Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2175/22.9T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: DECISÃO SURPRESA
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
REQUERIMENTO/FORMULÁRIO
INDEFERIMENTO LIMINAR
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
COMUNICAÇÃO
EFEITOS
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RP202304172175/22.9T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 3º, nº 3, do CPC, o juiz deve observar o princípio do contraditório, salvo em caso de manifesta desnecessidade.
II - A decisão surpresa reporta-se àquela com que a parte não poderia razoavelmente contar, entendendo-se que, por a mesma estar coberta pela própria decisão, já que foi nesta que cometida a violação do princípio do contraditório, é ela impugnável por via de recurso a interpor da decisão, acabando por equivaler ou consubstanciar nulidade de sentença.
III - Nos termos conjugados dos arts. 98º-F do CPT e 590º, nº 1, do CPC, o requerimento/formulário de impugnação da regularidade e licitude do despedimento pode ser liminarmente indeferido se ocorrer erro na forma de processo que seja evidente, caso este em que não se impõe o prévio cumprimento do princípio do contraditório já que, sendo o erro evidente, o cumprimento do contraditório é também manifestamente desnecessário.
IV - A ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento é aplicável ao despedimento com invocação de justa causa, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação e não já às situações em que a causa da cessação do contrato de trabalho invocada pelo empregador seja outra que não aquelas e, muito menos, quando o despedimento não haja sido, como tal e por escrito, assumido pelo empregador de forma clara e inequívoca.
V - No caso, o A. comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho invocando justa causa mas, simultaneamente, concedeu aviso prévio dizendo que a cessação operaria os seus efeitos apenas no 61º dia e, a Ré, em resposta, comunicou-lhe que “A comunicação da justa causa culposa para a resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador não é suscetível de produzir diferidamente os seus efeitos no tempo (…). Quer porque se trata de uma declaração recetícia, quer porque à mesma subjaz uma condição de inviabilidade prática imediata da subsistência do vínculo; ou seja, na modalidade adotada, o contrato termina imperativamente a sua vigência na data da receção pela Empregadora da comunicação de resolução remetida pelo trabalhador. Deste modo, independentemente da invocada justa causa, o contrato de trabalho cessou imediata e definitivamente todos os seus efeitos no dia 29.04.2022”.
VI - A situação referida em V) não consubstancia um despedimento com invocação de justa causa, nem por extinção do posto de trabalho ou inadaptação, nem, nessa resposta, a Ré assumiu, formalmente e de forma inequívoca, que o contrato de trabalho cessou por via de despedimento por si promovido, pelo que a forma de processo adequada é, de forma evidente e manifesta, a comum, e não a forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento a que se reportam os arts. 387º, nº 2, do CT/2009 e 98º-B e segs. do CPT, ocorrendo, assim, erro na forma do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2175/22.9T8PNF.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1326)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

AA veio intentar ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra A..., SA, tendo apresentado a declaração escrita consubstanciadora, segundo aquele, do alegado despedimento promovido pela Ré aos 01.06.2022 (data referida no formulário) conforme missiva emitida por esta e a ele dirigida, datada de 24.05.2022, cujo teor se passa a transcrever:










(…)


(…)”

Aos 13.07.2022, a Mmª Juiz indeferiu liminarmente o requerimento inicial apresentado por erro na forma do processo, condenando o A. em custas e fixando à ação o valor de €2.000,00.

Inconformado, o A. veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) O Recorrente apresentou, nos termos do art.º 98.º-C e 98.º-D do Código do Trabalho, formulário previsto na lei para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, indicou os seus dados e os dados da entidade patronal, bem como juntou “decisão de despedimento” permitida pelo formulário.
B) O teor da carta enviada pela ex-entidade patronal vai impugnada por não corresponder à verdade, excepto na parte em que o vínculo laboral foi cessado para data diferente da pretendida pelo recorrente, antecipando a mesma para o dia 29/04/2022 por vontade unilateral da ex-entidade patronal.
C) Veio o Tribunal a quo a proferir despacho/sentença, de fls… dos autos, de indeferimento liminar do requerimento inicial apresentado pelo recorrente por considerar que se verifica a excepção de erro na forma de processo, assim dando termo aos autos.
D) É desta decisão que se recorre.
E) Tal decisão foi proferida sem que o recorrente fosse notificado para se pronunciar quanto à intenção do Tribunal a quo, Assim se violando o disposto no art.º 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, aplicado subsidiariamente aos presentes autos.
F) A decisão proferida pelo Tribunal a quo, sem que tivesse o recorrente o prévio conhecimento para se pronunciar, é uma decisão surpresa que não é permitida no nosso ordenamento legal, pois a questão de direito versada não foi suscitada por nenhuma das partes, nem previamente pelo Tribunal.
G) O recorrente apresentou, sem mandatário, o seu requerimento de início de processo, pelo que, a prévia notificação ao mesmo quanto ao erro da forma do processo mediante os dados que o Tribunal dispunha, permitiria que o mesmo indicasse ao Tribunal factos e elementos que seriam fundamentais para a boa decisão da causa e que permitiria agendar a audiência de partes.
H) E aí caso se mantivesse o entendimento de erro da forma do processo, cumprir-se-ia o disposto no n.º 3 do referido art.º 98.º-I do Código do Trabalho, sendo o trabalhador, eventualmente, notificado para a necessidade de apresentar acção com processo comum.
I) A decisão aqui recorrida ferida de nulidade, que se argui, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, porquanto o Tribunal a quo conheceu e pronunciou-se sobre questão que não podia conhecer sem conceder ao recorrente a possibilidade de se pronunciar (art.º 3.º, n.º 3 do CPC).
J) Caso assim não se entenda, sempre se verifica estarmos perante a nulidade da decisão nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC, que desde já se argui porquanto foi preterida uma formalidade essencial prevista na lei (prevista no n.º 3 do art.º 3.º do CPC) tornando a sentença proferida numa decisão surpresa não admissível, sendo que tal preterição tem influência directa no exame e na boa decisão da causa, como resulta do exposto e do que infra se alega neste recurso.
K) Sendo nula a decisão, deve a mesma ser revogada nos termos legais, o que desde já se requer, e substituída por outra, com as devidas consequências legais.
Caso assim não se entenda, o que por cautela de patrocínio se admite,
L) resulta dos autos que a decisão proferida viola o disposto nos art.ºs 98.º-B e 98.º-C e 98.º-I do CPT, pelo que a mesma deve ser revogada e/ou substituída por outra que admita o requerimento inicial do recorrente, ordene a prossecução dos autos e agende audiência de partes.
M) O recorrente juntou com o requerimento inicial, e tal como no mesmo consta, a “decisão de despedimento” que recebeu a 01/06/2022, enviada pela sua ex-entidade patronal, e pela qual a entidade patronal faz saber que “(…) o contrato de trabalho que ligava V. Exa. esta empresa desde 2008, cessou imediatamente e definitivamente todos os seus efeitos no dia 29.04.2022” (sic).
N) Esta comunicação da entidade patronal antecipou o fim do vínculo laboral, pois o vínculo laboral só terminaria no dia no 61.º dia contados seguidos a partir da data em que a ex-entidade patronal recebeu a carta que o recorrente enviou a invocar justa causa para se despedir.
O) A carta enviada pelo recorrente está bem mencionada e identificada pela ex-entidade patronal no paragrafo 1 da carta que o recorrente juntou com o requerimento inicial.
P) A carta enviada pelo Recorrente, e cuja junção aos autos se requereu, ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 1 segunda parte, do CPC, pois a decisão recorrida torna necessária a junção de tal carta, permite perceber o pretendido pela ex-entidade patronal, e, em conjugação com a carta da ex-entidade patronal permitirá, no nosso humilde entendimento, alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Q) Na carta o recorrente invoca motivo pelo qual entende que tem justa causa para se despedir e assim resolver o contrato, e comunica, nos termos do art.º 394.º do Código do Trabalho, a vontade de fazer terminar o contrato, indicando que a resolução tem “efeitos no 61.º dia contados seguidos a partir da data em que VV. Exas. receberem a presente carta (este período de 61 dias também funciona como aviso prévio para o meu despedimento assim salvaguardando o caso de alguma autoridade entender, o que não acredito, nem aceito, que não há justa causa na resolução), terminando pois o contrato de todo o modo no referido 61.º dia contados seguidos a partir da data em que VV. Exa. receberem a presente carta. Desde já comunico que quero gozar os 85 dias de descanso compensatório vencidos a que tenho direito, gozar os dias de férias vencidas a 01/01/2022 e que ainda não gozei (24 dias), nesta ordem, até ao fim do vínculo laboral, sem prejuízo de me ser pago o que não for gozado o que desde já reclamo.
Desta forma, fico aguardar a vossa resposta a esta carta com a indicação do gozo dos dias de descanso compensatório e férias, e desde já agradeço que, no final do contrato, seja emitido o certificado de trabalho nos termos do Código do Trabalho, bem como o modelo da Segurança Social para fins de subsídio de desemprego, do qual conste que o presente despedimento é com base na falta de pagamento de retribuições ou com base em justa causa pelo trabalhador – caso não sejam emitidos estes certificados ver-me-ei obrigado a participar a presente situação às autoridades. Por outro lado, desejo que me sejam pagos todos os direitos e créditos prescritos na lei (incluindo o valor de indemnização que reclamo em pelo menos 45 dias de salário por cada ano de antiguidade, bem como as horas de formação nos termos previstos na lei). Sem mais de momento,” (sic).
R) Como resulta do art.º 392.º do CT, o trabalhador tendo justa causa para se despedir, pode fazê-lo com efeitos imediatos, mas nada na lei impede o trabalhador de o fazer deferindo para outra data o fim do vínculo laboral.
S) O fim do vínculo laboral foi antecipado unilateralmente pela ex- entidade patronal para o dia 29/04/2022, sem qualquer fundamento legal, e por motivo imputável ao trabalhador.
T) Acresce que, o recorrente na sua carta indica que no período de 61 dias que está a indicar para o fim do vínculo laboral quer gozar férias, e dias de descanso compensatório, o que foi impedido de fazer face à decisão proferida pela ex-entidade patronal.
U) Mais, ainda, e ao contrário do referido na carta da ex-entidade patronal, os 61 dias indicados funcionam ainda como período de aviso prévio caso venha a ser declarada a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador.
V) A ilicitude da resolução operada pelo trabalhador só pode ser declarada pelo Tribunal em acção intentada pela entidade patronal – art.º 398.º do Código do Trabalho, o que não ocorreu.
W) Donde, no nosso humilde entendimento se verificam preenchidos os requisitos previstos nos art.ºs 98.º-B e 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, sendo possível agendar audiência de partes nos termos do art.º 98.º-I do mesmo código.
X) Só se verificaria o erro da forma do processo se a ex-entidade patronal no âmbito dos presentes autos, em sede de audiência de partes, demonstrasse que a sua carta era em resposta a uma carta do trabalhador mas da qual não resultava alteração dos termos do despedimento comunicado pelo trabalhador, nomeadamente a data em que opera o despedimento promovido pelo trabalhador.
Y) Razão pela qual deve a decisão aqui recorrida ser revogada e substituída por uma que admita o requerimento apresentado pelo recorrente, e ordene ser agendada a audiência de partes.
Z) Mesmo que se entenda não admitir a junção aos autos da carta enviada pelo recorrente, a decisão de admitir o requerimento inicial apresentado pelo recorrente e de agendar audiência de partes é possível por força do texto da própria carta enviada pela ex-entidade patronal e junta com o requerimento inicial.
AA) Na carta enviada pela ex-entidade patronal, junta pelo recorrente com o formulário que dá início aos presentes autos, entre o mais, é escrito o seguinte: “Pela presente, a A..., SA, acusa a receção, na tarde de 29.04.2022, da sua carta datada de 28.04.2022, que, de resto, nos mereceu a melhor atenção. Primeiramente, não podemos deixar de lamentar a sua decisão, ora comunicada, de fazer cessar o contrato de trabalho com a invocação de justa causa culposa (…). Deve, contudo, e desde já, esclarecer-se que a comunicação de justa causa culposa para resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador não é suscetível de produzir diferidamentre os seus efeitos no tempo, ou sequer, como pretendido, à escolha do interessado. Quer por que se trata de uma declaração recetícia, quer porque à mesma subjaz uma condição de inviabilidade prática e imediata da subsistência do vínculo; ou seja, não modalidade de extinção adotada, o contrato termina imperativamente a sua vigência na data da receção pela Empregadora da comunicação de resolução remetida pelo trabalhador.”.
BB) Como bem resulta do texto da carta da ex-entidade patronal, esta é enviada em resposta a uma carta que o recorrente enviou à ex-entidade patronal, pela qual invoca ter justa causa para despedimento e na qual indica a data em que operava os efeitos do seu despedimento.
CC) Data essa que a ex-entidade patronal não aceitou.
DD) E como resulta da carta da ex-entidade patronal, a data em que o trabalhador pretendia que operasse a resolução era diferente da data em que a ex-entidade patronal recebeu a carta enviada pelo recorrente.
EE) Porém, a ex-entidade patronal não aceita a data indicada pelo recorrente para o fim do vínculo laboral e comunicou que o contrato findava (findou) na data em que recebeu a carta enviada pelo trabalhador.
FF) A ex-entidade patronal antecipou o fim do vínculo laboral para uma data por si escolhida e por motivo imputável ao trabalhador (o despedimento deste alegadamente sem justa causa e sem aviso prévio) e assim comunicou a data de fim de vínculo laboral decidido de forma unilateral, para o dia 29/04/2022, data em que recebeu a carta do trabalhador, data essa diferente da data indicada pelo trabalhador na sua carta como bem resulta do texto da carta da ex- entidade patronal.
GG) Operando assim um despedimento tout court e liminar para o dia 29/04/2022, sem qualquer processo disciplinar para o efeito e sem justificação legal para tanto.
HH) Não resultando da carta enviada pela ex-entidade patronal qualquer fundamento legal que permita antecipar a data do fim do vínculo laboral.
II) Mesmo que a ex-entidade patronal não admita o motivo de justa causa invocada pelo trabalhador a única instância que pode determinar a ilicitude da resolução efectuada pelo trabalhador é o Tribunal, em acção intentada pela ex-entidade patronal com vista a tal fim – art.º 398.º do Código do Trabalho – e não pelo trabalhador.
JJ) Nunca pode a ex-entidade patronal determinar a inexistência de motivo de justa causa de despedimento pelo trabalhador e antecipar a data de fim do vínculo de trabalho indicada pelo trabalhador.
KK) Como resulta da carta enviada pela ex-entidade patronal, o aqui recorrente, depois de ter enviado uma carta a invocar justa causa para se despedir e de ter indicado uma data especifica para o fim do vínculo laboral, diferente daquela em que a ex-entidade patronal recebeu a carta, viu-se a ser despedido por facto a si imputável, pela ex-entidade patronal pois a data de fim do vínculo laboral foi alterado pela ex-entidade patronal (in casu, foi antecipado para o dia em que a ex-entidade patronal recebeu a carta do recorrente).
LL) Pelo que, no nosso humilde entendimento, estão preenchidos os requisitos previstos nos art.ºs 98.º-B e 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, normativos estes que foram violados pela interpretação e aplicação efectuada na sentença/despacho do Tribunal a quo aqui recorrida e com o qual pôs termo à causa.
MM) O que é possível desde já decidir, mesmo que só com a carta enviada pela ex-entidade patronal, pois como já expressamos, só se verificaria o erro da forma do processo se a ex-entidade patronal no âmbito dos presentes autos, em sede de audiência de partes, demonstrasse que a sua carta era em resposta a uma carta do trabalhador mas da qual não resultava alteração dos termos do despedimento comunicado pelo trabalhador, nomeadamente a data em que opera o despedimento promovido pelo trabalhador.
NN) Deve assim a decisão ser revogada e substituída por outra que admita o requerimento inicial apresentado pelo recorrente e seja ordenada o agendamento da audiência de partes para os fins do art.º 98.º-I do CPT.
PELO QUE SE REQUER SE DIGNEM, PELOS MOTIVOS ALEGADOS E PELOS QUE DOUTAMENTE OS VENERANDOS DESEMBARGADORES SUPRAM, DETERMINAR A NULIDADE DA SENTENÇA/DESPACHO PROFERIDO NOS TERMOS ALEGADOS, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E ALTERAR A DECISÃO PROFERIDA NO TRIBUNAL “A QUO”, SUBSTITUINDO-A POR UMA OUTRA, QUE DETERMINE A PROSSECUÇÃO DOS AUTOS PARA AUDIÊNCIA DE PARTES NOS INVOCADOS TERMOS E FUNDAMENTOS, (…)”.
Com as alegações juntou um documento (carta do A., remetida à Ré, datada de 28.04.2022).

Admitido o recurso pela 1ª instância e subidos os autos a esta Relação, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto entendeu não ser de emitir parecer, referindo o seguinte:
“(…)
O recurso em apreço, deduzido nos presentes autos, em separado, diz respeito a questão eminentemente processual.
Em suma, está vedada ao Ministério Público, no presente recurso, a possibilidade de emitir parecer, por inaplicabilidade do artigo 87º, n.º 3, do CPT.”

Por despacho da ora relatora de 16.11.2022, foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância para cumprimento do art. 641º, nº 7, do CPC, na sequência do que, baixados os autos e cumprido pelo Tribunal a quo o citado preceito, a Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Reputam-se de inexistentes os motivos legais e práticos invocados pelo Apelante em abono da sua tese, segundo a qual, pela mera circunstância da alteração da data por si, Apelante, pretendida para a produção de efeitos da resolução com justa causa do contrato de trabalho que mantinha com a ora Apelada, a carta resposta da empregadora havia se convertido nada mais nada menos que numa decisão de despedimento – e, pasme-se, “por facto imputável ao trabalhador”.
2. Sem deixar previamente de lamentar a rutura do vínculo laboral despoletada pelo Apelante (circunstância que, salvo melhor, seria, só por si, desde logo suficiente para infirmar a peregrina ideia de que foi a Apelada quem despediu o trabalhador…), a carta enviada pela empregadora limita-se a comunicar a sua aceitação da cessação do contrato de trabalho como resultado da decisão manifestada pelo trabalhador nesse sentido, sem, contudo, reconhecer minimamente a verificação de justa causa, nos termos e para os efeitos das normas do art. 394º, sgtes do Código do Trabalho.
3. Afigura-se pertinente recuperar, pelo menos, parte do teor daquela missiva da Apelada dirigida ao trabalhador Apelante: “Deve, contudo, e desde já, esclarecer-se que a comunicação de justa causa culposa para resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador não é suscetível de produzir diferidamente os seus efeitos no tempo, ou sequer, como pretendido, á escolha do interessado. Quer por que se trata de uma declaração recetícia, quer porque à mesma subjaz uma condição de inviabilidade prática e imediata da subsistência do vínculo; ou seja, na modalidade de extinção adotada, o contrato termina imperativamente a sua vigência na data da receção pela Empregadora da comunicação de resolução remetida pelo trabalhador. Deste modo, independentemente da verificação da invocada justa causa, o contrato de trabalho que ligava V. Exa. esta empresa desde 2008, cessou imediata e definitivamente todos os seus efeitos no dia 29.04.2022.”
4. A Ré Apelada limitou-se a aplicar a regra jurídica geral, segundo a qual as declarações recetícias ou recipiendas – como se pensa que nem o Apelante recusará ser o caso da comunicação de resolução do contrato com justa causa – produzem automática e imperativamente os seus efeitos com a sua receção ou com a chegada ao poder do seu pelo destinatário (art. 224º nº 1, Código Civil);
5. Ainda que assim não fosse, naquela mesma missiva de resposta, nunca por nunca a Empregadora invocou, expressa ou tacitamente, a verificação de motivo imputável (isto é, culposo) ao trabalhador;
6. A única vontade concretizada numa decisão comunicada à contraparte por escrito, de fazer extinguir a relação laboral, partiu do próprio trabalhador;
7. A empresa sempre se opôs a essa cessação do contrato de trabalho, mas, confrontada com o exercício do direito constitucional da liberdade de (não) trabalho por banda do seu trabalhador, limitou-se a retificar (ao abrigo de regra legal, repete-se) a data da produção dos efeitos da declaração resolutiva subscrita e comunicada pelo trabalhador.
8. Não se pode confundir a vontade/decisão, comunicada por escrito à outra parte, de fazer extinguir um contrato de trabalho, com a mera observação constante de resposta àquela comunicação resolutiva, de que, em face do regime jurídico vigente, se impõe retificar a data da produção dos efeitos da decisão do trabalhador.
9. Inexiste aqui qualquer “…. decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação”, comunicada por escrito pela empregadora ao trabalhador, já que o vínculo terminou a sua vigência única e exclusivamente por vontade do trabalhador.
10. No caso em apreço, não se encontram preenchidos os requisitos fáctico-legais exigidos pela norma do art. 98º-C. nº1,. CPT, como condição para lançar mão do processo especial da impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
11. Por outro lado, a mesma não constituiu uma decisão-surpresa para o Apelante, nem abordou questão que lhe era vedada: até a peça processual ser, de forma expressa ou tácita, admitida nos autos, ela é sempre passível de ser rejeitada por inadmissibilidade legal, ainda que na modalidade de desconformidade entre a situação substantiva e a forma processual especial adotada. Dir-se-ia mesmo que, até ser expressamente admitida pelo Tribunal ou ter o seu seguimento procedimental “normal”, a rejeição, por inadmissibilidade, é algo com que todos os Autores têm que contar como possível em relação à peça ou articulado inicial.
12. Inexiste, pois, qualquer, nulidade que afete a douta decisão recorrida.
13. Não podia, e não pode, Apelante pretender despoletar o fim, que tem natureza irreversível, do contrato de trabalho, com base em justa causa resolutiva, e, simultaneamente, apenas para o caso de a sua pretensão não proceder, então, almejar uma denúncia “ad nutum” do vínculo laboral com cumprimento do aviso prévio.
14. Sob pena de se liquidar a essencial certeza e segurança jurídicas nas relações da empregadora com o seu trabalhador e, nomeadamente, a Segurança Social, uma posta em marcha a resolução do contrato, ela terá que ser imediata, definitiva e não revisível, apenas para que, tempos mais tarde, se possa admitir que, afinal o contrato de trabalho, cessou por denúncia.
15. Não faz qualquer sentido: é ilógico e incompatível com declarações negociais sérias, firmes e conscientes, que se exigem aos atos tendentes â celebração, alteração ou extinção de negócios jurídicos
16. Por outro lado, não se compreende como pode o Autor Apelante invocar prejuízo por não ter podido gozar férias ou descanso compensatórios no período que o próprio pretendia ser “de aviso prévio” (e, por maioria de razão, de “antiguidade”): além de tal habilidade constituir a negação da razão legal de ser do aviso prévio, é certo que apenas a Empregadora tem legitimidade para alterar eventuais marcações de dias de férias, e de gozo de descansos compensatórios., determinado o seu gozo efetivo no período final do contrato quando este se encontre sujeito a aviso prévio. – art. 241º nº 5, do Código do Trabalho.
17. Finalmente diga-se que a expressão da norma do art. 394º nº 1 do Código do Trabalho, na parte em que refere que “o contrato de trabalho pode ser resolvido pelo trabalhador com efeitos imediatos, desde que haja justa causa”, reporta-se unicamente à alternativa que a lei coloca ao dispor do trabalhador: se não existir justa causa, e quiser respeitar o regime legal, o trabalhador terá que conceder um aviso prévio de 30 ou 60 dias, a fim de à entidade empregadora ser permitido tempo suficiente para encontrar um substituto e/ou alguém a quem o trabalhador cessante possa transmitir os assuntos até ali a seu cargo.
18. Assim, querendo extinguir o contrato de trabalho de imediato, sem se colocar a si próprio na situação de devedor de uma indemnização por incumprimento do aviso prévio aplicável, o trabalhador pode fazê-lo, mas desde que se verifique a justa causa necessária e suficiente – subjetiva ou culposa – para a resolução do vínculo.
19. A douta decisão recorrida encontra-se exemplarmente fundamentada, de facto e de direito, tendo procedido a uma correta aplicação dos princípios e normas jurídicas vigentes no ordenamento processual laboral.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas, doutamente suprirão., declarando improcedente a apelação interposta, deverá a douta decisão recorrida ser confirmada in totum e, consequentemente, reafirmada a inaplicabilidade ao caso do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento do trabalhador – despedimento que, de resto, repete-se, aqui tão pouco aqui existiu.”

Devolvidos, aos 13.02.2013, os autos a esta Relação e admitido o recurso, colheram-se os vistos legais.
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II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelo Recorrente:
- Se a decisão recorrida consubstancia decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório, constituindo nulidade de sentença nos termos dos arts. 3º, nº 3, e 615º, nº 1, al. d), do CPC) ou, se assim se não entender, se constitui nulidade processual nos termos dos arts. 3º, nº 3, e 195º do CPC.
- Se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que admita o requerimento inicial, ordenando o prosseguimento dos autos para a audiência de partes.
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III. Questão prévia
Da junção do documento apresentado pelo Recorrente com as alegações de recurso

Com as alegações de recurso, o Recorrente juntou um documento, qual seja a carta por si enviada à Ré, datada de 28.04.2022, alegando ser tal junção necessária face ao teor da decisão recorrida e, assim e nos termos do art. 651º do CPC, ser essa junção admissível.

Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instancia.
Por sua vez, de harmonia com os seguintes artigos do referido diploma:
- Art. 423º: “1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
- Art. 425º: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.
Da conjugação dos citados preceitos decorre que, findo o momento até ao qual os documentos poderiam ser apresentados em 1ª instância, apenas poderão ser juntos documentos com as alegações de recurso em caso de impossibilidade objetiva (inexistência do documento em momento anterior) ou subjetiva (ignorância sobre a existência ou impossibilidade de a ele aceder) da sua junção anterior ou se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento.
No caso, o documento cuja junção foi requerida consiste na carta, enviada pelo A. à Ré, datada de 28.04.2022, em que aquele comunica a resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa, mas dela fazendo constar que tal resolução opera os seus efeitos “no 61º dia contados seguidos a parir da data em que VV. Exas. receberem a presente carta (este período de 61 dias também funciona como aviso prévio para o meu despedimento assim salvaguardando o caso de alguma autoridade entender, o que não acredito, nem aceito, que não há justa causa na resolução), terminando pois o contrato de todo o modo no referido 61º dia contados seguidos a partir da data em que VV Exas. receberem a presente carta.”, carta essa que dá origem à resposta da Ré contida na carta remetida por aquela ao A., datada de 24.05.2022, e que este juntou com o requerimento inicial e que, segundo ele, consubstanciaria a decisão do seu despedimento promovido pela Ré.
Tal carta é anterior ao requerimento inicial, não se verificando a impossibilidade objetiva (inexistência do documento) ou subjetiva (desconhecimento da sua existência) da sua junção com o requerimento inicial.
Não obstante, entendemos ser de admitir a junção de tal documento.
Com efeito, perante o processado próprio da ação especial de impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento, com a presentação do formulário pelo trabalhador apenas deverá ser junta a decisão do despedimento promovido pelo empregador art. 98º-C, nº 1, e 98º-E, al. c), do CPT, sendo que, segundo o A., essa decisão está corporizada na comunicação da Ré de 24.05.2022, o que justificaria a não apresentação do documento com o formulário.
Não obstante, no contexto da sua posição, bem como tendo em conta a defesa da Recorrida e, bem assim, tendo em conta a decisão recorrida, afigura-se-nos relevante, para melhor enquadramento e interpretação dos factos e apreciação da adequabilidade, ou não, da forma processual utilizada, a sua junção aos autos, tanto mais que a decisão recorrida, que considerou existir erro na forma do processo, foi proferida em sede liminar, pelo que, tendo a decisão recorrida sido de indeferimento liminar, naturalmente que o documento, a menos que seja junto com as alegações de recurso, não poderia ser junto posteriormente à decisão em recurso.
Assim sendo, admite-se a junção do mencionado documento.
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IV. Fundamentação de facto

1.Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e, bem assim, o seguinte:

2. O A. enviou à Ré carta, datada de 28.04.2022, da qual consta o seguinte:
“Venho por este meio comunicar a W. Exas. que é minha vontade cessar, ou seja terminar, o contrato de trabalho que nos vincula há mais de 13 anos.
(…)
Expôs esta situação a VV. Exas. e solicitei que me informassem por escrito as vossas pretensões quanto à transferência do meu local de trabalho, ao que se limitaram a referir que era minha obrigação mas sem nunca me comunicarem as condições da transferência (pelo menos até ao dia 22/04/2022 data em que solicitei tais informações)
Verificou-se então que W. Exas. não me pagaram a retribuição a que tenho direito. Ora, pela transferência sem regresso diário à residência é devida, por lei ou norma da regulamentação colectiva de trabalho, a retribuição em montante equivalente a 25% da retribuição.
Como eu pude verificar no recibo de remunerações com data de processamento a 28/02/2022, não me foi paga a referida retribuição equivalente a 75o/o já referida, relativo aos dias de Janeiro e Fevereiro de 2022 que trabalhei em Elvas sem regresso diário à minha residência (…), assim como verifiquei no recibo de remunerações com data de processamento a 31/03/2022, que não me foi paga a retribuição dos referidos 25%o relativo aos últimos dias de Fevereiro de 2022 que trabalhei em Elvas sem regresso diário à minha residência (…).
Considerando que a minha retribuição base antes da transferência era de €840,00, acrescida de €23,00 por cada dia de trabalho (montante este que faz parte da minha retribuição pois é-me pago há mais de 5 anos (…) pelos dias que estive em trabalho em Elvas (30) com transferência sem regresso diário à minha residência é-me devido, e está em falta, o pagamento da quantia total, salvo erro, de €382,50 (…)ou no mínimo a quantia total de, salvo erro, €210,00 (…).
Verifica-se ainda que não me foram pagas todas horas extras prestadas por mim ao serviço e adstrito à empresa desde 17/01/2022 até 25/02/2022 (…). Sendo que eu trabalhei, como resulta dos registos de tempos de trabalho, 50 horas extras e só me pagaram 3 horas, sendo devido as 47 horas no montante total de €355,00 (…) que não foram pagas na data de vencimento (…)
Assim, nos termos estabelecidos no artº 394º do Código do Trabalho, comunico a minha vontade de terminar o contrato de trabalho, com justa causa, resolução esta com efeitos no 61º dia contados seguidos a partir da data em que VV. Exas. receberem a presente carta (este período de 61 dias também funciona como aviso prévio para o meu despedimento assim salvaguardando o caso de alguma autoridade entender, o que não acredito, nem aceito, que não há justa causa na resolução), terminando pois o contrato de todo o modo no referido 61º dia contados seguidos a partir da data em que VV Exas. receberem a presente carta.
Desde já comunico que quero gozar os 85 dias de descanso compensatório vencidos a que tenho direito, e gozar os dias de férias vencidas a 01/01/2022 e que ainda não gozei (24 dias), nesta ordem, até ao fim do vínculo laboral, sem prejuízo de me ser pago o que não for gozado, o que desde já reclamo.
Desta forma, fico aguardar a vossa resposta a esta carta com a indicação do gozo dos dias de descanso compensatório e férias, e desde já agradeço que, no final do contrato, seja emitido o certificado de trabalho nos termos do Código do Trabalho, bem como o modelo da Segurança Social para fins de subsídio de desemprego, do qual conste que o presente despedimento é com base na falta de pagamento de retribuições ou com base em justa causa pelo trabalhador - caso não sejam emitidos estes certificados ver-me-ei obrigado a participar a presente situação às autoridades.
Por outro lado, desejo que me sejam pagos todos os direitos e créditos prescritos na lei (incluindo o valor de indemnização que reclamo em pelo menos 45 dias de salário por cada ano de antiguidade, bem como as horas de formação nos termos previstos na lei).
(…)”

3. Em reposta à carta mencionada em 2), a Ré remeteu ao A. a carta, datada de 24.05.2022, que o A. juntou com o requerimento inicial, já transcrita no relatório precedente.
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V. Fundamentação de Direito

1. Quanto à 1ª questão
Da existência de decisão surpresa e das suas consequências

Tem a questão por objeto saber se a decisão recorrida consubstancia decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório, consubstanciando nulidade de sentença nos termos dos arts. 3º, nº 3, e 615º, nº 1, al. d), do CPC) ou, se assim se não entender, se consubstancia nulidade processual nos termos dos arts. 3º, nº 3, e 195º do CPC, entendendo o Recorrente que assim será uma vez que a decisão de indeferimento liminar foi proferida sem prévio cumprimento do contraditório estipulado no citado art. 3º, nº 3.

1.1. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
O trabalhador lançou mão do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, previsto nos artigos 98º-B e ss. do CPT, apresentando o formulário referido no artigo 98º-C nº 1 do mesmo diploma.
Do documento junto pelo trabalhador constata-se que a entidade empregadora aceitou a resolução do contrato efectuada por aquele, embora não reconhecendo a justa causa invocada.
O artigo 98º-C nº 1 do CPT restringe a aplicação do processo especial aqui em apreço aos casos de comunicação por escrito ao trabalhador de uma decisão de despedimento individual, numa de três situações: por facto imputável ao trabalhador; por extinção do posto de trabalho; por inadaptação.
O motivo invocado pela entidade empregadora para a cessação do contrato de trabalho que aqui é impugnada não se enquadra em nenhum dos motivos vindos de referir, sendo antes a cessação decorrente da vontade do trabalhador. Assim, o meio processual próprio para reclamar o reconhecimento de justa causa para resolução do contrato não é a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mas sim o processo comum.
Estamos, pois, perante um erro na forma de processo (cfr. artigo 193º do CPC), nulidade de que o tribunal pode oficiosamente conhecer (artigo 196º do CPC).
Da letra do artigo 98º-I nº 3 do CPT parece decorrer que apenas em sede de audiência de partes poderia o erro na forma do processo ser conhecido. Contudo, o nº 1 do artigo 98º-F pressupõe uma decisão de recebimento do requerimento, o que implica que sobre ele tenha de haver uma apreciação liminar, momento no qual tem de ser possível o seu indeferimento. Neste sentido já decidiu a Relação de Lisboa, em acórdão proferido em 29/03/2012 (disp. in www.dgsi.pt, proc nº 1149/11.0TTCBR.C1).
O erro na forma do processo determina apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, a não ser que de tal aproveitamento resulte uma diminuição de garantias do réu (cfr. artigo 193º nº 2 do CPC). No caso aqui em apreço, não há qualquer acto que possa ser aproveitado, uma vez que o processo comum se inicia com a apresentação de petição inicial onde o autor alegue os factos que sustentam o seu pedido, o que, nesta forma de processo não acontece, nada se podendo extrair do formulário apresentado.
Estamos, pois, perante uma exceção dilatória que deve levar ao indeferimento liminar do formulário apresentado.
*

Nestes termos, e pelo exposto, indefere-se liminarmente o requerimento inicial apresentado.
(…)”

1.2. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC72013, que é nula a sentença quando: “d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
Nos termos do disposto no art. 3º, nºs 1 e 3, do CPC/2013 “1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. (…). 3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”.
Consagra no referido art. 3º, nº 3, o princípio do contraditório, o qual consubstancia princípio estruturante do processo. Com a necessidade da observância do contraditório pretende-se evitar as designadas decisões surpresa, estas aquelas com que as partes não poderiam razoavelmente contar.
Como refere Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais À Luz do Novo Código, GestLegal, pág. 135:
“(…)
Tratando-se de um fundamento de direito na disponibilidade exclusiva das partes, a possibilidade de discussão resulta naturalmente da sua invocação (necessária) pelo interessado e do direito de resposta da parte contrária. Mas a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3)”. [sublinhado nosso]
Em nota de rodapé 23 (ob. cit., pág. 135), exemplificando situações de conhecimento oficioso em que se mostra necessário o cumprimento do princípio do contraditório refere o mencionado autor que: “a nulidade negocial (art. 286 CC), a caducidade em matéria de direito indisponível (art. 333-1CC), a ilegitimidade duma das partes (arts. 572-e e 578), o cumprimento da obrigação ou a qualificação dum contrato são questões de que o tribunal pode conhecer independentemente de as partes as terem suscitado, sem prejuízo dos factos em que assentam deverem ser trazidos ao processo de acordo com as regras do princípio do dispositivo”.
E, em nota de rodapé 24 (ob. cit. págs. 135/136), exemplificando situações de manifesta desnecessidade de cumprimento de tal principio diz que: “É, por exemplo, manifestamente desnecessário convidar as partes a pronunciarem-se sobre a qualificação como compra e venda do contrato que integra a causa de pedir, se o autor, embora não invocando explicitamente esta qualificação, o descreveu facticamente como tal, em termos inequívocos e não contrariados, de facto, nem de direito, pelo réu. Mas já será necessário o convite se o juiz entender que, não obstante as partes, explícita ou implicitamente, terem tomado o contrato como de compra e venda ao longo de todo o processo, a sua qualificação jurídica correcta é de empreitada ou de doação; (…)”.
A violação do princípio do contraditório consubstancia nulidade processual por omissão de ato que deveria ter sido praticado, com influência na decisão da causa (art. 195º, nº 1, do CPC) – cfr. José Lebre de Freitas, ob. citada, nota de rodapé 24, pág. 136, na qual refere que a falta de convite [reportando-se ao convite para o exercício do contraditório], quando deva ter lugar, gera nulidade (art. 195).
Trata-se, todavia, de nulidade processual que, por estar coberta pela própria sentença, já que foi nesta que a mesma foi cometida, é impugnável por via de recurso a interpor da sentença, acabando por equivaler ou consubstanciar nulidade da sentença. Como decorre do Acórdão do STJ de 05.11.2008, Processo 08S2306, in www.dgsi,m ainda que a propósito dos arts. 715º, nº 3, e 668º, nº 1, do então CPC/1961, jurisprudência essa que mantém atualidade, tem sido doutrinal e jurisprudencialmente sustentado que, embora as decisões judiciais não tenham, em rigor, incorrido em nenhuma das nulidades da decisão previstas no art. 668º, nº 1, do CPC (atual art. 615º), o facto é que a violação da lei lhes é diretamente imputável por terem sancionado uma nulidade processual não sanada, dando cobertura a esse desvio processual e assumindo-o como seu, passando aquela nulidade processual a inquinar a decisão judicial como vício próprio desta e constituindo, assim, causa da sua nulidade. No sentido de que consubstancia nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), CPC/2013), cfr. Acórdão da RP de 08.10.2018, Proc. 721/12.5TVPRT.P1, in www.dgsi.pt.
Mas, como se começou por dizer, a decisão surpresa reporta-se àquela com que a parte não poderia razoavelmente contar.
Vejamos, pois, se, no caso, o despacho recorrido, de indeferimento liminar, deveria, face ao princípio do contraditório, ter sido precedido de notificação do A. para se pronunciar sobre a eventualidade desse indeferimento.

1.3. Dispõe o art. 98º-F do CPT que: “1 - Recebido o requerimento, e sem prejuízo do seu indeferimento liminar nos termos e com os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, o juiz designa data para a audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias. 2 - O trabalhador é notificado e o empregador citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, transigir ou desistir. (…)” e, no art. 98º-I, sobre a audiência de partes, que “1 - Declarada aberta a audiência pelo juiz, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento. 2 - Após a resposta do trabalhador, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 52.º e 53.º 3 - Caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum. 4 - Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz: a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas; b) Fixa a data da audiência final.”.
Por sua vez, determina o art. 590º, nº 1, do CPC que “1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º”. [sublinhados nossos]
Como decorre do art. 98º-F, nº 1, do CPT este consente o indeferimento liminar do requerimento inicial nos termos em que esse indeferimento está previsto no art. 590º, nº 1, do CPC, ou seja, quando se reporte à existência de uma exceção dilatória insuprível (como o é o erro na forma de processo que seja insuprível), se ela se apresentar de forma que seja evidente. E, no que toca ao cumprimento do princípio do contraditório, o seu cumprimento não se impõe quando se mostre manifestamente desnecessário. Ora, se o indeferimento liminar apenas poderá ter lugar quando seja evidente a existência da exceção dilatória (no caso, o erro na forma do processo), de tal evidência resulta que será manifestamente desnecessário o cumprimento do contraditório. Se o erro na forma do processo é evidente, é também manifestamente desnecessário o prévio cumprimento do contraditório dada essa evidência.
Ou seja, e em bom rigor, o que está em causa nos autos é saber se o requerimento inicial poderia, ou não, ter sido liminarmente indeferido por ser (ou não) evidente a existência do erro na forma do processo (não sendo eventualmente evidente esse erro, consubstanciaria a situação erro de julgamento da decisão recorrida ao indeferir liminarmente), e não já se foi cometida nulidade de sentença ou nulidade processual por incumprimento do principio do contraditório. Ou, dito de outro modo, se se chegar à conclusão que o erro na forma do processo não é evidente (ou que seria suscetível de suprimento), a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, não deveria ter sido proferida; se o erro na forma do processo for evidente, seria então manifestamente desnecessário cumprir previamente o contraditório, não constituindo, nem devendo constituir, a decisão recorrida uma decisão surpresa na medida em que, face a tal evidência e à possibilidade legal de indeferimento liminar, poderia e deveria o A. ter com ela contado.
Não se nos afigura, assim, que tenha sido cometida a nulidade de sentença ou nulidade processual invocada.
De todo o modo, e ainda que assim se não entendesse, nada obstaria a que a Relação conhecesse da questão de mérito objeto do recurso, qual seja a 2ª questão elencada no seu objeto – saber se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que admita o requerimento inicial, ordenando o prosseguimento dos autos para a audiência de partes – tendo em conta o disposto no art. 665º, nº 1, do CPC e sendo certo que a questão já foi objeto de profusa discussão entre as partes no recurso (alegações e contra-alegações), sem necessidade de anulação para que as mesmas sobre ela se pronunciassem novamente. E é o que faremos a seguir, no âmbito do conhecimento dessa 2ª questão.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

2. Da 2ª questão
Se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que admita o requerimento inicial, ordenando o prosseguimento dos autos para a audiência de partes
Tem esta questão por objeto saber se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que admita o requerimento inicial, ordenando o prosseguimento dos autos para a audiência de partes, sustentando o Recorrente, em síntese, que tinha invocado a resolução do contrato de trabalho para produzir efeitos no 61º dia após a receção da comunicação pela Ré, tendo, porém, esta, comunicado-lhe, em resposta, que o contrato cessava aos 29.04.2022, pelo que foi pela mesma despedido (por causa a si, A., imputável dada a comunicação da resolução do contrato que enviou à Ré), assim se justificando o recurso ao processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não ocorrendo, por consequência, erro na forma do processo.
Por sua vez, defende a Recorrida que não existe qualquer despedimento, alegando em síntese, que: se limitou “a comunicar a sua aceitação da cessação do contrato de trabalho como resultado da decisão manifestada pelo trabalhador nesse sentido, sem, contudo, reconhecer minimamente a verificação de justa causa”, tendo-se limitado a aplicar a regra geral de que as declarações recetícias produzem automática e imperativamente os seus efeitos com a sua receção ou com a chegada ao poder do seu pelo destinatário (art. 224º nº 1, Código Civil), apenas tendo retificado a data da produção dos efeitos da decisão do trabalhador; nunca invocou, na missiva de resposta em causa, expressa ou tacitamente, a verificação de motivo imputável (isto é, culposo) ao trabalhador; a única vontade concretizada numa decisão comunicada à contraparte por escrito, de fazer extinguir a relação laboral, partiu do próprio trabalhador, não existindo qualquer “…. decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação”, comunicada por escrito pela empregadora ao trabalhador, já que o vínculo terminou a sua vigência única e exclusivamente por vontade do trabalhador, não se encontrando preenchidos os requisitos fáctico-legais exigidos pela norma do art. 98º-C. nº1, do CPT, como condição para lançar mão do processo especial da impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

2.1. O art. 387º do CT/2009 (aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02), nos seus nºs 1 e 2, dispõe que: “A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.” [nº 1] e que “O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte” (…) [nº 2].
Por sua vez, o CPT na versão aprovada pelo citado DL 295/2009, de 13 10, dando resposta processual às significativas alterações introduzidas em matéria de despedimento pela Reforma do Código do Trabalho operada pelo CT/2009, criou, para os casos de despedimento individual em que a decisão seja comunicada por escrito ao trabalhador, uma nova forma de processo especial, qual seja a “Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” prevista nos arts. 98º-B a 98º-P, ação essa que, de harmonia com o nº 1 desse art. 98º-B, se inicia com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento, em formulário que veio a ser aprovado pela Portaria 1460-C/2009, de 31.12., do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento e à qual deverá juntar a decisão escrita do despedimento.
E, no seu art. 98º-C, nº1, veio dispor que “Nos termos do artigo 387º do Código. do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel” (…).
Desse preceito decorre que a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento é aplicável ao despedimento com invocação de justa causa, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação e não já às situações em que a causa da cessação do contrato de trabalho invocada pelo empregador seja outra que não aquelas e, muito menos, quando a causa de cessação do contrato de trabalho seja a resolução do mesmo, pelo trabalhador, com invocação de justa causa.
Neste sentido se pronuncia Abílio Neto, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª Edição, Janeiro de 2010, pág. 217, ao referir que:
Assim, se a cessação do contrato de trabalho ocorreu com fundamento em caducidade ou por acordo de revogação ou através de denúncia do trabalhador, o trabalhador que pretenda exercitar direitos emergentes dessa cessação terá de lançar mão da acção com processo comum, com exclusão deste processo especial.”.
E, de forma idêntica, Albino Mendes Batista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, pág. 73, ao referir que “a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, bem como Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ªedição, pág. 398/399, ao dizer que “(…). Seguem ainda a forma comum as múltiplas situações de cessação em que o empregador não assume a qualificação das mesmas como um despedimento, quer porque não reconhece a natureza laboral do vínculo cuja cessação promove, quer porque entende que a cessação decorre de uma causa extintiva diversa do despedimento, como seja a caducidade pela verificação do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho (…). A decisão a entregar pelo trabalhador juntamente com o formulário tem de conter uma declaração inequívoca de despedimento”. [sublinhados nossos]
Veja-se, também, o Acórdão desta Relação de 14.06.2010, in www.dgsi.pt, Processo 213/10.7TTBRG.P1, no qual se entende que a ação especial a que aludem os artigos 98º-B e seguintes do CPT “abrange aquelas hipóteses em que o despedimento foi formalmente comunicado, o que significa, que se trata de despedimentos provados, assumidos como tal pelo empregador”.
E como também se tem entendido, o recurso a essa forma processual especial não está dependente a prévia existência do procedimento legalmente previsto para essas formas de cessação do contrato de trabalho. Como se diz, designadamente, no Acórdão desta Relação de 30.05.2011, Processo 1078/10.4TTGDM.P1[1], in www.dgsi.pt, “ Por outro lado, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que alterou o CPT2010, “Nestes casos [do processo especial], a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT...” e “Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.”
Assim, sendo o despedimento declarado por escrito pelo empregador, a acção de impugnação segue os trâmites do processo especial e nos outros casos – por exemplo, despedimento declarado pelo empregador, mas verbalmente, cessação de contrato em que as partes divergem sobre a sua qualificação como contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou se a forma de cessação foi o despedimento ou a caducidade de contrato a termo – segue a tramitação do processo comum.
Daí que não seja a existência de procedimento disciplinar que marque a diferença, pois será de observar o processo especial nas hipóteses em que o empregador declarou o despedimento por escrito, mas não elaborou o procedimento e será de observar o processo comum nos casos em que, apesar de ter elaborado o procedimento prévio, o empregador comunicou o despedimento verbalmente ou adoptou uma conduta que possa ser entendida como correspondendo a um despedimento individual…”
Acrescente-se que, na lógica do novo regime processual, compreende-se que assim seja. Pretendeu-se criar um regime célere de impugnação do despedimento quando este haja sido, como tal e por escrito, assumido pelo empregador. Com efeito, e conquanto o recurso à ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento não dependa da existência de um prévio procedimento disciplinar ou das formalidades legalmente exigidas para as duas mais formas de despedimento individual, pressupõe contudo o legislador que, invocado que seja pelo empregador, o despedimento e face à obrigatoriedade dos referidos procedimentos prévios, estes existam. E, daí, que, nos arts. 98º-I, nº 4, al. a) e 98º-J, nº 3, do CPT, se imponha a notificação do empregador para junção dos mesmos, sob cominação da imediata condenação nos termos previstos nas als. a) e b) do nº 3, desse art. 98º-J.

Como é sabido, o trabalhador pode, livremente, fazer cessar o contrato de trabalho: se existir justa causa pode fazê-lo cessar imediatamente (art. 394º do CT/2009), caso em que o resolve (com invocação de justa causa); caso não ocorra justa causa, ou não a invoque, poderá fazê-lo cessar por denúncia do mesmo, devendo, contudo, observar o prazo de aviso prévio previsto no art. 400º do CT/2009, sob pena de incorrer na obrigação de indemnizar o empregador nos termos previstos no art. 401º do mesmo.
E, diferente da resolução do contrato de trabalho e/ou denúncia, ambas pelo trabalhador, é o despedimento, este por iniciativa do empregador, o qual, legalmente, pode assumir uma de três formas: despedimento com justa causa subjetiva, isto é, por facto imputável ao trabalhador; despedimento por extinção do posto de trabalho (e despedimento coletivo, este porém com uma outra forma especial de impugnação – cfr. arts. 156º e segs); e despedimento por inadaptação.

2.2. No caso, já acima deixamos transcritas: quer a comunicação do A. à Ré, em que aquele refere que resolve o contrato de trabalho invocando justa causa mas referindo que, à cautela, para o caso de poder ser entendido que não existe justa causa, o contrato apenas terminará no 61º dia após a comunicação da resolução, assim dando o aviso prévio legal previsto para a denúncia do contrato pelo trabalhador; quer a resposta da Ré em que, referindo que, tendo-lhe sido comunicada a resolução do contrato com invocação de justa causa (embora não reconheça a existência da mesma), tal forma de cessação determina a imediata cessação do contrato de trabalho, pelo que o considera como imediatamente (com a receção, por si, dessa comunicação) cessado, ou seja, aos 29.04.2022, constando, desta resposta e no que poderá relevar, o seguinte: “A comunicação da justa causa culposa para a resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador não é suscetível de produzir diferidamente os seus efeitos no tempo (…). Quer porque se trata de uma declaração recetícia, quer porque à mesma subjaz uma condição de inviabilidade prática imediata da subsistência do vínculo; ou seja, na modalidade adotada, o contrato termina imperativamente a sua vigência na data da receção pela Empregadora da comunicação de resolução remetida pelo trabalhador. Deste modo, independentemente da invocada justa causa, o contrato de trabalho cessou imediata e definitivamente todos os seus efeitos no dia 29.04.2022”
Deixámos também transcrita a decisão recorrida, da qual, ao referir que a cessação do contrato de trabalho decorre da vontade do trabalhador, assenta, ou parece assentar, no pressuposto de que a comunicação da Ré não consubstancia um despedimento para, a partir da daí, concluir pelo erro na forma do processo, questão que, todavia, não se nos afigura corretamente colocada.
Com efeito, nesta fase processual, isto é para os efeitos de determinação da forma de processo adequada, não está em apreciação a questão de mérito, isto é, a questão de saber se a “antecipação” (em relação à data que o A. indicou), pela Ré, dos efeitos da cessação do contrato de trabalho consubstancia ou redunda, ou não, num despedimento.
O que importa, sim, apreciar é se, perante a resposta da Ré, esta nela assumiu formalmente e de forma inequívoca a cessação do contrato como configurando um despedimento, pois que, apenas em tal caso, poderia o A. recorrer à forma de processo especial de impugnação a que se reportam os arts. 98º-B e segs.
Como decorre do que se disse, esta forma processual apenas é admissível se estiver assente, por parte do empregador, que este próprio configurou a cessação como um despedimento, independentemente da interpretação e enquadramento jurídico que o Autor e/ou o Tribunal possam fazer, não sendo admissível a discussão, no âmbito dessa forma de processo especial, da questão de saber se o comportamento do empregador consubstancia, ou não, um despedimento, e, muito menos, se consubstancia um despedimento por facto imputável ao trabalhador quando, como tal, não é formalmente assumido por aquele. Diga-se ainda que os arts. 387º do CT e 98º-C do CPT, quando se reportam a despedimento por facto imputável ao trabalhador, referem-se e têm subjacente o despedimento com invocação de justa causa, previsto nos arts. 351º e segs. do CT, isto é, o despedimento, como sanção disciplinar que é, em que o comportamento culposo do trabalhador determina a impossibilidade imediata da subsistência do vínculo laboral.
Ora, no caso, a Ré, na comunicação que o A. invoca como consubstanciando o despedimento, não assume, de forma inequívoca e, muito menos formalmente, o alegado despedimento do A., sendo que o que diz é que, não sendo a resolução do contrato de trabalho compatível com a produção diferida dos efeitos dessa cessação, tem o contrato como cessado no dia da receção, por si, da comunicação de resolução. Ou seja, embora tendo “antecipado” os efeitos da cessação do contrato de trabalho, o que considera (bem ou mal, o que, como se disse, não releva para os efeitos ora em questão) é que o contrato cessou por resolução do A. com invocação de justa caus (embora não reconheça a existência de justa causa). O A. é que considera (bem ou mal o que, também não releva para os efeitos ora em questão) que essa antecipação consubstancia ou redunda num despedimento, questão que se prende, todavia, com o mérito da causa, isto é, com a causa da cessação do contrato de trabalho, o que não releva para efeitos de determinação da forma de processo aplicável.
Assim, e não tendo a Ré, formalmente e de forma inequívoca, assumido que o contrato de trabalho cessou por via de despedimento por si promovido, tem tal questão que ser decidida no âmbito da forma de processo comum, e não do processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento a que se reportam os arts. 387º, nº 2, do CT/2009 e 98º-B e segs. do CPT, pelo que se verifica erro na forma do processo.
Acrescente-se que a não assunção, pela Ré, formalmente e de forma inequívoca, que a causa da cessação do contrato de trabalho era o despedimento do A. (independentemente da bondade, ou não, de tal entendimento), resulta de forma evidente e manifesta do teor da missiva que enviou a este e que é junta como consubstanciando a decisão de despedimento, pelo que, manifestamente, deveria o A. ter contado com a possibilidade do indeferimento liminar por erro na forma do processo, sendo, pois, manifestamente desnecessário o prévio cumprimento do contraditório e, assim, não constituindo ou não devendo constituir, a decisão recorrida, decisão surpresa.
É pois de confirmar a decisão recorrida, embora por fundamento não totalmente coincidente, e improcedendo as conclusões do recurso.

2.3. Resta dizer que o Recorrente não suscita a questão do aproveitamento da ação ou de alguns dos seus atos (princípio do aproveitamento dos atos processuais – art. 193º do CPC) ou da adequação formal (art. 547º do mesmo), sendo que na decisão recorrida se entendeu que “não há qualquer acto que possa ser aproveitado, uma vez que o processo comum se inicia com a apresentação de petição inicial onde o autor alegue os factos que sustentam o seu pedido, o que, nesta forma de processo não acontece, nada se podendo extrair do formulário apresentado” e, assim, não foi tal questão submetida à apreciação por esta Relação.
De todo o modo, sempre se dirá que se concorda com a decisão recorrida.
Chama-se à colação o Acórdão desta Relação de 17.10.2011, in www.dgsi.pt, Processo nº 652/10.03.TTVNG.P2[2], com o qual estamos de acordo e que passamos a transcrever:
“(…)
De acordo com o disposto no art. 199º do CPC, “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”( nº 1). “Não devem porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu” (nº 2).
No caso entendemos, salvo sempre melhor opinião, que o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo, atenta a grande diferença de formalismo entre o processo declarativo comum e o processo especial referido, desde a fase inicial. Com efeito, o requerimento apresentado pelo recorrente não contém os requisitos mínimos de uma petição inicial (primeiro acto processual do processo declarativo comum), pois dele não constam, designadamente, os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art.º467 n.º 1, al. d) do CPC).
Por outro lado, conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 24/03/2011[5] «não se podem aproveitar todos os articulados que, entretanto, o tribunal indevidamente permitiu que fossem apresentados pois obedecem a uma tramitação e lógica diversa da acção comum, nos termos dos quais a acção devia ter sido proposta, nomeadamente em termos de prazos de propositura, e dos ónus de alegação e prova.»
Além do mais, resultando do nº 2 do artigo 199º do CPC que apenas se devem aproveitar os actos já praticados, se do facto não resultar uma diminuição de garantias do réu, aproveitar no caso o processado já tramitado era uma forma de diminuir de forma drástica as garantias da Ré na medida em que, ao contrário do que acontece com a forma de processo comum, a acção especial de impugnação regularidade e licitude do despedimento não permite que esta formule pedido reconvencional.

Sendo assim, não podemos perfilhar o entendimento daqueles que defendem que nestes casos devem ser aproveitados os articulados.
Assim, o erro cometido determina a nulidade de todo o processado, ao abrigo do art. 199 nºs 1 e 2 do CPT, o que constitui uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância da ré, nos termos dos artigos 493 e 494 b) do CPC, pelo que confirmamos a decisão recorrida.”
E, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.2011, in www.dgsi.pt, Processo nº 72/10.0TTCDL.L1-4, citado no acórdão acabado de transcrever.
Com efeito, e para além do formulário apresentado nos termos do art. 387º, nº 2, do CT/2009 não conter, minimamente que seja, os fundamentos, de facto e de direito, que devem constar da petição inicial e do demais referido no citado acórdão, a verdade é que o paradigma das duas espécies processuais (a forma comum e a especial) são completamente diferentes, com a total inversão dos articulados e com repercussão nas regras relativas ao exercício do contraditório. Para além de que, no caso, nada mais existe do que a apresentação do formulário.
E, neste mesmo sentido, cfr. Acórdão desta Relação de 29.10.2012[3], Proc. 64/12.4TTLMG-A.P1, in www.dgsi.pt
***

VI. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, embora por fundamento não totalmente coincidente.

Custas pelo Recorrente.


Porto, 17.04.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta.
[2] Relatado pelo Exmº Sr. Desembargador António José Ramos.
[3] Relatado pela ora relatora.