Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2580/17.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RP202105242580/17.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 05/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A expropriação por utilidade pública, imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público, coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos e num Estado de Direito tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos.
II - A desigualdade decorrente da ablação do direito de propriedade compensa-se com o pagamento de uma indemnização que assegure «uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado» (cfr. os Acórdãos do TC n.os 52/90 e 381/89), assim se restabelecendo o equilíbrio que a igualdade postula.
III – A circunstância de na parcela de terreno a expropriar existirem construções não licenciadas não tem o peso suficiente, não assume a natureza de essencialidade para ser erigida em critério ou padrão de comparação a fim de se decidir se há, ou não, justificação material bastante para um tratamento jurídico desigual em relação a outros expropriados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2580/17.2 T8MAI.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Cível da H… (J4)
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
IRelatório
Na sequência de requerimento da “G…-CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A.” (G…), por despacho do Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas (despacho n.º 2419/2016, de 22.01.2016, publicado no D. R. n.º 33, II, de 27 de Fevereiro de 2016), foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriação da parcela (identificada pelo número 59/5) assim descrita:
«Terreno com a área de 833 m2, que se destina a construção de restabelecimentos, sito no lugar de …, freguesia de …, a confrontar, do norte com “B…, S.A.” e outro, do sul com Câmara Municipal H…, do nascente com C… e Câmara Municipal H… e do poente com restante prédio»,
parcela esta a destacar do prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de …, Concelho H…, distrito do Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3967.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial H… sob o n.º 673/20060711.
Expropriação esta necessária à execução das obras de alargamento e beneficiação (para 2x4 vias) da A4 (Autoestrada Porto/Amarante, sublanço de ligação entre … e …).
Em 10 de Maio de 2017, a “G…” apresentou no Juízo Cível da H…, Comarca do Porto, requerimento de expropriação por utilidade pública urgente contra:
“D… – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.”, enquanto proprietária e locadora financeira do prédio de que foi destacada a referida parcela, e “E…, S.A.”, como locatária financeira do mesmo prédio, alegando, em síntese:
Tendo em vista tomar posse efectiva da identificada parcela, notificou as expropriadas nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do Código das Expropriações (CExp.) do acto declarativo de utilidade pública.
Para investidura administrativa na posse da parcela, promoveu, para efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, al. c), do CExp., a vistoria ad perpetuam rei memoriam.
O perito nomeado apresentou o respectivo auto, que foi remetido às expropriadas, e dele foram apresentadas reclamações.
Após apresentação de relatório complementar do perito, foi lavrado auto de posse da identificada parcela.
Em face da falta de acordo para a aquisição amigável da parcela, foram nomeados os árbitros para procederem à arbitragem, na qual, por unanimidade, os valores indemnizatórios a atribuir foram assim fixados:
- para a proprietária/locadora financeira/expropriada “D… – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, a quantia de € 105 980,97 (cento e cinco mil, novecentos e oitenta euros e noventa e sete cêntimos);
- para a locatária financeira/expropriada “E…, S.A.”, a quantia de € 151.308,00 (cento e cinquenta e um mil, trezentos e oito euros).
Procedeu ao depósito de tais quantias.
Concluiu pedindo:
«a) Seja adjudicada ao ESTADO PORTUGUÊS, na qualidade de concedente, a propriedade da parcela objecto de expropriação, inteiramente livre de quaisquer ónus ou encargos;
b) Seja determinada a integração da parcela no Domínio Público do ESTADO;
c) A notificação do douto despacho de adjudicação à expropriante e aos expropriados, sem do que a estes últimos, com o acórdão e respectivo laudo arbitral, tudo nos termos do n.º 5 e do n.º do art.º 51.º do Código das Expropriações, com indicação de que se encontra depositado o valor da indemnização arbitrada.
d) A comunicação da adjudicação da propriedade do terreno ao Conservador do Registo Predial competente para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 51.º do CE»

A acompanhar o requerimento, foram apresentados, entre outros documentos, os relatórios (inicial e complementares) da vistoria ad perpetuam rei memoriam (v.a.p.r.m.) e o acórdão e respectivo laudo da arbitragem.
Por sentença de 18.05.2017, foi atribuída ao Estado Português a propriedade da aludida parcela de terreno, de que a expropriante já havia tomado posse.
No laudo da arbitragem, os árbitros concluíram, por unanimidade, que o valor da justa indemnização devida às expropriadas é o seguinte:
Para a “D… – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, o montante de €105.980,97, assim discriminado:
- valor do solo………………………………………………………….. €35.060,97
- valor das benfeitorias………………………………………… €70.420,00
- depreciação da parcela sobrante…………………. €500,00

Para a “E…, S.A.”, o montante de €151.308,00, assim discriminado:
- valor estimado da transferência……………………………….. €49.729,00
- valor estimado do transporte entre edifícios…………€79.200,00
- valor estimado da paralisação………………………………….. €22.380,00

Da decisão arbitral recorreram, quer a expropriante “G…”, quer a expropriada “E…, S.A.”.
A primeira, sintetizou assim os fundamentos da sua divergência:
1. «A INDEMNIZAÇÃO JUSTA a atribuir aos expropriados em processo de expropriação deve:
a) Corresponder a prejuízos efectivamente sofridos pelos expropriados e directamente decorrentes do acto expropriativo;
b) Observar os princípios da verdade (ou de respeito pela realidade), do equilíbrio económico, da igualdade e da legalidade.
2. A INDEMNIZAÇÃO JUSTA não pode abranger danos ou prejuízos decorrentes da perda, deterioração ou destruição de construções executadas sem licenciamento prévio, para as quais não existe licença de utilização e que funcionam em regime ou situação de clandestinidade e de ilegalidade;
3. Não é devida indemnização aos expropriados – à sociedade proprietária do prédio expropriado ou à sociedade locatária financeira desse imóvel – pela perda ou destruição de construções erigidas sem licenciamento, clandestinamente e de forma ilegal, no terreno (ou em parte do terreno) atingido pela expropriação;
4. Na valorização do solo da parcela expropriada o limite máximo percentual previsto no artigo 26.º n.º 6 é determinado em função de factores que, em mercado livre, são susceptíveis de influenciar e diferenciar os preços dos terrenos, designadamente a localização, a qualidade ambiental, os equipamentos existentes nas proximidades ou quaisquer outros factores potencialmente diferenciadores. Na fixação do valor percentual único e global não é nem razoável, nem correcto, somar valores parcelares atribuídos a cada um dos factores diferenciados considerados. Assim, atribuída, numa escala de 0 a 15%, uma valorização de 4% a título de localização, de 4% a título de qualidade ambiental e de 4% a título de equipamentos, o resultado desta valorização é 4% e não 12% pois as valorizações dos factores individuais não são adicionáveis.
5. A indemnização por benfeitorias deve ser reconhecida ao titular dessas benfeitorias. Existindo uma relação de locação financeira sobre o prédio expropriado importará, antes de mais, analisar os termos contratualmente fixados para determinar quem será o titular dos inerentes direitos de indemnização.
6. Não há lugar a indemnização por perda ou redução de valor da parte sobrante se essa perda ou redução decorre de facto inerente a constrições ilegais, não licenciadas.
7. A sociedade expropriante não pode ser condenada a substituir construções ilegais e não licenciadas por construções legais e devidamente licenciadas. A ilegalidade da construção exclui o direito a ressarcimento pela parda ou deterioração da construção ilegal.
8. Se a sociedade expropriante é condenada a construir equipamentos constituídos por maciços de apoio e tanques de retenção em substituição de idênticos equipamentos afectados pela expropriação, não pode ser condenada, ao mesmo tempo, a indemnizar pela perda ou destruição desses equipamentos.
9. A separação da área de fabrico de uma empresa das instalações de logística e distribuição não determina necessariamente um prejuízo para a empresa, pois que se trata de mera questão de organização que um sistema simples de metodologia e organização dos serviços resolverá eficazmente e sem danos.
10. No caso de, em consequência da expropriação resultaram danos efectivos inerentes à necessidade de paralisação temporária das actividades legalmente desenvolvidas pela empresa expropriada devem esses danos ser comprovados e justificados.
11. O exercício não licenciado de actividade industrial de fabrico e transformação de produtos químicos, carecendo de legalidade, exclui o direito a indemnização por prejuízos inerentes ao exercício dessa actividade».
Por seu turno, a expropriada “E…, S.A.” alega:
«I - Embora a recorrente concorde com grande parte da arbitragem e valores fixados, entende que os seguintes pontos precisam de ser complementados:
a) Ponto 8.4.2. – Transferência de parte das instalações industriais;
b) Ponto 8.4.4. – Prejuízos resultantes da paralisação da actividade industrial
II - Assim, quanto ao diferencial de rendas, a arbitragem pressupôs que a expropriada conseguirá um terreno, com idênticas condições, nas localidades próximas e por uma renda mensal de €770.
III – E, nessa sequência calculou o período de acordo com a vigência do contrato de leasing que a recorrente tem com a expropriada F… – 80 meses;
IV –Ignorando o período de dez anos que os tribunais têm vindo a fixar (vidé Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/10/2012, proc. 3811/09.8TBVIS.C1, in www.dgsi.pt).
V – Os Ex.mos Senhores Árbitros não tiveram em conta que a justa indemnização deverá igualar a situação que a recorrente teria se não fosse a expropriação.
VI – Assim, se não fosse a expropriação a recorrente passaria a ser proprietária da parcela expropriada, no final dos 80 meses.
VII – Contudo, se verificarmos o valor fixado na arbitragem pelo diferencial de rendas: €33.748, constatamos que o mesmo é insuficiente para a recorrente adquirir um terreno equivalente de 800m2, na localidade em questão.
VIII – Pelo que a arbitragem deveria ter equacionado um valor que permitisse a compra de um terreno com idênticas condições por parte da recorrente que deveria, na justa indemnização, ver igualada a sua situação, à que teria acaso a expropriação não tivesse ocorrido.
IX - Assim, o valor de €50.000 é um valor necessário para a compra de um terreno de idênticas condições no local em questão.
X – Aliás, seguindo os mesmos cálculos dos Ex.mos Senhores Árbitros, este valor de €50.000 teria sido atingido, acaso o período do diferencial de rendas tivesse sido calculado pelo prazo habitual de 10 anos: 421,85 €/mês x 120 meses = 50.622,00€.
XI – Pelo que, nesta parte a recorrente entende que deveria ser fixado este valor pelo diferencial de rendas.
XII – No que respeita as obras necessárias para o exercício da actividade, verifica-se na arbitragem que os Ex.mos Senhores Árbitros não se lembraram que para a recorrente transferir a sua actividade para outro local, precisa de ter instalações onde laborar.
XIII – E como foi, e bem, a expropriada/proprietária, e não a recorrente, que foi indemnizada pelas benfeitorias que se encontram na parcela expropriada, a recorrente será obrigada a construir benfeitorias equivalentes às que lhe foram sonegadas e das quais necessita para restabelecer a actividade no novo terreno, a adquirir, a fazer pavimentos e vedação, montar e instalar os 5 depósitos contemplados na arbitragem sob o ponto 8.3.3 – Benfeitorias.
XIV – Assim, aceitando a maioria dos valores que foram atribuídos à expropriada / proprietária na arbitragem, a recorrente reclama que lhe seja fixada na justa indemnização valor equivalente para:
a) Edifício industrial com coberturas metálicas…………€21.000
b) Pavimentos………………………………………………………..€5.600
c) 5 depósitos…………………………………………………………€7.500
d) Vedação…………………………………………………………….€5.000
Num total de € 39.100,00
XV – Por causa da recorrente ser obrigada a transferir parte da sua actividade industrial para outro local, vê-se igualmente obrigada a adquirir equipamento necessário para o descarregamento do produto no local do enchimento e embalamento.
XVI – Assim, será obrigada a adquirir uma empilhadora, que de acordo com os orçamentos que se juntam para os devidos e legais efeitos, deverá custar cerca de €40.000. (Doc.s 1 e 2)
XVII - Valor este que deverá acrescer à justa indemnização a ser fixada à recorrente.
XVIII – No que se refere à paralisação da actividade enquanto é realizada a transferência da actividade, verifica-se que a arbitragem entendeu como suficiente o período de um mês.
XIX – Ora, a recorrente não contesta os cálculos efectuados para obter-se o valor de €22.380 de prejuízos num mês, no entanto, entende ser insuficiente o período de um mês para construir-se um edifício industrial, os pavimentos e vedações bem como a montagem dos cinco depósitos necessários para poder laborar.
XX – Com efeito, a recorrente entende que será necessário pelo menos, dois meses para o efeito, e mesmo assim, a experiência comum dita que basta algum obstáculo, até de natureza burocrática, para que o prazo de dois meses seja amplamente alargado.
XXI – Assim, pretende-se que ao valor atribuído por prejuízos, e aceitando os cálculos feitos, seja adicionado mais um mês de indemnização, num valor total por paralisação de € 44.760,00 (22.380 x2).
XII – Em conclusão, a recorrente entende que aos valores já arbitrados deverão acrescer os seguintes, nos termos supra discriminados:
a) Ao diferencial de rendas ………………………………………….€16.874
b) Obras necessárias para o exercício da actividade………. €39.100
c) Equipamento necessário…………………………………………..€40.000
d) Paralisação……………………………………………………………. €22.380
Num total a acrescentar de €118.354,00
XXIII – Pelo que a justa indemnização à recorrente deverá ser de €269.662, e não de €151.308, conforme foi fixado na arbitragem».
Cada uma das recorrentes respondeu à motivação do recurso da decisão arbitral apresentado pela outra, pugnando pela sua improcedência.
No prosseguimento dos ulteriores termos processuais, procedeu-se à avaliação prevista nos artigos 61.º e segs. do Código das Expropriações, tendo os peritos chegado às seguintes conclusões expressas no respectivo relatório de avaliação[1]:
«Atenta a avaliação supra os peritos signatários, por unanimidade, consideram que os valores das justas indemnizações a atribuir pela expropriação da parcela em causa nos autos, com referência à data da DUP são as seguintes:
Valor do terreno (solo) da parcela expropriada (4.1.7) …€31.703,98
Desvalorização da parte sobrante (4.2) ……………………………… €500,00
Benfeitorias:
- valor do Edifício Industrial – VED1 (4.3.1) ……………...………… €12.000,00
- valor de parte de Edifício Industrial - VED2 (4.3.2) ………. €25.000,00
- valor do Coberto em Chapas Metálicas-VCOB (4.3.3).. €3.000,00
- valor dos Depósitos – VDEP (4.3.4) ……………………………….. €12.000,00
- valor do Canil – VC (4.3.5) ……………………………………………………… €870,00
- valor do Pavimento Exterior – VPAV (4.3.6) …………………. €8.400,00
- valor de Muretes de Separação – VMUR1 (4.3.7) ……… €750,00
- valor de Muretes de Delimitação – VMUR2 (4.3.8 ) ……. €1.080,00
- valor dos Muros de Vedação – (VMUR) (4.3.9) ……... €6.888,
- valor do Poço – VP (4.10) …………………………………………………… €432,00

Valor dos prejuízos para a actividade da locatária ……€162 270,00.»

Com data de 14.06.2020, foi proferida sentença[2] com o seguinte dispositivo[3]:
«Nos termos e fundamentos supra expendidos decido fixar o valor da indemnização devida á expropriada D…-Instituição Financeira de Crédito S.A. a importância de € 102.623,98 (cento e dois mil, seiscentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos) da seguinte forma:
-Valor do terreno (solo) da parcela expropriada (4.1.7) ...31.703,98€
-Desvalorização da parte sobrante (4.2) ..........................500,00€
Benfeitorias:
Valor do Edifício Industrial – VED1 (4.3.1) ....................... 12.000,00€
Valor do Parte de Edifício Industrial – VED2 (4.3.2) ........ 25.000,00€
Valor do Coberto em Chapas Metálicas – VCOB (4.3.3) .. 3.000,00€
Valor dos Depósitos – VDEP (4.3.4) ............................... 12.000,00€
Valor do Canil – VC (4.3.5) ................................................ 870,00€
Valor do Pavimento Exterior – VPAV (4.3.6) .................... 8.400,00€
Valor do Muretes de Separação- VMUR1 (4.3.7) ........... 750,00€
Valor do Muretes de Delimitação - VMUR2 (4.3.8) ......... 1.080,00€
Valor dos Muros de Vedação – VMUR (4.3.9) ................. 6.888,00€
Valor do Poço – VP (4.10) ................................................ 432,00€
Mais decido fixar o valor da indemnização referente aos prejuízos para o exercício da atividade da locatária em 162.270,00 € (cento e sessenta e dois mil, duzentos e setenta euros)».
Ainda inconformadas, da sentença recorreram para esta Relação a expropriante “G…” e a expropriada “E…, S.A.”.
Recurso da expropriada “E…, S.A.”
A recorrente sintetizou nas seguintes conclusões os fundamentos da sua apelação:
«1 – Apesar das contradições espelhadas pela resposta dos Senhores Peritos aos esclarecimentos solicitados, a Douta Sentença decidiu de acordo com o relatório de avaliação, e a título de indemnização expropriativa, atribuiu à expropriada/recorrente o valor de €162.270,00.
2 – Efectivamente, a expropriada/recorrente pediu esclarecimentos quanto aos pontos 4.4.1.1. e 4.4.1.5. do relatório, nomeadamente quanto aos valores fixados a título de encargos com a transferência de parte das instalações industriais e para a adaptação das novas instalações.
3 - Quanto aos restantes pontos do relatório (4.4.1.2.; 4.4.1.3.; 4.4.1.4.; 4.4.2., 4.4.3.1.; 4.4.3.2.) a expropriada/recorrente concordou com os valores fixados pelos Senhores Peritos, e atribuídos pela Douta Sentença.
4 – A expropriada/recorrente entende que os valores atribuídos pela Douta Sentença e fixados nos pontos 4.4.1.1. e 4.4.1.5. do Relatório de Avaliação, são insuficientes de acordo com as respostas que os próprios Senhores Peritos deram aos esclarecimentos.
5 - Na expropriação a justa indemnização a atribuir ao expropriado deve servir para repor a mesma situação em que o expropriado se encontrava, e da qual foi privado, sob pena de se gerar uma situação de enriquecimento sem causa do expropriante e o respectivo empobrecimento do expropriado, por ausência ou insuficiência de reparação.
6 – Ora ficou demonstrado com as respostas aos esclarecimentos que os valores atribuídos pela Douta Sentença não possibilitarão à expropriada/recorrente repor a situação que tinha antes da expropriação nomeadamente a construção de novas instalações, em zona industrial, nas proximidades para que a transferência de parte do fabrico não traga à expropriada sérios prejuízos e até, possivelmente, a sua insolvência.
7. - Com as respostas aos esclarecimentos solicitados ficou estabelecido que:
i) a expropriada/recorrente não pode laborar sem área de logradouro;
ii) com a expropriação, o logradouro “fica significativamente reduzido” (Conclusão resposta/quesito A- 5);
iii) a expropriada/recorrente precisa de transferir parte das suas instalações para um pavilhão industrial, em zona industrial, com área de logradouro;
iv) o novo polo deve ter 160 m2 de área coberta, um coberto com cerca de 60 m2 e um logradouro com 610 m2, num total de área de 830 m2;
v) nas imediações das actuais instalações da expropriada/recorrente, não existe local com estas características.
8 - A expropriada/recorrente tem o direito a uma situação idêntica à que tinha à data da expropriação, nomeadamente, a adquirir um lote de terreno, com idênticas condições, através de locação financeira, a fim de, concluído o contrato, poder ficar dele proprietária.
9 - Assim, terá de ser dada oportunidade à expropriada/recorrente de receber uma indemnização que lhe permita adquirir um lote com características idênticas.
10 - Quando questionados se seria possível encontrar um terreno, em zona industrial, ao preço de 21,12€/m2, tendo em conta o valor de €17600 fixado para encargos com rendas (ponto 4.4.1.1. Relatório de Peritagem) os Senhores Peritos admitiram que o valor indicado “está abaixo dos valores médios praticados”.
11 - Assim, com esta resposta ao esclarecimento A – 12, os Senhores Peritos admitiram, que o valor de € 17600 fixado é INSUFICIENTE para a expropriada/recorrente adquirir um terreno com as características necessárias, como é de seu direito.
12 - No Relatório de Peritagem verifica-se que para indemnizar a expropriada/ proprietária (D…) pelo valor do terreno da parcela expropriada, os Senhores Peritos fixaram, sob o ponto 4.1.6, o valor unitário do solo de 38,06€/m2, tendo em conta as características da envolvente.
13 – A justa indemnização deve prever idêntico valor à expropriada/recorrente para que esta possa adquirir um terreno de idênticas características, para ver reposta a situação de que foi privada com a expropriação.
14 - A área de terreno recomendada pelos Senhores Peritos, para as novas instalações da expropriada/recorrente é de 830 m2, calculada a 38,06€/m2 implicaria uma indemnização nunca inferior a €31 589,80, a título de encargos com rendas/aquisição de parcela para as novas instalações.
15 - Para a adaptação das novas instalações os Senhores Peritos fixaram em 4.4.1.5., do Relatório de Peritagem, o valor de €5000.
16 – Mas, nas respostas aos esclarecimentos os Senhores Peritos admitiram que “um custo corrente para armazéns com as características em termos construtivos idênticos aos existentes." (resposta aos esclarecimentos B-5) é de 350€/m2.
17 - Assim, seguindo o raciocínio dos Senhores Peritos, que indicaram que seria necessário um polo novo com área coberta de 160 m2, o valor de € 5000 fixado revela-se amplamente insuficiente para a adaptação das novas instalações.
18 – O valor necessário só para o pavilhão é de €56 000 (160 m2 x 350€/m2).
19 – Para além do que será necessário para a construção de vedações, portão de acesso que permita a entrada e saída de camiões de grande porte (cisterna), bem como a construção de infra-estruturas eléctricas e de ramal de água, que os Senhores Peritos admitiram necessárias.
20 - Seguindo a linha de pensamento dos Senhores Peritos, fazendo o cálculo com os valores que eles próprios admitiram nas respostas aos esclarecimentos, verifica-se que o valor da indemnização atribuída à expropriada/recorrente ficou aquém do necessário para uma justa indemnização.
21 - A expropriada/recorrente tem direito a ver reposta a situação de que ficou privada: uma parcela de terreno que no final do contrato de leasing poderá optar por ser sua propriedade, com idênticas condições, necessárias para laborar, nomeadamente um logradouro, pavilhões industriais similares, vedações e portão adequados, e restantes infra-estruturas.
22 - O valor de €17600 para encargos com rendas não é suficiente para adquirir tal lote de terreno. Os preços que vigoram no mercado transcendem, em muito, o valor fixado, como se poderá verificar em qualquer site imobiliário,
23 - O valor de € 5000, não é suficiente para a adaptação das novas instalações, conforme ficou supra demonstrado.
24 – A Douta Sentença não deveria ter dado total credibilidade ao Relatório de Avaliação, considerando as contradições reveladas com as respostas aos esclarecimentos.
25- Aliás, o Tribunal não está vinculado a decidir de acordo com o Relatório de Avaliação. Este serve de mera indicação para auxiliar o Tribunal na sua decisão.
26- As respostas dos Senhores Peritos aos esclarecimentos da expropriada/recorrente deram indicações objectivas ao Tribunal para o cálculo de uma justa indemnização.
27 – Salvo melhor opinião, ficou objectivamente demonstrado que a justa indemnização quanto aos valores de acréscimo e encargos com rendas (4.4.1.1. do relatório), não poderia ser inferior a €31.589,80, e quanto ao valor da adaptação das novas instalações (ponto 4.4.1.5. do relatório), o valor de €56.000 estaria de acordo com as respostas fornecidas pelos Senhores Peritos, sendo certo que este ultimo nem inclui os valores que serão necessários para as restantes infra-estruturas necessárias.
28 – Conclui-se que a expropriada/recorrente concorda com os valores atribuídos pela Douta Sentença e fixados no Relatório de Peritagem sob os pontos 4.4.1.2. (1.000,00€); 4.4.1.3. (1.400,00€); 4.4.1.4. (500,00€); 4.4.2. (33.570,00€); 4.4.3.1. (79.200,00€); 4.4.3.2. (24.000,00€), no entanto, no que respeita o valor atribuído a título de acréscimo e encargos com rendas (4.4.1.1. do relatório), não poderá ser inferior a €31.589,80, conforme o supra exposto; e o valor para a adaptação das novas instalações (4.4.1.5), nunca poderia ser inferior a € 56000, conforme supra melhor descrito, sendo certo que este valor nem sequer inclui as restantes infra – estruturas, que são necessárias, conforme ficou assente no processo, nomeadamente, vedações, instalações para fornecimento de água e luz, entre outras».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Recurso da expropriante “G…”
A recorrente “G…” condensou nas seguintes conclusões os fundamentos do seu recurso:
……………………………………………..
……………………………………………..
……………………………………………..
Os recursos foram admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Apenas a recorrente/expropriante impugna a decisão sobre matéria de facto, por considerar que há factos que foram desconsiderados pelo tribunal, mas que são «essenciais ao conhecimento das questões suscitadas no processo de expropriação e, consequentemente, indispensáveis para a Justa solução do litígio».
Além disso, considera que o conteúdo dos pontos 7 e 9 não é inteiramente correcto e por isso deverá ser corrigido e alterado «por forma a deixar clara e transparente a situação existente ao tempo da declaração de utilidade pública».
Assim, a primeira questão a apreciar e decidir consiste em saber se há motivo para alterar, nos termos pretendidos pela recorrente, o complexo factual que o tribunal selecionou como matéria relevante para a decisão.
Como decorre, com meridiana clareza, das conclusões, ambas as recorrentes põem em causa o montante das indemnizações.
Mas, enquanto que a expropriada “E…, S.A.” se limita a pugnar por um valor indemnizatório bastante superior ao arbitrado porque considera que foram subavaliados os encargos com a transferência de parte das instalações industriais e para a adaptação das novas instalações, a expropriante “G…” considera que, pura e simplesmente, não é devida qualquer indemnização pela destruição (total ou parcial) das construções existentes na parcela expropriada, por serem construções clandestinas, não licenciadas.
São essas questões que requerem análise e decisão e é o que passaremos a fazer.
IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na primeira instância, os factos provados, considerados relevantes para a decisão, foram assim enumerados:
1 - A parcela é a destacar de um prédio de maiores dimensões situado no lugar de …, freguesia de …, do Concelho H…, distrito do Porto, inscrito na matriz urbana sob o nº 3967 e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial H… sob o nº 673/20060711.
2 - De acordo com a descrição na Conservatória do Registo Predial, o prédio de onde foi destacada a parcela expropriada teria a área total de 3000 m2, distribuída por uma área coberta de 1.500 m2 e uma área descoberta de 1.500 m2, e possuía as seguintes confrontações: Norte: I…; Nascente: J…; Sul: Caminho Público; Poente: K….
3 - De acordo com a V.a.p.r.m. e com o que se obtém por medição na planta parcelar, a área do prédio será de aproximadamente 3.500 m2.
4 - A parcela a expropriar, com 833 m2, de acordo com a …, tem as seguintes confrontações:
Norte: B…, SA e outros
Nascente: C… e Câmara Municipal H…
Sul: Câmara Municipal H…
Poente: Restante propriedade
5 - O prédio de onde é a destacar a parcela expropriada tem acesso por via pública pavimentada com calçada à fiada (denominada Rua …), com a qual confronta a Sul, e é servido por diversas infraestruturas a saber, rede de abastecimento de água, rede de drenagem de águas pluviais, rede de eletricidade de baixa tensão, rede telefónica e rede de drenagem de esgotos, tal como refere a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (V.a.p.r.m.) cujo teor se dá por reproduzido.
6 - A rede de saneamento (drenagem de esgotos) encontra-se ligada a Estação de Tratamento Residual (ETAR).
7 - O prédio é objecto de uma locação financeira por parte da entidade expropriada D… – Instituição Financeira de Crédito SA à E…, SA que lá desenvolve diversas atividades de armazenamento e comercialização de produtos químicos (vide …. – resposta ao quesito 65 dos Expropriados).
8 - O contrato de locação financeiro inicial foi celebrado inicialmente entre a D… – Instituição Financeira de Crédito SA (Locadora) e a Drogaria L…, S.A. (Locatária) em 20 de novembro de 2008. Entretanto, por documento datado 30 de dezembro de 2011, a Drogaria L…, S.A. cedeu à E…, S.A. a posição contratual (como Locatária) que detinha no contrato de locação financeira atrás referido.
9 - As atividades exercidas no prédio de onde foi destacada a parcela expropriada correspondem ao Comércio por grosso de produtos químicos (CAE principal – …..), à fabricação de outros produtos químicos diversos (CAE secundário - …..) e à fabricação de sabões, detergentes e glicerina (CAE secundário – …..).
10. No contrato de locação financeira que vincula a sociedade “D… – Instituição Financeira S.A.”, enquanto locadora financeira, e a sociedade “E… S.A.”, enquanto locatária financeira, ficou expressamente estipulado o regime contratual aplicável entre as partes em caso de “expropriação parcial” do imóvel locado – cláusula 12ª nºs 2 e 3, nos termos seguintes:
“2. No caso de expropriação parcial, o objecto do contrato será reduzido e este continuará a produzir efeitos em relação à parte não expropriada se esta satisfazer o interesse que levou o locatário a contratar. Com efeitos a partir da data do recebimento da indemnização atribuída ao locador, as rendas vincendas e o valor residual serão recalculados em função do capital que resulte em dívida após a afectação da indemnização efectivamente recebida pelo Locador, deduzido de todos os valores vencidos e não pagos.”
“3. Se o locatário deixar de ter interesse na manutenção do contrato, deverá exercer o seu direito de opção de compra, nos termos do disposto na cláusula anterior, sem penalização.”
11 - O Centro de Saúde M… (UF e SASU) situa-se a cerca de 1,87 km. O Hospital N… situa-se a cerca de 3,75 km. Todas estas distâncias foram obtidas em ortofotomapa (fonte Google Earth Pro) e são medidas em linha reta.
12 - A Escola Básica e Secundária de … situa-se a cerca de 1 km. A Escola Básica EB1 … situa-se a cerca de 0,6 km. Todas estas distâncias foram obtidas em ortofotomapa (fonte Google Earth Pro) e são medidas em linha reta.
13 - Existem paragens das linhas dos Serviços de Transportes Público do Porto (STCP) a cerca de 0,62 km na Av. … (linha …) e a cerca de 0,82 km na Rua … (linha …). A Estação Ferroviária de M… situa-se a cerca de 2 km e a Estação ferroviária O… situa-se a cerca de 1,75 km. Todas estas distâncias foram obtidas em ortofotomapa (fonte Google Earth Pro) e são medidas em linha reta.
14 - No prédio existe um edifício principal devidamente licenciado pela Câmara Municipal H… (processo n.º 181/76, com licença de utilização n.º 129/78) e um conjunto de pavilhões e cobertos que foram sendo sucessivamente construídos (na parte posterior do edifício principal) como ampliação e extensões da área de produção/armazenamento, por necessidade de laboração da empresa, os quais não se encontravam licenciados (nem licenças de construção, nem de utilização) à data da DUP (vide …. - respostas aos quesitos 5, 12 e 13 da Expropriante).
15 - O edifício principal, com cerca de 1500 m2, comporta a área administrativa (escritórios) as instalações sociais dos trabalhadores, a área de armazém, de distribuição e o laboratório e não é atingido pela expropriação.
Existem ainda mais 4 edifícios/construções industriais (na parte posterior da construção principal), a saber:
1) Edifício com área coberta de 170 m2 que está a ser utilizado como área de armazenagem de matérias primas e de produtos acabados;
2) Edifício com área coberta de 179 m2 que está a ser utilizado como área de fabrico de creolina e detergentes e armazenagem de produtos acabados;
3) Edifício com área coberta de 220 m2 que está a ser utilizado para destilação de diluentes, fabrico de colas de cartonagem e ainda como área de armazenagem de matérias primas e de produtos acabados;
4) Edifício com área coberta de 60 m2 que está a ser utilizado como área para enchimento de sacos de soda caustica e amoníaco, ao qual está associada uma área para fabrico de solução sulfurosa (coberto com 60 m2)
16 - A expropriação afeta apenas parte destas construções industriais e um logradouro pavimentado com calçada à fiada (zona de acesso), com misturas betuminosas (zona de circulação, armazenagem e laboração) e com betão de cimento (zona de implantação dos depósitos), designadamente:
- ED1 - Edifício industrial, com 60 m2 de área, destinado ao tratamento de produtos químicos, composto por estrutura metálica, revestimento a chapas metálicas simples (paredes e cobertura) e pavimento em betonilha, portão metálico de acesso que “corre” em perfil metálico, onde se procede ao enchimento de sacos de soda caustica e amoníaco, manualmente ou com recurso a uma máquina que pode ser removida e transferida para outro local;
- ED2 - Parte de edifício industrial (100 m2) afecto à actividade de destilação de diluentes, fabrico de colas de cartonagem e ainda a área de armazenagem de matérias primas e de produtos acabados, composto por estrutura metálica, revestimento a chapas metálicas simples (paredes e cobertura) e pavimento em betonilha, portão metálico de acesso que “corre” em perfil metálico.
A parte restante deste edifício deixa de ter acesso pelo logradouro exterior;
- COB - Coberto em chapas metálicas, apoiadas em perfis metálicos, com 60 m2 de área e pavimento a betonilha que se destina a arrumo de materiais e ao fabrico de solução sulfurosa (em 2 cubas metálicas e amovíveis) sob a referida estrutura;
- DEP - 5 depósitos (3 verticais e 2 horizontais), amovíveis, destinados ao armazenamento de produtos químicos apoiados em maciços de betão, perfazendo a área de 80 m2;
- C - Canil, em alvenaria de blocos, argamassa e cobertura em laje de betão revestida a telha, com cerca de 15 m2 de área global (inclui área exterior ao canil delimitada por malha metálica) e 6 m2 de área de implantação;
- PAV - Pavimento a betuminoso, com a área de 560 m2.
- MUR1 - Muretes de separação de espaços, em alvenaria de blocos argamassada, numa extensão de 50 m e 0,50 m de altura. Estes muretes delimitam a zona de implantação dos depósitos e servem-lhes de protecção evitando eventuais fugas e derrames;
- MUR2 - Murete em betão na delimitação e suporte das zonas de armazenagem, com cerca de 30 m de comprimento e 0,60 m de altura média;
- MURV - Muros de vedação, meeiros, em alvenaria de granito encimados com vedação plastificada, com 1,20 m de altura média, apoiada em perfis metálicos espaçados de 3m;
- P - Poço revestido a blocos de betão de cimento com secção de 1,20 m x 1,20 m e profundidade de cerca de 3 m;
- Depósitos amovíveis, sem fixação ao solo, de materiais disseminados e espalhados pelo logradouro.
17 - Para manter a mesma atividade, nos moldes em que exercia à data da D.U.P., é necessária uma área de logradouro, sendo que a expropriação atingiu parte do logradouro.
18 - As quatro zonas de fabrico, que terão de ser transferidas, precisam de um local com construções devidamente licenciadas para as atividades pretendidas, complementado com uma área de logradouro.
19 - O novo Polo terá de ser implantado num local onde o PDM da H… o permita e que preferencialmente será em zona Industrial.
20 - Os valores dos terrenos dependem entre muitos fatores da localização dos prédios, da sua capacidade construtiva e das infraestruturas de que são servidos.
*
Como referimos a propósito da definição do objecto do recurso, a recorrente “G…” considera que há factos essenciais para o julgamento deste litígio, mas que não foram tidos em conta pelo tribunal, apesar de resultarem do documento que formaliza o contrato de locação financeira existente entre a “D… – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” e “E… – Química Internacional, S.A.”.
Concretamente, na sua perspectiva, impõe-se que sejam acrescentados os factos que decorrem da cláusula 5.ª, n.os 1 e 4, das “Condições Gerais” em conjugação com a “Condição Particular” n.º 2 do contrato de locação financeira.
Os factos que a recorrente pretende que sejam, também, inseridos no rol dos provados não são controvertidos e a solução jurídica para a qual, no entendimento da recorrente “G…”, seriam essenciais pode considerar-se defensável, não é descabida.
Assim sendo, como é, não há motivo para desatender a sua pretensão, se bem que, em rigor, também se impõe ter em conta o que consta da descrição predial do prédio em causa.
Assim, adita-se ao elenco de factos assentes os seguintes:
«22 – O prédio identificado nos n.os 1 e 2, de que foi destacada a parcela expropriada, é um edifício de rés-do-chão e andar para indústria, com logradouro, e, pelo contrato de locação financeira referido nos n.os 7 e 8, foi convencionado que o seu destino era a “armazenagem” de produtos.»
«23 – Ainda de acordo com o estipulado na cláusula 5.ª do mesmo contrato de locação financeira, “O locatário só poderá usar o imóvel locado para o fim a que o mesmo se destina (armazém), previsto nas Condições Particulares do contrato e de acordo com as normas legais e administrativas aplicáveis” – Cláusula 5ª nº 1 das Condições Gerais do Contrato.»
«24 – Foi, ainda, convencionado entre as partes que “Todas as benfeitorias que não possam ser retiradas sem detrimento do imóvel, consideram-se nele incorporadas, não tendo o locatário o direito a qualquer reembolso, indemnização ou retenção” (Cláusula 5.ª, n.º 4, das Condições Gerais).»
Pretende, ainda, a recorrente que sejam corrigidos os pontos 7 e 9 por forma a ficarem com o seguinte conteúdo:
Ponto 7 – “O prédio é objecto de uma locação financeira por parte da entidade expropriada D… – Instituição Financeira de Crédito S.A. à E…, S.A.”.
A recorrente afirma que o restante («…que lá desenvolve diversas atividades de armazenamento e comercialização de produtos químicos») «não corresponde à verdade dos factos» e por isso deve ser eliminado.
Ponto 9 - «As atividades exercidas no prédio de onde foi destacada a parcela expropriada correspondem ao Comércio por grosso de produtos químicos (CAE principal – ….), à fabricação de outros produtos químicos diversos (CAE secundário - ….) e à fabricação de sabões, detergentes e glicerina (CAE secundário – ….).
Como, facilmente, se constata, os pontos 7 e 9 são complementares entre si e os factos neles descritos são verdadeiros, como se pode verificar pela ….. e pelo relatório pericial.
Decorre, muito claramente, desses relatórios que no prédio em causa se desenvolvem actividades de armazenamento, comercialização e fabricação de produtos químicos, bem como a produção de sabões, detergentes e glicerina.
Por isso não se justifica a alteração/correcção pretendida pela recorrente “G…”.
2. Fundamentos de direito
Recurso da expropriada “E…, S.A.”
A recorrente “E…, S.A.” discorda dos valores fixados como encargos
- com a transferência de parte das instalações industriais e
- para a adaptação das novas instalações.
Na arbitragem, esses valores foram fixados, respectivamente, em €33.748,00 e em 15.980,00 (500,00+1.400,00+1.000,00+1.080,00+12.000,00).
No relatório pericial, os peritos estimaram esses valores, respectivamente, em €25.500,00 e €5.000,00.
Na sentença posta em crise, optou-se pelos valores indicados pelos peritos e a decisão está assim fundamentada:
«4.4.1.1 – Acréscimo de encargos com rendas
Na parcela expropriada existiam quatro zonas de fabrico que terão de ser transferidas para outro local e cinco depósitos que terão de ser desmontados e posteriormente montados também noutro local.
Para além disso existiam um conjunto de depósitos de menor dimensão distribuídos pelo logradouro e que também terão de ser retirados e colocados noutro local.
Considera-se assim que será necessário criar um segundo polo das instalações industriais da empresa devidamente licenciado e que, de forma a ter as condições idênticas às da parcela expropriada, deverá ser constituído por um pavilhão industrial com uma área coberta de aproximadamente 160 m2, um coberto com cerca de 60 m2 e um logradouro com cerca de 610 m2.
Tomando por base uma renda mensal de 4.409,47 € para a totalidade das instalações (vide relatório de Arbitragem) que foram objecto do contrato de locação financeira, a qual será objecto de uma redução em face da expropriação, considera-se que outras instalações para onde a firma desloque parte da produção implicarão um acréscimo mensal médio de renda de 1 € por m2 de área coberta, ou seja de 220 €/mês (220 m2 x 1 €/m2).
A data do auto de posse administrativa da parcela tem a data de 27.07.2016, sendo certo que à data da Arbitragem - 7 de abril de 2017 – a empresa continuava a laborar normalmente nas instalações expropriadas (vide página 42 de 54 do laudo de arbitragem) e o mesmo acontecia à data em que os Peritos efetuaram visita ao local – 5 de dezembro de 2017.
Ponderados todos os aspectos atrás expostos os Peritos optam por considerar, para efeitos de determinação da indemnização por acréscimo de encargos de renda, o mesmo período temporal considerado no laudo de Arbitragem até ao fim do contrato de locação e que foi de 80 meses.
Assim a indemnização correspondente a este aumento de encargos com rendas é de: 80 meses x 220€ = 17.600€
4.4.1.2 – Transferência de depósitos (5)
Os encargos com desmontagem, carga, transporte e montagem dos 5 (cinco) depósitos, apoiados em maciços de betão, destinados ao armazenamento de produtos químicos (3 em posição horizontal e os restantes na vertical) existentes na parcela expropriada e descritos na …, são estimados em 1.000,00€.
4.4.1.3 – Transferência de equipamentos e máquinas
Os encargos com desmontagem, carga, transporte e montagem das máquinas e dos equipamentos produtivos existentes na parcela expropriada são estimados em 1.400,00€.
4.4.1.4 – Transferência de depósitos vários
Os encargos com desmontagem, carga, transporte e montagem dos vários depósitos, apoiados em estruturas metálicas, disseminados pelo logradouro, descritos na …, são estimados em 500,00€.
4.4.1.5 – Adaptação das novas instalações
Em novas instalações haverá que estimar uma verba para diversos trabalhos/obras de adaptação do novo locado às necessidades de laboração da empresa (incluindo eventuais vedações) para o que se estima uma verba global de 5.000€.»
No entanto, como “prejuízos totais resultantes da separação de fabrico”, também, foi considerada a necessidade de aquisição de um empilhador eléctrico com um custo de €24.000,00.
A recorrente “E…, S.A.” argumenta, em defesa da sua pretensão, que o custo do terreno necessário para as novas instalações tornadas imprescindíveis por força da expropriação nunca será inferior a €31.589,80 (830 m2 x €38,06/m2) e só para o pavilhão com a área coberta de 160m2 a construir no “polo novo” sugerido pelos peritos como solução para a imperativa deslocalização será necessário o montante de €56.000,00 (160 m2 x €350,00/m2), pelo que os valores fixados na sentença como encargos com a transferência de parte das instalações industriais e para a adaptação das novas instalações (respectivamente, €17.600,00 e €5.000,00) são «amplamente insuficientes» para repor a situação de que foi privada com a expropriação.
Porém, a pretensão não tem qualquer suporte na factualidade assente e a recorrente “E…, S.A.” não pôs em causa a decisão sobre matéria de facto, pelo que tem de considerar-se definitivamente fixada.
Assim, sem necessidade de outras considerações, tem de improceder o recurso da expropriada “E…, S.A.”.
Recurso da expropriante “G…”
Como já se enunciou, a questão fundamental que esta recorrente submete à apreciação deste tribunal de recurso consiste em saber se na determinação do quantum indemnizatório devido pela expropriação da parcela de terreno destacada do prédio de que é proprietária/locadora a “D… – Instituição Financeira de Crédito S.A.” e locatária financeira a “E…, S.A.” devem, ou não, ser tidas em consideração as construções nela (parcela) existentes e que são (total ou parcialmente) destruídas com a concretização do acto expropriatório.
O prédio, tal como está descrito no registo predial, destina-se ao exercício da actividade industrial e para tal está devidamente licenciado (alvará de licença de utilização n.º 129/78, emitido pela Câmara Municipal H…), mas é incontroverso que os pavilhões e outras construções existentes na parcela expropriada são de génese ilegal, pois não foi licenciada, quer a sua construção, quer a utilização que a expropriada/recorrente delas faz.
A recorrente/expropriante defendeu, desde início, que, tratando-se de construções clandestinas, não podem ser havidas como benfeitorias e por isso não podem justificar a atribuição de uma indemnização[4], mas, nem os árbitros, nem os peritos (todos eles bem conhecedores da situação), alinharam pela sua posição (apenas o perito indicado pela expropriante, como se assinalou, expressou reservas quanto à bondade da solução adoptada, expressa no laudo).
Na sentença recorrida, a opção pela indemnizabilidade foi assim justificada:
«Tendo em conta as posições jurídicas expendidas pelas partes entendemos, salvo melhor opinião, que assiste razão á expropriada.
Com efeito, a indemnização no âmbito das expropriações não poderá ser calculada como se de um bem comum se tratasse, mas sim como um bem com um valor especial.
Ora, a obrigação de indemnizar em casos de expropriação por utilidade pública, não pode ser confundida com o dever de indemnizar que resulta de casos de responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco ou pela violação de deveres contratuais; enquanto que, a primeira, visa abranger uma compensação pela perda patrimonial que foi suportada pelo expropriado e de alguma forma criar uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual, a segunda tem como finalidade ressarcir o lesado de todas as perdas patrimoniais, englobando o prejuízo causado e os benefícios que não foram obtidos por consequência da lesão, tendo como objetivo colocar o lesado na situação em que este se encontraria se a lesão não tivesse tido lugar.
Para ALVES CORREIA, «o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação»
Olhando para esta citação podemos concluir que, no que diz respeito à proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória, simbólica o que se pretende afirmar é que a compensação deve ser adequada ao dano imposto ao particular/expropriado. Fernando Alves Correia. ob. cit. “ As Garantias…”, “ e como se refere no Ac. do S.T.J., de 31.10.12 (Processo nº 5253/04.2 TBVNG.P1.S.1 in WWW.DGSI.PT “a obrigação de indemnização por expropriação engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual.”
Já no que diz respeito o respeito pelo princípio da igualdade de encargos, como se refere no Ac. do S.T.J., de 31.01.2012, (Proc. Nº 5253/04.2TBVNG.P1.S1 IN “ WWW.dgsi.pt) “A obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência de Direito, deriva do princípio da igualdade.”
“A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado.”
Na expropriação a justa indemnização a atribuir ao expropriado deve servir para repor a mesma situação em que o expropriado se encontrava, e da qual o mesmo foi privado.
Não assiste pois razão á entidade expropriante, quando afirma que as edificações clandestinas não podem ser consideradas como “benfeitorias” para efeitos de direito a indemnização a esse título.
Com efeito, como supra referimos, a obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência de Direito, deriva do princípio da igualdade.”, sendo que a nossa Lei, acolhe a teria da substituição, e, por isso, o facto de as aludidas construções que foram objeto de expropriação não se mostrarem licenciadas, tal não releva nem obsta, para efeitos de indemnização.
O critério subjacente á indemnização devida pela expropriação é o da igualdade, consubstanciando-se na teoria da substituição, pelo que só será justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado, pouco importando se as mesmas estão licenciadas ou não».
Não ficou convencida a recorrente “G…” com o argumentário da sentença recorrida e por isso insiste na sua tese de que aquelas construções não licenciadas não podem ser consideradas benfeitorias e questiona:
«Subordinando-se o conceito de Justa Indemnização, em processo de expropriação, a princípios de igualdade e de legalidade, será indiferente a legalidade ou a ilegalidade de construções atingidas por um acto expropriativo quando o tribunal é chamado a quantificar o valor da indemnização a atribuir ao expropriado?»
«Em mercado livre, padrão de referência para a medida de uma indemnização justa, para um comprador prudente, avisado, normalmente experiente e ponderado, será o mesmo o valor atribuído a um prédio quer ele esteja devidamente licenciado, quer ele se encontre contruído sem qualquer licença, de forma clandestina?»
«As construções edificadas sem licenciamento, sem observância das imposições legais e regulamentares aplicáveis em matéria de projectos, estudos de viabilidade, de processos de aprovação e fiscalização, erigidas clandestinamente e utilizadas sem aprovação e licenças de utilização, podem ser classificadas como benfeitorias e, enquanto benfeitorias, podem justificar a atribuição de uma indemnização quando atingidas por acto de expropriação? Ou, pelo contrário, tratando-se de construções ilegais, clandestinas, edificadas ao arrepio de todas as imposições legais, não podem, nem devem, ser qualificadas como benfeitorias, uma vez que sendo ilegais o seu destino económico normal seria a demolição?»
À primeira questão que coloca, a recorrente “G…” responde discorrendo assim:
«O “princípio da igualdade”, avocado pela Ciência do Direito para densificar, em confluência com outros princípios, o conceito genérico e indeterminado de “justa indemnização”, supõe a aplicação de um tratamento igual a situações que são iguais, tanto no plano interno do expropriado perante o acto expropriativo, como no plano externo do expropriado perante os demais proprietários que não foram afectados ou lesados pela expropriação.”
Tratamento igual para situações que estruturalmente se encontram em planos de circunstancialismo e de condicionalismo legal iguais”. O princípio da igualdade não supõe, não permite e muito menos impõe a aplicação de um tratamento igual a situações desiguais.
A invocada actual ciência do direito, na construção ou materialização do conceito de “Justa Indemnização” convoca, paralelamente com o princípio da igualdade, outros princípios, entre os quais o “princípio da legalidade”. A partir daí, não confunde, nem legitima qualquer confusão entre o legal e o ilegal, entre o lícito e o ilícito como expressão que são de realidades distintas na sua valoração ética, social, jurídica, legal e material. Ou seja, aplicando-se o princípio da igualdade, a situações estruturalmente idênticas, não será lícito aplicá-lo a situações estruturalmente distintas.»
Sobre o alcance da protecção constitucional do princípio da igualdade, os constitucionalistas J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista) anotam que “ele é hoje um princípio disciplinador de toda a actividade pública nas suas relações com os cidadãos” (pág. 338) e, mais adiante, “todas as funções estaduais estão vinculadas ao princípio da igualdade. Isto significa que o princípio material da igualdade constitui sempre uma determinante heterónoma da legislação, da administração e da jurisdição”.
Sobre o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade, os mesmos autores sublinham a sua tríplice dimensão de: a) proibição do arbítrio (que torna inadmissíveis diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, b) proibição de discriminação e c) obrigação de diferenciação (pág. 339).
Na sua dimensão de proibição do arbítrio, “constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes”.
No mesmo sentido se expressa Martim de Albuquerque (Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, Almedina, 1993, 334-336), escrevendo que «A igualdade desdobra-se em duas proibições e uma obrigação – proibição de arbítrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação. A proibição de arbítrio legislativo ou de distinção arbitrária radica na ausência de motivo pertinente, o que significa falta de fundamento, de fundamento material bastante ou suficiente, de fundamento material razoável, adequado suporte material, de justificação racional, de causa justificativa poderosa; como também desproporção ou inadequação da regulamentação legal à situação fáctica a que quer aplicar-se. (...) Quanto à obrigação de diferenciação, envolve necessariamente um determinar da semelhança ou dissemelhança das situações em presença. E a única possibilidade de o fazer reside no apelo a factores de ordem concreta. Nas situações de vida, jamais podendo ser total a semelhança, o que importa é distinguir quais os elementos que devem ser levados em conta, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, a fim de qualificar duas situações como semelhantes para efeitos de um só e mesmo tratamento jurídico. A solução não depende de critérios puramente formais.».
Ainda na mesma linha de pensamento, no Ac. do TC n.º 186/90 (DR, II, 12.09.1990) sublinha-se que o princípio da igualdade, enquanto princípio de conteúdo pluridimensional, «postula várias exigências, entre as quais as de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situa­ções de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais».
Mas, inexistindo situações rigorosamente iguais, não pode o princípio da igualdade ser entendido em termos absolutos. A determinação da igualdade ou desigualdade das situações reclama uma prévia definição do elemento que, retirado do conjunto, permite que se estabeleça um juízo de igualdade - o chamado «padrão de igualdade».
Este «padrão» é o elemento de conexão e de relacionamento das situações que permite submetê-las a um juízo comparativo e que deve abranger o conjunto de pessoas ou situações em relação às quais se verifica um tratamento jurídico-normativo distinto.
O princípio da igualdade exige, assim, um acto jurídico de avaliação, desempenhando aqui o «padrão de igualdade» ou critério de comparação um papel decisivo para decidir se os dois elementos em comparação são ou não iguais e, por isso, reclamam o mesmo tratamento jurídico.
Como faz notar Alves Correia (in O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, pág. 398), «a igualdade pressupõe também necessariamente diferença de objectos» e «A decisão de igualdade baseia-se na essencialidade ou não essencialidade das características próprias dos objectos comparados, depende do ponto de vista com base no qual é realizada a comparação».
É sabido que o artigo 62.º, n.º 2, da CRP consagra o princípio da indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo e, se não define qualquer critério indemnizatório (tarefa que, naturalmente, deixa para o legislador ordinário), é indiscutível que os critérios legalmente definidos terão de respeitar, não só na sua formulação, como na sua concretização, os princípios materiais da Constituição, designadamente, os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
A expropriação por utilidade pública, imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público, coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos e num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos.
A desigualdade decorrente da ablação do direito de propriedade compensa-se com o pagamento de uma indemnização que assegure "uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado" (cfr. os Acórdãos do TC n.os 52/90 e 381/89), assim se restabelecendo o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade assume importante relevo no âmbito da justa indemnização devida aos expropriados. Neste conceito vai implicada a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. A indemnização justa será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
A doutrina e a jurisprudência assinalam que o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou dois níveis de comparação:
- no âmbito da relação interna, procedendo-se a uma comparação das regras de indemnização aplicáveis aos diferentes tipos de expropriações para verificar se elas comportam ou não um tratamento igual dos vários sujeitos expropriados; e
- no âmbito da relação externa, nos termos do qual se procede a uma comparação da situação jurídico-patrimonial dos proprietários expropriados e não expropriados e se coloca a questão de saber se os critérios de indemnização possibilitam ou não um tratamento jurídico igual entre aqueles grupos de cidadãos.
Como já se assinalou, a recorrente “G…” defende que a sentença recorrida viola o princípio da igualdade, o qual «apenas se compreenderá dentro da mesma esfera de legalidade, ou seja, quando as características do objecto expropriado se integram num domínio de legalidade». Argumenta a recorrente que «Os objectos cujas características são reconhecidas como legais não podem, legitimamente, ser igualados com objectos reconhecidamente situados fora do enquadramento da legalidade. O princípio da igualdade não pode, nem deve ser convocado para tratar como se fora legal aquilo que, contrariando as imposições do regime legal aplicável, é ilegal
As construções existentes na parcela expropriada (dois edifícios industriais, um coberto em chapas metálicas apoiadas em perfis metálicos, cinco depósitos amovíveis, uns, verticais e outros horizontais, destinados ao armazenamento de produtos químicos, apoiados em maciços de betão, e um canil), porque não licenciadas, não só deveriam ser desconsideradas na determinação ou quantificação da “JUSTA INDEMNIZAÇÃO”, como a sua existência no terreno a expropriar constitui um factor negativo a ponderar na determinação do preço de mercado do terreno.
Ressalvado, obviamente, o devido respeito, é pura ficção afirmar que essas construções, mais que não terem um valor económico, devem ser valoradas negativamente na determinação do valor de mercado do terreno expropriado.
O que deve ser ponderado é se a circunstância de serem construções clandestinas constitui fundamento material bastante de um tratamento radicalmente diferenciado em relação a expropriados que têm construções legalizadas nos terrenos que também são objecto de expropriação, ao ponto de as expropriadas não terem direito a indemnização pela sua destruição (total ou parcial).
A recorrente “G…” responde afirmativamente, argumentando que tais construções «não podem, nem devem, ser qualificadas como benfeitorias, uma vez que sendo ilegais o seu destino económico normal seria a demolição».
Nós propendemos para uma resposta negativa, pelas razões que passamos a expor.
Nos termos do artigo 216.º, n.º 1, do Código Civil, benfeitorias são “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, sendo consideradas úteis as benfeitorias que, sem serem indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor (artigo 216.º, n.os 1 e 3, do Código Civil) e, em princípio, será esse o caso das referidas construções implantadas na parcela a expropriar. Só assim não será, e a razão estará com a recorrente (ao afirmar que o seu destino normal será a demolição), se existir o risco eminente de uma demolição coerciva mediante uma intimação da autoridade administrativa para demolição[5].
Porém, não é o caso, nada permite afirmar que estava eminente ou, sequer, que era uma possibilidade real a demolição das construções.
Aliás, o que se perfilava como hipótese mais provável era a sua continuação, tendo em conta que, se não todas, pelo menos, algumas das construções não licenciadas já existem (e são utilizadas) há vários anos.
Essa circunstância pode constituir um indício de que as construções eram susceptíveis de legalização, nos termos previstos nos artigos 102.º e segs. do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
Com o Dec. Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, foi instituída como medida de tutela da legalidade urbanística a chamada “legalização” que, nas palavras de Fernando Alves Correia, é “a adoção de um conjunto de atos e procedimentos que conferem às obras ou aos trabalhos ilegais o estatuto de “legalidade” ou de conformidade com o direito do urbanismo” e surge como contraponto à demolição da construção[6].
É incontestável que a indemnização se determina com base na situação existente à data da publicação da declaração de utilidade pública.
No entanto, se não ousamos afirmar, como na sentença recorrida, que, para este efeito, pouco importa se as construções estão licenciadas ou não, temos por seguro e certo que essa circunstância não tem o peso suficiente, não assume a tal natureza de essencialidade para ser erigida em critério ou padrão de comparação a fim de se decidir se há, ou não, fundamento para um tratamento jurídico diferenciado.
Decididamente, não existe justificação material bastante para a diferença de tratamento defendida pela recorrente “G…” e consequente imposição às expropriadas de uma “onerosidade forçada e acrescida”.
O que deve prevalecer é o princípio básico, ínsito no artigo 23.º, n.º 1, do CExp., de que a justa indemnização terá de representar e traduzir sempre uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado. Por outra palavras, a indemnização por expropriação há-de compensar a perda do bem criando uma situação patrimonial correspondente e, tanto quanto possível, de valor igual, nela se incluindo, não só o valor do bem no momento da expropriação, mas também os prejuízos patrimoniais que o(s) expropriado(s) tiver(em) suportado como consequência direta e necessária do acto expropriativo, designadamente os lucros cessantes. Nas palavras da lei, a indemnização visa «(…) ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal» (citado artigo 23.º, n.º 1).
Mutatis mutandis, são adequadas e transponíveis para este caso as proposições formuladas no sumário com que foi publicado o Ac. TRL, de 06.12.2011., processo n.º 2348/08.7TJLSB.L1-7 (Des. Luís Lameiras), acessível em www.dgsi.pt, que, com a devida vénia, aqui reproduzimos:
«I - A justa indemnização, em procedimento expropriativo, visando ressarcir o prejuízo que para o expropriado adveio da ablação do seu direito, há-de prosseguir o objectivo de lhe permitir, o mais que for possível, reintegrar a esfera jurídica patrimonial, tal como seria se não houvera o acto da expropriação (artigos 62º, nº 2, da Constituição da República e 23º, nº 1, do Código das Expropriações);
II - Sendo objecto de expropriação uma superfície de terreno onde está edificada uma moradia, acrescendo-lhe logradouro, a concretização da ajustada indemnização há-de encontrar-se, em princípio, pelo somatório do valor do solo com o valor da construção, um e outro determinados com base nos critérios referenciais apresentados pelo Código das Expropriações (artigos 28º, nº 1 e nº 2, e 26º);
III - Se, além do mais, no terreno ainda se mostrarem realizadas construções que possam ser classificadas como benfeitorias úteis, não contabilizadas no apuramento dos valores referidos em II, devem também essas construções ser valorizadas, mesmo autonomamente, ao menos, em homenagem ao imperativo da máxima aproximação, da esfera patrimonial expropriada da (virtual) que existiria sem o acto ablativo;»
Em conclusão, a sentença recorrida fez adequada interpretação e aplicação dos normativos e dos princípios que regem a indemnização por expropriação e por isso merece confirmação.
Cabe, ainda, uma brevíssima referência às custas.
Apesar de ter sido parcialmente atendida a impugnação da decisão sobre matéria de facto deduzida pela recorrente “G…”, a alteração não teve qualquer repercussão na solução jurídica do caso, pelo que lhe cabe por inteiro a responsabilidade pelas custas do recurso que interpôs.
III - Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em
A) alterar a decisão sobre matéria de facto nos termos supra exarados;
B) julgar improcedente a apelação de “E…, S.A.” e, em consequência, manter a decisão recorrida;
C) julgar improcedente a apelação de “G…, S.A.” e, em consequência, manter a decisão recorrida, excepto na parte relativa à decisão sobre matéria de facto.

Custas dos recursos a cargo de cada uma das recorrentes, face ao decaimento.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).
Porto, 24.05.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Relatório que mereceu a aprovação unânime dos peritos, mas com a declaração/objecção do perito indicado pela expropriante de que há questões de contornos jurídicos relacionadas com a falta de licenciamento (quer de licença de construção, quer de licença de utilização) das construções existentes na parcela expropriada e que competirá ao tribunal apreciar e decidir se devem contar para o cálculo da indemnização.
[2] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado em 16.06.2020.
[3] Rectificado por despacho de 25.06.2020
[4] E sendo os edifícios ilegais, quer na sua construção, quer na sua utilização, nenhuma das expropriadas teria direito a indemnização pela sua deterioração ou destruição.
[5] Neste sentido, o Ac. STJ de 05.07.2012, processo n.º 329/05.1TCSNT.L1.S1 (Cons. Lopes do Rego), se bem que incidindo sobre um caso em que estava em discussão o direito a indemnização de possuidor que levou a cabo construções (clandestinas) em lote de terreno que resultou de loteamento ilegal.
[6] Sobre este tema, com interesse, ver Cristina Maria Mesquita da Costa, “A Legalização – Medida de Tutela e Reposição da Legalidade Urbanística”, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas/Direito do Ordenamento, do Urbanismo e Ambiente, sob orientação do Professor Doutor Fernando Alves Correia.