EE, com o valor atribuído de €5.000;
- um compressor, marca “C...”, com o valor atribuído de € 100;
- uma bancada, composta por tampos em inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €100;
- uma bancada composta por tampos e inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €100;
- uma bancada composta por tampos e inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €200;
- uma bancada em inox (várias peças), com o valor atribuído de €200;”
XV
E fê-lo com base na ausência de prova quanto aos mesmos.
XVI
No entanto, a testemunha BB confirmou a existência de uma bancada em inox e de uma estufa, pertencentes à 1.ª Ré Recorrida que coincidem com o ponto 1 e com os pontos 3 a 6 da relação de bens constante do facto não provado n.º 1, conforme se infere das suas declarações na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligência_11679-21.0T8PRT_2022-10-11_14-25-08:
00:04:34
“Mandatária do Autor – Diga-me uma coisa, sabe-me dizer, portanto, se eu lhe falar, por exemplo, de uma bancada composta em tampos de inox. O Senhor sabe-me dizer o que é isto?
Testemunha – uma, desculpe?
Mandatária do Autor – uma bancada. Em inox.
Testemunha – uma bancada, é uma mesa onde nós trabalhamos. É uma mesa como essa que a Senhora tem aí à frente só que tem, é, em aço.
Mandatária do Autor – e sabe a quem é que pertenciam estas mesas?
Testemunha – As mesas, parece que o Senhor CC comprou umas mesas, uma mesa vibratória, mas já não é do meu tempo, isso já não é do meu tempo porque eu estava a trabalhar depois no pai e ele, não sei, tinha a A... e depois voltou, a empresa outra vez a A.... Mas já não é do meu tempo essas coisas. Aquilo que eu ouvi dizer é que ele tinha uma mesa vibratória, tinha, salvo erro, uma estufa. Foi o que ouvi dizer. Não vi.
Mandatária do Autor – E diga-me uma coisa: quem é que lhe disse?
Testemunha – Dizia-me o Senhor AA e um funcionário dele com quem me dou muito bem, é o Senhor DD (…)”
XVII
O mesmo se diz da testemunha EE que confirmou que a 1.ª Ré Recorrida tinha vários bens móveis, tais como veículos automóveis, máquinas e que inclusivamente, houve uma relação dos bens pertencentes à 1.ª Ré Recorrida que estavam penhorados e que foram alienados para terceiros como forma de não pagamento do valor em dívida ao Autor Recorrente.
XVIII
Vide declarações da testemunha EE, na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligencia_11679-21.0T8PRT_2022-10-11_14-33-37:
00:09:07
“Mandatária do Autor – Sabe se a A... tinha algum bem?
Testemunha – Pelo que o meu irmão dizia, sim. Tinha carros, tinha máquinas e eu já não sei o nome das máquinas. São máquinas muito específicas. Mas houve uma relação dos bens que estavam penhorados, mas até agora…
Mandatária do Autor – E sabe-me dizer se existiam bens numa empresa e que depois deixaram de existir?
Testemunha – Sim.”
00:11:44
“Testemunha – eles mexem, eles passam bens, eles mudam nomes e seja o que for (…)”
XIX
E mesmo nas declarações de parte do Autor Recorrente foi confirmado que quando se fizeram as diligências de penhora, já não existiam bens, pois os bens teriam passado para a propriedade da 2.ª Ré, não obstante e originariamente, pertencerem à 1.ª Ré Recorrida. - Vide declarações na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligencia_11679-21.0T8PRT_2022-10-11_14-48-40: 00:05:04
“Autor – A seguir o solicitador foi lá para penhorar as coisas e havia algumas que já não estavam lá, estavam no B....
Mandatária do Autor – Portanto, aquilo que me está a dizer é que havia bens na A... e que depois já não estavam lá, estavam noutra empresa. É isso?”
00:05:53
“Mandatária do Autor – Diga-me uma coisa: e os bens que existiam eram de que empresa?
Autor – o berbequim, (imperceptível), as mesas, foi ele que comprou.
Mandatária do Autor – Ele quem?
Testemunha – o Doutor CC.
Mandatária do Autor – E o Doutor CC, era quem, na A...? “
00:06:59
“Mandatária do Autor – Para além desses bens, que bens é que se recorda neste momento que pertenciam à A... e, como disse, ainda há pouco, passaram depois ou acredita que passaram para o B...?
Autor – Quando a C... fechou, passou tudo para a A....
Mandatária do Autor – Quando a C... fechou?
Autor – Passou tudo a ser A....
Mandatária do Autor – Foi integrado no património da A.... É isso? Muito bem. E que bens são esses recorda-se?
Autor – mesas de inox, compressor, máquinas, compressor de (imperceptível) azulejos.
Mandatária do Autor – Certo.
Autor – uma estufa.”
00:09:46
“Mandatária do Autor – e os instrumentos, os tais instrumentos que ainda há pouco estava a referir, uma estufa, aquelas mesas e tudo o mais, portanto, estava-me a dizer que passou tudo para o B..., é isso?
Autor – Sim, sim, sim. É isso.”
XX
Nesse sentido, resulta da análise dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte do Autor que os bens relacionados no ponto 1 dos factos não provados pertenciam à 1.ª Ré Recorrida, depoimentos que conjugados com o auto de penhora junto aos autos com a petição inicial como documento n.º 6, impõem que aquele facto não provado n.º 1 passe para os factos provados.
XXI
Atente-se que a douta sentença recorrida não dá relevância ao auto de penhora com a relação dos bens móveis penhorados pertencentes à 1.ª Ré Recorrida; pelo contrário, desconsiderou-o perante uma notificação posterior levada a efeito pelo Agente de Execução, através da qual se notifica o Autor da extinção da acção executiva por inexistência de bens.
XXII
O auto de penhora é um documento autêntico e, enquanto tal, faz prova plena dos factos que nele são atestados, sendo que a sua força probatória só poderá ser ilidida com base na falsidade do mesmo. – vide art.º 371.º e 372.º do Cód. Civil.
XXIII
Nos presentes autos, não foi colocada em causa a autenticidade ou falsidade do auto de penhora, pelo que o mesmo era mais que suficiente para fazer prova da propriedade dos bens elencados no ponto 1 dos factos não provados, ou seja, que os bens pertenciam à 1.ª Ré Recorrida.
XXIV
Pelo que o facto não provado n.º 1 deverá passar para os factos provados, o que se requer.
XXV
Quanto aos factos não provados n.º 2, 3 e 4, considerou o Tribunal a quo como não provado:
“2. Que quando CC, em 27/3/2015, renunciou à gerência da 2ª Ré, já bem conhecia a condenação da 1ª Ré e por forma a tentar camuflar as transacções entretanto levadas a efeito com a 2ª Ré
3. Que quando a 2ª Ré declarou ter adquirido a estufa composta por duas portas, máquina nº 256, modelo EE, com o valor atribuído de €5.000, em Abril de 2015, já o acórdão do Tribunal da Relação do Porto era do conhecimento da 1ª Ré;
4. Que a 2ª Ré, desde que foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, usufrui dos instrumentos de trabalho da 1ª Ré e utiliza o seu estaleiro, ali laborando de forma graciosa;”
XXVI
E fê-lo com recurso ao disposto no art.º 414.º do Cód. de Proc. Civil, ou seja, havendo dúvida sobre a realidade dos factos, a mesma deverá ser resolvida contra a parte a quem tal factualidade aproveita, explicando a decisão (negativa) tomada a propósito dos pontos 2), 3) e 4) dos factos não provados.
Ora.
XXVII
Como pode o Tribunal a quo aplicar o art.º 414.º do Cód. de Proc. Civil quando as testemunhas revelaram conhecimento directo dos factos ali elencados, sem prejuízo dos documentos juntos aos autos que atestam as datas ali mencionadas.
Vejamos.
XXVIII
A testemunha BB revelou que tem conhecimento de que a 1.ª Ré Recorrida não procedeu ao pagamento do valor em dívida ao Autor – vide declarações na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligência_11679- 21.0T8PRT-2022-10-11-14-25-08;
00:06:08
“Mandatária do Autor – Há pouco tinha falado de uma possível indenização que o Senhor AA teria, sabe-me dizer o que é que aconteceu? Sabe-me dizer o que é que se passou?
Testemunha – Sei dizer que ele disse que nunca mais recebia. Que o Senhor CC já, não pagava.”
XXIX
O mesmo se diz da testemunha EE que confirmou a conduta astuta que a 1.ª Ré Recorrida revelou ao retirar os bens da sua titularidade de forma a colocá-lo a salvo dos credores, máxime, do Autor Recorrente, tendo-o feito já com a acção executiva em curso, ou seja, com os créditos judicialmente reconhecidos, frustrando-se assim o pagamento do valor em dívida ao Autor Recorrente.
XXX
Vide declarações da testemunha EE, na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligencia_11679-21.0T8PRT_2022-10-11_14-33-37:
00:02:20
“Testemunha – (…) nunca pagaram. O meu irmão tem gasto sempre muito dinheiro para fazer isto andar para a frente, para os bens deles não poderem mexer. Não adiantou. eles conseguiram, passaram empregados, empresas, não sei como é que fizeram, mas até à data, o dinheiro nunca foi pago.
00:06:48
“Mandatário do Autor – Muito bem. E diga-me uma coisa e depois disso, a empresa, a antiga entidade empregadora pagou algum valor, não pagou?
Testemunha – nunca. Nem fez questão, nem fez questão, nem mostrou vontade de pagar.
Mandatária do Autor – e o que é que foi feito a seguir?
Testemunha – pelo meu irmão, sei que teve de pagar a solicitadores para fazer parte do processo e para eles não poderem mexer nos bens e poder vender e ter alguma coisa para poder ir buscar o dinheiro e…
Mandatário do Autor – Terá sido um processo executivo, é isso?
Testemunha – Penso que sim, é essa a palavra.”
00:08:14
“Mandatária do Autor – E diga-me uma coisa, conseguiram, nesse processo executivo, foi possível penhorar alguma coisa?
Testemunha – Não. porque do que tive conhecimento pelo meu irmão também, eles tinham o B... que é muito próximo da nossa antiga casa, numa galeria. Esse museu foi fechado, mas as pessoas passaram para a outra empresa. Foram feitas coisas que vão-me desculpar, a minha posição aqui não é julgar, mas foram feitas coisas que a leitura só pode mostrar que foi má-fé. Portanto, nada foi conseguido mesmo com isso.”
00:09:03
Mandatário do Autor – Sabe se a empresa, a A... tinha algum bem?
Testemunha – Sim pelo que o meu irmão dizia tinha carros, tinha máquinas, eu não sei dizer o nome das máquinas. São máquinas muito específicas, mas houve uma relação dos bens que estavam penhorados, mas até agora…
00:09:34
Testemunha – o B... existiu e deixou de existir. E penso que era a A..., penso que houve aí uma coisa, isso realmente, ou era dono ou sócio e depois deixaram de ser sócios, isto foram assim jogadas, desculpe, que eu não entendo, que… mas é assim, os funcionários existem, os funcionários são os mesmos.
Mandatário do Autor – ou seja, está a dizer que os funcionários do B... são os mesmos que…
Testemunha – os que estavam, os que estavam porque ele passou para outras empresas, do que tenho conhecimento e do que o meu irmão tem conhecimento, são os mesmos funcionários.
Mandatária do Autor – e diga-me uma coisa: sabe ou tem conhecimento porque é uma coisa mais específica, quem é o sócio-gerente de uma sociedade e outra?
Testemunha – assim, no papel? No papel, não sei. No geral era o senhor que não me lembro do nome dele. Era ele que estava à frente de tudo, é o ex patrão do meu irmão. Não me lembro do nome dele. Era o engenheiro…não me lembro do nome dele. Mas depois havia outras pessoas que eram sócios, não lhe sei explicar muito bem. Isso ultrapassa-me um pouco.
Mandatário do Autor – há pouco estava a referir e utilizou uma expressão, corrija-me se eu estiver errada, mas utilizou uma expressão em que disse que aquela questão era uma questão de jogadas, ou seja, estas alterações de uma empresa para a outra eram jogadas.
Testemunha – é assim, eu vou falar como ninguém, como uma pessoa que não entende nada disto. Mas à partida, eu, se um juiz, um tribunal me diz que eu tenho de indemnizar alguém e que as coisas têm de ser feitas como o Tribunal decretou. A partir dessa data, eles mexem, eles passam bens, eles mudam nomes e seja o que for e isso para mim, no meu entender, isso são jogadas. São atitudes de má-fé.”
XXXI
E mesmo nas declarações de parte do Autor Recorrente foi confirmado que quando se fizeram as diligências de penhora, já não existiam bens, pois os bens teriam passado para a propriedade da 2.ª Ré. - Vide declarações do Autor Recorrente AA na sessão de 11-10-2022, gravação n.º Diligencia_11679-21.0T8PRT_2022-10-11_14-48-40:
00:05:04
“Autor – A seguir o solicitador foi lá para penhorar as coisas e havia algumas que já não estavam lá, estavam no B....
Mandatária do Autor – Portanto, aquilo que me está a dizer é que havia bens na A... e que depois já não estavam lá, estavam noutra empresa. É isso?”
00:05:53
“Mandatária do Autor – Diga-me uma coisa: e os bens que existiam eram de que empresa?
Autor – o berbequim, (imperceptível), as mesas, foi ele que comprou.
Mandatária do Autor – Ele quem?
Testemunha – o Doutor CC.
Mandatária do Autor – E o Doutor CC, era quem, na A...? “
00:06:59
“Mandatária do Autor – Para além desses bens, que bens é que se recorda neste momento que pertenciam à A... e, como disse, ainda há pouco, passaram depois ou acredita que passaram para o B...?
Autor – Quando a C... fechou, passou tudo para a A....
Mandatária do Autor – Quando a C... fechou?
Autor – Passou tudo a ser A....
Mandatária do Autor – Foi integrado no património da A.... É isso? Muito bem. E que bens são esses recorda-se?
Autor – mesas de inox, compressor, máquinas, compressor de (imperceptível) azulejos.
Mandatária do Autor – Certo.
Autor – uma estufa.”
00:09:46
“Mandatária do Autor – e os instrumentos, os tais instrumentos que ainda há pouco estava a referir, uma estufa, aquelas mesas e tudo o mais, portanto, estava-me a dizer que passou tudo para o B..., é isso?
Autor – Sim, sim, sim. É isso.”
XXXII
Por outro lado, foram juntas aos autos as decisões do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal da Relação do Porto que confirmam quais os valores devidos pela 1.ª Ré Recorrida ao Autor Recorrente, que por sua vez, são anteriores ás alienações ocorridas, bem como os documentos atinentes à renúncia da gerência da 1.ª Ré Recorrida.
XXXIII
Assim, os factos não provados n.º 2, 3 e 4 haveriam de constar dos factos provados, o que se requer.
Posto isto.
XXXIV
Os diversos segmentos dos depoimentos, supratranscritos bem como os documentos, apreciados criticamente e concatenados entre si determinam um resultado diverso do decidido pelo Tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados.
XXXV
Fazendo a devida apreciação crítica dos citados depoimentos, segundo critérios de normalidade e de razoabilidade e tendo presentes as regras de experiência comum, a decisão seria no sentido de julgar a acção totalmente procedente por provada.
XXXVI
Nesta conformidade, o Autor Recorrente propugna que deve ser proferida a seguinte decisão sobre as questões de facto impugnadas:
- Factos não provados dos n.º 1, 2, 3 e 4 passarem para factos provados.
XXXVII
A alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos termos acima propugnados, tem necessária e inequivocamente impacto na apreciação jurídica da causa.
XXXVIII
Sem prescindir quanto ao acima alegado e para o caso de, por um lado, ser mantida a decisão de procedência da acção proferida pelo Tribunal a quo, sempre se dirá que a douta sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação do art.º 323.º, n.º 2 do Cód. Civil.
XXXIX
Entende o Tribunal a quo que, o prazo de cinco anos para a interposição da impugnação pauliana (art.º 618.º do Cód. Civil), tendo em consideração a data de alienação dos veículos automóveis (16-02-2016) e o período de suspensão dos prazos processuais em virtude da legislação excepcional produzida durante o período pandémico (Lei n.º 1-A/2020 e Lei n.º 4-B/2021), conjugado com a regra de interrupção da prescrição previsto no art.º 323.º, n.º 2 do Cód. Civil, terminou no dia 17-07-2021 e,
XL
Apesar de a acção de impugnação pauliana ter dado entrada em juízo no dia 13-07-2021 e ter sido deferida a citação urgente das Rés Recorridas, considera-se que a prescrição só foi tida como interrompida decorridos 5 dias depois da entrada da acção, ou seja, a 18-7-2021.
XLI
Pelo que, em conformidade, impõe-se a procedência da excepção de caducidade quanto aos dois veículos automóveis.
XLII
Desde logo e no que tange à legislação excepcional promulgada durante o período da pandemia, o Meritíssimo Juiz a quo, pese embora considere o período de suspensão, cita o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-3-2023, acessível em www.dgsi.pt com o nº 41/21.4 T8CLB.G1, do qual se infere que os períodos de suspensão de prazos ocorridos entre 09-03-2020 e 03-06-2020 e 22-0-2021 e 05-04-2021, definidos por lei, não podem ser interpretados no sentido de criar uma situação de duplicação do período de suspensão e do período de alargamento do prazo. (negrito e sublinhado nosso)
XLIII
De facto, existe jurisprudência posterior ao citado acórdão que considera que houve, de facto, um alargamento do prazo, porém tal alargamento teve como fito salvaguardar os interesses dos titulares de direitos sujeitos a prescrição que, por efeito da situação extraordinária vivida durante a pandemia, estavam ficaram impedidos de o fazer.
XLIV
Já no que tange à interrupção da prescrição nos termos do disposto no art.º 323.º, n.º 2 do Cód. Civil, o Meritíssimo Juiz a quo não fez uma interpretação correta do normativo conforme se vê da sentença recorrida.
XLV
Este normativo estipula uma hipótese de determinação da interrupção da prescrição, mas tal hipótese só se aplica na eventualidade de a citação não se efectivar nos cinco dias subsequentes à instauração da acção, por causa não imputável ao autor.
XLVI
De outra forma, a interrupção ocorre no momento da citação, ou seja, se a citação se efectivar antes dos cinco dias subsequentes à instauração da acção, considera-se interrompida a prescrição na data da citação, pois se assim não se entendesse, sempre se dirá que aos prazos de prescrição e/ou caducidade se teria de retirar cinco dias, sob pena de o direito não poder ser exercido.
XLVII
Repare-se que o Autor não está obrigado a propor a acção em momento precedente ao cinco dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Ora.
XLVIII
A douta sentença recorrida considera que se a acção de impugnação deu entrada em juízo no dia 13-07-2021 e, pese embora tenha sido deferida a citação urgente por despacho proferido no dia seguinte, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 323.º do Cód. Civil, considera-se que a prescrição só foi tida como interrompida decorridos 5 dias depois da entrada da acção, ou seja, a 18-7-2021.
XLIX
No entanto e consultando os autos, o despacho de deferimento da citação urgente é de 14-07-2023 e a citação ocorreu no dia 15-07-2023, ou seja, ocorreu dois antes do prazo que era 17-07-2023.
L
Nesse sentido, deve improceder a excepção de caducidade de exercício do direito em causa – instauração de acção de impugnação pauliana – pois a mesma foi instaurada antes do prazo terminar.
*
Já a ré/apelada B... Lda. nas conclusões das suas alegações pugna, no fundo, pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão proferida.
*
Perante o antes exposto resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A improcedência da excepção peremptória da caducidade do direito a accionar por parte do Autor.
Vejamos, pois começando por reproduzir aqui o conteúdo da decisão de facto objecto de impugnação:
“ III - Fundamentação de facto
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão a proferir:
1. O Autor e a 1ª Ré A.... desenvolveram uma relação laboral de trabalhador e empregador, respectivamente, entre 8/1/1996 e 17/10/2013, data em que aquele foi despedido pela última.
2. O aludido despedimento foi fundamento de uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que correu termos no Tribunal do Trabalho do Porto, sob o nº 1403/13.6 TTPRT.
3. Foi proferida sentença a 18/7/2014 pela 1ª instância, alterada em parte pelo Tribunal da Relação do Porto, com trânsito em julgado a 15/5/2015, através da qual a 1ª Ré foi condenada a pagar ao Autor diversas quantias:
- retribuições (incluindo subsídios) que o Autor deixou de receber desde o seu despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido dos juros de mora, calculados à taxa de 4% ao ano desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, deduzindo-se as quantias eventualmente recebidas pelo Trabalhador a título de subsídio desemprego ou outro neste período;
- mensal ilíquida por cada ano completo ou fracção de antiguidade, calculados desde 8/1/1996, acrescida dos juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento;
- e a quantia de €47 que lhe foi descontada e a quantia de €49,85 de comparticipações de despesas médicas acrescidas dos juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano desde a citação (tal como peticionado) até integral e efetivo pagamento.
4. Provado apenas que a 1ª Ré foi várias vezes instada para proceder ao pagamento e que as quantias devidas não foram por si pagas nem na data do vencimento nem ulteriormente.
5. Em 4/12/2015, com base na referida sentença, o Autor instaurou acção executiva, visando obter o pagamento do dito valor e respectivos juros.
6. Não foi possível obter a satisfação do crédito na aludida acção executiva.
7. No âmbito das diligências de penhora levadas a cabo, foi verificado, em 19/1/2016, que a 1ª Ré era proprietária dos veículos automóveis de marca de modelo ...”, com matrícula ..-..-LT, e “...”, com matrícula ..-..-GP.
8. Provado apenas o que consta do auto de penhora de 4/3/2016, nos termos do documento nº 6 apresentado com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido (artigo 16º da petição inicial).
9. Provado apenas que os veículos referidos no ponto 7) encontravam-se registados a favor da 2ª Ré desde 11/2/2016.
10. Provado apenas que a 1ª Ré celebrou com a 2ª Ré um acordo tipificado como “acordo de cooperação”, por força do qual a primeira acordou com a segunda que esta levaria a cabo a concretização de obras por aquela angariadas e pela mesma adjudicadas, mediante um pagamento pela execução de cada obra, tudo nos termos do documento nº 9 apresentado com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
11. Provado apenas que o objecto social da 1ª Ré consiste na “remodelação de espaços, estudo, restauros, decoração e representações (importador e exportador), comércio a retalho, de artigos de decoração e afins, casa de chá, pastelaria e venda de produtos conexos, comércio a retalho de produtos alimentares, actividades dos museus e conservação de locais e monumentos históricos”, ao passo que o da 2ª Ré consiste em: “Construção de todos os tipos de edifícios residenciais (edifícios de habitação unifamiliar e multifamiliar) e não residenciais (edifícios cobertos para a produção industrial, hospitais, escolas, edifícios para escritórios, hotéis, armazéns, edifícios comerciais, restaurantes, edifícios dos aeroportos, edifícios para desportos em locais cobertos, piscinas cobertas, garagens, edifícios para fins religiosos e outros), executados por conta própria ou em regime de empreitada ou subempreitada, de parte ou de todo o processo de construção. Inclui também a ampliação, reparação, transformação e restauro de edifícios, assim como a montagem de edifícios prefabricados, actividades de design, comércio a retalho de outros artigos para o lar, em estabelecimentos especializados, actividades de exploração e de conservação de monumentos, de edifícios, e de outros sítios históricos, actividades dos museus. Apartamentos turísticos sem restaurante”.
12. Provado apenas que CC foi sócio gerente da 1ª Ré e da 2ª Ré, que renunciou à gerência da 2ª Ré em 27/3/2015 e que, em 28/4/2021, assumiu a gerência da 2ª Ré.
13. Provado apenas que a 2ª Ré declarou ter adquirido em abril de 2015 “a estufa composta de duas portas, máquina número 256, modelo EE”.
14. Provado apenas que a 1ª Ré não dispõe de quaisquer outros bens penhoráveis que permitam a satisfação do crédito do Autor.
15. O crédito do Autor cifra-se, à data da entrada em juízo da petição, em pelo menos €14.807,59.
16. As Rés bem sabiam que a transmissão de propriedade dos bens supra identificados iria causar prejuízo ao Autor.
17. A presente acção foi instaurada a 13/7/2021 e o Autor requereu a citação urgente das Rés, pedido deferido no dia seguinte, ao abrigo do disposto no artigo 561º do Código de Processo Civil – facto por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil e com base no histórico do processo.
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Factos não provados
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados - discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) -, resultaram não provados, designadamente:
1. Que a 1ª Ré, em 19/1/2016, era proprietária dos seguintes bens móveis:
- estufa composta por duas portas, máquina nº 256, modelo EE, com o valor atribuído de €5.000;
- um compressor, marca “C...”, com o valor atribuído de €100;
- uma bancada, composta por tampos em inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €100;
- uma bancada composta por tampos e inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €100;
- uma bancada composta por tampos e inox e pernas de ferro, com o valor atribuído de €200;
- uma bancada em inox (várias peças), com o valor atribuído de €200;
2. Que quando CC, em 27/3/2015, renunciou à gerência da 2ª Ré, já bem conhecia a condenação da 1ª Ré e por forma a tentar camuflar as transacções entretanto levadas a efeito com a 2ª Ré;
3. Que quando a 2ª Ré declarou ter adquirido a estufa composta por duas portas, máquina nº 256, modelo EE, com o valor atribuído de €5.000, em Abril de 2015, já o acórdão do Tribunal da Relação do Porto era do conhecimento da 1ª Ré;
4. Que a 2ª Ré, desde que foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, usufrui dos instrumentos de trabalho da 1ª Ré e utiliza o seu estaleiro, ali laborando de forma graciosa;
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Como antes já vimos, neste seu recurso o autor/apelante pugna pela alteração das respostas dadas aos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados.
Para tanto e cumprindo devidamente os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, fundamenta a sua pretensão nos seguintes meios de prova:
- Quanto ao ponto 1: nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB, EE, nas declarações de parte do Autor e no conteúdo do auto de penhora junto aos autos com a petição inicial (documento nº6);
- Quanto aos factos provados 2, 3 e 4: nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e EE, nas declarações de parte do Autor e no conteúdo das decisões proferidas pela 1ª instância e pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito da acção nº1403/13.6TTPRT.
Perante tal alegação e como nos era imposto, procedeu-se à audição das gravações onde ficaram registados os referidos depoimentos e as referidas declarações aquando da audiência de discussão e julgamento.
E desta audição retiramos conclusões que coincidem em tudo com aquelas que sustentam a convicção probatória do Tribunal “a quo” e que determinaram as respostas negativas aos factos que integram os supra identificados pontos agora objecto de impugnação.
Vejamos:
A testemunha BB declarou ter sido colega de trabalho do Autor na 1ª Ré desde o ano de 1990, trabalho que deixou ainda antes do seu despedimento, passando a trabalhar na empresa C..., até à falência desta que ocorreu por volta dos anos de 2008/2009.
Não revelou um conhecimento directo dos factos a que foi inquirido, justificando as suas respostas em conversas com terceiras pessoas e com o próprio Autor.
Soube no entanto dizer ser do seu conhecimento que o Autor entrou em litígio com a entidade empregadora e que, segundo lhe foi dito pelo próprio, a indemnização que lhe foi atribuída no processo laboral nunca lhe chegou a ser paga.
A testemunha EE declarou ser irmã do Autor e que por virtude de tal relação familiar tem conhecimento que o despedimento do seu irmão foi declarado ilícito por decisão proferida no âmbito de um processo que este instaurou.
Disse também saber que o seu irmão é credor de uma indemnização, no valor de €14.000 e que a 1ª Ré ainda não pagou.
Referiu também que em conversas com o autor este lhe disse que a 1ª Ré possuía bens, informação que não pode confirmar por si própria atento o facto de nunca se ter deslocado às instalações da 1ª Ré, nomeadamente no período em que o seu irmão ali trabalhou.
Quanto às declarações de parte prestadas pelo Autor o que importa referir é o seguinte:
Não deixou de confirmar que ainda está à espera que a 1ª Ré lhe pague a indemnização a que tem direito pelo seu despedimento.
Disse ainda saber que foram transferidos bens da titularidade da 1ª Ré, sua entidade patronal, para a titularidade da segunda, o que foi confirmado pelo Solicitador que ali se deslocou no decurso da acção executiva.
Fez referência expressa à existência (e posterior transferência) de três carros, uma estufa e um forno de cozer.
Salientou que o sócio gerente era o mesmo nas duas empresas, fazendo também notar que os funcionários transitaram da 1ª para a 2ª Rés, passando a exercer idênticas funções.
Em face do exposto, temos também nós que concluir, que os depoimentos testemunhais prestados e antes melhor aludidos não revelaram ser suficientes para, como pretende o autor/apelante, responder afirmativamente aos factos inscritos nos pontos 1, 2, 3 e 4.
Já no que toca às declarações prestadas pelo Autor o que se pode dizer é que confirmam a versão dos factos que o mesmo veio trazer ao processo.
No entanto e como constatamos tais declarações não foram corroboradas de forma consistente pelos depoimentos prestados pelas testemunhas que o mesmo arrolou e que foram inquiridas no processo.
E será que podem ser sustentadas pela prova documental produzida, designadamente aquela a que o autor/apelante alude neste seu recurso?
Quanto ao auto de penhora junto com a petição inicial (documento nº6), do seu conteúdo o que se retira é que na mesma diligência realizada no dia 4.03.2016, foram penhorados os seguintes bens: uma estufa, um compressor e três bancadas com as características aí melhor referidas.
E foi com base nestes elementos que o Tribunal “a quo”, e bem, fez constar o que se mostra do ponto 8 dos factos provados.
Ou seja, também por aqui não se retiram elementos suficientes e cabais que permitam concluir que em 19.01.2016 a 1ª Ré era proprietária dos bens móveis melhor identificados no ponto 1 dos factos não provados.
Quanto ao conteúdo das decisões proferidas no processo nº1403/13.6TTPRT o que se pode dizer é o seguinte:
O que do respectivo conteúdo se pode retirar é apenas e só o que foi feito constar dos pontos 1, 2 e 3 dos factos provados mas já não o conjunto de factos que ficaram consignados nos pontos 2, 3 e 4 dos factos não provados.
Assim sendo, impõe-se concluir que, no caso não estão verificados os pressupostos da modificabilidade da decisão de facto, previstos no artigo 662º, nº1 do CPC.
E por isso deve ser negado provimento, nesta parte, ao recurso aqui interposto pelo autor/apelante.
Cabe agora apreciar e decidir a segunda das questões suscitadas.
Como já vimos, nas suas alegações, o autor/apelante aponta ao julgador “o vício de violação de lei, por errada interpretação do art.º 323º, nº2 do Código Civil”.
E sustenta esta sua posição na seguinte argumentação já antes aqui reproduzida:
“XLV
Este normativo estipula uma hipótese de determinação da interrupção da prescrição, mas tal hipótese só se aplica na eventualidade de a citação não se efectivar nos cinco dias subsequentes à instauração da acção, por causa não imputável ao autor.
XLVI
De outra forma, a interrupção ocorre no momento da citação, ou seja, se a citação se efectivar antes dos cinco dias subsequentes à instauração da acção, considera-se interrompida a prescrição na data da citação, pois se assim não se entendesse, sempre se dirá que aos prazos de prescrição e/ou caducidade se teria de retirar cinco dias, sob pena de o direito não poder ser exercido.
XLVII
Repare-se que o Autor não está obrigado a propor a acção em momento precedente ao cinco dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Ora.
XLVIII
A douta sentença recorrida considera que se a acção de impugnação deu entrada em juízo no dia 13-07-2021 e, pese embora tenha sido deferida a citação urgente por despacho proferido no dia seguinte, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 323.º do Cód. Civil, considera-se que a prescrição só foi tida como interrompida decorridos 5 dias depois da entrada da acção, ou seja, a 18-7-2021.
XLIX
No entanto e consultando os autos, o despacho de deferimento da citação urgente é de 14-07-2023 e a citação ocorreu no dia 15-07-2023, ou seja, ocorreu dois antes do prazo que era 17-07-2023.
L
Nesse sentido, deve improceder a excepção de caducidade de exercício do direito em causa – instauração de acção de impugnação pauliana – pois a mesma foi instaurada antes do prazo terminar.”
Vejamos, pois, da pertinência de tal argumentação.
Segundo o disposto no art.º 618º do Código Civil, “ o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.”
Contrariamente ao que parece defender-se nos autos, uma vez que não é a excepção de prescrição que está em causa, não pode ser aplicado ao caso o disposto no artigo 323º, nº1 do CC.
Assim, devemos ter todos como claro que a questão da data da citação se mostra irrelevante para o caso.
A este propósito cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pág. 559, onde se diz o seguinte: Pelo que respeita ao decurso do prazo, há uma diferença sensível entre este texto e o do artigo 1045º do antigo código.
Agora estabelece-se um prazo de caducidade e não de prescrição, sujeito, portanto, ao regime dos artigos 328º e seguintes.”
Nestes termos e como resulta nítido dos artigos 331º e 618º do CC, o acto impeditivo da caducidade na acção (de impugnação pauliana) consiste na propositura da respectiva acção que se materializa com a entrada da petição inicial na secretaria do tribunal.
Seguindo tal orientação cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2007, no processo 07A1374, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, em www.dgsi.pt., onde se diz o seguinte:
“Com efeito, o art.º 618 do C.C. estabelece que o direito de impugnação pauliana caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.
Atentos os prejuízos que a impugnação pauliana causa aos credores do adquirente e considerada mesmo a relativa severidade do seu regime em face dos próprios adquirentes, a impugnabilidade do acto caduca decorrido o prazo de cinco anos.
A relativa extensão deste prazo, quando comparada com o prazo de um ano, aplicável à anulação do acto com base em erro, dolo ou coacção, é compensada com a circunstância da sua contagem se fazer a partir da data do acto impugnável.
Outra era a solução fixada no art.º 1045 do C.C. de Seabra, onde se estabelecia o prazo de um ano.
Tal prazo contava-se, não da data do acto, mas do momento da verificação judicial da insolvência do devedor, o que podia permitir que se tornasse muito prolongada a situação de incerteza em torno do acto impugnável.
A questão da contagem do prazo “a partir do acto” ou do “conhecimento do acto” foi levantada na doutrina, no domínio do Código Civil de 1867 e nos trabalhos preparatórios do actual art.º 618 do C.C. (Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, Bol. 75-344).
Vingou a tese da contagem do prazo a partir do acto impugnável, inspirada nas legislações estrangeiras, então vigentes na Alemanha, Suíça, Itália e Grécia, onde se fixava o prazo de cinco anos a partir do acto impugnável, independentemente dos credores poderem ignorar o respectivo acto.
O conhecimento dos credores acerca da realização do acto e da verificação dos requisitos legais da impugnação, como factores de que ficasse dependente o início da contagem do prazo para a impugnação pauliana, apresenta-se como incompatível com a desejável segurança jurídica (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 636; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ºed., pág. 733).
De resto, não é normal que os credores ignorem por mais de cinco anos que o devedor praticou um acto em prejuízo deles, pois o prazo de cinco anos é um prazo razoável para se adquirir tal conhecimento.
Segundo a alegação do Autor, “a 11-02-2016, a A..., primeira Ré, procedeu à transmissão dos veículos automóveis e dos restantes bens móveis à sociedade B..., segunda Ré” (cf. art.º 32º da petição inicial).
Como antes já vimos, o que a este propósito se provou foi o seguinte:
“9. Provado apenas que os veículos referidos no ponto 7) encontram-se registados a favor da 2ª Ré desde 11/2/2016.
13. Provado apenas que a 2ª Ré declarou ter adquirido em Abril de 2015 “a estufa composta por duas portas, máquina numero 256, modelo EE.”.
Está verificado que a presente acção de impugnação foi intentada no dia 13/7/2021.
Perante o exposto e resultando óbvio que o prazo para interpor a acção terminava em 11.02.2021, impõe-se concluir pela procedência da excepção invocada pelas Rés.
Nestes termos, não merecem pois provimento os argumentos que sustentam o recurso interposto pelo Autor, antes se impondo a confirmação da decisão antes proferida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
………………….
………………….
………………….
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso aqui interposto e, em consequência, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo do autor/apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Notifique.




Porto, 8 de Fevereiro de 2024
Carlos Portela
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva