Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
44/14.5TACPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: CRIME
FRUSTRAÇÃO DE CRÉDITO
ELEMENTO SUBJECTIVO
PERDA DE VANTAGENS
IMÓVEL
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP2017091344/14.5TACPV.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 45/2017, FLS.3-20)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo em conta o valor da dívida, a data do PER, a data da cessão de créditos à sociedade arguida, que tem como sócia gerente a arguida pessoa singular, que implicou que os pagamentos passassem a ser feitos a esta sociedade, em detrimento de outra sociedade arguida e, a transferência de bens de uma sociedade para a outra, bem como, dos bens do sócio gerente para a nova sociedade, resulta inequívoco, segundo as regras da experiência, que a intenção – ainda que outras lhe possam ter presidido - foi a de obstar, a que todo o património que pode ser penhorado para pagamento das dívidas ou tributos, seja afecto a esse pagamento.
II - Os pressupostos legais da perda de vantagens são a existência de um facto anti-jurídico e de proveitos.
III - Se a fracção autónoma foi entregue à arguida em dação em pagamento pelo cliente da sociedade trata-se de um imóvel que foi retirado do património activo daquela para impedir a cobrança de créditos tributários, com proveito patrimonial para a arguida.
IV - Trata-se, assim, de uma vantagem determinada em consequência da prática de um crime, na sequência da qual a arguida viu aumentado o sem património, sem qualquer justificação, impossibilitando o credor de satisfazer o seu crédito.
V - Nem o facto de o imóvel constituir casa de morada de família, nem de sobre ele incidir uma hipoteca, nem a impossibilidade de penhora ou venda da casa de morada de família introduzida pela Lei 13/2016 - que se reporta a processo de execução fiscal - tem a virtualidade de impedir a declaração de perdimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 44/14.5TACPV.P1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal
da Relação do Porto:
I - Relatório
Nestes autos de processo comum com o número acima referido que correram termos no Tribunal da Comarca de Aveiro, F… - Instância Local – Secção Competência Genérica – Juiz 1, foram julgados os arguidos B…, C…, em coautoria material, e na forma consumada, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 6.º e 88.º, respetivamente, nº 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao art. 26.º, do Código Penal, e, ainda, as arguidas “D…, Unipessoal, Lda.” e “E…, Lda.”, advindo a sua responsabilidade das disposições conjugadas dos art. 7.º, n.º 1, 8.º, n.ºs 2 e 5 e, respectivamente, 88.º, n.º 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e 11.º, do Código Penal.
Após julgamento, por sentença de 14/07/2016 foi proferida a seguinte decisão: (transcrição parcial)
«Pelo exposto, decide-se:
a) Condenar o arguido B… pela prática em coautoria material, de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 6.º e 88.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao art. 26.º, do Código Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de cinco euros.
b) Condenar a arguida C… pela prática em coautoria material, de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 6.º e 88.º, n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao art. 26.º, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de sete euros.
d) Condenar a sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” pela prática de um crime de frustração de créditos, advindo a sua responsabilidade das disposições conjugadas dos arts. 7.º, n.º 1, 8.º, n.ºs 2 e 5 e 88.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e 11.º, do Código Penal, na pena de duzentos e quarenta dias de multa, à razão diária de cinco euros.
e) Condenar a sociedade arguida “E… – Engenharia e Construções, Lda.” – incorreu na prática de um crime de frustração de créditos, advindo a sua responsabilidade das disposições conjugadas dos arts. 7.º, n.º 1, 8.º, n.ºs 2 e 5 e 88.º, n.º 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e 11.º, do Código Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à razão diária de cinco euros.
f) Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça respectiva.
g) Nos termos do art. 111.º, n.º 2, do Código Penal, declaro perdidas a favor do Estado:
(i) A quantia de 47.954,29€ (quarenta e sete mil novecentos e cinquenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos) paga pela Câmara Municipal F… à sociedade “E…, Lda” por via da cessão de créditos que foi comunicada ao referido Município;
(ii) A fracção autónoma “C” do prédio urbano destinado a habitação em regime de propriedade horizontal, sito na praça da República, freguesia de … (actualmente, União de Freguesias de … e …), concelho F…, descrita na Conservatória do Registo Predial de F…, sob a ficha n.º …./…, entregue em dação em pagamento à arguida C… cliente da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” G…, nos termos supra descritos;
(iii) O valor de 84.332,12€ (oitenta e quatro mil trezentos e trinta e dois euros e doze cêntimos), relativo à facturação emitida pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” a H… para pagamento das obras de construção levadas a cabo no restauro de Hotel na rua …, na cidade do Porto que, a solicitação do arguido B…, foi paga directamente por transferência bancária para a conta pessoal da arguida C…, com o n.º …. …. ………..; e
(iv) A quantia de 4.680,37€ (quatro mil seiscentos e oitenta euros e trinta e sete cêntimos), relativa ao pagamento da factura n.º 4, de 17/01/2014, emitida pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, à sociedade “I…, Lda.”, paga directamente na conta bancária da arguida C…, com o n.º …. …. ………….
(…)»

Inconformados com a decisão proferida, dela vieram os arguidos B…, C… e “E…, Lda.”, interpor recurso nos termos que constam, respetivamente, de folhas 1204 a 1221 dos autos concluindo da seguinte forma: (transcrição)
«CONCLUSÕES
1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou os arguidos, B… pela prática em co-autoria material de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelos artigos 6º e 88º, nºl, do Regime Geral das infrações Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao art. 26°, do Código Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de cinco euros. C…, pela prática em co-autoria material de um crime de frustração de créditos, p. e p.pelos artigos 6o e 88°, n°2, do Regime Geral das infrações Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao art. 26°, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de sete euros. A sociedade arguida "D…, Unipessoal Lda." Pela prática de um crime de frustração de créditos, advindo a sua responsabilidade das disposições conjugadas dos arts. 7º, n°l, 8o, n°s2 e 5 e 88°, n°1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela lei nº 15/2001, de 5 de junho e 11ºT do Código Penal, na pena de duzentos e quarenta dias de multa, à razão diária de cinco euros. A sociedade arguida "E…, Lda." na prática de um crime dc frustração de créditos, advindo a sua responsabilidade das disposições conjugadas dos arts. 7o, n°l, 8o, n°s 2 e 5 e 88°, n°2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela lei n° 15/2001 de 5 de Junho e 11°, do Código Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à razão diária de cinco euros. Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça respetiva.

E, ainda nos termos do art. 111°, n° 2, do Código Penal, perdidos a favor do Estado: A quantia de 47.954,29 (quarente e sete mil novecentos e cinquenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos) paga pela Câmara Municipal F… à sociedade "E…, Lda" por via da cessão de créditos que foi comunicada ao referido Município; A fração autónoma "C" do prédio urbano destinado a habitação em regime de propriedade horizontal, sito na praça da República, freguesia de … (atualmente, União de Freguesias de … e …), concelho de F…, sob a ficha n° …./…, entregue em dação em pagamento à arguida C… pelo cliente da sociedade arguida " D…, Unipessoal, Lda." G…, nos termos supra descritos; O valor de 84.332,12 (oitenta e quatro mil trezentos e trinta e dois euros e doze cêntimos), relativo à faturação emitida pela sociedade arguida " D…, Unipessoal, Lda." a H… para pagamento das obras de construção levadas a cabo no restauro do Hotel na rua …, na cidade do Porto que, a solicitação do arguido B…, foi paga diretamente por transferência bancária para a conta pessoal da arguida C…, com o n° …. …. ………….; e A quantia de 4.680,37 (quatro mil seiscentos e oitenta euros e trinta e sete cêntimos), relativa ao pagamentos da fatura n° …, de 17/01/2014, emitida pela sociedade arguida "D…, Unipessoal, Lda", à sociedade "I…. Lda." Paga diretamente na conta bancária da arguida C…, com o n° …. …. ………..
2. Os Recorrentes entendem que a prova produzida e apreciada pelo Tribunal a quo não foi corretamente valorada considerando factos como provados somente através das regras da experiência não valorando o depoimento das testemunhas.
3. Não pode ficar demonstrada a intenção dos arguidos de frustrar património apenas pela normalidade do acontecer ignorando por completo o depoimento das testemunhas que afastam tal entendimento.
4. Quanto ao contrato de cessão de créditos efetuado pelas sociedades arguidas, os depoimentos prestados pelas técnicas da Câmara Municipal F… apenas demonstram o procedimento interno e a existência de um parecer técnico jurídico que admite a sua realização.
5. As testemunhas J… e K… explicaram ainda o objetivo do contrato de cessão de créditos e o funcionamento do mercado de trabalho nestas sociedades, sendo que, não podemos concordar que o tribunal a quo tenha considerado que os mesmos depoimentos "não apresentam qualquer prova que imponha decisão diversa", visto que, afastam a intenção de obter lucro, o conluio, a energia criminosa por parte dos arguidos, conforme consta da acusação.
6. Os seus depoimentos demonstraram o objetivo de manter os compromissos da sociedade D… e a possibilidade de participar em obras públicas.
7. Das declarações prestadas pelo arguido B… ficou demonstrado que a E… permitiu a prática de mercado empresarial, como também, afastou a intenção de obter lucro com a mesma, visto que, para além das obras, assumiu dívidas da sociedade D…..
8. O arguido demonstra ainda a tentativa de agilizar a dívida junto dos inspetores tributários através do pagamento fracionado afastando por completo o conluio no seu incumprimento.
9. Quanto ao facto da casa de morada de família, o tribunal a quo fez tábua rasa do depoimento da testemunha G… e não considerou o facto de ser ele mesmo a ter iniciativa do negócio afastando, uma vez mais, o interesse, a intenção da realização do negócio com vista a dissipar património.
10. Quanto ao facto do PER da sociedade D… o tribunal a quo considerou provado "que em Fevereiro de 2014, foi homologado o PER da referida sociedade não tendo a sociedade iniciado o plano de pagamentos acordado e apresentado garantias dos planos prestacionais, como solicitado pelo Serviço de Finanças, solicitações datadas de 20 de Fevereiro e 27 de Março - note-se a proximidade das datas, relativamente a homologação do PER, demonstrando uma intenção de não cumprir com este."
11. A convicção do tribunal a quo assenta apenas na data do PER e nas regras de experiência fazendo, uma vez mais, tábua rasa dos depoimentos das testemunhas, como L…, inspetor da Autoridade Tributária que não nega que o penhor mercantil já constava do próprio PER, embora fosse insistência por parte desta entidade.
12. Ainda o depoimento da testemunha J…, ex-trabalhador da D… demonstra a intenção, por parte do arguido, de cumprir com o PER, tendo em conta a sua participação em algumas reuniões sobre o plano de pagamentos.
13. Não podemos concordar com o tribunal a quo, na medida em que, a arguida C… tenha atuado com a mesma intenção pelo facto de figurar como gerente da sociedade E…, uma vez que, através dos depoimentos das testemunhas K… e H…, estas, consideraram como gerente de facto o arguido B….
14. Também quanto aos pagamentos feitos para a conta pessoal da arguida C…, a testemunha K… esclarece, no seu depoimento, que os respetivos montantes foram utilizados para pagamento a fornecedores e materiais.
15. Entendem os Recorrentes que o tribunal a quo desconsiderou por completo a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, no que diz respeito ao depoimento das testemunhas que se revelaram isentos e imparciais.
16. Não resultou provada a existência de qualquer conluio por parte dos arguidos, mesmo sem nunca negarem as transações, os atos constantes da acusação.
17. O tribunal a quo apenas firmou a sua convicção na regra da experiência comum e das normais circunstâncias, dando assim relevância a uma prova indireta. Ao fazer uso de um juízo de inferência, entendemos que os indícios deverão estar completamente demonstrados pela prova direta.
18. A decisão que ora se recorre não sustenta em qualquer meio de prova a existência do elemento subjetivo por parte dos arguidos.
19. Principalmente no que concerne ao seu elemento subjetivo específico: a ilegítima intenção de frustrar total ou parcialmente os créditos tributários.
20. E os depoimentos que demonstram o contrário o tribunal descura-os totalmente.
21. De toda a matéria fáctica dada como provada não podemos retirar os elementos confirmativos da existência da intenção criminosa. Até porque, não fazendo o tribunal tábua rasa dos depoimentos das testemunhas, jamais poderia retirar a existência dessa intenção e - bem assim - retirar uma conclusão segura e sólida desses indícios.
22. Não pode o Tribunal ad quem determinar a perda a favor do Estado da casa de morada de família dos arguidos.
23. Primeiro porque os mesmos devem ser absolvidos porque a aquisição desta não resultou da prática de qualquer crime e segundo por porque viola a nossa Lei fundamental.
24. que demonstra a violação crassa, desnecessária e desproporcional, do direito fundamental à habitação consagrado no artigo 65° da CRP.
25. Ao determinar a perda a favor do estado deste imóvel está assim o tribunal a violar o dispositivo constitucional que se invoca, com as devidas e legais consequências.
26. Acresce ainda um outro argumento de natureza mais pragmática: o imóvel serve como garantia hipotecária favor de uma instituição bancária. Pelo que não se consegue determinar como tal operação pode ocorrer em termos jurídicos.
27. Em bom rigor esta consequência tem efeito muitos mais graves que uma pena de prisão ou multa.
28. E com uma caracter definitivo e irrecuperável, ao contrário dos fins das penas nos termos consagrados no artigo 40° do código penal. Onde o propósito não é castigar, não é retribuir o mal do crime pelo mal da pena, mas antes transmitir confiança à comunidade e ressocializar o arguido.
29. O legislador tem demonstrando, recentemente, uma grande preocupação na proteção da casa de morada de família, pelo que não se compreende como poderá o Tribunal determinar a sua imediata extinção com a condenação que ora se impugna.
30. Não se pode descurar que em causa está o crime de frustração de créditos cujo bem jurídico é o património do Estado, incluindo as receitas tributárias.
31. Como se sabe, hoje, em execução fiscal está o Estado impedido de penhorar/ vender a casa de morada de família.
32. Por força do referido direito fundamental à habitação.
33. Pelo que não poderá o crime fiscal ter a consequência que o legislador pretende evitar.
TERMOS EM QUE E no mais de Direito que doutamente será suprido, deve julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva o arguido, pois assim se fará, inteira e já acostumada JUSTIÇA»

Admitido o recurso, a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao mesmo pela forma que consta de folhas 1226 a 1243, concluindo pelo provimento do mesmo na parte da declaração de perda a favor do Estado da fracção registada em nome da recorrente C…, devendo mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer, pugnando pela total improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada foi acrescentado.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
***
II - Fundamentação
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vista a decisão recorrida não se vislumbram quaisquer vícios ou nulidades de conhecimento oficioso, nem os Recorrentes os invoca.
São as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- impugnação da matéria de facto;
- ilegalidade e inconstitucionalidade da perda a favor do Estado da fracção autónoma “C” do prédio urbano destinado a habitação em regime de propriedade horizontal, sito na praça da República, freguesia de ….
Cumpre apreciar e decidir:
Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição parcial):
«Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
Subsecção I
Da acusação pública:
1. A sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda. é uma sociedade por quotas, portadora do n.º ………, com sede …, F…, registada no CAE …..-.. cujo objecto comercial é a prestação de serviços de construção civil.
2. O arguido B… foi sócio gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda., desde a data da sua constituição, em 29/09/2006, até à data em que a mesma foi declarada insolvente, o que ocorreu em 04/11/2014.
3. A sociedade arguida “E…, Lda.”, é uma sociedade comercial por quotas, portadora do n.º ………, com sede no Lugar …, freguesia de …, concelho de M…, que apesar de ter sido constituída em 03/08/2007, teve uma actividade comercial reduzida entre os anos de 2007 e 2008 e esteve inactiva entre os anos de 2009 e 2012.
4. A sociedade arguida “E…, Lda.”, à data da sua constituição, era detida por N… e O… e, até 05/01/2013, foi gerida por P….
5. Em 05/01/2013 a sociedade arguida “E…, Lda.”, foi adquirida pela arguida C… e, desde então, o arguido B… passou a gerir de facto e de direito tal sociedade (cf. fls. 215-218).
6. Apesar disso, em 14/10/2013, o arguido B… renunciou formalmente à gerência da sociedade arguida “E…, Lda.”, altura em que a arguida C… foi designada gerente da referida sociedade.
7. Não obstante, a gerência da sociedade arguida “E…, Lda.”, desde 05/01/2013, sempre foi exercida, de facto, pelo arguido B… que, em conluio com a sua co-arguida C…, sua companheira, adquiriu tal sociedade com o fito de transferir todo o seu património activo e da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda. – créditos, posição contratual e bens – para a sociedade arguida “E…, Lda.”, visando impedir a cobrança de créditos fiscais, nos termos melhor referidos infra.
8. No período compreendido entre os anos de 2009 e 2011, a sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” foi acumulando dívidas fiscais junto da Autoridade Tributária, devido a correcções efectuadas em sede de IVA e IRC que se traduziram num total de imposto em falta de 164.788,22€ (cento e sessenta e quatro mil setecentos e oitenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), ao qual acrescem juros compensatórios e coimas pela prática de irregularidades.
9. Na sequência da sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.” não ter regularizado a totalidade do imposto em falta, no ano de 2013, foram instaurados dois processos de execução fiscal, aos quais foram atribuídos os números …………… e …………., cujo valor global da quantia exequenda à data da instauração dos mesmos, em 03/04/2013 e 23/07/2013, era de 5.871,25€ (cinco mil oitocentos e setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) e de 153,433,11€ (cento e cinquenta e três mil quatrocentos e trinta e três euros e onze cêntimos), respectivamente (cf. fls. 419-423, 483-492).
10. Sendo que, em 16/04/2014, a quantia exequenda em ambas as execuções fiscais, contabilizando os juros e as coimas, ascendia a um montante global de 220.261,26€ (duzentos e vinte mil duzentos e sessenta e um euros e vinte e seis cêntimos) (cf. fls. 77).
11. Tais dívidas fiscais eram do conhecimento do arguido B… e da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, que foi citada para os mencionados processos de execução fiscal por intermédio daquele, bem como da arguida C… que, além viver em união de facto com o referido arguido, é ex-funcionária da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” e co-gerente com o mesmo da sociedade “Q…, Unipessoal, Lda.” (cf. fls.238).
12. Com efeito, a sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, por intermédio do arguido B…:
(i) No âmbito do processo executivo n.º …………….., foi citada em 08/04/2013 e requereu pagamentos em prestações em 10/04/2013 (cf. fls. 483-485).
(ii) No âmbito do processo executivo n.º …………, foi citada em 01/08/2013 e requereu o pagamento em prestações em 28/01/2014 (cf. fls. 487-489).
13. Em Fevereiro de 2014, foi homologado um processo especial de revitalização com o acordo do arguido B… agindo em seu nome e em representação da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” e, nessa sequência:
(iii) Através do ofício n.º 181, datado de 20/02/2014, o Serviço de Finanças F…, notificou a sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.”, por intermédio do arguido B…, para iniciar o plano de pagamentos acordado e apresentar garantias dos planos prestacionais, “sob pena do prosseguimento dos processos executivos e adopção das medidas adequadas, nomeadamente penhoras de bens e direitos” (cf. fls. 223).
(iv) Como a sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.” não cumpriu com o solicitado, por ofício n.º 248, de 27/03/2014, foi a mesma novamente notificada por intermédio do arguido B… para “apresentação do penhor mercantil a favor da Autoridade Tributária, sob pena de comunicação do Tribunal Judicial do sucedido e prosseguimento das execuções” (cf. fls. 224).
14. Em data não concretamente apurada mas anterior a Janeiro de 2013, o arguido B…, conhecedor do elevado valor da dívida fiscal da sociedade arguida que representava e, antevendo a penhora de bens e créditos da mesma, agindo por si e em representação da sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.”, decidiu, através de umo plano que delineou conjuntamente com a arguida C…, transferir todo o património activo da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” para a sociedade arguida E…, Lda.e para a própria arguida C… a título pessoal, por via da transmissão dos bens, da cessão dos créditos pendentes e da cedência da posição contratual que detinha junto de clientes e Autarquias Locais.
15. Na execução de tal plano, os arguidos, em 05/01/2013, adquiriram a sociedade arguidaE…, Lda. por via de um aumento de capital de 40.000,00€ (quarenta mil euros) e, tal sociedade que até 2013 não tinha qualquer actividade (cf. fls. 215-222 e 649-698):
(i) Em 06/05/2013, passou a ser titular do alvará do INCI n.º ….. e a prestar serviços semelhantes aos levados a cabo pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” com os mesmos clientes, facturando tais serviços, sendo que em 2014, teve um volume de negócios de 455.886,44 € (quatrocentos e cinquenta e cinco oitocentos e oitenta e seus euros e quarenta e quatro cêntimos) (fls. 676).
(ii) Passou a ter a seu cargo 22 (vinte e dois) trabalhadores, dos quais 8 (oito), onde se incluí a arguida C…, eram antigos funcionários da sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.”, designadamente (fls. 616-617):
1. S…;
2. T…;
3. U…;
4. V…;
5. W…;
6. X…;
7. Y…;
8. C….
16. Em meados de 2013, o arguido B…, agindo em nome e em representação da sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda.”, remeteu uma carta ao seu cliente H…, dizendo que os créditos da referida sociedade que se encontram pendentes deviam ser pagos à sociedade “E… – Engenharia e Construções, Lda.” e que os trabalhos de restauro que estavam a ser levados a cabo num Hotel sito na rua …, no Porto, passariam a ser executados por aquela sociedade, o que passou a suceder (fls. 266).
17. Em 27 de Fevereiro de 2014, a sociedade arguidaD…, Unipessoal, Lda.”, aí representada pelo arguido B…, celebrou um contrato de cessão de créditos com a sociedade arguida E… – Engenharia e Construções, Lda.”, representada, nesse acto, pela arguida C…, no âmbito do qual cedeu àquela todos os créditos que detinha junto da Câmara Municipal F… relativamente a obras que lhe tinham sido adjudicadas (cf. fls. 409-414).
18. Tais créditos, à data da referida cessão, ascendiam a um valor contratualmente estipulado entre os arguidos de 198.352,72€ (cento e noventa e oito mil trezentos e cinquenta e dois euros e setenta e dois cêntimos).
19. Na sequência de tal comunicação, aquela Autarquia passou a fazer os pagamentos directamente à sociedade arguidaE… – Engenharia e Construções, Lda.”, o que aconteceu designadamente com as seguintes facturas (cf. fls. 197, verso, 408-415):


FacturaDataValor pago pela CM à arguida E…Data do pagamento
A12
(fls. 191)
13/03/2014€14.467,4918/03/2014
A14
(fls. 192)
14/03/2014€7.271,8318/03/2014
A20
(fls. 193)
14/04/2014€1.047,8328/04/2014
A21
(fls. 194)
14/04/2014€9.349,3928/04/2014
A23
(fls. 195)
19/05/2014€6.565,7720/05/2014
A26
(fls. 196)
21/05/2014€ 9.251,9822/05/2014
Total dos valores pagos pela CM à arguida E… - €47.954,29

20. Acresce que (…) o arguido B… transferiu a propriedade dos seus veículos para a titularidade da sociedade arguidaE…, Lda., designadamente:

VeiculoAnterior proprietárioData do registo transferência de propriedadeNovo proprietário
..-..-GMB…07/02/2014E…”
..-..-EGB…07/02/2014E…”
..-..-BTB…07/02/2014E…”
..-..-FSB…07/02/2014E…”

21. Além disso, a sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, agindo por intermédio do arguido B…, transferiu receitas daquela sociedade directamente para a arguida C…, nomeadamente:
(i) A facturação emitida pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” ao cliente G…, no montante global de 78.293,62€ (setenta e oito mil duzentos e noventa e três euros e sessenta e dois cêntimos) foi paga em espécie – dação em pagamento – através de um contrato celebrado entre G… e a arguida C… – com a entrega da fracção autónoma “C” do prédio urbano destinado a habitação em regime de propriedade horizontal, sito na praça …, freguesia de … (actualmente, União de Freguesias de … e …), concelho F…, descrito na Conservatória do Registo Predial de F…, sob a ficha n.º 1261/…, que actualmente, é a casa de morada de família dos arguidos B… e C… (cf. fls. 434-454, 457-460 e 618-619).
(ii) A facturação emitida pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” a H… relativa a obras de construção levadas a cabo no restauro de Hotel na rua …, sita na cidade do Porto, a solicitação do arguido B…, foi paga directamente por transferência bancária para a conta pessoal da arguida C…, com o n.º …. …. …………, por via das seguintes transferências (fls. 456, 621-645):
Data
Valor transferido
19/02/2014
€48.503,06
19/03/2014
€10.000,00
09/04/2014
€708,48
16/04/2014
€9.968,04
19/05/2014
€5.132,54
30/05/2014
€10.000,00
Total
€84.332,12

(iii) O pagamento da factura n.º …, de 17/01/2014, no valor de 4.680,37€ (quatro mil seiscentos e oitenta euros e trinta e sete cêntimos), emitida pela sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, à sociedade “I…, Lda.”, foi paga directamente na conta bancária da arguida C…, com o n.º …. …. ………… (fls. 320-321).
22. Tais condutas vieram a culminar na inviabilização do Plano Especial de Revitalização e na adopção de diligências por parte da Administração Fiscal para cobrar as dívidas fiscais, o que culminou com a declaração de insolvência da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, por sentença proferida em 04/11/2014, cessando actividade com efeitos reportados a 28/10/2014, tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos do art. 232.º, n.º 2, do CIRE (cf. fls. 579-587 e 646).
23. Com as condutas supra descritas, o arguido B… agindo, por si e em representação das sociedades arguidas e conluiado com a arguida C…, agiu com o propósito concretizado de impedir a cobrança dos créditos tributários que se encontravam pendentes e de que ambos tinham conhecimento.
24. Para tanto, o arguido B… recorreu à sociedade arguida “E…, Lda.”, cuja gerência de facto era exercida em conjunto por si e pela arguida C… e, em conluio com esta, alcançou um instrumento para salvaguardar o seu património pessoal e o da sociedade “D…, Unipessoal, Lda.”, o que fez, nomeadamente, através da cedência de créditos, bens e posição contratual, constituindo assim um obstáculo à penhora do seu património activo e da sociedade devedora que representava.
25. Com tais condutas levadas a cabo pelas sociedades arguidas e pelos arguidos por si e em representação daquelas, a cobrança coerciva dos créditos fiscais e respectivas ordens de penhora não foram possíveis.
26. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram aptas a impedir, como impediram, a cobrança de dívidas fiscais vencidas e devidas ao Estado Português, às quais a arguida “D…, Unipessoal, Lda.” estava obrigada.
27. Os arguidos actuaram sempre em comunhão de esforços e vontades e na execução de um plano previamente delineado entre todos, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei penal.
Subsecção II
Dos antecedentes criminais:
28. a. Inexistem, quanto a todos os arguidos.
Subsecção III
Da situação pessoal dos arguidos:
29. Quanto à situação pessoal do arguido B… na presente data, dá-se como provado que:
a) O arguido trabalha por conta de outrem, auferindo a quantia mensal de quinhentos e trinta euros a título de vencimento.
b) Actualmente, encontra-se de baixa médica.
c) Reside com sua companheira, a co-arguida C….
d) Tem uma filha maior de idade.
e) Habitam em casa própria.
f) Como habilitações literárias, possui o sexto ano de escolaridade.
30. Quanto à situação pessoal da arguida C… na presente data, dá-se como provado que:
a) Trabalha por conta de outrem, auferindo mensalmente a quantia de oitocentos e quarenta euros a título de vencimento.
b) Reside com seu companheiro, o co-arguido B….
c) Tem um filho menor, que reside consigo.
d) Habitam em casa própria, pagando a entidade bancária, por conta de um contrato de mútuo celebrado para a sua aquisição, a quantia mensal de seiscentos euros.
e) Possui licenciatura em Z….
31. Quanto à situação da arguida “D…, Unipessoal Limitada” na presente data, dá-se como provado que a mesma foi declarada insolvente por decisão judicial.
32. Quanto à arguida “E…” a mesma encontra-se a laborar, com as dificuldades decorrentes do presente processo.
Secção II
Factos Não Provados com referência à numeração da acusação pública
(…)
20. (…) a sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.”, representada pelo arguido B… (…)
(…)
Secção III
Fundamentação da decisão de facto:
Subsecção I
Da acusação pública:
O Tribunal respondeu à matéria de facto da forma supra descrita tendo em consideração, desde logo, a análise crítica da documentação junta aos autos:
1. Denúncia de fls. 2;
2. Notificações efectuadas pelos serviços de Finanças à Câmara Municipal F… para penhora de créditos da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” de fls. 64-69, 77-78, 225-226;
3. Informação da AT de fls. 145-151, 241, 244-252, 377-378, 393-401, 474, 483-489;
4. Cópias e informações remetidas pelo processo de insolvência da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” de fls. 12-18, 23-56, 381-390 e 646;
5. Balancete de terceiros, extractos de movimentos de terceiros, consulta de compromissos da conta-corrente da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” e listagem de factura da Câmara Municipal F… de fls. 152-190;
6. Facturas da sociedade “D…, Unipessol, Lda. à Câmara Municipal F… de fls. 191-196;
7. Contrato de cessão de quotas e renúncia da gerência da sociedade E…, Lda” de fls. 215-216;
8. Contrato de aumento de capital da sociedade E…, Lda” de fls. 217-218;
9. Contratos de cessão de quotas da sociedade E…, Lda” de fls. 219-222;
10. Certidão permanente da sociedade “D…, Unipessoal, Lda.” de fls. 402-405;
11. Cheques de fls. 406,
12. Informações bancárias de fls. 407;
13. Informações da Câmara Municipal F… de fls. 59, 79-85, 197-199 (frente e verso), 408;
14. Notificações da AT à sociedade “D…, Unipessol, Lda.” de fls. 223-224 e 315-316;
15. Certidão permanente da sociedade “Q…, Unipessoal, Lda.” de fls. 238;
16. Procuração com plenos poderes outorgada por C… a B… em 05/01/2013 de fls. 239;
17. Cessão da posição contratual da sociedade “D…, Unipessol, Lda. à E…, Lda” de fls. 266;
18. Declarações de fls. 272-283;
19. Facturas emitidas à sociedade E…, Lda” de fls. 317-319;
20. Comprovativo do pagamento efectuado pela sociedade I…, Lda. na conta de C… de fls. 320-321;
21. Informação da Inspecção Geral de Finanças de fls. 347-354;
22. Comunicação da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” a comunicar o contrato de cessão de créditos à Câmara Municipal F… de fls. 409 e 415;
23. Contrato de cessão de créditos celebrado entre a sociedade “D…, Unipessol, Lda.” e a sociedade E…, Lda” de fls. 410-414;
24. Certidão de dívida de fls. 419-432;
25. Notas de crédito e facturas emitidas a G… de fls. 434-439, 457-460 e 476;
26. Contrato de compra e venda celebrado entre G… e C… de fls. 441-453;
27. Informação relativa ao IMI do prédio inscrito no art. 1960-C de fls. 454;
28. Transferências efectuadas por H… à arguida C… de fls. 456;
29. Extracto de conta da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” de fls. 462-463;
30. Descrição de dívidas de fls. 490-492;
31. Certidão permanente da sociedade E…, Lda” de fls. 493-499;
32. Informação da SS relativa aos trabalhados das sociedades arguidas;
33. Informação do registo predial de fls. 618-619;
34. Extractos bancários da conta titulada pela arguida C… na instituição financeira “AB…” de fls. 620-633;
35. Facturas da sociedade “D…, Unipessol, Lda.” a H… de fls. 637-642;
36. Informação da AT relativas à sociedade “E…, Lda.” de fls. 649-698;
37. Informações da conservatória de registo automóvel;
38. Certidão de fls. 851 e ss. – insolvência da arguida D…;
39. Resultado da votação do PER, juntamento com as declarações de voto de fls. 867 e ss.
40. Plano de recuperação de fls. 913 e ss.;
41. Correspondência com a ATA, a fls. 939 e ss.;
42. Cópia dos contratos de empreitada celebrados pela Câmara Municipal com as sociedades arguidas, fls. 944 e ss.;
43. Parecer de fls. 953.
44. Extracto de conta de fls. 974 e ss., 1018 e ss.
Conjugadas com o teor do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, com especial relevância para o depoimento das testemunhas, AD…, inspectora tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, e AC…, Inspector Tributário, actualmente na Direcção de Finanças do Porto, cujos depoimentos se afiguraram isentos e credíveis, as quais confirmaram o teor dos relatórios da ATA constantes dos autos e identificados supra.
Não atribuímos tanta importância ao depoimento de AE…, da Direcção Geral de Finanças de F…, uma vez que não teve contacto com a situação dos autos à data dos factos, tendo sido AC… que se encontrava no departamento de Finanças de F…, nessa data.
Consideramos ainda o teor dos depoimentos de AF…, técnica superior na Câmara Municipal de F…, AG…, técnica superior de economia e funcionária da Câmara Municipal de F…, à data dos factos, e de AH…, coordenadora técnica da Câmara Municipal de F…, que apresentaram depoimentos isentos e credíveis, que explicaram o processamento interno (na Câmara Municipal) aquando da cessão de créditos efectuada entre as sociedades arguidas.
Mais consideramos os depoimentos de AI…, solicitador, que prestava serviços aos arguidos e que fez o reconhecimento das assinaturas do contrato de cessão de créditos; de G…, funcionário da AT no serviço de finanças de F…, que confirmou a obra, e explicou os contornos da negociação, no prédio que lhe pertencia e da dação da actual casa de morada de família dos arguidos; de H…, comerciante e dono do Hotel da Rua … no Porto, que relatou os procedimentos negociais e a realização da obra pelas sociedades arguidas.
Já os depoimentos de N… e O…, pouco relevaram, tendo, até, sido extraída certidão no decurso da inquirição dos mesmos, uma vez que estes apresentaram um depoimento defensivo, que, verdade seja dita, não conseguimos perceber porquê, tendo em conta o objecto do presente processo.
A prova testemunhal acima sumariamente indicada serviu para enquandrar o teor dos documentos juntos aos autos, supra elencados.
Consideramos ainda os depoimentos de J… e AJ…, que trabalharam, respectivamente, para a D… e E…, que referiram que os problemas com a D… apenas se iniciaram com a inspecção feita pelas Finanças, e que o objectivo da E… era, tão só, ser uma empresa para concorrer a obras públicas. Explicaram, também, como se processavam os pagamentos durante os anos de 2013/2104.
Não demos tanta importância ao depoimento prestado por AK…, Presidente da Câmara de F…, uma vez que prestou, compreensivelmente, um depoimento cauteloso, atendendo às suas funções.
Consideramos ainda os depoimentos de C…, AL… e AM…, que abonaram a personalidade dos arguidos.
A final, depois de produzida toda a prova (e de ter presenciado toda a produção de prova, diga-se), o arguido B… prestou declarações onde explicou o contexto em que os factos foram praticados, pretendendo afastar, na nossa leitura, o elemento subjectivo exigido para a prática do crime em causa.
Dúvidas não restam que os factos objectivos e dados como provados supra foram praticados pelos arguidos. Resta, pois, averiguar se de tais factos objectivos é passível de ser extraído o aspecto subjectivo que comporta a existência de crime.
Ora, no aspecto subjectivo, tem de levar-se em conta o iter criminis apurado, e constante dos factos dados como provados supra.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa – vide M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292.
Em corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173, que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 (publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783): "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime".
Ora, é recorrendo às regras de experiência que se há-de aferir ou não a existência da intenção criminosa, e é da matéria fáctica dada como provada que se hão-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação.
Compulsando a prova documental e, máxime, as declarações prestadas pelo arguido (conjugadas com os depoimentos de J… e AJ… – uma vez que apresentam a mesma “versão dos factos”) não foi apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa.
Com efeito, está provado que:
- A D… (sociedade comercial por quotas) que se encontrava tributada em Imposto sobre Rendimento de Pessoas colectivas – IRC -, e enquadrada em imposto sobre o valor acrescentado – IVA – no regime normal de periodicidade trimestral;
- Que B… era sócio gerente da sociedade arguida, sendo, desde sempre, responsável pelo seu funcionamento;
- Que no período compreendido entre os anos 2009 a 2014, a sociedade arguida foi acumulando dívidas junto aos Serviços Finanças - Direcção Geral dos Impostos, por falta de pagamento de coimas, IVA, IRC, quantia que ascendeu a €220.261,26, acrescida de juros;
- Que os serviços de Finanças a fim de obter coercivamente tal montante instauraram, no ano de 2013, dois processos executivos;
- Que em Fevereiro de 2014, foi homologado o PER da referida sociedade, não tendo a sociedade iniciado o plano de pagamentos acordado e apresentado garantias dos planos prestacionais, como solicitado pelo Serviço de Finanças, solicitações datadas de 20 de Fevereiro e 27 de Março – note-se a proximidade das datas, relativamente a homologação do PER, demonstrando uma intenção de não cumprir com este.
Ora, tendo em conta o valor da dívida, a data do PER, a data da cessão de créditos à sociedade E…, que tem como sócia gerente a aqui arguida, que implicou que os pagamentos passassem a ser feitos a esta sociedade, em detrimento da D…, e a transferência de bens de uma sociedade para outra e dos bens do sócio-gerente para a nova sociedade (não esqueçamos a figura da reversão), resulta inequívoca segundo as regras da experiência dos restantes factos materiais provados.
Com efeito, segundo a normalidade do acontecer e, portanto, as regras gerais da experiência, é normal que nas circunstâncias como as materialmente provadas as pessoas efectuem negócios como vendas (fictícias ou não) ou doações ou cessões de créditos, com a intenção de obstar a que todo o património que pode ser penhorado para pagamento das dívidas ou tributos seja afecto a esse pagamento.
Sendo certo que ao ser utilizada a sua conta pessoal para receber pagamentos, e ao figurar como gerente da E… a arguida também actuou com a mesma intenção.
Pelo exposto nenhuma prova foi apresentada que imponha decisão diversa, em relação à intenção com actuaram os dois arguidos, provando-se, assim, o elemento subjectivo.
Subsecção II
Da situação pessoal dos arguidos
Neste particular, o tribunal atendeu também às declarações prestadas pelos arguidos, que o tribunal julgou convincentes.
Quanto às sociedades arguidas, o tribunal atendeu à documentação junta aos autos.
Subsecção III
Dos antecedentes criminais
Para prova da ausência de antecedentes criminais registados aos arguidos atendeu-se ao teor do CRC junto aos autos.»
*
Os Recorrentes asseveram não se ter feito prova da intenção dos mesmos de evitar o pagamento das obrigações fiscais da sociedade arguida com os vários atos/negócios que resultaram provados convocando, para o efeito, prova oral produzida em julgamento. Impugnam, assim, a factualidade provada.
Quando for este o desiderato, impõe a lei – artigo 412º nº 3 do Código Processo Penal - que o recorrente deve especificar: - os pontos de facto que considera incorretamente julgados; - as provas que impõem decisão diversa da recorrida e - as provas que devem ser renovadas.
Estas precisas exigências legais advêm da circunstância de ser insindicável a credibilidade que as provas produzidas e examinadas em audiência mereceram ao tribunal, relativamente ao que assume particular relevo os princípios da imediação e a oralidade, concatenados com a credibilidade que o julgador, na sua íntima e cuidada ponderação, decidiu atribuir a cada uma delas, bem como as ilações e as conclusões que retirou a partir dos meios probatórios com base nas regras da lógica, da experiência e nas razões de ciência.
A reapreciação da prova na 2ª instância limita-se, pois, a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 127º do Código Processo Penal, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção, antes procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida constante da gravação da prova, por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, ou outra).
Por via do recurso, nunca se poderá alterar o julgamento que foi realizado seguindo as regras e os ditames legais, sendo apenas permitido ao tribunal de recurso aquilatar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revelam. Como várias vezes salientou Germano Marques da Silva, «(…) o recurso é um remédio para os erros, não um novo julgamento» (conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, in Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65); «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância» (Forum Justitiae, Maio/99). E no mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência como proficientemente salientado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/06/2008, processo nº 07P4375, disponível in www.dgsi.pt «(…) por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.».
Retornando ao caso vertente, embora os Recorrentes não indiquem especificadamente a matéria de facto que em concreto impugnam, não cumprindo, desde logo o comando do artigo 412º nº 3 alínea a) do Código Processo Penal, extrai-se recair a sua discordância no atinente aos factos relativos à intenção de frustrarem o crédito tributário.
Estribam os Recorrentes a sua impugnação, em deficiente avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, convocando em defesa da sua argumentação, os depoimentos prestados pelas testemunhas, J…, K…, G… e H… as quais, segundo entendem, conjugados com as declarações do arguido B…, contrariam a existência de verificação de intenção e conluio entre os Recorrentes conducente à frustração dos créditos detidos pela autoridade tributária. Mais enfatizam que do depoimento prestado pela testemunha, AH…, coordenadora técnica da Câmara Municipal F…, nada se apura quanto à referida intenção.
Não obstante, não terem os Recorrentes transposto para as conclusões do recurso as indicações contidas nas alíneas b) e c) do citado artigo 412º, nº 3 do Código Processo Penal, como se lhes impunha, procedeu-se, ainda assim, à audição dos depoimentos e declarações especificados no corpo da motivação. Porém, desde já adiantamos, as mesmas não são suscetíveis de impor decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido.
Com efeito, a prova produzida, designadamente, a elencada pelos Recorrentes, não permite extrair as asserções que aqueles pretendem ver consagradas; ao invés, as mesmas corroboram os factos objetivos demonstrados na prova documental a qual, aliás, os Recorrentes não colocam em crise e se mostra bem evidenciada na fundamentação efetuada pelo tribunal a quo.
E, no que tange à prova do dolo, consabidamente muito raramente os atos interiores ou factos internos que respeitam à vida psíquica se provam diretamente. De facto, na ausência de confissão do arguido, essa prova terá de fazer-se por recurso a prova indireta, por ilações a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente, mediante os elementos objetivamente comprovados e em conjugação com as regras de experiência comum, por forma a concluir se o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente. Como evidencia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/10/2010, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar «a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.». E, foi precisamente o que sucedeu no caso sub judice.
Com efeito, quanto à prova do elemento subjetivo, relembremos o que expressa a decisão em crise:
« Ora, no aspecto subjectivo, tem de levar-se em conta o iter criminis apurado, e constante dos factos dados como provados supra.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa – vide M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292.
Em corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173, que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 (publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783): "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime".
Ora, é recorrendo às regras de experiência que se há-de aferir ou não a existência da intenção criminosa, e é da matéria fáctica dada como provada que se hão-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação.
Compulsando a prova documental e, máxime, as declarações prestadas pelo arguido (conjugadas com os depoimentos de J… e AJ… – uma vez que apresentam a mesma “versão dos factos”) não foi apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa.
Com efeito, está provado que:
- A D… (sociedade comercial por quotas) que se encontrava tributada em Imposto sobre Rendimento de Pessoas colectivas – IRC -, e enquadrada em imposto sobre o valor acrescentado – IVA – no regime normal de periodicidade trimestral;
- Que B… era sócio gerente da sociedade arguida, sendo, desde sempre, responsável pelo seu funcionamento;
- Que no período compreendido entre os anos 2009 a 2014, a sociedade arguida foi acumulando dívidas junto aos Serviços Finanças - Direcção Geral dos Impostos, por falta de pagamento de coimas, IVA, IRC, quantia que ascendeu a €220.261,26, acrescida de juros;
- Que os serviços de Finanças a fim de obter coercivamente tal montante instauraram, no ano de 2013, dois processos executivos;
- Que em Fevereiro de 2014, foi homologado o PER da referida sociedade, não tendo a sociedade iniciado o plano de pagamentos acordado e apresentado garantias dos planos prestacionais, como solicitado pelo Serviço de Finanças, solicitações datadas de 20 de Fevereiro e 27 de Março – note-se a proximidade das datas, relativamente a homologação do PER, demonstrando uma intenção de não cumprir com este.
Ora, tendo em conta o valor da dívida, a data do PER, a data da cessão de créditos à sociedade E…, que tem como sócia gerente a aqui arguida, que implicou que os pagamentos passassem a ser feitos a esta sociedade, em detrimento da D…, e a transferência de bens de uma sociedade para outra e dos bens do sócio-gerente para a nova sociedade (não esqueçamos a figura da reversão), resulta inequívoca segundo as regras da experiência dos restantes factos materiais provados.
Com efeito, segundo a normalidade do acontecer e, portanto, as regras gerais da experiência, é normal que nas circunstâncias como as materialmente provadas as pessoas efectuem negócios como vendas (fictícias ou não) ou doações ou cessões de créditos, com a intenção de obstar a que todo o património que pode ser penhorado para pagamento das dívidas ou tributos seja afecto a esse pagamento.
Sendo certo que ao ser utilizada a sua conta pessoal para receber pagamentos, e ao figurar como gerente da E… a arguida também actuou com a mesma intenção.
Pelo exposto nenhuma prova foi apresentada que imponha decisão diversa, em relação à intenção com actuaram os dois arguidos, provando-se, assim, o elemento subjectivo.».
Ressalta proficientemente da motivação constante da sentença recorrida que o tribunal a quo logrou o apuramento do elemento subjetivo através da constatação dos factos objetivos que se alcançaram (abundante prova documental, em concatenação com os demais elementos de prova existente nos autos) e fazendo apelo às regras da experiência comum.
E, na verdade, atendendo à factualidade objetiva apurada e o seu percurso cronológico, evidencia-se como manifesta, de acordo com as regras da experiência comum, a intenção que presidiu à atuação dos Recorrentes, ou seja, a de obstarem a que a Administração Fiscal obtivesse a cobrança do crédito que detinha sobre a sociedade “D…”. Como bem é salientado pelo Digno Procurador-Geral Adjunto no seu parecer «Essa intenção não pode ser negada, ainda que outras lhe possam ter presidido, mormente, a de que através da sociedade “E…”, adquirida/gerida pelos arguidos, acederem ao mercado de obras públicas, o que era negado à D… por se encontrar em dívida ao Fisco. Porém, essa intenção nunca se poderia estender aos desígnios que motivaram o inexplicável desvio de valores monetários e do imóvel do património da D…, a quem eram devidos, para o património pessoal da arguida C…».
Improcede, assim, esta pretensão dos Recorrentes respeitante à impugnação da matéria de facto.
Insurgem-se, ainda a Recorrente C… contra a declarada perda a favor do Estado da fração autónoma “C” do prédio urbano destinado a habitação em regime de propriedade horizontal, sito na Praça da República, freguesia de … (actualmente, União de Freguesias de … e …), concelho de F…, descrita na Conservatória do Registo Predial de F…, sob a ficha n.º …/…, entregue em dação em pagamento à arguida C… pelo cliente da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” G….
Fundamenta tal discordância no facto do referido imóvel ser a casa de morada de família bem como não ter a sua aquisição resultado da prática de qualquer crime.
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta da decisão recorrida que o imóvel em apreço foi declarado perdido a favor do Estado nos termos do disposto no artigo 111º, nº. 2 do Código Penal.
Sob a epígrafe “Perda de vantagens” dispõe o artigo 111º do Código Penal: “(…) 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa – fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie; 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.(…).
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina (citada por Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal”, 3ª edição, em anotação ao artigo 111º, pág 459 e M. Miguez Garcia/J.M.Castela Rio in “Código Penal” 2ª edição, pág 463 em anotação ao artigo 111º) e da jurisprudência (veja-se, a título exemplificativo os recentíssimos Acórdãos desta Relação do Porto de 22/3/2017 proc. 86/14,0IDPRT.P1; de 31/5/2017, proc. 259/15.9IDPRT.P1 e de 12/7/2017, proc. 149/16.IDPRT.P1, disponíveis in www.dgsi.pt) a natureza jurídica do instituto é exclusivamente determinada por necessidades preventivas, designadamente baseada na prevenção do perigo da prática de crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objeto. Trata-se, não de uma pena acessória, nem efeito da condenação, mas sim de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, destinada a restabelecer a ordem económica conforme ao direito.
E, a vantagem patrimonial a que alude o nº. 2 do mesmo artigo 111º, aplicado e aplicável in casu, pode consistir nas palavras de João Conde Correia, in “Da Proibição do confisco à Perda Alargada”, INCM, pág. 81: «(…)num aumento do activo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Em causa tanto estão as coisas, como os direitos, os benefícios decorrentes da fruição de um determinado objecto (v.g. a utilização gratuita de um veículo automóvel de decorrente da prática do crime) ou os custos evitados (vg os decorrentes da não realização das obras necessárias ao cumprimento das disposições legais nos crimes ambientais): isto é, tudo o que signifique um enriquecimento patrimonial do visado.».
Constituindo na síntese do mesmo autor, in “Apreensão ou Arresto Preventivo dos Proventos do Crime?” RPCC 25 (2015) pág. 516, «qualquer benefício, que possa ser economicamente avaliado, emergente da prática de um facto ilícito típico».
Resulta, assim, que, os pressupostos legais da perda de vantagens são: a existência de um facto anti-jurídico e a existência de proveitos.
No caso vertente, tendo resultado provado que a fração autónoma em questão foi entregue à arguida/recorrente C…, em dação em pagamento pelo cliente da sociedade arguida “D…, Unipessoal, Lda.” G…, nos termos que resultaram provados, conclui-se que se tratou de um imóvel (valor) que foi retirado do património ativo da referida sociedade, para impedir a cobrança dos créditos tributários em causa, com proveito patrimonial para a arguida.
Ou seja, trata-se de uma vantagem determinada em consequência da prática de um crime, na sequência do qual a Recorrente C… viu aumentado o seu património sem qualquer justificação - vantagem patrimonial -, impossibilitando o credor, in casu, o Estado, de satisfazer o seu crédito.
Ainda, e no que tange ao argumento aduzido – violação do artigo 65º da Constituição da República Portuguesa por se tratar de perda da casa de morada de família – é igualmente patente a falta de razão.
Na verdade e sem descurar o direito à habitação consagrado no citado normativo constitucional, o certo é que o mesmo não pode prevalecer quando a habitação (casa de morada de família) integrou o património do respetivo titular através da prática de um crime, traduzindo-se num enriquecimento do mesmo, ilegítimo e sem justa causa.
Como salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer citando João Conde Correia, in “Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, Edição INCM, pág. 120, a propósito do direito de propriedade «a Constituição da República Portuguesa não tutela formas de aquisição que ponham em causa o conteúdo essencial de outros direitos ou que atingem intoleravelmente valores comunitários básicos, como acontece com os bens provenientes da prática de crimes”.
Acresce que, relativamente ao facto de sobre a fracção autónoma em apreço incidir eventual hipoteca tal questão, a existir, deverá ser tratada e resolvida em sede própria, tanto mais que não foi colocada no âmbito dos presentes autos.
Por último, o argumento esgrimido a propósito da impossibilidade de penhora ou venda da casa de morada de família introduzida pela Lei 13/2016, reporta-se a processo de execução fiscal, e não, como parece confundir a Recorrente, ao instituto de perda de vantagens constante do artigo 111º do Código Penal, como ocorre no caso dos presentes autos.
Em síntese: A decisão recorrida não merece qualquer censura, mostrando-se elaborada em obediência aos princípios e preceitos legais ordinários e constitucionais, improcedendo, pois, o recurso na sua totalidade.
***
III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto por B…, C… e “E…, Lda.”, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

Fixa-se em 4 UCs a taxa de justiça.

Porto, 13 de Setembro de 2017
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves