Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1923/16.0T9VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: RECURSO DO DESPACHO QUE REMETE AS PARTES PARA OS MEIOS COMUNS
REQUISITOS PARA A REMESSA DAS PARTES CIVIS PARA OS MEIOS COMUNS
EXCEPÇÃO DA FALTA DE LEGITIMIDADE
REPERCUSSÃO DA PROCEDÊNCIA DO RECURSO NA MARCHA DO PROCESSO
Nº do Documento: RP201806061923/16.0T9VNG-A.P1
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
PROVIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 26/2018, FLS 162-170)
Área Temática: .
Sumário: I - É de admitir o recurso do despacho que remete as partes civis para os meios comuns.
II - A invocação na contestação pela demandada cível da questão da legitimidade activa da demandante, com o julgamento aprazado para 12FEV2018, relativamente a factos do ano de 2016 não provocam o retardamento intolerável do processo penal.
III - O único retardamento é o inerente e emergente da produção de prova do pedido cível, admitido, a exigir, tão só, a prova da existência da união de facto, como de todos os demais factos alegados, bem como a apreciação da questão de direito atinente com a posição do nascituro nascido depois do óbito do pai.
IV - Mesmo que já tenha terminado o julgamento a que entretanto se procedeu e já tenha sido proferida a sentença, tais factos em nada tornam inútil o presente recurso, pois que apenas há que continuar a audiência para conhecer da matéria relativa ao pedido cível, mantendo a decisão penal plena validade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 1923/16.0T9VNG-A.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. nº 1923/16.0T9VNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia -Juiz 1 em que é arguido
B...

E assistentes
- C..., por si e em representação do seu filho menor, D..., que veio deduzir pedido de indemnização civil, de fls. 410 a 444, contra E..., S.A..
- F... e G... deduziram igualmente pedido de indemnização civil, o qual veio julgado extemporâneo.

O Centro Hospitalar ... veio também deduzir pedido de indemnização civil, de fls. 449 a 454, contra E..., S.A..

Por despacho de 5/2/2018, foi decidido:
“…remeter as partes para os tribunais civis no que ao pedido de indemnização civil diz respeito, nos termos do disposto no artigo 82.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.”

Recorre a assistente C..., por si e em representação do seu filho menor D..., a qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“A. Importa registar que, atento o princípio do aquisitivo processual, é sólido e pacifico nos autos, o seguinte:
a) A fls... dos autos foi requerida e foi admitida a junção da sentença proferida no Proc. n.° 6602/16.6T8VNG, transitada em julgado em 18.Maio.2017, que declara que a assistente aqui recorrente, viveu em união de facto com o falecido H..., por mais de três anos à data do óbito, como se de marido e mulher se tratasse, ou seja, em situação análoga à dos cônjuges, e portanto, em situação de união de facto - Situação esta em que intervém no processo;
b) A fls... requereu e foi admitida a junção aos mesmos da sentença proferida no Proc. n.° 985/17.8T8VNG que correu termos no Juízo de Família e Menores - Juiz 3 de Vila Nova Gaia, a qual declara pai do aqui recorrente, o inditoso H..., e bem assim o comprovativo do averbamento deste facto ao Registo de Nascimento do menor, e
c) em 13.07.2017, tendo o processo sido concluso ao Mmo. JIC, despachou assim: «Vi o processo n.º 985/17.8T8VNG. Consigno que a 01.06.2017 foi aí proferida sentença declarando que H... pai do menor D....
Devolva.
Por dispor de legitimidades, estar em tempo, estar dispensado do pagamento da taxa de justiça e se encontrar representado por Advogado, admito C..., por si e em representação do menor D..., a intervir nos presentes autos na qualidade de assistente - art. 68. ° do CPP. Notifique.»
d) Por ofício de 22.09.2017, foi notificado aos recorrentes a douta acusação;
e) Em 13.10.2017, os aqui recorrentes deduziram nos presentes autos pedido cível contra a responsável civil – E..., S.A. - que foi admitido, mais requereu o aditamento de uma testemunha que foi também admitida, e a audição de outra por vídeo conferência que também foi admitido.
f) Na contestação deduzida pela demandada cível, de entre outras coisas, alegou a demandada no ponto 4 "Importa, assim, saber quais são as declarações verdadeiras para poder saber-se também os verdadeiros herdeiros do H... ...'''' e terminou a contestação, requerendo assim: "Nestes termos e nos mais que V. Ex." muito doutamente suprirá, deve o pedido de indemnização cível deduzido por C..., em seu próprio nome e em representação do seu filho, D..., ser julgado improcedente e não provado, e consequentemente, ser a E..., S.A. absolvida desse pedido."
B. Face à sobredita factualidade, o douto despacho de 05.02.2018 ínsito a fls..., que remete os aqui recorrentes para a instância cível para julgamento em separado do pedido cível deduzido nos autos, carece, em absoluto, de oportunidade e de fundamentação legal dado que não especifica minimamente onde está, ou onde se pode vislumbrar o retardamento intolerável do processo, que no caso dos autos, tal retardamento não se verifica, nem é passível de se verificar. Pelo que,
C. a decisão (despacho) que pela presente via se põe em crise viola frontalmente o princípio da adesão obrigatória, consagrado nos arts. 71.° e segs. do CPP, de onde se extrai que o princípio da adesão obrigatória só pode ser violado nos casos tipificados no art.° 82.° do CPP, o que não é, manifestamente, o caso dos autos,
D. o mesmo despacho, ofende as garantias dos recorrentes porque, tal decisão, impede a realização da justiça em prazo razoável nos termos consagrados no art. 20.° ns. 1 e 4 da CRP.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, e a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que respeite o princípio da adesão obrigatória, e ordene o julgamento do pedido cível no processo crime”

O Mº Pº não respondeu
O arguido pronunciou-se defendendo a irrecorribilidade do despacho ou a sua inutilidade ou improcedência
Nesta Relação o ilustre PGA ?????
Foi cumprido o artº 417º2 CPP ????

Por decisão sumária do relator de 9/5/2018 foi decidido:
Assim, aderindo a esta posição, julga-se inadmissível o presente recurso, nos termos do art.º 400º n.º 1, al.b) do CPP”

Reclamou para a conferencia a assistente C... por si e em representação do seu filho, alegando em suma que a decisão sumária tomou posição contraria à jurisprudência sobre a admissibilidade do recurso de tal despacho, sendo que as decisões anotadas na decisão sumaria conheceram do recurso do despacho dessa natureza, sendo esta contraditória e contrária à jurisprudência (que cita) e este despacho não depende da livre resolução do tribunal, além de ser inoportuno atenta a altura e estado do processo em que foi proferido.
Não houve respostas

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Ocorreu mudança de relator por vencimento, tendo sido colhida informação sobre o estado do processo principal
Cumpre apreciar.

Consta do despacho recorrido (transcrição):
“(…) Nos presentes autos, foi deduzida acusação contra o arguido B..., sendo-lhe imputada a prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelos artigos 15.°, 69.°, 101.° e 137.°, n.° 1 e 2 do Código Penal e ainda uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 131.°, 146.°, alínea n) e 147.° do Código da Estrada, por factos alegadamente ocorridos em 6 de abril de 2016.
C..., por si e em representação do seu filho menor, D..., veio deduzir pedido de indemnização civil, de fls. 410 a 444, contra E..., S.A..
O Centro Hospitalar ... veio também deduzir pedido de indemnização civil, de fls. 449 a 454, contra E..., S.A..
Recebida a acusação e os pedidos de indemnização civil formulados, foram notificados os intervenientes do despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 311.° do Código de Processo Penal.
De fls. 459 a 461, vieram os assistentes F... e G... deduzir igualmente pedido de indemnização civil, o qual veio a ser rejeitado, por extemporâneo.
Veio a E..., S.A. apresentar contestação ao pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar ... (fls. 519 a 528) e também ao pedido de indemnização civil formulado por C..., por si e em representação do seu filho menor, D..., colocando, nesta parte, em causa quem sejam os herdeiros do falecido H....
Também o arguido veio apresentar contestação.
Não obstante ter estado já agendada a audiência de discussão e julgamento - cujo início se previa no passado dia 22 de janeiro de 2018 - a mesma não se iniciou, por força das questões suscitadas quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes F... e G....
E..., S.A. veio pronunciar-se de fls. 615 e 618, relegando para o Tribunal a apreciação da tempestividade do pedido de indemnização civil e supra foi proferido despacho a manter a rejeição do pedido de indemnização civil formulado.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Comecemos, então, por sublinhar que a audiência de discussão e julgamento se encontra agora agendada já para o próximo dia 12 de fevereiro de 2018.
Com as invocadas questões em sede de pedido de indemnização civil formulado e respetivas contestações, o Tribunal vê-se confrontado com a situação de ter que dar lugar ao contraditório quanto à ilegitimidade invocada e proferir subsequente decisão, nessa parte.
Assim, desde já se adianta que, isto posto, temos como admissível, em termos genéricos e abstratos, a suscitada questão da ilegitimidade invocada, ainda que em processo penal, e, consequentemente, também é admissível a discussão da tempestividade ou não de um pedido de indemnização civil que agora fosse apresentado pelos assistentes, caso recorressem ao Tribunal civil.
Não obstante, e em concreto, considerando o momento processual em que tais incidentes foram deduzidos, verifica-se que a admissão dos mesmos, neste processo crime, seria suscetível de interferir com a atempada realização e conclusão da audiência de julgamento e consequente decisão final, atendendo a que a audiência se encontra marcada e os factos remontam já a 6 de abril de 2016.
Trata-se, segundo Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12.a ed., pág. 247, "de uma disposição cautelar, destinada a evitar que através do sistema de adesão, que em princípio se consagra, se possa entravar a rápida administração da justiça penal. A remessa para os tribunais civis prevista no n° 3 deve ser ordenada sempre que uma decisão rigorosa ou a necessária celeridade do processo penal sejam postas em perigo pelo processamento da questão civil conjuntamente. Como fundamento da remessa podem apontar-se quaisquer questões, designadamente incidentes da instância, desde que causadoras daquele perigo".
Como vem referido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de dezembro de 2009, acessível in www.dgsi.pt., "a remessa para os meios comuns vai permitir que o pedido seja julgado em melhores condições e sem custos de protelamento do processo penal. O reenvio é no fundo um mecanismo que tem em vista evitar os prejuízos que podem ocorrer com a manutenção da adesão, designadamente, quando está em causa a boa decisão da causa cível e o julgamento da causa penal num prazo razoável".
Em concreto, relativamente a uma questão similar se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 22 de novembro de 2011, disponível in www.dgsi.pt., donde resulta que "Assim, deve o juiz avaliar as questões suscitadas pela dedução do pedido cível e reenviar para os meios comuns se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, ou porque as questões suscitadas inviabilizam uma "solução rigorosa", havendo assim desvantagem para o pedido cível, ou "retardam intoleravelmente o processo penal", havendo assim desvantagem para o processo penal. Caso conclua pela ocorrência de desvantagens na manutenção da adesão, a remessa para os meios comuns vai permitir que o pedido seja julgado em melhores condições e sem custos de protelamento do processo penal. Do que se infere que a remessa para os tribunais civis, ao abrigo da disposição legal citada, constitui um mecanismo que tem em vista evitar os prejuízos que podem ocorrer com a manutenção da adesão, designadamente, quando está em causa a boa decisão da causa cível e/ou o julgamento da causa penal num prazo razoável. No caso em apreço, estando já designado dia para a audiência de julgamento, o M.mo Juiz confrontou-se com a circunstância de, estando em causa um pedido de indemnização civil que havia sido admitido, não só terem sido requeridas diligências de prova que, podendo ser importantes para a decisão do pedido civil, não o eram quanto à questão penal, mas também ter sido apresentado articulado superveniente para alegar factos relativos à consolidação médico-legal de um dos demandantes, além de uma das demandadas, só então, já na proximidade da data do julgamento, ter apresentado contestação ao pedido cível, tendo requerido diligências probatórias que, naquele momento, foram consideradas susceptíveis de retardar intoleravelmente o processo penal, designadamente, novas perícias médico-legais a acrescer às que já haviam sido realizadas. Diga-se, ainda, que a audiência de julgamento, entretanto, decorreu, tendo sido já proferida sentença. Pois bem: se é certo que assistimos, por vezes, a uma utilização indevida do mecanismo previsto no n.°3 do artigo 82.°, no caso dos autos afigura-se-nos que tal não ocorreu. Efectivamente, já com a audiência designada, veio colocar-se a questão da realização de novas perícias na pessoa dos demandantes. Repare-se que os ofendidos/demandantes civis, em número de cinco, já tinham sido sujeitos a perícias médicas, que os autos estavam em vias de serem julgados, mas que, já com a audiência de julgamento marcada, colocou-se a questão da realização de novas perícias médico-legais, a requisitar ao Instituto de Medicina legal ou ao Gabinete Médico-Legal competente, em termos e extensão que, muito previsivelmente, até por serem cinco as pessoas em causa, teriam como consequência inevitável o efeito nocivo do protelamento intolerável do processo penal, então já em vias de ser julgado. A realização desses novos exames, podendo ser útil para a boa decisão de reparação dos danos causados, não se mostrava essencial para a decisão quanto à matéria criminal”
Na senda do aí decidido e revertendo para o caso concreto, verificando-se que a questão suscitada de ilegitimidade, inerente ao pedido de indemnização civil formulado, poderia fazer atrasar, desde logo, o início do julgamento (agendado para o próximo dia 12 de fevereiro de 2018), sendo que estamos perante factos que remontam já ao ano de 2016 - como já realçado -, aliado ao teor do despacho supra proferido quanto à (in)tempestividade do pedido de indemnização civil formulado por F... e G..., conclui-se que tais situações, na fase processual em que as questões se colocaram ao tribunal, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil - sendo hipoteticamente configuráveis situações de demora excessiva provocadas por estes incidentes, pela impossibilidade de exercício do contraditório e subsequente decisão antes da data designada para a realização do julgamento - pelo que se entende, nesta fase, que estes incidentes afetariam o direito do próprio arguido - e até mesmo dos assistentes - a um julgamento célere e com garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados, pelo que se decide remeter as partes para os tribunais civis no que ao pedido de indemnização civil diz respeito, nos termos do disposto no artigo 82.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
Notifique e desconvoque as testemunhas arroladas nos articulados civis, bem como os Ilustres mandatários”
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São as seguintes as questões a apreciar:
- Da admissibilidade do recurso do despacho que remete as partes para os meios comuns
- Se se mostram verificados os requisitos para a remessa das pates civis para os meios comuns.
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12

Quanto à reclamação / admissibilidade do recurso do despacho.
Cremos que os recorrentes/ reclamantes têm razão.
Na verdade diz o artº 82º 3 CPP “ O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal” donde resulta que a decisão de remessa depende de se verificarem as situações ali descritas, (inviabilização de decisão rigorosa, ou incidentes que retardem intoleravelmente o processo, não estando perante acto de mero expediente nem de acto discricionário, dependentes da livre resolução do tribunal), e antes exige a averiguação e verificação daquelas condições.
Por outro lado a irrecorribilidade não está prevista e vigorando neste âmbito o princípio geral da recorribilidade (artº 399º CPP) dos despachos, é de admitir o recurso.
Recorribilidade é também a posição, pelo menos, maioritária na Jurisprudência.
Neste sentido:
Decisão do Vice-Presidente da RG de 8/3/2010, proc. 1246/08.9GAFAF-A.G1, in www.dgsi.pt “I – É admissível o recurso para a Relação da decisão judicial que, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 82º do CPP, remete as partes para os tribunais civis quanto ao conhecimento do pedido de indemnização civil, não obstante este ser de valor inferior à alçada do Tribunal de 1ª instância. II – Neste caso a decisão impugnada não se refere à parte da sentença relativa à indemnização civil, mas antes ao alcance do chamado princípio da adesão e respectivas excepções, questões do foro processual penal.
Ac da RP de 24/10/2012, proc. 25/06.2TDPRT.P1, in www.dgsi.pt (Fátima Furtado): “I - O artigo 71° do Código de Processo Penal consagra como regra o princípio da adesão obrigatória da ação cível ao processo penal e, como exceção, a dedução da ação cível fora do processo penal. II – Nos termos do n.º 3 do art.º 82º do CPP, o tribunal pode remeter as partes para os meios comuns em duas situações: a) Quando surjam questões relativas ao pedido cível que inviabilizem uma decisão rigorosa; e b) Quando surjam questões relativas ao pedido cível suscetíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal. III - Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário. Antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma exceção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objeto de particular fundamentação”( sublinhado nosso)
Tendo conhecido do recurso interposto de tais despachos (cf. a título exemplificativo):
- os acs. RP de 11/11/2015 www.dgsi.pt (Ana Bacelar), 20/5/2009 www.dgsi.pt (Francisco Marcolino) e 5/6/2002 www.dgsi.pt (Coelho Vieira); 9/3/94 www.dgsi.pt (sobre o seu regime de subida), 31/1/2018 www.dgsi.pt (Nunes Maldonado)
- os acs. Lx 12/6/2001 www.dgsi.pt (Adelino Salvado), 12/11/97 www.dgsi.pt Rodrigues Leão, 29/9/94 www.dgsi.pt (Gaspar de Almeida), 2/12/99 www.dgsi.pt Conceição Gonçalves), 22/11/2011 (Jorge Gonçalves), 15/12/2016 www.dgsi.pt (Agostinho Torres), 18/12/2013 www.dgsi.pt (Margarida Almeida)
É assim de admitir o recurso, com a consequente procedência da reclamação
Deferida a reclamação há que conhecer do recurso.
+
O despacho recorrido assenta a sua decisão, por haver sido levantada uma questão de legitimidade relativa ao pedido civil e que poderia atrasar o início do julgamento (12/2/2018), sendo os factos de 2016, e poderiam provocar um retardamento intolerável do processo penal.

Como resulta da citada norma – artº 82º 3 CPP – uma das circunstancias em que o tribunal pode remeter as partes para os meios comuns resulta, efectivamente de as questões provocadas pelo pedido de indemnização civil for susceptível de gerar incidentes quer retardem intoleravelmente o processo penal, donde emerge que o pedido civil deduzido deve gerar questões que estas gerem incidentes e todas retardem de modo intolerável o processo penal.
Ora no caso concreto temos que está apenas em causa:
- o pedido civil deduzido pela recorrente ( por si e em representação do seu filho), e o pedido deduzido pelo Centro Hospitalar (que nenhuma questão coloca), pois o pedido deduzido pelos assistentes F... e esposa foi julgado extemporâneo (fls 64 deste apenso), e de tal decisão não foi interposto recurso.
A E..., demandada quanto aos pedidos civis, veio na contestação ao pedido civil da assistente C..., alegar que não sabe se o D... é filho do falecido e seu herdeiro por existir uma escritura de habilitação de herdeiros em que os assistentes F... e esposa se arrojam essa qualidade e a demandante alegar viver em união de facto com o falecido.
Daí decorre que a única questão a decidir é a da legitimidade dos demandantes, traduzida na qualidade de filho do D..., sendo que este era nascituro à data do acidente e óbito do pai (qualidade esta reconhecida judicialmente conforme sentença e certidão do registo civil junto aos autos) e a existência de união de facto (reconhecida para fins de pensão pela Segurança Social conforme / certidão, junto aos autos), que não suscita qualquer questão de incompatibilidade com a habilitação de herdeiros dos pais à data face à inexistência de reconhecimento da paternidade e da união de facto (da companheira - não atribuindo esta a qualidade de herdeira mas apenas a atribuição de direitos).
Daqui resulta que a questão da legitimidade não suscita nenhuma questão (eventualmente só a prova da existência da união de facto, como todos os demais factos alegados), e muito menos que gere incidentes que retardem de modo intolerável o processo penal. Poderão existir questões de direito em especial, a saber quais são os do nascituro, nascido depois do óbito do pai, e dos pais do falecido em face disso (cf. ac TRP de 21/2/2013 www.dgsi.pt, e STJ 17/2/2009 citados pelo demandado)
Aliás, nada mais havia a fazer que proceder à audiência de julgamento que já estava agendada para prosseguir, como prosseguiu no dia 12/2/2018 com continuação a 7/3/2018 e ainda não findou confirme informou colhida ora no processo em face da produção de prova suplementar judicialmente ordenada, não tendo ainda sido prolactada sentença.
O único retardamento que se vislumbra é, assim, o inerente e emergente da produção de prova dos pedidos civis admitidos.
Pelo que (mesmo que já tivesse terminado a audiência e ou prolactada a decisão), em nada se torna inútil este recurso, pois que apenas há que continuar a audiência para conhecer da matéria dos pedidos cíveis, mantendo a decisão penal plena validade (mesmo que aquando da descida deste recurso já tenha sido proferida decisão).
Assim é de julgar procedente o recurso, devendo proceder-se a audiência para conhecer da matéria civil.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
- Deferir a reclamação e em consequência admitir o recurso interposto pela assistente C..., por si e em representação do seu filho menor, D... em causa;
- Julgar procedente o recurso interposto pela assistente C..., por si e em representação do seu filho menor D... e em consequência revogando o despacho recorrido, determina o prosseguimento da audiência para conhecimento da matéria deduzida aos pedidos civis admitidos.
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 06-06-2018
José Carreto (relator por vencimento)
Donas Botto (vencido junta declaração de voto)
Francisco Marcolino
________
Declaração de voto

Sabemos que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa, isto é, consagra-se aqui o princípio da suficiência do processo penal, o qual consiste na competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessarem à decisão da causa (art.º 7.º n.º 1, do CPP).
Em conexão com este princípio temos o princípio da adesão, consagrado no art.º 71.º, do mesmo diploma, onde se refere que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
Este princípio visa obstar à realização de julgamentos contraditórios quando está em causa a mesma matéria, como poderia proporcionar o julgamento em separado das causas penal e cível que são comuns, para além de outras vantagens como a economia processual e a economia de meios, porquanto num mesmo processo- e com recurso, pois, a uma única jurisdição - se passam a resolver todas as questões que envolvam o facto criminoso, sem que se tenha de despender e dispersar custos.
Esse julgamento conjunto, é imposto pelo princípio da celeridade processual e pelo princípio de concentração da actividade probatória, para além de outras razões, como a necessidade de coerência do sistema, evitando decisões contraditórias ou concorrentes e a exigência de unidade do juízo valorativo.
No entanto, excepções se prevêem a este princípio, entre as quais se contam as que se contemplam no art.º 72.º, do Cód. Proc. Pen., onde se enumeram, de forma taxativa, os casos em que se pode vir deduzir em separado o pedido cível perante o Tribunal civil.
Sendo, contudo, de referir que a dedução em separado do pedido cível é sempre uma opção do lesado, face ao elemento literal utilizado no preceito em causa - pode ser.
Outra excepção, é a que decorre do art.º 82.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen., onde se contemplam as situações de reenvio para o tribunal civil do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal.
Aqui atende-se ainda ao princípio constitucional consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição, que é o de obtenção de uma decisão num prazo razoável e mediante processo equitativo (cfr. Convenção Europeia dos Direitos Humanos, art.º 6.º, n.º 1, onde se refere que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela), evitando entraves à rápida administração da justiça penal.
Nos casos previstos no n.º 3 do art.º 82º do CPP, a manutenção da adesão apresenta-se como desvantajosa para o pedido cível, porquanto inviabiliza uma decisão rigorosa sobre o mesmo, ou uma desvantagem para o processo, já que o retarda de forma intolerável. Assim, a remessa para os meios comuns permite que o pedido seja julgado em melhores condições e sem custos de protelamento do processo penal, sendo um mecanismo que tem em vista evitar os prejuízos que podem ocorrer com a manutenção da adesão, designadamente, quando está em causa a boa decisão da causa cível e o julgamento da causa penal num prazo razoável. Estas preocupações de celeridade existem fundamentalmente para assegurar o direito constitucionalmente consagrado que assiste ao arguido de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa - Artº 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
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Olhando agora para o caso concreto, vimos que o que está em causa é o pedido civil deduzido pela recorrente (por si e em representação do seu filho), e o pedido deduzido pelo Centro Hospitalar.
Porém, a E..., demandada quanto aos pedidos civis, veio na contestação ao pedido civil da assistente C..., alegar que não sabe se o D... é filho do falecido e seu herdeiro por existir uma escritura de habilitação de herdeiros em que os assistentes F... e esposa se arrojam essa qualidade e a demandante alegar viver em união de facto com o falecido.
Assim, há que tomar posição sobre a legitimidade dos demandantes, traduzida na qualidade de filho do D..., face à inexistência de reconhecimento da paternidade e da união de facto, isto é, quais são os verdadeiros herdeiros do H....
Daqui parece resultar, que tais incidentes, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil, sendo hipoteticamente configuráveis situações de demora excessiva provocadas pelos mesmos.
Ora, nesta fase de julgamento, estes incidentes afectam o direito do próprio arguido e mesmo dos assistentes, a um julgamento célere e com garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados.
Daí que, atentas as finalidades do processo penal, o juiz possa, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil forem susceptíveis de retardarem intoleravelmente o processo penal – artigo 82º, nº3, do Código de Processo Penal.
Por isso, a decisão recorrida, motiva assim, a sua posição:
«…verificando-se que a questão suscitada de ilegitimidade, inerente ao pedido de indemnização civil formulado, poderia fazer atrasar, desde logo, o início do julgamento (agendado para o próximo dia 12 de fevereiro de 2018), sendo que estamos perante factos que remontam já ao ano de 2016 - como já realçado -, aliado ao teor do despacho supra proferido quanto à (in)tempestividade do pedido de indemnização civil formulado por F... e G..., conclui-se que tais situações, na fase processual em que as questões se colocaram ao tribunal, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil - sendo hipoteticamente configuráveis situações de demora excessiva provocadas por estes incidentes, pela impossibilidade de exercício do contraditório e subsequente decisão antes da data designada para a realização do julgamento - pelo que se entende, nesta fase, que estes incidentes afetariam o direito do próprio arguido - e até mesmo dos assistentes - a um julgamento célere e com garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados, pelo que se decide remeter as partes para os tribunais civis no que ao pedido de indemnização civil diz respeito, nos termos do disposto no artigo 82.°, n.° 3 do Código de Processo Penal».

Assim sendo, em relação aos pedidos de indemnização civil, a decisão recorrida limita-se a remeter as partes civis para os tribunais civis, ao abrigo do disposto no artigo 82.º n.º 3 do CPP, segundo o prudente arbítrio do tribunal, despacho que o tribunal a quo motivou, como vimos, sendo que tal despacho não toma posição sobre o concreto pedido, pois não o indefere nem conhece do mérito do mesmo, apenas remete para o foro mais adequado, a fim de não retardar excessivamente o processo crime.
A este propósito, refere o Cons. Henríques Gaspar, CPP Comentado, 2014, pág. 285, em anotação ao art.º 82 CPP, «… a decisão que remeta as partes para os tribunais cíveis depende da apreciação do tribunal, segundo critérios exclusivamente prudenciais perante as circunstâncias, específicas do caso; constitui uma decisão que depende da livre resolução do tribunal (livre, embora motivada), não sendo susceptível de recurso, nos termos do artigo 400º, nº 1, alínea b), do CPP.»
Efectivamente, o recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu.
Porém, só pode recorrer quem ficou vencido/prejudicado na causa (cfr. artigos 6.º n.º1, 630º e 631º do CPC e 399º, 400º e 401º n.º 1 e 2 do CPP).
Ora, o art.º 400º do CPP, ao mencionar as decisões que não admitem recurso, refere, entre outras, as decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal [n.º 1 al. b)].
Por isso, entendo que, no caso concreto, a decisão motivada, que remeteu as partes civis para os tribunais cíveis ao abrigo do disposto no artigo 82º n.º 3 do CPP, não é susceptível de recurso.

Donas Botto