Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
352/14.5GAVLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: ASSISTENTE
RENÚNCIA DA QUEIXA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
INEXISTÊNCIA
Nº do Documento: RP20170208352/14.5GAVLG-A.P1
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 8/2017, FLS. 21-25)
Área Temática: .
Sumário: I - Se a assistente havia previamente renunciado ao exercício do direito de queixa, verifica-se falta de legitimidade para o exercício da ação penal pela prática de crime de injúria.
II - A decisão instrutória que se debruça apenas sobre os crimes de que o requerente da instrução é acusado, e não sobre os crimes por ele imputados a outrém no requerimento de abertura de instrução, enferma de inexistência quanto a esta segunda vertente da instrução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º352/14.5GAVLG-A.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da decisão instrutória do Juiz 1 da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o pronunciou pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. O presente Recurso tem por objeto a reapreciação da decisão insfrutória que decidiu pela pronúncia do arguido, por entender que existem indícios da prática de um crime de injúrias;
2. O presente recurso tem ainda por objeto a reapreciação da decisão instrutória (que não existiu) através da qual o Assistente, aqui recorrente, requereu a abertura da instrução pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples contra si cometido;
3. O Arguido requereu a abertura da instrução onde, além de outros factos, invoca a ilegitimidade da Assistente C… para deduzir acusação particular.
4. Sendo a legitimidade um pressuposto processual, a acusação particular só pode ser feita pelo particular que, previamente (na denúncia), tenha manifestado a sua intenção de se constituir assistente e o tenha feito nos 10 dias seguintes à advertência contida no artigo 246.° n.°4 do CPP (art. 68.° n.° 2 do CPP), o que não sucedeu.
5. A Assistente C…, quando advertida pela autoridade policial da necessidade de se constituir assistente quanto ao crime de natureza particular, a Assistente renunciou, expressamente, ao direito de queixa.
6. Ao ter manifestado de forma expressa, clara e evidente, de que não tinha intenção de se constituir assistente, e de que apenas pretendia que os autos prosseguissem quanto ao crime de ameaça e ofensas à integridade física, a Assistente renunciou ao direito de queixa, como também renunciou ao procedimento criminal, nos termos do disposto no artigo 116.° n.° 1 do CPP.
7. Tendo o MP instaurado procedimento criminal dependente de uma queixa juridicamente válida (que nunca existiu por renúncia expressa) verifica-se a nulidade insanável prevista na alínea b) do artigo 119.° do CPP, que contamina tudo o que foi processado posteriormente, em consonáncia com o disposto no artigo 122° do CPP.
8. A previsão da norma constante na alínea b) do artigo 119.° do CPP comina com a nulidade a falta de promoção do processo pelo MP dos atos previstos no artigo 48° do CPP, como também comina com a mesma sanção (a contrario sensu) os atos que exorbitam a sua competência (proibição pelo excesso), como é manifestamente o caso vertente.
9. O Assistente B…, aqui Recorrente, solicitou a abertura da instrução pugnando pronúncia da Arguida C…, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143.° do CP.
10. Da decisão instrutória não se vislumbra qualquer diligência solicitada pelo Assistente/recorrente, quanto ao crime de ofensas à integridade física simples praticado pela Arguida C….
11. O Tribunal a quo, apenas limitou a sua apreciação aos alegados crimes de injúrias de que o Assistente/outrora Arguido vinha acusado, omitindo o dever de promoção do processo penal e procura da verdade material, e bem assim, da prova indiciária pela prática do citado crime pela Arguida C….
12. Impunha-se que o Tribunal a quo esgotasse as diligências solicitadas pelo Assistente/ recorrente, no sentido de se fazer inteira e sã justiça, o que não logrou fazer.
13. Ao atuar como atuou o tribunal a quo coartou os direitos do Assistente/recorrente, impedindo que se fizesse justiça, quanto ao crime contra si cometido, levando a julgamento a Arguida C…, sentindo-se este largamente prejudicado em beneficio da citada arguida.
14. Os indícios revelados pelos elementos probatórios juntos aos autos e melhor descritos nos artigos 23° a 33.° do requerimento para abertura de instrução são de tal forma fortes que, valorados em julgamento, seriam, de todo em todo, suscetíveis de sustentar uma condenação da arguida C… pela prática do imputado crime de ofensa à integridade física simples.
15. Assim, o tribunal a quo atuou ao arrepio da lei, incorrendo na nulidade prevista no artigo 119.º, alinea d), porquanto a abertura de instrução foi requerida por quem tem legitimidade e no prazo legal, não se tendo verificado a sua existência, nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais, designadamente os previstos no artigo 122.° do CPP.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida junto do Tribunal de primeira instância.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se o arguido e recorrente não deverá ser pronunciado pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por a ofendida (C…) ter renunciado ao direito de queixa;
- saber se se verifica a nulidade a que se reporta o artigo 119º, d), do Código de Processo Penal, por a decisão instrutória recorrida nada dizer sobre o crimes de ofensa à integridade física simples e dano, imputados pelo recorrente (aqui na qualidade de assistente) a C… no requerimento de abertura de instrução.

III – É o seguinte o teor da decisão recorrida:

«O Tribunal é competente em razão da matéria e do território.
O Ministério Público tem legitimidade para acusar.
Não há nulidades, excepções ou incidentais que importe conhecer.
*
Foi requerida a abertura da instrução pelos arguidos B… e D… (fl.s 130/137), relativamente à acusação particular contra si deduzida pela arguida/assistente C… (fl.s 125/126), acompanhada pelo M. Público (fl.s 119), pela alegada prática de um crime de injúria, previsto e punida pelo art.º 181.º, n.º 2 do C. Penal.
Fundamento desse requerimento de abertura de instrução é a circunstância de os requerentes sustentarem que a referida arguida/assistente C… expressamente renunciou ao direito de queixa relativamente aos factos susceptíveis de integrarem a comissão, pelos arguidos, do alegado crime de injúria, razão pela qual carecia de legitimidade para os acusar, como acusou, por esse crime; mais aduziram os arguidos que não praticaram tal crime.
Concluem assim os requerentes pela sua não pronúncia, tendo requerido a inquirição de três testemunhas e o seu próprio interrogatório.
*
Aberta a instrução, procedeu-se à inquirição de três testemunha e ao interrogatório dos arguidos requerentes da presente instrução.
Foi realizado o debate instrutório, no qual o M. Público entendeu que a invocada falta de legitimidade da arguida/assistente C… não ocorre e que, do inquérito e da instrução resultar a recolha de indícios que apontam no sentido da prática, pelos arguidos, do acusado crime de injúria; a assistente manifestou entendimento semelhante, pugnando pela pronúncia dos arguidos; estes concluíram como no seu requerimento de abertura de instrução, pelo arquivamento dos autos, quer por ilegitimidade da arguida/assistente C… relativamente ao crime que lhes imputa como pela ausência de indícios que o tenham feito.
*
O art. 286.º, n.º 1 do C. Pr. Penal proclama que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento“.
Ou seja, a actividade do juiz de instrução criminal, nesta fase processual, circunscreve-se - apenas e só - a verificar (a comprovar) se a acusação da arguida/assistente C… - acompanhada pelo M. Público – da prática, pelos arguidos, do crime de injúria que a assistente lhes imputa encontra respaldo na prova indiciária produzida nas fases preliminares do presente processo.
Não pretende assim a lei que a instrução constitua um efectivo suplemento de investigação relativamente ao inquérito, não visando esta fase processual facultativa o alargamento do âmbito da investigação realizada em sede de inquérito.
Ora, nos termos do art.º 308.º, n.º 1 do C. Pr. Penal, “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia “.
Por seu turno, e agora de acordo com o art.º 283º do C. Pr. Penal, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.“.
Conforme supra referido, ss arguidos suscitaram no seu requerimento de abertura de instrução a questão que - previamente à apreciação da prova indiciária recolhida no inquérito e na instrução – deve ser abordada e decidida: a da arguida falta de legitimidade da assistente C… para deduzir a acusação contra os arguidos.
Com efeito, o crime de injúria que aquela acusa os arguidos como tendo cometido depende de acusação particular (art.º 188.º, n.º 1 do C. Penal).
Por outro lado, o art.º 246.º, n.º 4 do C. Pr. Penal estatui que – quando estejam em causa crimes de natureza particular – é obrigatória a declaração, pelo respectivo ofendido, do seu propósito de se constituir assistente.
Ora, no inquérito que precedeu a presente fase instrutória a referida C… declarou expressamente, a fl.s 21/23, não querer constituir-se assistente, apenas pretendendo o prosseguimento dos autos relativamente aos denunciados crimes de ameaça e de ofensa à integridade física.
Aliás, já quando inicialmente efectuou a denúncia que deu origem ao inquérito, a referida C… não relatou - ao orgão de polícia criminal que recebeu a participação criminal - quaisquer factos relativos à eventual prática de crime de injúria, razão pela qual não foi dado cumprimento ao disposto na segunda parte do n.º 4 do referido art.º 246.º do C. Pr. Penal…
Assim sendo, mediante aquela declaração expressa da ofendida (fl.s 23), a mesma renunciou ao direito de queixa pelo aludido crime de injúria.
Não obstante, no termo do inquérito, o M. Público ordenou que a mesma fosse notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 285.º, n.º 1 do C. Pr. Penal, para, querendo, deduzir acusação particular, relativamente à factualidade referente ao crime de injúria (fl.s 90); por isso, a arguida/assistente C… deduziu contra os co-arguidos D… e B… a correspondente acusação particular, pelo imputado crime de injúria (fl.s 105/106), a qual foi acompanhada pelo M.Público (fl.s 109).
Ante este quadro que se acaba de descrever é exacta a afirmação dos co-arguidos D… e B… em como a arguida/assistente C… carecia de legitimidade para os acusar como fez.
Porém, como bem sublinhou a magistrada do M. Público nas conclusões que expendeu em sede de debate instrutório (fl.s 179/180), os referidos co-arguidos foram notificados para deduzirem oposição à requerida constituição de assistente pela ofendida (fl.s 60/62), bem como do despacho a admitir a mesma como assistente (fl.s 65 e 67), nada tendo manifestado em contrário.
Ademais, foram os mesmos notificados do referido despacho do M. Público de fl.s 90 (para a arguida/assistente C… deduzir acusação particular pelo alegado crime de injúrias) – fl.s 93/95 - não tendo de igual modo reagido ao mesmo, designadamente arguindo a ilegitimidade a assistente por força da sua expressa renúncia ao direito de queixa relativamente a esse crime.
Ou seja, os co-arguidos B… e D… não reagiram em tempo útil à irregularidade resultante da prática de acto que a lei não consentia, no caso a notificação da arguida/assistente C… nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 285.º, n.º 1 do C. Pr. Penal (art.ºs 118.º, n.ºs 1 e 2 e 123.º, ambos do C. Pr. Penal).
Ou seja, a apontada irregularidade ficou sanada, pelo que a invocada ilegitimidade da arguida/assistente C… para contra os arguidos deduzir acusação particular pelo alagado crime de injúria não ocorre.
Esclarecida esta questão prévia, importa então apreciar os indícios constantes dos autos relativamente ao imputado crime de injúria que a arguida/assistente C… imputa aos co-arguidos B… e D… e ajuizar se dos mesmos resulta mais provável a sua condenação em julgamento ou a sua absolvição.
Assim, os arguidos negam que tenham dirigido à referida arguida/assistente C… as expressões que a mesma verteu na sua acusação particular (fl.s 29, 37, 171/173 e 174/176).
A arguida/assistente C… afirmou que eles a injuriaram (fl.s 22), nos termos constantes da acusação particular ora em apreciação.
A filha da referida assistente, a testemunha E… (fl.s 24), confirmou ter ouvido os dois arguidos injuriando a mãe.
A mulher do co-arguido D… e mãe do co-arguido B… – F… – inquirida no âmbito da presente instrução (fl.s 167/168) afiançou nada de injurioso ter sido proferido em direcção à arguida/assistente C… pelo marido e filho.
A testemunha G…, vizinho dos contendores, também inquirido nesta instrução, referiu nada ter ouvido de injurioso das partes em contenda (fl.s 165/166).
Igualmente a testemunha H…, inquirida em instrução, referiu nada ter ouvido de injurioso dos co-arguidos B… e D… em direcção à arguida/assistente C….
De sublinhar que estas duas últimas testemunhas declararam não terem assistido à disputa havida entre os três arguidos na data dos factos, tendo comparecido no local depois deles ocorrerem.
As restantes testemunhas, inquiridas no âmbito dos inquéritos anexos por conexão apenas depuseram acerca dos factos imputados pelo assistentes/arguidos B… e D… à arguida/assistente C…, pelo que, quanto à matéria da presente instrução, nada adiantam.
Assim, e em conclusão: considerando que:
- desde data anterior à dos factos, a arguida/assistente C… e os co-arguidos D… e B… tiverem desentendimentos relacionados com uma janela que dita para a propriedade daquela a partir da casa dos co-arguidos e que, por isso, se encontram de relações cortadas;
- por isso, sistematicamente a arguida/assistente C… colocava uma peça de madeira a tapar essa janela e os arguidos, igualmente por sistema, a retiravam;
- na data dos factos, mais uma vez, a arguida/assistente C… tentou pregar essa peça de madeira na janela, o que o co-arguido B… tentou evitar, daí resultando a quebra do vidro dessa janela;
- no decurso dessa disputa, a arguida injuriou ambos os arguidos, conforme consta da acusação particular deduzida pelos arguidos/assistentes B… e D… (fl.s 110/114), por apelo às regras da experiência comum é lícito concluir que os ditos arguidos tenham igualmente injuriado a arguida/assistente C… nos termos em que esta verteu na acusação particular em apreço que a mesma contra eles deduziu.
Na verdade, é perfeitamente plausível, atento o ambiente de má vizinhança entre eles existente e a factualidade que ocorreu (a assistente a tentar pregar a peça de madeira na janela da casa de banho da casa dos arguidos; o arguido B… a tentar evitá-lo; a assistente a injuriar ambos os arguidos; o vidro da janela a partir-se…) que os arguidos a tenham igualmente injuriado; recorta-se como muito mais improvável que, nesse contexto factual, os arguidos se mantivessem impávidos e serenos, não respondendo à arguida/assistente C… da mesma maneira que esta fez…
Assim, e em conclusão: se a prova produzida em audiência de julgamento for aquela apurada em inquérito e em instrução, será mais provável a condenação ou a absolvição dos arguidos?
A resposta não pode deixar de ser que é mais provável a sua condenação que a absolvição deles.
Dito de outra maneira: os indícios recolhidos em inquérito têm força persuasiva suficiente que permitem concluir que – efectuado o julgamento - seja mais provável a condenação que a absolvição dos arguidos.
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Assim, pelo exposto, uma vez que esta fase da instrução é ainda meramente indiciária, de comprovação judicial de indícios, e por efectivamente esses indícios se afigurarem suficientes, nos termos do art.º 308.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. Pr. Penal, PRONUNCIAM-SE os arguidos B… e D…, pelos factos e imputação jurídica constantes da acusação particular contra eles deduzida pela arguida/assistente C…, a fl.s 105/106, acompanhada pelo M. Público a fl.s 109.
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Prova:
- declarações da assistente C…;
- testemunhas: as indicadas a fl.s 108.
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Os arguidos aguardarão os ulteriores termos do processo na situação em que se encontram (termo de identidade e residência).
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Notifique e, depois, remeta aos autos à secção criminal territorialmente competente.»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido/assistente e recorrente alegar que não deverá ser pronunciado pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por a ofendida (C…) ter renunciado ao direito de queixa. Essa circunstância originará ilegitimidade para o exercício da ação penal e a nulidade a que se reporta o artigo 119º, b), do Código de Processo Penal.
Na verdade, ao prestar declarações na fase de inquérito, C… declarou não pretender exercer o seu direito de queixa, nem constituir-se assistente, quanto ao crime de injúrias por que o arguido e recorrente foi pronunciado (ver fls. 2 a 4 destes autos de recurso).
Como é reconhecido na própria decisão instrutória (e na resposta à motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público), essa renúncia ao direito de queixa impediria C… de se constituir assistente, de onde decorreria a sua ilegitimidade para o exercício da ação penal, tal como, por reflexo, a ilegitimidade do Ministério Público para esse exercício. É o que decorre dos artigos 116º, nº 1, 117º e 181º e 188º do Código Penal e 50º, nº 1, 246º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Considera, porém, a decisão instrutória recorrida que; uma vez que, apesar dessa renúncia, C… veio a ser notificada para se constituir assistente, nos termos do artigo 246º, nº 4, do Código de Processo Penal, veio requerer tal constituição, ao que o arguido (notificado nos termos do artigo 68º, nº 4, deste mesmo Código) não se opôs, veio a ser constituída como assistente e veio a deduzir acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público; estaremos perante uma mera irregularidade, ao que o arguido não reagiu tempestivamente, e que, por isso, deve considerar-se sanada (artigos 118º, nºs 1 e 2, e 123º do mesmo Código).
Esta posição é secundada pelo Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso.
Vejamos.
A legitimidade para o exercício da ação penal é um pressuposto processual e a sua falta não será sanável como uma qualquer irregularidade.
Neste caso, verifica-se essa legitimidade por C… se ter constituído assistente e ter deduzido acusação particular.
Poderá dzer-se que ela não deveria ter sido constituída assistente por ter previamente renunciado ao exercício da direito de queixa. Mas o despacho que admitiu essa constituição como assistente, se não for (como não foi neste caso) impugando, faz caso julgado formal (ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª ed, Lisboa, 2009, anotações 20 a 23 ao artigo 68º, pgs. 206 e 207).
A nulidade invocada pelo arguido e recorrente, aquela a que alude a alínea b) do artigo 119º do Código de Processo Penal (falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º, bem como a sua ausência a atos relativamente aos quais a lei exija a respetiva comparência) nada tem a ver com a situação em apreço.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2.-
Vem o recorrente alegar que se verifica a nulidade a que se reporta o artigo 119º, d), do Código de Processo Penal, por a decisão instrutória recorrida nada dizer sobre os crimes de ofensa à integridade física simples e de dano, por ele imputados (aqui na qualidade de assistente) a C… no requerimento de abertura de instrução. Alega que esta deverá ser pronunciada pela prática de tais crimes.
Na sua resposta à motivação do recurso, o Ministério Público reconhece que se verifica a referida omissão, mas que estaremos perante uma mera irregularidade, que deve considerar-se sanada, por não ter sido arguida no prazo a que se reporta o artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal (só o foi no âmbito deste recurso, depois de esgotado tal prazo).
Vejamos.
Na verdade, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente era relativo, não só à acusação pela prática de um crime de injúria contra ele deduzida, mas também ao arquivamento do Ministério Público quanto aos crimes de ofensa à integridade física e dano por ele imputados a C… (ver fls.13 a 20 destes autos de recurso). O debate instrutório também incidiu sobre estas duas vertentes (ver as alegações transcritas na ata de fls. 22 a 26 destes autos de recurso).
Quanto a este aspeto, afigura-se-nos que assiste razão ao recorrente.
A omissão da decisão instrutória é evidente.
Não será de qualificar como simples irregularidade uma tão grave omissão e preterição dos direitos do assistente.
Não será forçado considerar que estamos perante a nulidade (insanável) a que alude o artigo 119º, d), do Código de Processo Penal: falta de instrução. Na verdade, de nada serve qualquer diligência de instrução que possa ter sido realizada se não chega a ser proferida decisão instrutória. E não o foi, neste caso, em absoluto, no que se refere a esta vertente da instrução requerida.
Ainda que assim não se entenda, sempre poderá considerar-se que estamos perante a nulidade (sanável) a que alude o artigo 120º, d), do mesmo Código: a insuficiência da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios.
E, mesmo que se considerasse que a omissão em causa configura simples irregularidade, será de considerar que esta poderá ser invocada no recurso da decisão instrutória, sendo de aplicar, por identidade de razão, o regime previsto do artigo 379º, nº 2, do Código de Processo Penal para a nulidade da sentença (ver, neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., anotação 5 ao artigo 309º, pg. 779). O mesmo se dirá, pelos mesmos motivos, se considerarmos que estamos perante a nulidade (sanável) a que alude o artigo 120º, d), do mesmo Código.
Assim, deverá ser concedido provimento ao recurso quanto a este aspeto.
O Tribunal a quo deverá suprir esta omissão. Não nos cabe a nós, ao contrário do que pretende o recorrente, tomar agora posição sobre a pronúncia, ou não pronúncia, de C… quanto aos crimes que a esta são imputados no requerimento de abertura de instrução

Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso, determinando que a decisão instrutória recorrida decida a respeito da pronúncia, ou não pronúncia, de C… quanto aos crimes de ofensa à integridade física simples e dano que lhe são imputados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora recorrente.

Notifique

Porto, 8/2/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo