Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
542/24.2T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DA NOTA
DESISTÊNCIA DA RECLAMAÇÃO
EFEITO DA DESISTÊNCIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP20251127542/24.2T8AGD.P1
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A não apresentação de reclamação da nota de honorários e despesas do agente de execução ou a desistência da reclamação antes de ela ser apreciada no processo executivo, não impede a parte que pagou o valor da nota de instaurar, posteriormente, contra o agente de execução uma ação declarativa de restituição por enriquecimento sem causa, reclamando a restituição do que tiver pago indevidamente.
II - Se os honorários foram pagos pelo produto da venda extrajudicial de um bem da executada, só esta pode pedir, com fundamento no enriquecimento sem causa, a restituição dos honorários pagos indevidamente, ainda que o recibo do pagamento tenha sido emitido em nome da exequente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:542.24.2T8AGD.P1




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SUMÁRIO:


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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


I. Relatório:


A..., Lda., pessoa coletiva n.º ...00, com sede em Antes, ..., instaurou ação declarativa contra AA, agente de execução, contribuinte fiscal n.º ...02, com domicilio profissional em Águeda, pedindo a condenação da ré, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, a restituir à autora €25.801,18 e juros desde 27.06.2023 até integral pagamento


Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que a ré foi agente de execução num processo executivo em que a autora era exequente e no qual a executada acordou consigo o pagamento da quantia exequenda; nesse processo a agente de execução apresentou nota de honorários e despesas reclamando a título de honorários um valor que não lhe é devido; a exequente, aqui autora, ainda apresentou reclamação da nota mas desistiu da mesma para permitir à executada vender um dos imóveis penhorados e pagar a quantia exequenda, o que a agente de execução não permitia sem receber os seus honorários; a exequente liquidou esse valor mas uma parte dos honorários não é devida pelo que a agente de execução beneficiou de um enriquecimento sem causa.


A ré foi citada e apresentou contestação, por exceção e impugnação, defendendo a improcedência da ação. Para o efeito alegou que se formou «caso estabilizado» sobre a questão dos honorários por a reclamante ter desistido da reclamação da nota, que a ação consubstancia um abuso do direito, que o valor pago à agente de execução correspondia aos honorários a que tinha direito.


Após os articulados, foi proferida sentença, tendo sido julgadas «procedentes as exceções dilatórias inominadas do caso estabilizado e do princípio da preclusão» e a ré absolvida da instância.


Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:


1- […]. 2- […]. 3- […]. 4- […]. 5- (…) a decisão judicial proferida viola a lei substantiva aplicando e interpretando de forma errada a lei e o direito e nomeadamente o princípio da preclusão e do caso estabilizado que erradamente aplica aos atos dos agentes de execução pois que os atos dos agentes de execução não são decisões judiciais no sentido lato do termo, nem tão pouco no sentido estrito, pois que os agentes de execução são particulares, sem poder público, auxiliares dos tribunais na realização de diligências em processos executivos, são em suma meros executantes das decisões proferidas pelos tribunais que atuam sob o controlo dos juízes dos processos em que acuam como agentes de execução, conforme se pode retirar do plasmado nomeadamente nos artigos 719º, 720º e 723º do C.P.C..


6- Os agentes de execução não são titulares de nenhum poder de julgar e decidir nos termos de proferirem decisões que possam ser equiparadas a decisões dos tribunais que tenham força de caso julgado, estabilizado ou tão pouco tenham autoridade de caso julgado e a lei e a jurisprudência que a aplica, não confortam tal compreensão de tais princípios, aplicáveis à atuação dos agentes de execução lei, nem mesmo e a jurisprudência invocada na sentença proferida pelo tribunal a quo, submetem tal compreensão de tais princípios a que a mesma seja aplicável à atuação dos agentes de execução.


7- Não raro são os casos em que, juízes/oficias de justiça/tribunais onde processos executivos correm, atentos à tramitação processual dada por alguns agentes de execução, que oficiosamente, nomeadamente, relevam, atrasos na tramitação processual dada pelos agentes de execução, solicitam relatórios de diligências efetuadas, relevam erros e ilegalidades praticadas por agentes de execução, o que leva a concluir que os atos executivos e diligências praticados pelos agentes de execução não são decisões declarativas no sentido do dizer o que é de direito ou o que é o direito da situação concreta, também por isso, não podem pretender, ter a força de caso julgado ou estabilizado ou tão só, tais atos e diligências de execução serem equiparados a decisões judiciais como tal.


8- Sendo que a conta de honorários e despesas do agente de execução é disso exemplo pois que nada decide nem julga, mas apenas é tão só o relacionamento de valores constantes de uma tabela pré-estabelecida, por referência a diligências e atos que tenham sido praticados pelo agente de execução, não será, pois, nem terá pois, equiparação com as decisões dos tribunais que decidem e julgam.


9- Salvo o devido respeito e sem embargo por opinião mais abalizada, a decisão judicial aqui em crise, proferida pelo tribunal a quo, não é justa, é errada e aplica erradamente o direito aos factos que é possível apurar pela análise do que ambas as partes trouxeram a juízo, na nossa modesta perceção, por não efetivamente não condenar a ré/recorrida a restituir o que indevidamente lhe foi pago pela autora/recorrente, pelo que deverá ser revogada e substituída por decisão que condenando a mesma ré aqui recorrida no pedido será finalmente feita justiça.


10- Salvo o devido respeito e sem embargo por opinião mais abalizada, parece que, no julgar do tribunal a quo, passará a ser devido o pagamento da conta de honorários e despesas apresentada pela ré só porque, a reclamação que dela foi feita ficou sem efeito por desistência da então reclamante nas circunstâncias descritas na petição inicial dos presentes autos deduzida pela autora aqui recorrente.


11- Fundando tal decisão, ao que parece e salvo melhor opinião, não na lei nem no direito, mas em mera opinião, não submetida à critica científica, proferida em meio de comunicação "https://blogivpc.blogspot. com", o tribunal a quo decidiu que "tendo sido reclamado o ato do Agente de Execução, designadamente devido à desistência da reclamação, o ato tornou-se definitivo. Trata-se da figura a que a doutrina e a jurisprudência se vêm referindo como o "caso estabilizado"".


12- E admitir como válida tal factualidade, praticada pela ré aqui recorrida é manifestamente sufragar um abuso de abuso de direito manifesto e um abuso de poder da mesma quando condicionou o cancelamento das penhoras ao recebimento da parte da autora aqui recorrente de valores que manifestamente lhe não eram devidos por esta.


13- Ora, salvo o devido respeito e sem embargo por opinião mais abalizada, ao ser indevido o valor apresentado pela ré aqui recorrida como devido, o mesmo não se transforma em devido só por a referida reclamação ter sido objeto de desistência e o pagamento da conta de honorários apresentada ter sido realizado, ademais porque tal desistência e pagamento ocorreram nas circunstâncias alegadas na petição inicial por exigência e constrangimento e condicionamento do cancelamento das penhoras existentes sobre os imóveis a transacionar, impostos pela mesma ré à autora aqui recorrente.


14- O ser, ou não ser devido, ou seja indevido, encontra-se pois na génese da conta apresentada e não na apresentação ou não de reclamação da mesma conta pelo que o pagamento de tal conta é indevido ab initio e sendo certo como é, se atentarmos ao quanto é alegado na petição inicial da autora aqui recorrente, a causa de pedir e o pedido, dúvidas não podem restar que assiste razão à aqui recorrente em pedir e obter junto do tribunal a quo decisão condenatória da mesma ré a restituir o que recebeu indevidamente da autora.


15- E quanto ao afirmado na sentença aqui em causa de que "é o Juiz da execução quem está em melhores condições para conhecer e decidir da justeza da nota discriminativa apresentada pelo A.E., pois que ninguém melhor conhece a concreta tramitação daquela ação", salvo o devido respeito e sem embargo por opinião mais abalizada, ao tribunal a quo foi dado a conhecer a tramitação da ação executiva em causa pelo que o mesmo tribunal estaria como estará em condições de averiguar se a nota discriminativa apresentada é devida ou não pela autora aqui recorrente à ré aqui recorrida, assim como decidir se o que foi pago pela autora aqui recorrente à ré aqui recorrida lhe era devido ou não e em consequência decidir se deve a ré ser condenada ou não a restituir o que manifestamente lhe foi pago indevidamente pela autora.


16- E se ao caso o tribunal a quo tivesse aplicado o disposto nomeadamente no n.º 5 e n.º 7 do artigo 50º e artigo 51º ambos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, pelo que manifestamente aplicou erradamente o direito ao caso dos autos, pois que os valores constantes da nota discriminativa apresentada pela ré aqui recorrida à autora aqui recorrente não eram como não são por esta última àquela devidos, muito menos no momento em que foi o seu pagamento exigido o qual foi condição para a prática de ato determinante da celebração de ato de formalização de transmissão de bens imóveis que se encontravam penhorados, como mais uma vez se pode constatar pelo que foi alegado na petição da autora aqui recorrente e a decisão proferida pelo tribunal a quo teria sido a de condenação da mesma ré no pedido.


17- Pois que, se atentarmos ao que dispõem as normas jurídicas constantes dos referidos no n.º 5 e n.º 7 do artigo 50º e artigo 51º ambos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto e a ser devido algum dos valores referidos na nota discriminativa apresentada pela ré aqui recorrida à autora aqui recorrente nunca tais valores deveriam ter em conta os valores recuperados para os credores reclamantes como ademais é referido no aqui citado n.º 7 do artigo 50° da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que é cristalino ao referir que" 7- O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor."


18- A ré aqui recorrida exigiu ser paga pela autora aqui recorrente valor que lhe não era por esta última devido, sendo que tal pagamento só ocorreu porque a mesma agente de execução condicionou o cancelamento de penhoras que recaiam sobre os bens a transacionar pela então executada para realizar dinheiro para liquidar as dívidas que tinha, incluindo a dívida exequenda à aqui autora recorrente, pelo que também manifestamente tal pagamento de tal nota discriminativa era e foi temporão, tendo em conta além do mais o disposto nomeadamente no n.º 1 do artigo 51º da referida Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que prescreve nomeadamente que “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os honorários referidos no artigo anterior são pagos ao agente de execução no termo do processo ou procedimento”


19- Neste conspecto, quando foi exigido, o pagamento pela ré aqui recorrida à autora aqui recorrente, o mesmo ainda não era devido como não o é presentemente e sendo indevido, o seu regresso, o mesmo pode ser sempre exigido, sem dependência de reclamação da nota discriminativa apresentada e a não ser assim entendido, seremos levados a concluir pela não realização da justiça do caso concreto e sim aceitar a errática conta apresentada e indevidamente paga e assim como aceitar a enormidade da discrepância entre a dívida exequenda recuperada para a autora aqui recorrente no processo em questão e tal valor pago.


20- Como resulta do normal acontecer e das regras da experiência comum, a final de processo executivo para pagamento de quantia certa, pagar mais de custas com a agente de execução, no caso a ré aqui recorrida, do que o valor que se pretende recuperar e é recuperado na execução para a exequente, no caso a autora aqui recorrente, é manifestamente violador de todo o bom senso, da justiça e do direito aplicável, sendo que, sufragar tal aberração é manifestamente um erro de julgamento que o tribunal a quo proferiu ao decidir como decidiu no saneador sentença aqui em crise.


21- Sendo certo que o tribunal a quo tem e tinha em seu poder toda a informação a esse respeito quando proferiu a decisão aqui em crise errando manifestamente na aplicação do direito ao caso concreto, sendo pois a sentença recorrida ilegal por violação do disposto nomeadamente nos referidos artigos 719º, 720º e 723º do C.P.C., no n.º 5 e n.º 7 do artigo 50º e artigo 51º ambos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto e ainda no disposto no artigo 473º e seguintes do Código Civil, e nomeadamente o princípio da preclusão e do caso estabilizado que erradamente aplica aos atos dos agentes de execução, tendo a ré/recorrida sido, pela decisão aqui em crise e da qual se recorre, absolvida da peticionada restituição do que indevidamente lhe foi pago pela autora/recorrente.


22- A decisão judicial impugnada deverá ser revogada e substituída por outra que concedendo provimento ao recurso condene a ré/recorrida no pedido deduzido na petição inicial, no sentido de ser a mesma ré/recorrida: a) A restituir à autora o montante de €25.801,18 ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa plasmado no artigo 473° e seguintes do Código Civil; b) No pagamento dos juros de mora vencidos desde 27/06/2023 e nos que se vençam, até integral e efetivo cumprimento, a computar sobre o montante referido de €25.801,18, à taxa de juros de mora para as dívidas de natureza cível, em montante total a apurar aquando do pagamento/restituição de tal valor; c) No pagamento das custas incluindo as de parte e demais encargos com a presente ação, em valor cuja liquidação se relega para final.


23- E aqui chegados, entendemos, salvo o devido respeito e sem embargo por opinião mais abalizada, que a decisão judicial impugnada proferida pelo o Tribunal a quo aplicou de forma errada a Lei violando o disposto nomeadamente nos referidos artigos 719º, 720º e 723º do C.P.C., no n.º 5 e n.º 7 do artigo 50º e artigo 51º ambos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto e ainda no disposto no artigo 473º e seguintes do Código Civil e nomeadamente o princípio da preclusão e do caso estabilizado que erradamente aplica aos atos dos agentes de execução, o que importa a sua revogação e substituição por outra que aplicando de forma correta a lei e o direito mande seguir os autos para produção de prova a realizar no âmbito da realização de audiência de discussão e julgamento, ou apreciando no imediato condene a recorrida nos termos peticionados pela recorrente.


Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao recurso nos termos aduzidos supra, deve, a sentença judicial aqui em crise, ser revogada e substituída por outra que, condene a ré/recorrida a ressarcir a autora nos termos peticionados, se requer ao Venerando Tribunal ad quem.


A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.


Após os vistos legais, cumpre decidir.





II. Questões a decidir:


As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:

i. Se a circunstância de a autora, na qualidade de exequente, ter desistido da reclamação da nota justificativa, apresentada pela ré, na qualidade de agente de execução, contendo o valor da sua remuneração no processo executivo, a impede de instaurar uma ação de enriquecimento sem causa com fundamento em que o pagamento daquela remuneração foi indevido.

ii. Na negativa, se estão reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.




III. Fundamentação de facto:


Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:


1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação e montagem de diversas estruturas e partes metálicas, tais como portões, bases de duche, divisórias, corrimãos de escadas, em inox, ferro, alumínio e outros metais similares, destinadas à construção civil e a outros fins.


2. Em 26 de Novembro de 2020, a autora propôs ação executiva com vista a ser ressarcida de dívida que uma cliente tinha para com ela, no valor da execução de € 10.353,84 - cf. doc. 1 da p.i., que aqui se dá por reproduzido.


3. Em tal ação executiva, foi indicada, pela exequente (ora autora), como Agente de Execução, a aqui ré.


4. A referida ação executiva correu termos como processo n.º 2255/20.5T8AGD do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Execução de Águeda.


5. Durante a tramitação do processo executivo, a aqui ré procedeu à penhora de bens, nomeadamente, bens imóveis.


6. No decurso da ação executiva, a exequente (aqui autora) e a executada acordaram uma forma de liquidar a dívida e de pôr termo ao processo executivo.


7. Tendo tal acordo sido comunicado ao processo executivo e à aqui ré.


8. Para efetivação do pagamento, exequente e executada acordaram que um dos imóveis penhorados seria objeto de venda, para que a executada pudesse obter liquidez para pagamento das dividas para com a autora e outras entidades, nomeadamente, a Segurança Social e instituições bancárias.


9. Para realização dessa venda, era necessário proceder-se ao cancelamento da penhora sobre o imóvel.


10. A ré condicionou o cancelamento das penhoras por si realizadas ao pagamento da nota justificativa que apresentou - cf. doc. nº 2 da p.i., que aqui se dá por reproduzido.


11. Por não concordar com a referida nota, a aqui autora, em 21.6.2023, apresentou, no processo executivo, reclamação da mesma - cf. doc. 3 da p.i., que aqui se dá por reproduzido.


12. Por requerimento de 22.6.2023, apresentado pela autora no referido processo executivo, esta declarou «desistir da reclamação apresentada e cujo objeto consiste na conta apresentada pela Agente de Execução. Efetivamente, na data de hoje estava agendada a transmissão do imóvel penhorado nos autos, o que implicou a deslocação da exequente, executado e representantes dos credores reclamantes para a formalização do ato, a qual não se logrou realizar em virtude da Exma. Sra. Agente de Execução não ter comparecido de molde a proceder ao levantamento da penhora. Assim, e apesar de não se concordar com o montante apresentado pela Exma. AE na conta, irá tal montante ser liquidado, pois é no melhor interesse das partes lograrem extinguir os autos executivos com o pagamento, que apenas se efetuará após a realização da diligência de alienação onerosa do imóvel de forma a existir liquidez por banda da executada para liquidar todas as suas dívidas com relevo nos presentes autos. Pelo que através do presente se declara que a exequente desiste da reclamação da conta efetuada, tudo com as legais consequências» - cf. doc. 4 da p.i.


13. No momento da celebração da transmissão do imóvel, a executada assumiu pagar à exequente (aqui autora) o valor que lhe devia, acrescendo o valor da conta apresentada pela aqui ré.


14. E, assim, do produto da venda de tal imóvel, foi, em 27.6.2023, entregue à aqui ré um cheque no montante de €35.113.13, para pagamento da conta supra referida - cf. doc. 5 da p.i.


15. O valor da execução para a qual a ré foi indicada como Agente de Execução era de € 10.353,84.


16. Da nota justificativa apresentada pela ré à autora consta que o valor a receber por esta seria de €11.487,84.


17. Na referida nota, consta na rubrica “Honorários e Despesas do A.E.”, a título de honorários, na linha “valor recuperado Anexo VIII e nº 11 do artigo 50º”, o valor de €25.801,18.


18. A autora enviou à ré a carta datada de 20.2.2024, interpelando-a para devolver o valor de € 25.801,18 - cf. doc. 6 da p.i.. que aqui se dá por reproduzido.


19. Após o pagamento da nota justificativa, a aqui ré procedeu à entrega à exequente (aqui autora) do montante de € 9.939,55 e proferiu decisão de extinção da execução, a qual foi oportunamente notificada às partes e comunicada ao processo - cf. doc. 1 da contestação, que aqui se dá por reproduzido.





IV. Matéria de Direito:


O caso submetido à apreciação desta Relação descreve-se, esquematicamente, da seguinte forma:


a. Para cobrança coerciva da quantia exequenda de €10.353,84, a autora instaurou uma execução para pagamento de quantia certa, na qual a ré desempenhou as funções de agente de execução;


b. Nessa execução, já depois de a agente de execução ter procedido à penhora de bens, a executada acordou com a exequente o pagamento da quantia exequenda;


c. A agente de execução apresentou na execução nota de honorários e despesas, onde fez constar a título de honorários, sob a epigrafe «valor recuperado Anexo VIII e nº 11 do artigo 50º», o valor de €25.801,18;


d. A exequente (não a executada!) apresentou reclamação dessa nota, na qual, depois de defender que não era devido o valor dos honorários da nota, afirmava que «na data de amanhã está agendada a celebração de contrato que visa alienar o imóvel e que é necessário que a Sra. Agente de Execução para além de estar presente no ato, proceda ao levantamento da penhora para que o bem imóvel fique livre de ónus e encargos e se logre aliená-lo com sucesso», pelo que, desde já se declara que, caso seja exigido pela Sra. Agente de Execução o pagamento da nota que no presente se reclama, o pagamento, a existir não poderá configurar a aceitação da nota ou a aceitação do seu montante, mas sim a realização de um procedimento que conduza ao levantamento da penhora por banda da Sra. Agente de Execução, não se prescindindo da devolução do pagamento pago em excesso em caso de procedência da presente reclamação»;


e. No dia seguinte a exequente veio desistir da reclamação da nota afirmando que «hoje estava agendada a transmissão do imóvel penhorado nos autos», «a formalização do ato …não se logrou realizar em virtude da Exma. Sra. Agente de Execução não ter comparecido de molde a proceder ao levantamento da penhora. Assim, e apesar de não se concordar com o montante apresentado pela Exma. AE na conta, irá tal montante ser liquidado, pois é no melhor interesse das partes lograrem extinguir os autos executivos com o pagamento, que apenas se efetuará após a realização da diligência de alienação onerosa do imóvel de forma a existir liquidez por banda da Executada para liquidar todas as suas dívidas com relevo nos presentes autos»:


f. Depois disso foi feita a venda a terceiro do imóvel penhorado e através do produto dessa venda pago à agente de execução o valor da nota de honorários;


g. E depois disso a exequente veio instaurou a presente ação reclamando da agente de execução, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, a restituição do que lhe foi pago indevidamente, apresentando para o justificar os mesmos fundamentos da reclamação da nota de honorários, que em virtude da desistência não chegou a ser apreciada na execução.


A decisão recorrida entendeu que a desistência da reclamação da nota de honorários e despesas impede a reclamante de pedir posteriormente a restituição do valor que pagou a título de honorários da agente de execução, ainda que com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.


A esta conclusão é possível opor de imediato três considerações que a decisão não ponderou e que obstam à conclusão a que se chegou.


A primeira é a de que não é possível confundir as situações em que o agente de execução atua no processo executivo com poder de decisão relativamente a atos a praticar, e em relação aos quais, se não for deduzida impugnação nos termos legais, pode, de facto, questionar-se se a questão fica ultrapassada e não é mais passível de ser revertida no processo executivo, designadamente pelo juiz, com as situações em que o agente de execução atua como credor dos valores a que tem direito como remuneração do seu trabalho e cuja liquidação e cobrança têm lugar no processo executivo.


A nota de honorários e despesas não pode ser qualificada em situação nenhuma como uma decisão do agente de execução, como um ato do processo que possua natureza decisória e possa tornar-se incontroverso se não for impugnado no próprio processo executivo, já que isso seria, afinal, tornar o agente de execução juiz em causa própria, simultaneamente credor da remuneração e julgador da sua própria pretensão remuneratória!


A nota de honorários e despesas não é mais que a apresentação de um documento através do qual se reclama o pagamento dos valores nela contido, estabelecendo a lei que para o efeito a nota deva individualizar as parcelas que a compõem e especificar o respetivo valor para que o devedor possa saber o que lhe é exigido e a que título.


A nota não é uma decisão sobre o valor dos honorários; é somente a discriminação dos valores que o credor considera serem-lhe devido e a reclamação do respetivo pagamento!


A segunda consideração relaciona-se com a consequência da desistência, a qual se prende naturalmente com a natureza do ato que foi objeto da desistência.


A reclamação da nota de honorários não é um meio processual para deduzir uma pretensão, para formular um pedido correspondente a um direito material que ao juiz cumpra apreciar e decidir, é um meio de oposição à nota, um meio processual de reação a uma pretensão ou pedido de outra parte (a parte que apresentando a nora vem reclamar o respetivo pagamento).


Logo, a desistência da reclamação nunca pode importar uma desistência do pedido ou equivalente, quando muito gera o efeito correspondente à desistência da instância, extinguindo o meio processual de dedução desse modo de impugnação da nota de honorários no processo em que a mesma é apresentada. Só assim não seria se existisse norma legal que atribuísse à não dedução da impugnação um efeito cominatório ou preclusivo tal que se sobrepusesse ao conteúdo material do direito à remuneração e da responsabilidade pelo seu pagamento.


Ora não só não existe tal norma legal, como o artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que se prevê precisamente a reclamação da nota de honorários e despesas apenas dispõe que «qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria», sem estabelecer qualquer cominatório ou efeito de preclusão.


Daí que se porventura se pudesse entender, no que não concedemos sequer, que a desistência da reclamação produziu efeitos em relação à nota de honorários havia que entender que esses efeitos seriam puramente processuais, efeitos que se produzem estritamente dentro do processo executivo onde a desistência foi apresentada.


Por aplicação extensiva do artigo 620.º do Código de Processo Civil, havia que entender que isso só fez precludir a possibilidade de a reclamação ser apreciada e decidida no processo executivo, não fez precludir de modo algum a discussão sobre o acerto da nota noutra sede, designadamente numa ação judicial baseada no instituto do enriquecimento sem causa, reclamando que o pagamento do valor da nota é indevido.


A terceira consideração é a de que um dos critérios essenciais na interpretação da lei é o da unidade do sistema jurídico (artigo 9.º do Código Civil), o que deve conduzir ao afastamento de soluções que estejam em oposição ou contradição com outras de não menor valor que revelam o modo como o legislador entendeu regular os interesses em jogo. Por essa razão, parece impossível de aceitar que valha para a mera reclamação da nota de honorários o que não vale sequer para o processo executivo e para os direitos do credor.


Com efeito, como observa José Lebre de Freitas, in A ação executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, págs. 216 e 217, «Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório (..), não fazendo sentido falar, a propósito, da prova de factos alegados pelo exequente ou de definição do direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição, como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência. Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção (..), o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso (..). Com uma diferença, porém, relativamente ao processo declarativo: enquanto neste o efeito preclusivo se dissolve, com a sentença, no efeito geral do caso julgado (…), tal não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado (…), pelo que nada impede a invocação duma exceção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo (..), mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido (..).»


O mesmo autor, loc. cit., pág. 416, recorda que a extinção da execução deixou de ter lugar mediante uma sentença, produzindo-se automaticamente uma vez verificado o facto que a determina, e, por conseguinte, a «questão da formação do caso julgado no processo executivo deixou, pois, de se pôr. Mas, hoje como ontem, o efeito de direito substantivo do facto extintivo da obrigação exequenda (o pagamento ou outro) invocado na ação executiva (…) não deixa de se produzir, obstando ao êxito duma noca ação executiva (..) mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma ação de restituição do indevido


Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, ou seja, em princípio apenas produz efeitos na execução. O n.º 6 acrescenta que para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.


Daqui decorre que só a sentença que tenha conhecido do mérito dos embargos pode constituir caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade do direito dado à execução. Isso não sucede se essa sentença não tiver apreciado o mérito dos embargos mas apenas qualquer questão processual que importe a extinção da instância, caso em que a sentença produz efeitos puramente intraprocessuais, no processo executivo.


Nesse contexto seria de todo estranho que a (não apresentação ou a) desistência da reclamação da nota de honorários pudesse não apenas produzir efeitos de caso julgado ou algo similar, como produzir efeitos para além do processo executivo, impedindo a instauração de uma ação declarativa destinada a demonstrar que os montante dos honorários reclamados não era devido e solicitar a sua restituição a título de enriquecimento sem causa.


No fundo trata-se de uma situação similar à da nota discriminativa e justificativa das custas de parte em relação à qual também sempre entendemos que a não apreciação da mesma no processo a que respeita não obsta nem à exigibilidade das custas de parte através de outro processo, nem à possibilidade de a correção da nota ser aí discutida a apreciada (cf. Acórdão desta Relação de 10.10.2024, no proc. n.º 2211/23.1T8LOU-A.P1, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/).


Eis porque a decisão recorrida não pode ser mantida e, ao invés, se entende que não existe qualquer efeito de «caso estabilizado» ou «princípio da preclusão» que determine a absolvição da ré da instância.


Isso dito e decido, esta Relação deve, ao abrigo do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil, substituir-se ao tribunal recorrido e conhecer do mérito da ação, conhecimento que não foi feito pela 1.ª instância por a solução que deu ao litígio o ter prejudicado.


O processo reúne os elementos necessários para a apreciação do mérito porque foi fixada a fundamentação de facto e a decisão sobre a matéria de facto não foi impugnada. Não há necessidade de ouvir as partes antes de proceder a esse julgamento porque a recorrente, nas alegações de recurso, e a recorrida, na resposta ao recurso, já se pronunciaram sobre esse mérito e o sentido do julgamento a proferir.


Entrando no mérito da ação, não há como deixar de reparar de imediato num equívoco em que incorre a autora.


O enriquecimento sem causa é fonte de obrigações. Com fundamento na figura surge a obrigação de restituir, cuja posição de credor é ocupada pelo sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e a posição de devedor pelo beneficiário desse direito.


Segundo o artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil, «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou». O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que «a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».


O instituto baseia-se no princípio de que ninguém deverá locupletar-se à custa alheia. Deparamo-nos com um enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa.


O enriquecimento traduzse, portanto, na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. E resulta da comparação entre a situação em que se encontra atualmente o património do enriquecido e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento. O enriquecido encontra-se em melhor situação do que aquela em que estaria e, em contrapartida, o empobrecido suporta um prejuízo que de outro modo não teria.


A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação de três requisitos cumulativos:


i) a existência de um enriquecimento, ou seja, a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial a qual pode consistir no aumento do ativo patrimonial, na diminuição do passivo, na poupança de despesas ou no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária.


ii) a falta de causa justificativa desse enriquecimento, seja porque nunca a teve, seja porque a teve mas ela extinguiu-se, perdeu-se ou deixou de existir, isto é, a inexistência de uma relação ou facto que, à luz do direito, da justa ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime o enriquecimento.


iii) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, o que vale por dizer que a vantagem patrimonial alcançada resulte do sacrifício económico de quem requer a restituição.


Sinteticamente é necessário que o enriquecimento haja sido alcançado imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, não existindo entre o ato gerador do prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico.


Numa aceção mais ampla, para se aplicar o instituto do enriquecimento sem causa é necessário que esteja demonstrada a existência de um enriquecimento à custa de outrem, a existência de um empobrecimento, um nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, a ausência de causa justificativa, que não exista outro meio que possibilite ao empobrecido obter a indemnização ou restituição (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2023, proc. n.º 5837/19.4T8GMR.G2.S1, e de 27.02.2025, proc. n.º 3549/16.0T8CSC.L2.S1, in https://juris.stj.pt/).


Por isso mesmo, a ação de enriquecimento sem causa tem de ser instaurada pelo empobrecido, ou seja, pelo credor da obrigação de restituição gerada pelo preenchimento dos pressupostos do instituto. O empobrecido é a pessoa que por força de uma deslocação patrimonial indevida, sem causa justificativa, viu o seu património diminuído em benefício do enriquecido.


O equívoco da autora reside aqui.


Mesmo que os honorários pagos à ré fossem ou sejam indevidos e, por isso, o seu pagamento carecesse ou careça de causa justificativa, a empobrecida não é … a autora. A empobrecida seria ou será a sociedade … executada na execução onde o pagamento desses honorário foi pedido e foi realizado.


É certo que com o requerimento de 05.06.2025 a autora juntou aos autos o recibo do pagamento do valor dos honorários emitido pela agente de execução em seu nome.


Todavia, de acordo com o que a própria autora efetivamente alegou na petição inicial (cf. artigo 14.º) e consta da fundamentação de facto (cf. pontos 13 e 14), esse pagamento foi feito com o produto da venda do imóvel da executada e com o qual esta pode pagar, além de outras dívidas, a quantia exequenda e os encargos da execução exigidos pela agente de execução para levantar a penhora e permitir a concretização dessa venda.


Nos pontos 13 e 14 está dado como provado que «no momento da celebração da transmissão do imóvel, a executada assumiu pagar à exequente (aqui autora) o valor que lhe devia, acrescendo o valor da conta apresentada pela aqui ré» e que na sequência disso «do produto da venda de tal imóvel, foi, em 27.6.2023, entregue à aqui ré um cheque no montante de €35.113.13, para pagamento da conta supra referida.»


Efetivamente, de acordo com os documentos juntos, o imóvel penhorado que havido sido penhorado à executada no processo executivo, foi vendido extrajudicialmente pela executada ao Banco 1..., que o destinou, em simultâneo, a ser objeto de um contrato de locação financeira com outra sociedade (que tem a particularidade de ter sede no mesmo local da exequente e … da executada!). Nessa ocasião, o comprador Banco 1... sacou o cheque bancário (cf. doc. 5 junto com a petição inicial) no montante valor €35.113,13 com que foi pago à agente de execução o valor da nota de honorários e despesas.


Logo, embora o recibo esteja em nome da exequente e aqui autora, o valor reclamado pela agente de execução a título de honorários e despesas foi pago, diretamente pelo comprador do bem, pelo produto da venda do imóvel da executada, ou seja, foi suportado pela própria executada com parte do preço pelo qual vendeu o imóvel.


Isto foi assim, aliás, porque as custas da execução, onde se incluem os honorários e as despesas devidos ao agente de execução, saem precípuas do produto dos bens penhorados - cf. artigo 541º do Código de Processo Civil -, ou seja, a responsabilidade pelo pagamento das custas da execução é do executado, com a particularidade de estas deverem ser pagas precipuamente pelo produto dos bens penhorados.


O artigo 43º da Portaria nº 282/2013, de 29.8, estabelece que o agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e devidamente comprovadas. Esse encargo recai sobre o executado, por força do mencionado artigo 541.º do Código de Processo Civil.


Todavia, o artigo 45º, nº 1, da mesma Portaria dispõe que nos casos em que o pagamento dos honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução na sequência de pagamentos voluntários, os honorários e as despesas são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado (daí, porventura, a razão de ser de o recibo de pagamento ter sido emitido em nome da exequente, mas mal porque o pagamento foi feito pela executada, rectius, pelo banco comprador com dinheiro da executada).


Este preceito não torna o exequente o devedor dos honorários e despesas devidos ao agente de execução, apenas o responsabiliza pelo pagamento dos mesmos, mas com a faculdade de reclamar de seguida o seu reembolso do executado. Por outras palavras, o executado continua a ser o devedor das custas e encargos da execução, a diferença é que se este não pagar diretamente ao agente de execução os honorários e despesas terá de ser o exequente a fazê-lo se pretender obter o pagamento do seu crédito sem ter lugar a venda dos bens penhorados (cujo produto asseguraria, precipuamente, tal pagamento).


Segundo consta da fundamentação de facto, na execução a que respeitam os honorários pagos à ré e cuja restituição a autora agora pretende, por acordo com a exequente e com o objetivo de extinguir a execução, a executada vendeu um imóvel penhorado a uma terceira entidade e com o produto da venda pagou à exequente o valor remanescente da quantia exequenda ainda não realizado pela agente de execução, e pagou o valor dos honorários e despesas reclamadas pela agente de execução.


Desse modo foi a executada e responsável pelo pagamento dos honorários e despesas que ficou privada do valor que foi afeto ao seu pagamento, ainda que não tenha entregue o valor diretamente à credora, mas apenas por intermédio do banco comprador do imóvel.


Sendo assim, a exequente não suportou, com o seu próprio património, qualquer deslocação patrimonial a favor da ré e, por conseguinte, não sofreu qualquer empobrecimento.


Se agora, por via da restituição por enriquecimento sem causa, a autora pudesse exigir da ré o reembolso do valor pago, a sua situação patrimonial aumentaria injustificadamente: não teria suportado com o seu património o pagamento dos honorários mas iria recuperá-los da agente de execução.


Caso esse pagamento tivesse sido ou seja indevido quem pode exigir o seu reembolso a título de enriquecimento sem causa seria ou será a … executada, porque foi o seu património que suportou o pagamento.


Tanto basta para justificar porque a ação deve ser julgada de imediato improcedente, com o que o recurso improcede nessa parte.





V. Dispositivo:


Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré da instância com fundamento nas exceções dilatórias que denominou caso estabilizado e princípio da preclusão. Em substituição ao tribunal recorrido, conhecem do mérito da causa e julgam a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.


Custas do recurso pela recorrente, a qual vai condenada a pagar à recorrida, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.



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Porto, 27 de Novembro de 2025






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Os Juízes Desembargadores

Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 920)

1.º Adjunto: Álvaro Monteiro

2.º Adjunto: António Carneiro da Silva













[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas eletrónicas qualificadas]