Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5429/11.6YYPRT-E.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO
FIANÇA
EXTINÇÃO
RESPONSABILIDADE DO FIADOR
Nº do Documento: RP201504135429/11.9YYPRT-E.P2
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Face ao artigo 655º do CC, que foi revogado, a não fixação expressa do número de renovações do contrato de arrendamento de prédio urbano para as quais se manteria a fiança, determinava a extinção dessa obrigação do fiador 5 anos após a 1ª renovação, desde que prestada em contrato celebrado na vigência daquela disposição legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc nº 5429/11.6YYPRT-E.P2
Apelação 220/15
TRP – 5ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I RELATÓRIO
1 -
B… deduziu a presente Oposição à Ação Executiva nº 5429/11.6YYPRT, em que é exequente C…, pedindo a extinção da execução.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que é parte ilegítima, porquanto não existe contra si qualquer título executivo; a fiança prestada se extinguiu em 1 de Junho de 2009, por força do decurso do prazo de 5 anos após a renovação do primeiro contrato; o pedido de pagamento de rendas com indemnização de 50% é indevido na medida em que, tendo sido resolvido o contrato de arrendamento, tal indemnização não é legalmente possível, nos termos do artº 1041º, 1, do CC; a Exequente peticiona ainda indemnização correspondente a 10 meses, quando alega que estão em dívida 6 meses; após a resolução do contrato, os montantes alegadamente devidos não estão abrangidos pela fiança, dado que tal obrigação não está abrangida pelo âmbito da fiança; no caso dos autos nem sequer se pode falar de mora dado que não houve interpelação para entrega do locado; o valor indemnizatório pedido pode representar um valor iníquo a favor da Exequente, devendo ser permitida uma redução equitativa da indemnização face ao montante elevado da renda; os juros, face ao pedido de indemnização da renda em dobro, não são devidos e a taxa de juro a aplicar teria de ser a supletiva legal e não a comercial.
2 -
A Exequente contestou, tendo alegado, em resumo, que a Opoente é parte legítima, pois não só foi junta a notificação judicial avulsa da Executada como também o foi a da Opoente; foi expressamente acordado que a fiança se manteria, independentemente de eventuais alterações de renda e mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação; mais acordaram que a fiança se manteria mesmo após a resolução do contrato e até à efetiva entrega do locado; tal estipulação é válida, nos termos do artº 405º nº 1 do Código Civil; a posição da Opoente sempre estaria inquinada por abuso de direito; a norma do artº 655º do Código Civil é supletiva não sendo sequer aplicável no caso dos autos; A obrigação do fiador abrange todo o pedido exequendo; quanto ao pedido em dobro das rendas, apenas as vencidas após Fevereiro de 2011 o são, tendo sido efetuada interpelação para entrega da coisa. Termina pedindo a improcedência da Oposição.
O processo foi saneado e, considerando que a questão era exclusivamente de direito e que os autos continham todos os elementos necessários, passou o Tribunal a conhecer do pedido.
4 -
Na parte dispositiva da Sentença então proferida consta:
“Pelo exposto, considero provada e procedente a oposição deduzida e julgo extinta a execução quanto à opoente.
Custas pelo exequente.
Registe e notifique.”
5 -
Desta Decisão veio apelar a Exequente, que formulou, nas suas Alegações, as seguintes CONCLUSÕES, que são transcritas:
“1. A douta sentença sob recurso, enferma de erro grave na apreciação da prova e na decisão de direito;
2. O estado dos autos, finda a fase dos articulados não continha os elementos probatórios suficientes para apreciação do pedido e subsequente conhecimento imediato do mérito da causa, não sendo por isso aplicável ao caso vertente a disposição normativa ínsita no artigo 508-A nº 1 al. b) do CPC;
3. A douta sentença recorrida não levou em linha de conta a alegação fáctica da Recorrente no sentido de que constituiu condição essencial de celebração do contrato objecto destes autos a obrigação assumida pelas partes no sentido da prestação de fiança abranger, não apenas o período inicial, mas também todas as renovações, incluindo aquelas que viessem a ocorrer após o decurso de 5 anos sobre a primeira renovação – matéria controvertida alegada em 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 39 da contestação;
4. Também não levou em conta a douta sentença recorrida a alegação fáctica da Recorrente no sentido de que as partes se obrigaram na manutenção da fiança prestada após a resolução do contrato e até efectiva entrega do locado – matéria controvertida alegada em 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 39, da contestação;
5.A prova desta concreta factualidade seria decisiva para a concreta apreciação da questão jurídica do abuso de direito suscitada pela Recorrente;
6. Importaria, em termos probatórios, saber se a Recorria ao prestar a fiança se quis obrigar por todas as renovações contratuais após a primeira prorrogação de 5 anos, e se essa foi condição essencial e decisiva de celebração do contrato de arrendamento expressamente aceite pelas partes, seja no momento da negociação do clausulado contratual, seja no momento da outorga do respectivo contrato;
7. E, bem assim, se caso essa condição não tivesse sido aceite pelos fiadores, a Recorrente não teria celebrado o presente contrato de arrendamento - matéria de facto alegada em 12 e 13 da contestação;
8. A provar-se, a alegação destes factos pela Recorrente, teria de proceder a excepção de abuso de direito por si invocada;
9. Lavrou, por isso, a douta sentença recorrida em erro manifesto na apreciação da prova, ao condicionar ostensivamente o exercício do contraditório por banda da Recorrente no que toca ao não conhecimento dos factos controvertidos em 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 39, da contestação, e que impunham a instrução e discussão da causa em sede de audiência de julgamento, por encerrar a questão concreta do abuso de direito;
10. E, esta questão de direito, só após produção de prova poderia ser apreciada, o que a sentença em crise, manifestamente, olvidou e omitiu;
11. Violou, por isso, a douta sentença recorrida o disposto no artigo 510 nº 1 al. a) e nº 2 do CPC e bem assim o disposto nos artigos 511º, 512º, 513º e 515º todos do CPC, nas justa medida em que o estado dos autos não permitia em face dos elementos probatórios existentes o conhecimento imediato do pedido;
12. Como dispõe o artigo 511º do CPC deveria o M. Juiz a quo fixar a matéria de facto assente e, bem assim aquela controvertida que deveria ser levada à base instrutória, notificando após as partes para apresentarem os seus meios de prova nos termos do artigo 512º do mesmo diploma;
13. Caso fosse entendimento do M. Juiz a quo que, a factualidade alegada pela Recorrente em sede de contestação atinente à questão do abuso de direito, se mostrava insuficiente ou imprecisa, deveria, nos termos do disposto no artigo 508º nº 3 do C.P.C. convidar a parte a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização dessa matéria de facto alegada, ou, em alternativa, em sede de audiência preliminar, nos termos do disposto no artigo 508º-A nº 1 alínea c) do C.P.C. endereçar, esse mesmo convite à parte, visando o suprimento dessas insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto;
14. Estatui o artigo 513 do CPC que a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova;
15. Como é o caso, por referência a esta acção daqueles que são alegados nos nºs 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 39, da contestação e que encerram a questão do invocado abuso de direito por parte dos Recorridos;
16. A douta sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento sobre a matéria de facto, por falta de análise crítica das provas em clara contravenção com o disposto no artigo 653º nº 3 e 659º nº 2, ambos do C.P.C.;
17. Contra o entendimento da douta sentença recorrida, quiseram as partes outorgantes ao celebrar o contrato em causa nestes autos, afastar as normas de natureza supletiva vertidas no artigo 655º nº 1 e 2 do C. C. na redação em vigor à data da sua celebração, nada obstando, ao afastamento daquelas disposições legais, por força do princípio da liberdade contratual plasmado no artigo 405º nº 1 do C.C;
18. O princípio da liberdade contratual, enquanto princípio estruturante do nosso ordenamento jurídico-civilístico, explicita o caracter supletivo que reveste a generalidade das normas reguladoras das questões básicas relativas ao modo, tempo e lugar do cumprimento, como é o caso das estatuídas no artigo 655º do C.C, as quais, pela sua natureza supletiva, podem ser afastadas por vontade das partes, como no caso vertente, o foram;
19. As disposições contidas no artigo 655º do C.C. são supletivas, nada obstando a que se estabeleçam no contrato regras diferentes das legais e que o fiador se obrigue em termos mais ou menos onerosos, podendo, assim, o mesmo obrigar-se relativamente a períodos de renovação, para além dos cinco anos;
20. O artigo 655º do C.C, em vigor à data da celebração do contrato em causa nestes autos, não é, no presente, aplicável ao caso sub judice, isto porque, a referida disposição normativa foi revogada pelo artigo 2º nº 1 da Lei 6/2006, de 27de Fevereiro (NRAU).
21. Em matéria de aplicação da lei no tempo, estatui o artigo 59º nº 1 da citada lei que, esta se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor e, bem assim, às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, como é o caso daquelas que se mostram tituladas no presente contrato de arrendamento.
22. A douta sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 668 nº 1 al. b) e d), por ausência de fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão recorrida e, bem assim, pela omissão de pronúncia sobre as questões de direito suscitadas pela Recorrente, o que impõe a sua revogação e remessa dos autos para julgamento, visando a instrução e produção de prova e subsequente subsunção do direito aplicável à prova que resultar do julgamento.
23. A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 490º, 508º nº 3, 508º-A nº 1 alínea c), 510º nº 1 alínea a), 511º, 512º e 513º, todos do C.P.C. e artigo 334º do C. C.”
6 -
Terminou pedindo a revogação da Sentença recorrida, com remessa dos autos para julgamento.
7 -
A Recorrida contra-alegou, concluindo pela confirmação da Decisão recorrida.
8 –
Foi proferido Acórdão no qual se lê na sua parte dispositiva:
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, em revogar a Sentença recorrida e em determinar o prosseguimento da ação para averiguação do concreto ponto de Facto referido e decidir, a final, em conformidade com o acima exposto.
Custas pela parte vencida a final.
9 –
A Embargante recorreu para o STJ, que decidiu não ser admissível o recurso por esta Relação não ter decidido de mérito, nem ter posto termo ao processo.
10 –
Após produção de prova documental, foi proferida nova Sentença em que, no seguimento daquele Acórdão, consta o seguinte da parte dispositiva:
Pelo exposto, considero parcialmente provada a oposição deduzida, julgando extinta a execução quanto ao montante de € 39.634,24 referido no requerimento executivo e prosseguindo nos termos e para satisfação das quantias supra expostas na página 19 desta sentença.
11 –
A Embargante apelou desta Sentença, tendo formulado as CONCLUSÕES que seguem transcritas:
1º - Conforme consta do título ora dado à execução a exequente deu de arrendamento, por contrato escrito e celebrado em 31 de Maio de 2002, à executada “D…, S.A.”, o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e fachada poente rebocada, com duas divisões, sito na …, n.º .., da freguesia …, concelho do Porto, cfr. título dado à execução.
2º - O contrato em causa foi celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 01 de Junho de 2002, e renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, destinando-se a casa de chá, pastelaria e geladaria.
3º - Ora, tendo o contrato em causa sido celebrado nessa data e como tal no âmbito de vigência e aplicação do artigo 655º do CC (o qual veio a ser revogado pelo NRAU), as relações constituídas no seu domínio mantêm-se, sem dúvida, inteiramente válidas, devendo ser discutidas à luz do citado preceito.
4º - Assim, a questão da fiança prestada pelo opoente, nomeadamente nos seus limites e extensão no âmbito do contrato ora dado à execução, terá de ser analisada à luz do prescrito nesta norma, em função do disposto no artigo 59º n.º 1 do NRAU, em conjugação com o disposto no artigo 12º do CC.
5º - Neste sentido, Januário Gomes, em “Fiança do arrendatário face ao NRAU”, em Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, Vol. II, págs. 976, 979 e 988.
6º - Na esteira deste entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-01-2010, processo n.º 2432/08.7TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt:
“É a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais e não habitacionais que regula as condições da validade substancial e o potencial dos seus efeitos.”
7º - E, Acórdão proferido pelo STJ, relator Abrantes Geraldes, em 06-03-2014, Revista n.º 5429-11/6YYPRT-C.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt,
“1. Apesar de o art. 655º, nº 2, do CC, ter sido revogado pelo NRAU, o regime relativo à fiança do arrendatário nele previsto continua a aplicar-se às declarações de fiança anteriormente prestadas, designadamente quanto à duração da garantia. “
8º - Ora, prescreve o referido artigo 655º do CC sob a epígrafe “Fiança do locatário”, que:
1. A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.
2. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
9º - Pelo que, e de acordo com o preceito enunciado - e ainda aplicável à situação concreta dos presentes autos - presume-se que a fiança prestada pelas obrigações do locatário é limitada ao período inicial do contrato de arrendamento. Contudo, será válida a convenção das partes no sentido da fiança abranger o período das renovações do contrato mas, se nenhum limite às renovações for imposto, a fiança extingue-se quando tiverem decorrido cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
10º - Ora, resulta do contrato de arrendamento celebrado, que a opoente prestou fiança nos seguintes termos:
“Os terceiros outorgantes assumem solidariamente na qualidade de fiadores o cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações, renunciando expressamente ao benefício da excussão, fiança essa que se manterá, não obstante as alterações de rendas e mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação”.
11º - Pelo que, não foi fixado nem inicialmente nem por convenção posterior o número de renovações abrangidas pela garantia prestada, como tal verifica-se que nenhum limite às renovações foi imposto.
12º - Ora, a não fixação do número de períodos de renovação do contrato que a fiança abrange significa que a obrigação do fiador se torna, se não ilimitada, pelo menos incerta e indeterminável.
13º - Não pode aceitar-se nas obrigações de renovação periódica – como é o caso nos presentes autos - uma fiança sem termo final previamente fixado, pela simples razão de que tal circunstância torna o conteúdo da obrigação do fiador indeterminável e a lei comina com a respectiva nulidade os negócios cujo objecto seja indeterminável.
14º - Daí que as partes possam convencionar que a fiança abranja as sucessivas renovações do contrato mas, para que a fiança seja válida e possa abranger os períodos iniciados depois de decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação, terá que ser ab initio determinado o número de renovações que a fiança abrange, ou então, terão as partes que celebrar, entretanto, nova convenção.
15º - Nesse sentido, lê-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-07-2007, Proc. 4095/2007-8, disponível em www.dgsi.pt, “Não é válida a cláusula contratual onde o fiador se obrigou relativamente aos períodos de renovação do contrato sem limitar o número destes, devendo, por isso, a obrigação do fiador considerar-se extinta decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação (art. 655.º/2 do CC).”
16º - Na esteira deste entendimento, veja-se igualmente o Acórdão da Relação de Lisboa, de 20-01-2005, transcrito na página 16 e 17 da douta sentença ora posta em crise e ainda mais recentemente o Acórdão da relação de Lisboa, de 20.01.2011, Processo n.º 4476/10.0T2SNT-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, “a) O artigo 655º nº 2 do Código Civil, entretanto revogado, permite que as partes acordem que a fiança prestada no âmbito de um contrato de arrendamento possa abranger as obrigações relativas aos períodos das sucessivas renovações do contrato;
b) Para que a fiança possa abranger os períodos iniciados depois de decorridos cinco anos sobre o início da primeira renovação, e a menos que as partes celebrem nova convenção, deve ter sido expressamente fixado ab initio o número de renovações ou prorrogações abrangidas pela garantia;
c) Na falta de tal estipulação ou acordo posterior, mesmo que tenha sido inicialmente estipulado que a fiança prestada subsistiria depois de decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 655º nº 2 do Código Civil, deve considerar-se extinta a fiança logo que decorra esse prazo de cinco anos sobre o início da primeira renovação.”
17º - Igualmente esclarecedor é o douto aresto do STJ de 12-11-2009, Proc. 8787/05.8TBOER.S1, disponível em www.dgsi.pt, “1. Estabelece a lei (antes da revogação do art. 655.º do CC) a presunção que a fiança se limita ao período inicial do contrato de arrendamento. 2. É válida a convenção das partes no sentido da fiança abranger o período das renovações do contrato. 3. Mas, se nada for dito, se nenhum limite às renovações for imposto (o qual pode ser mais ou menos longo de acordo com a vontade das partes) a fiança extingue-se quando tiverem decorrido cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.”
18º - Lapidar quanto à esta matéria foi o Acórdão proferido pelo STJ, relator Abrantes Geraldes, em 06-03-2014, Revista n.º 5429-11/6YYPRT-C.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt,
19º - Que na sequência das oposições deduzidas nos apensos C e D destes autos e que versam sobre a mesma matéria de facto e de direito veio a pronunciar-se pela extinção da fiança prestada no título ora dado à execução:
“1. Apesar de o art. 655º, nº 2, do CC, ter sido revogado pelo NRAU, o regime relativo à fiança do arrendatário nele previsto continua a aplicar-se às declarações de fiança anteriormente prestadas, designadamente quanto à duração da garantia.
2. Condicionando tal preceito a extensão da fiança para além do período de 5 anos posterior ao da primeira renovação do contrato de arrendamento à fixação do número de períodos de renovação, tal regime prevalece sobre a cláusula segundo a qual a fiança abarcaria as “obrigações emergentes do contrato de arrendamento quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações”, mantendo-se “mesmo após o decurso do prazo de 5 anos sobre a 1ª renovação”.
3. Atento o condicionalismo previsto no art. 655º, nº 2, do CC, tal cláusula nem define o número de períodos de renovação do contrato de arrendamento em que a fiança se manteria, nem pode ser considerada como “nova convenção” susceptível de alargar o período de duração da responsabilidade do fiador.”
20º - Face ao exposto, a cláusula 12ª sob a epígrafe “Fiança” do contrato de arrendamento dado à execução dos presentes autos não se mostra válida, na medida em que, a partir do decurso do prazo de cinco anos após a primeira renovação do contrato (isto é, a partir de 01/06/2008), torna indeterminável a obrigação do Opoente, no que se refere à sua duração e grandeza.
21º - Motivo pelo qual, deverá ser declarada a extinção da fiança prestada pelo opoente na data de 01 de Junho de 2008, com as legais consequências.
Sem prescindir,
22º - Caso V. Exas. entendam pela não aplicabilidade do disposto no artigo 655º n.º 2 do CC – o que não se concebe e por mera hipótese académica e dever de patrocínio se coloca – deverá ser declarada a nulidade da cláusula de fiança aposta no contrato ora dado à execução, por ser manifestamente indeterminada e ilimitada de acordo com o supra exposto, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280º e 654º do CC, o que desde já se requer.
PORÉM,
23º - Caso seja outro o entendimento deste Tribunal e uma vez que o contrato de arrendamento celebrado foi validamente resolvido em 26/01/2011, este deixou de produzir efeitos, bem como, consequentemente, deixou de ser exigível o cumprimento das obrigações contratuais em que as partes se haviam vinculado por via daquele.
24º - Sendo a fiança um meio de garantia de satisfação do direito do credor, embora acessória da que recai sobre o principal devedor, porque subordinada a esta, a extinção do contrato de arrendamento, fonte geradora da obrigação principal, implica a extinção da fiança nos termos do preceituado no art.º 651.º do Cód. Civil.
25º - Declarado o mesmo resolvido, qualquer obrigação posterior é extrínseca ao mesmo, pelo que a obrigação de pagar as rendas vincendas até à entrega do arrendado, não pode decorrer de um incumprimento do contrato de arrendamento, o qual já cessou em resultado da resolução operada, mas sim da ocupação indevida do imóvel sem título que para tal a legitime.
26º - A não entrega do locado não afecta a resolução contratual operada, gerando porém responsabilidade extracontratual da locatária perante a exequente, a qual não pode estar abarcada na responsabilidade assumida pela opoente aquando da prestação da fiança.
27º - Nesse sentido, lê-se no Acórdão da Relação do Porto, de 22-05-2012, Proc. 59/09.5TBBGC.P1, disponível em www.dgsi.pt:
“As rendas devidas a título de ocupação do arrendado, nos termos do disposto no artigo 1045º n.º 1 do CCiv, já não responsabilizarão a fiadora, pois que a extinção da obrigação principal acarreta a extinção da fiança, como dispõe o artº 651º do CCiv.”
NO ENTANTO,
28º - Caso V. Exas. entendam que a fiança subsiste ainda para lá da resolução do referido contrato de arrendamento – o que não se concebe e por mera hipótese académica e dever de patrocínio se coloca – afigura-se que o valor de indemnização a liquidar pelo opoente seria verdadeiramente excessivo.
29º - Tanto mais que a restituição do imóvel esteve na disponibilidade exclusiva da arrendatária que se manteve na posse do mesmo aumentando exponencialmente o valor da indemnização, atento até o valor elevado da renda aplicada ao imóvel em causa.
30º - Pelo que, cumpre aferir da possibilidade de aplicação analógica do artigo 812º do CC, relativo à redução equitativa da cláusula penal.
31º - Recorde-se que quando a opoente assumiu a qualidade de fiador no contrato foi em 31 de Maio de 2002, ou seja, há mais de 10 anos, cfr. título executivo, prestou a fiança por uma renda anual no montante de 19.769,20 € e mensal de 1.647,43 €, cfr. título executivo.
32º - Não tem qualquer ligação ou contacto com a arrendatária desde 19 de Fevereiro de 2004, data em que vendeu as acções que detinha na sociedade arrendatária, cfr. contrato de compra e venda de acções junto como documento n.º 2 com a oposição.
33º - Contudo é hoje confrontado com a possibilidade de indemnizar a exequente tendo por base uma renda anual no montante de 57.951,36 € e mensal de 4.829,28 € e que nos termos do n.º 2 do artº 1045º está peticionada em dobro face à mora do arrendatário.
34º - Estabelecendo assim a eventual indemnização a liquidar à exequente num montante anual de 115.902,72 € e mensal de 9.658,56 €, até à altura em que a arrendatária se decidiu pela entregar o locado.
35º - Estando a opoente completamente “manietada” quanto a esta questão de ocupação indevida do locado.
ASSIM,
36º - Cremos que o facto de o valor indemnizatório poder representar um valor iníquo a favor da exequente conjugado com a circunstância de a lei ser “cega”, estabelecendo um critério de indemnização (50%) que no caso concreto, atento o montante elevado da renda e dos valores actualmente praticados no mercado de arrendamento, é inadequado justificará a aplicação analógica do artigo 812.º do CC à situação concreta em apreciação nos presentes autos.
37º - Permitindo a redução equitativa da indemnização, por ser manifestamente excessiva, e obtenção de um resultado de equidade no caso em apreciação nestes autos.
38º - Pedindo-se, por isso, a redução da indemnização, o que parece justo e razoável estabelecida, por ser manifestamente excessiva, sem prejuízo ao recurso, por parte do Tribunal, à equidade.
Terminou:
Nestes termos e nos demais de direito que doutamente serão supridos por V. Exas., deverá a presente apelação ser julgada totalmente procedente e, em consequência, seja parcialmente revogada a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a oposição da ora Recorrente, os termos peticionados.
12 –
Não houve Contra-Alegações.

II FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO
Daqui resulta que há que ter como assente com relevo para este acórdão, explicitando o que consta daquela Decisão e dos próprios autos:

a) Por contrato escrito e celebrado em 31/05/2002, a Apelada C… deu de arrendamento à Executada “D…, S.A.”, o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e fachada poente rebocada, com duas divisões, sito na …, n.º .., da freguesia …, concelho do Porto, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 26943, e inscrito na respetiva matriz predial urbana no artigo 557º;
b) O arrendado destinou-se a casa de chá, pastelaria e geladaria;
c) Tendo sido celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 01/06/2002, e renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo;
d) A renda anual fixada para o primeiro ano de vigência do contrato foi a de € 19.769,20 (dezanove mil, setecentos e sessenta e nove euros e vinte cêntimos), a pagar em quintos mensais de Euro 3.953,84 (três mil, novecentos e cinquenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos), o primeiro dos quais referente a Janeiro/2003;
e) Ficou, ainda, estipulado que o valor da renda anual, no caso de renovação do aludido contrato, seria a que resultasse da aplicação do coeficiente de atualização estipulado por Portaria Governamental atinente às rendas fixadas para comércio e indústria, devendo ser paga em duodécimos, e vencendo-se no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior ao que dissesse respeito;
f) Ainda mediante o referido contrato e sua cl. 12ª, a Apelante B… obrigou-se, assim como os demais fiadores, perante a Apelada C…, assumindo a responsabilidade solidária pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de arrendamento quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações, renunciando expressamente ao benefício de excussão, fiança essa que se manterá, não obstante as alterações de rendas e mesmo após o decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira renovação; a fiança prestada durará enquanto a segunda outorgante (a locadora) não restituir o prédio arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, em perfeitas condições de conservação, e passível de pronta ocupação e uso, após vistoria e aceitação pela primeira outorgante.
g) Por notificação judicial avulsa operada em 26/01/2011, a Apelante – na qualidade de locadora – procedeu à comunicação da resolução do referido contrato de arrendamento, tendo por base a falta do pagamento das rendas devidas por período superior a três meses;
h) E, subsequentemente, instaurou uma execução com vista ao ressarcimento das seguintes quantias, num total de € 139.210,06 (cento e trinta e nove mil, duzentos e dez euros e seis cêntimos): - € 39.634,24 – penalização de 50% do valor das rendas vencidas entre 01/06/2009 e 01/09/2010, e relativas aos meses compreendidos entre Julho/2009 e Outubro/2010, a título de indemnização por mora; - € 48.292,80 – rendas vencidas e não pagas entre 01/10/2010 e 01/07/2011, e relativas aos meses de Novembro/2010, Dezembro/2010, Janeiro/2011, Fevereiro/2011, Março/2011, Abril/2011, Maio/2011, Junho/2011, Julho/2011 e Agosto/2011.
- € 48.292,80 – penalização de 50% do valor das rendas vencidas e não pagas entre 01/10/2010 e 01/07/2011, relativas aos meses de Novembro/2010, Dezembro/2010, Janeiro/2011, Fevereiro/2011, Março/2011, Abril/2011, Maio/2011, Junho/2011, Julho/2011 e Agosto/2011, e a título de indemnização por mora; - € 2.382,85 – juros de mora, calculados sobre o capital de € 60.451,36 peticionado na notificação judicial avulsa dada à execução; e - € 607,37 – juros de mora computados sobre todas as rendas vencidas e não pagas até à data da entrada em Juízo do requerimento inicial.
i) Em 13 de maio de 2011 foi instaurada no 1º Juízo, 3ª Secção dos Juízos de Execução do Porto, execução para entrega de coisa certa, nos termos constantes de fls. 332 a 342, tendo a Executada sido citada em 23 de maio de 2011.
j) Em 4 de dezembro de 2012 foi lavrada transação no processo referido em C), judicialmente homologada, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 339 a 341, onde se acordou, além do mais, que o locado foi entregue à Exequente naquela data.

DE DIREITO
1 - INTRODUÇÃO
Antes de mais há que relembrar que "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito" - artigo 664º do CPC. Quanto à determinação das normas legais a aplicar na decisão, a atividade do juiz não sofre qualquer limitação[1].
Temos, antes de mais, de qualificar os contratos invocados pela Apelante.
E a qualificação é uma operação que parte do facto e que a ele regressa para efeito de o regulamentar, de determinar a sua disciplina jurídica; consiste em referenciar um caso concreto a um conceito jurídico reconhecido por uma autoridade normativa para lhe aplicar o seu regime[2].
A qualificação está estritamente associada à classificação, mas não se confundem, sendo aquela prévia a esta[3].
Para determinação do regime jurídico aplicável aos contratos em causa há, pois, que saber a que tipo pertencem, que proceder à sua classificação[4].
A noção de contrato não nos é dada, diretamente, pela nossa lei. Aceito, contudo, como noção de contrato a seguinte: é um acordo vinculativo de duas (ou mais) declarações de vontade contrapostas, mas conciliáveis entre si, com vista a resultado jurídico unitário de interesses diversos[5].
2 - QUALIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO
Ora, dos factos adquiridos e do disposto nos artigos 1022º e 1023º do CC há que considerar que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para fins comerciais e um contrato de fiança, como se esclarecerá infra.
3. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS RENDAS
Nesse contrato mais amplo, pois que acaba por integrar 2 (arrendamento e fiança) intervieram três grupos de pessoas: a Apelada, como senhoria; a Executada D… como rendeira; e os Executados pessoas singulares, incluindo a ora Apelante, como fiadores da rendeira.
No decurso da sua vigência, a rendeira deixou de pagar as rendas, tendo a senhoria procedido à resolução do contrato.
Assim, há que considerar que esse contrato já se extinguira, independentemente da restituição do locado à Apelante.
Assim, aos obrigados ao pagamento das rendas incumbia, atentas as regras do ónus de prova, alegar e provar que as mesmas estavam pagas ou que não eram devidas. E, optando por esta última via, incumbia-lhes alegar e provar que o locado já fora entregue – ver artigo 342º, 2, do CC.
Daqui resulta, como veremos, que só após a entrega do locado se extingue a obrigação de pagamento do montante equivalente ao da renda e dos fiadores, que ainda se mantenham obrigados. São factos extintivos daquela obrigação de pagamento, que terão de ser alegados pelo locatário e fiador – artigo 342º, 2, do CC. Ao senhorio incumbe a alegação da ocupação.
3. RESPONSABILIDADE DO FIADOR
O protótipo das garantias pessoais é a fiança[6].
Nesta há um segundo património (o do fiador), que, cumulativamente com o património do devedor, responde pelo pagamento da dívida, passando o credor a ter garantia geral sobre esses dois patrimónios[7].
Dispõe o artigo 627º, 1, do CC: "O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor."
A fiança tem duas características: a acessoriedade e a subsidiariedade - artigos 627º, 2, e 638º do CC, mas esta pode ser afastada, pois que não é um requisito essencial da fiança[8].
A obrigação do devedor é principal e a do fiador é acessória daquela, fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada[9].
Desta característica resulta que a obrigação do fiador não pode exceder o montante da obrigação principal e não pode ser contraída em condições mais onerosas[10] - artigo 631º, 1, do CC.
De tal característica faz a lei resultar, ainda, a necessidade de a declaração de vontade do fiador ter de revestir a forma exigida para a obrigação principal[11] - artigo 628º, 1, do CC[12]. Este princípio é aplicável às obrigações mercantis, onde a fiança está desformalizada[13].
A subsidiariedade, que é referida na lei através do benefício da excussão, pode ser afastada, mas não existe nas obrigações mercantis[14] - artigos 638º do CC e 101º do C. Comercial (nestas vigora o princípio da solidariedade - "todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo afiançado").
Relativamente à natureza jurídica da fiança, passaremos a esclarecer a nossa posição sobre a mesma.
O artigo 457º do CC consagra o carácter excecional dos negócios unilaterais, quando dispõe: "A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei". Isto é, vigora um princípio de especialidade, que não confere valor às situações sem previsão legal[15].
Logo, não pode a fiança ser constituída por negócio jurídico unilateral, por falta de tal previsão.
Assim, para a sua existência é necessário um encontro de vontades, é necessário um contrato[16], que existe no caso em apreço.
Contudo, entendemos que a declaração do credor não necessita de ser expressa, bastando a declaração tácita de aceitação[17].
Há que ter presente que as razões que estão subjacentes ao disposto artigo 628º, 1, do CC (obrigatoriedade de expressa declaração da vontade de prestar fiança), por ser a fiança e o aval atos aventureiros e perigosos, que são as da lei procurar rodear das maiores cautelas uma tal declaração, pretendendo evitar atitudes passivas ou inadvertidas, precipitações e falta de apreciação das consequências de tal ato, que se não verifica, não são necessárias e não se justificam em relação ao credor[18].
Dispunha o artigo 655º do CC:
“1. A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.
2. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.”
Esta norma foi revogada pelo artigo 2º, 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-2, que entrou em vigor a 28-6-2006, por força do disposto no seu artigo 65º, 2.
Por outro lado, dispõe o artigo 59º da citada Lei n.º 6/2006:
“1 – O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
2 - ...
3 – As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa norma a aplicável.”
No acórdão anteriormente proferido nestes autos, assim como nos demais quatro processos de oposição à mesma execução decididos por esta Relação, ficou escrito:
Como os 5 anos sobre o início da primeira renovação teriam lugar a 1-6-2008, constatamos que já não estava em vigor, havia cerca de 2 anos, aquela norma do artigo 655º do CC e que, por força do disposto no citado artigo 59º, 1, e no próprio artigo 12º, 2 (parte final) do CC já não era aplicável ao contrato de fiança em apreço. Só o seria se tal prazo já tivesse decorrido à data da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27-2, atento o disposto no artigo 12º, 1, do CC, que determina que a lei só se aplica para o futuro e, quando lhe é atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos. Afastado está, pois, a aplicação ao caso dos autos do disposto naquele artigo 655º do CC.

E é necessário não esquecer que a disposição do artigo 655º do CC era uma concretização para a locação do constante no artigo 648º, e), do CC, este ainda em vigor, mas que perdeu a razão de ser para o regime do contrato de arrendamento urbano do NRAU.
Dos cinco processos, em três ocorreu já a revogação dos acs. desta Relação, com confirmação das Sentenças da 1ª Instância e os outros dois, em que está este incluído, aguardam decisão por este mesmo coletivo.
E, além do mais, podemos ler no Ac. do STJ, de 6-3-2014, em www.dgsi.pt, proferido no Apenso C:
A primeira observação que deve ser feita, com interesse para a matéria em litígio, é que, apesar da revogação do art. 655º do CC pelo NRAU, o preceituado no nº 2 continua a aplicar-se aos contratos de arrendamento anteriormente outorgados, em função do que se dispõe no art. 59º, nº 1, do NRAU, em conjugação com o disposto no art. 12º do CC.
Esta é, aliás, a solução também defendida por Januário Gomes, em “Fiança do arrendatário face ao NRAU”, em Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, vol. II, págs. 976, 979 e 988, onde refere que, “apesar de formalmente revogado, o regime do art. 655º continuará a ter aplicação às situações constituídas na sua vigência”, uma vez que “a apreciação do risco fidejussório deve ser aferida em função do momento genético da constituição da fiança” (pág. 980).
Sendo a fiança constituída ao abrigo de um regime legal que regulava o âmbito da responsabilidade, se acaso se vier a concluir que aquele preceito legal se sobrepunha à referida cláusula, restringindo aquela responsabilidade, tal prevalência deve ainda ser considerada, malgrado a sua posterior revogação.
Por conseguinte, para delimitar o âmbito da responsabilidade dos oponentes fiadores não podemos atender apenas à aludida cláusula, antes devemos conjugá-la com o que, na data da outorga do contrato, dispunha o art. 655º, nº 2, do CC, acerca da amplitude da fiança.
Procede, assim, nesta parte, a alegação dos fiadores recorrentes.”
E continua aquele Ac. do STJ, de que foi Relator o Conselheiro ABRANTES GERALDES:
Mas qual o regime que emergia do revogado art. 655º, nº 2, do CC?
Trata-se de uma questão cuja resposta não é evidente, como bem o revela a descrição da polémica que em seu redor se gerou e que vem descrita e ilustrada no referido estudo de Januário Gomes.
Tal polémica era transversal na doutrina e na jurisprudência, suscitada pela redacção do preceito que levantava objectivas dúvidas de interpretação.
Defendiam uns a sua natureza puramente supletiva, de tal modo que seria legítimo às partes estabelecer um regime inteiramente autónomo sem limites temporais definidos quanto à amplitude da fiança.
Outros, ao invés, advogavam que, apesar de ser legítimo convencionar a vinculação do fiador para além do período de 5 anos posterior à 1ª renovação do contrato, tal vinculação deveria submeter-se ao condicionamento previsto em tal preceito. Neste contexto, a perduração da fiança para além do período de 5 anos depois da 1ª renovação do contrato exigiria ou a indicação precisa na declaração inicial do “número de renovações” (ou, ao menos, a indicação do “período contratual” abarcado) ou a outorga de “nova convenção” de fiança.
Na encruzilhada de decisões, argumentos e opiniões é esta a solução que nos parece mais ajustada, por melhor corresponder ao texto legal, ao historial do preceito e à sua razão de ser, apontando para a necessidade de se fixar o número de renovações contratuais a que o fiador se vinculava, sob pena de a fiança se extinguir decorrido o prazo de 5 anos a contar a 1ª renovação.
Tal solução colhia e ainda colhe maior aceitação a nível jurisprudencial, revelada mais recentemente no Ac. do STJ, de 12-11-09 (www.dgsi.pt), no qual se assumiu a sobreposição do regime limitador do nº 2 do art. 655º do CC a uma declaração em que o fiador se responsabilizara “pelas obrigações da arrendatária durante o prazo do presente contrato e suas prorrogações”, solução que já fora enunciada anteriormente nos Acs. do STJ, de 23-4-90 (BMJ, 396º/388) e de 12-10-06, na Revista 1783/06, Sum. Ac., www.stj.pt.
Constatando-se que a matéria do arrendamento (e da fiança do arrendatário) era essencialmente abordada no âmbito dos recursos de apelação, também era e é nesse mesmo sentido a jurisprudência maioritária das Relações, como bem o revelam os Acs. da Rel. de Lisboa, de 20-1-11, de 12-7-07 (este relatado pelo agora Cons. Salazar Casanova), de 20-1-05 e de 7-12-05, e os Acs. da Rel. do Porto, de 19-2-02, e de 3-4-06, e todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Ademais, era esta também a tese defendida por Januário Gomes, na cit. obra, págs. 979 e segs., com larga argumentação e ilustração doutrinal e jurisprudencial.
Na verdade, a possibilidade de fundar na declaração inicial de fiança a responsabilidade do fiador para além de tal período apenas ganha sentido, sem contradizer o preceito, se nessa declaração se previsse o número de renovações tidas em vista ou se existisse uma nova declaração de fiança que traduzisse a reafirmação da responsabilidade do fiador, depois de feita a avaliação do risco emergente da prestação da garantia a favor do arrendatário.
Já se disse que a resposta a tal questão não era uniforme, nem na jurisprudência, nem na doutrina, tendo optado pela solução inversa o Ac. da Rel. de Lisboa, de 19-12-06 e os Acs. da Rel. do Porto, 30-3-09 e de 26-4-05 (todos em www.dgsi.pt).
Tese que foi secundada por Gravato de Morais segundo o qual o art. 655º, nº 2, do CC, tinha carácter inteiramente supletivo, sendo possível a ampliação do prazo da fiança a partir de uma declaração, como a dos autos, em que expressamente se admitiu que a responsabilidade exceda o período máximo previsto por aquele preceito (em “Fiador do Locatário”, na Scientia Iuridica, nº 309º, págs. 97 e segs.).
Cremos, porém, que, pondo o acento tónico na sua natureza inteiramente supletiva, gerar-se-ia uma contradição intrínseca na interpretação do preceito ao admitir-se que uma declaração de fiança sem aquelas especificações pudesse vincular o fiador para além do limite temporal de risco previsto. Então, de que serviria fazer depender a persistência da fiança da existência de uma convenção que “limitasse o número” de períodos de renovação ou da outorga de uma “nova convenção”?
Além disso, contra o defendido por Gravato de Morais, não cremos que o preceito legitime que logo na declaração inicial as partes prevejam a extensão temporal a fiança sem aquela limitação, nem sequer que uma declaração inicial com esse teor possa equivaler a uma “nova convenção” de fiança.
Repercutindo a posição adoptada no caso concreto:
De acordo com o teor do clausulado, a fiança cobriria as obrigações emergentes do contrato de arrendamento, quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações e manter-se-ia mesmo após o decurso do prazo de 5 anos sobre a primeira renovação.
Esta declaração não se apresentava tão vaga como uma outra que, por exemplo, se tivesse limitado a prescrever a responsabilidade do fiador “pelas obrigações da arrendatária durante o prazo do presente contrato e suas prorrogações” (como no Ac. do STJ, de 12-11-09), “a responsabilidade do fiador enquanto perdurasse o contrato” ou “a responsabilidade do fiador nos mesmos termos do arrendatário”.
Todavia, continua a falhar nos pressupostos normativos correspondentes à expressa previsão de um determinado número de renovações ou de um período de duração. E, por outro lado, também não pode corresponder a uma “nova convenção”, isto é, a um novo compromisso assumido pelos fiadores no sentido da persistência da garantia para além do período que o legislador considerou ajustado, na falta daquela fixação objectiva de um termo para a fiança.
Enfim, tal declaração não satisfazia as exigências legais constantes do art. 655º, nº 2, do CC, destinadas a evitar a sua extinção no final do 5º ano posterior ao início da 1ª renovação, em 1-6-03, devendo por isso considerar-se extinta a partir de 1-6-08[19].
Ora, entendemos esta argumentação como rebatendo, com fundamentação convincente, a nossa anterior e a esta, por tal motivo, aderimos.
Efetivamente, houve uma declaração de vontade por parte dos fiadores, que teve lugar à data da vigência daquele artigo 655º e que é face a ele que se deve apreciar as consequências da mesma declaração.
Se ela não vinculava os fiadores para além de 1-6-2008 quando a obrigação nasceu, esta sem qualquer nova declaração de vontade, que não ocorreu, não pode prolongar-se para além de tal data. Não estamos perante uma alteração interpretativa, mas uma alteração que agrava a posição jurídica dos fiadores, já que a declaração que proferiram não era de molde a fazer nascer a sua obrigação para além de 1-6-2008, não tinha essa virtualidade.
Fica, pois, prejudicada a apreciação das demais conclusões e pretensões da Apelante.

III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar procedente a Apelação, em julgar extinta a execução contra a Apelante e em revogar, parcialmente a Sentença recorrida.
Custas pela Apelada.

Porto, 2015-04-13
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
______________
[1] - JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª ed., Lisboa, 2001, p. 189; e AC. DO S. T. J., DE 20-1-2000, CJSTJ, VIII, I, p. 47.
[2] JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, Traité de Droit Civil, Les Effets du Contrat, 2ª ed., L.G.D.J., Paris, 1994, p. 64; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, p. 160-161.
[3] JACQUES GHESTIN, CHRISTOPHE JAMIN e MARC BILLIAU, ob. cit., p. 65; PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit., p. 161-164.
[4] Ver, quanto a esta questão o AC. DO S. T. J., de 24-10-1995, BMJ 450º, pp. 472-473.
[5] JOÃO CALVÃO DA SILVA, Concessão Comercial e Direito de Concorrência, em Estudos Jurídicos, Almedina, Coimbra, 2001, p. 196.
[6] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, Garantias de Pagamento, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 82.
[7] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 82.
[8] AC. DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 21-3-2013, www.dgsi.pt.
[9] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 83; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, II vol., 7ª ed. (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2001, p. 479.
[10] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 481.
[11] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 482.
[12] Ver a crítica feita a esta solução legal de MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 434 e 435.
[13] MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., p. 435, nota 185.
[14] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 85.
[15] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., pp. 85 e 86.
[16] PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, ob. cit., p. 90, e MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., pp. 388.
[17] MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ob. cit., p.
[18] Ver PAULO MOTA PINTO, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, p. 496.
[19] Ver, neste sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Leis do Arrendamento Anotadas, Almedina, Coimbra, 2014, p. 205.