Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
497/14.1TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
ENFERMEIRO
ATUALIZAÇÃO DA RETRIBUIÇÃO
DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHADOR
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Nº do Documento: RP20160707497/14.1TTVFR.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: MÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º243, FLS.139-163)
Área Temática: .
Sumário: I – A cláusula de contrato individual de trabalho que determina a “actualização” da retribuição nele expressamente acordada, “em função do aumento percentual que vigorar em cada momento” para os enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, não pode interpretar-se como um indexação da retribuição ao regime salarial dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, mas apenas como uma indexação da actualização daquela ao aumento percentual da retribuição destes.
II – Compete ao trabalhador que invoca a discriminação alegar e provar quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado e os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei e, quanto a estes factores, se os não alega, cabe-lhe alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por aqueles identificados trabalhadores, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”.
III – Do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.° 122/2010 não resulta directamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 497/14.1TTVFR.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, e N…, instauraram em 8 de Agosto de 2014 na Instância Central do Tribunal da Comarca de Aveiro a presente acção declarativa condenatória emergente de contrato de trabalho, contra Centro Hospitalar …., EPE, peticionando que esta seja condenada a:
“A – Declarar e reconhecer que:
1- os AA. exercem funções de cuidados especializados de enfermagem, nas respectivas áreas de especialização,
2- os AA. sejam classificados na correspondente categoria profissional de Enfermeiro,
3- os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde,
4- os AA prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e declarar que lhes assiste o direito a receberem da R. o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salarias.
B- Ser a Ré condenada a pagar aos Autores:
1- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48 - €1.020,06), desde 1 de Janeiro de 2013 até à presente data,
2- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal;
3- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2013 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
4- Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
5- Ser a Ré também, doravante condenada a pagar aos AA., o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da aplicação indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
6- Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
7- As custas e demais encargos legais
8- Tudo a liquidar em execução de sentença.”
Também O…, P… e Q…, instauraram no mesmo tribunal a acção a que veio a ser conferido o n.º 1045/14.9T8VFR, contra a mesma R., com o mesmo pedido e causa de pedir, ainda que com as especificidades referentes à situação profissional de cada um destes AA., admitidos entre os anos de 2007 e 2012, vindo tal acção a ser apensada a esta conforme despacho proferido a fls. 216 de tal processo que agora se mostra apenso a este.
Alegam para tanto, e em síntese: que foram admitidos ao serviço da R. em datas compreendidas entre os anos de 2005 e 2012, para sendo classificados pela R. com a categoria profissional de enfermeiros (nível I), mediante retribuição e com um período normal de trabalho semanal de 35 horas; que a retribuição acordada foi indexada a uma tabela (regime da função pública) na cláusula 4.ª dos contratos celebrados; que o contrato de trabalho remete também para o contrato de trabalho em funções públicas no que respeita à progressão na carreira, pelo que devem os AA. beneficiar do reposicionamento remuneratório previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea c) do Decreto-Lei n.° 122/2010 a partir de 1 de Janeiro de 2013, o que não sucedeu, não cumprindo a R. os contratos que celebrou com os AA., pelo que têm direito a diferenças salariais. Alegam, ainda, que a R. discrimina os AA. relativamente aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, violando o princípio da igualdade.
As AA. G… e H…, ainda antes da citação da R. para contestar, vieram deduzir um aditamento aos pedidos iniciais nos seguintes termos:
“A – Declarar-se e reconhecer-se que:
1- As AA. exercem funções de cuidados especializados de enfermagem, nas respectivas áreas de especialização,
2- As AA. devem ser classificados na correspondente categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010,
3- as AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiro integrados no Sistema Nacional de Saúde,
4- as AA prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e declarar que lhes assiste o direito a receberem da RÉ o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salarias.
B- Ser a Ré condenada a pagar às Autoras:
1- a diferença remuneratória correspondente a pelo menos € 125,26 mensais, desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012,
2- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal, nos anos de 2010 e 2011.
3- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
4- E todos os acréscimos salariais, que em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
5- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1201,48 - €1020,06), desde 1 de Janeiro de 2012 até à presente data,
6- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal;
7- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2012 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
8- Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
9- Ser a Ré também, doravante condenada a pagar aos AA., o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da aplicação indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
10- Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
11- As custas e demais encargos legais
12- Tudo a liquidar em execução de sentença.”
Fundaram o aditamento em causa nos factos de terem sido ambas admitidas em 2004 e de, por força da cláusula 6.ª dos contratos de trabalho, que remete para o regime jurídico da progressão na carreira dos profissionais integrados no Sistema Nacional de Saúde deveriam ter sido promovidas em 2010 e reclassificadas como “enfermeiro graduado”, pelo que também têm direito a essa reclassificação com as inerentes diferenças salariais.
Na contestação apresentada após a audiência de partes, em ambas as acções, a R. veio alegar, em suma, que os AA. foram integrados correctamente na carreira e remunerados de acordo com o contratado, sendo correctas as quantias pagas e não se verificando qualquer situação de discriminação, na medida em que às relações laborais em causa nos autos não pode ser aplicado o regime previsto para os enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde cuja relação jurídica seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas e impedindo agora as Leis do Orçamento de Estado qualquer aumento da retribuição dos AA.. Alega, também, que os AA. mantêm um horário de 35 horas, ao invés dos demais enfermeiros que praticam um horário de 40 horas, pelo que, a considerar-se que têm direito a reposicionamento remuneratório, a sua retribuição deverá ser proporcional ao número de horas que trabalham.
Os autores apresentaram a resposta de fls. 228 e ss., na qual sustentaram a improcedência das excepções deduzidas e mantiveram o que haviam sustentado na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador em ambas as acções em 3 de Março de 2015 (fls. 234 e ss. destes autos e fls. 69 e ss. do processo apenso), sendo neste processo admitido o pretendido aditamento dos pedidos e fixado à presente acção o valor de € 3.628,40, bem como à acção n.º 1045/14 o valor de € 3.991,24. Em ambas as acções se dispensou a realização da audiência preliminar e a condensação do processo.
Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, tendo as partes declarado no seu decurso que “[p]rescindem de toda a produção de prova testemunhal, na medida em que os factos relativos à data de admissão, aos vencimentos, horários e funções dos Autores não estão controvertidos, pelo que se devem considerar como assentes nos termos alegados na petição inicial, com excepção no que vem alegado no art. 3º e 35º da PI e que as partes acordam em clarificar que as funções desempenhadas pelos Autores são apenas as de enfermagem de acordo com os respectivos contratos de trabalho” (fls. 590).
O Mmo. Juiz a quo proferiu em 1 de Julho de 2015 sentença (fls. 592 e ss. - III volume) que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção (e, bem assim, o apenso A) parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a ré a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2013, devendo tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho.
b) A equiparação referida em a) estende-se às quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição, tudo a liquidar no competente incidente de liquidação de sentença.
c) Absolvo a ré dos restantes pedidos formulados, nomeadamente, do aditamento aos pedidos, deduzido pelas autoras G… e H….
d) Custas pelas partes nas proporções fixadas anteriormente.
Registe e Notifique.»
1.2. A Ré, inconformada interpôs recurso desta decisão defendendo a revogação da sentença com a total improcedência da acção. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“PRIMEIRA: - Na matéria de facto dada como provada sob nºs 7 e 8 apenas deve constar o que resulta dos contratos individuais de trabalho, onde não é atribuída aquela categoria a todos os autores.
SEGUNDA: - Para uma boa decisão da causa, no que respeita à remuneração deve ser considerado provado o pagamento das verbas constantes dos recibos juntos pelos próprios autores, como é caso de incentivos.
TERCEIRA: - Atendendo aos pedidos formulados pelos autores, a questão principal dos autos é saber se os autores têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no n.º 2 do artigo 5.º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros em regime da função pública.
QUARTA: - A resposta a esta questão só poderá ser negativa como aliás resulta da própria sentença recorrida, já que esta reconhece que existem dois regimes de contratação: contrato de trabalho e contratação pública.
QUINTA: - Os autores exercem funções, e prestam o seu trabalho, ao abrigo das normas previstas nos seus contratos individuais de trabalho e de acordo com o Código do Trabalho, que não se confunde com a contratação pública.
SEXTA: - O que resulta da matéria de facto dada como provada, e com relevância para o caso (mais concretamente nos nºs. 12 e 13), é que nos contratos de trabalho foi acordada a fixação da remuneração base, num valor certo.
SÉTIMA: - Nos contratos individuais de trabalho dos autores não existe qualquer alegação de equiparação da remuneração dos autores com os enfermeiros com contratos em funções públicas, apenas há a previsão da ação actualização da remuneração em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.
OITAVA: - Na própria sentença recorrida consta de forma clara que a interpretação das cláusulas contratuais (nºs 12 e 13 dos factos provados) é de que não existe a indexação das remunerações dos autores às dos enfermeiros do sector público mas apenas da actualização do salário.
NONA: - Estando em causa nos autos a aplicação de nova remuneração de acordo com os requisitos legais, não se pode aceitar que tal corresponde a uma actualização da remuneração nos te[r]mos constantes na sentença recorrida.
DÉCIMA: - A actualização prevista nos contratos é a que resulta do aumento percentual que anualmente seria aplicável aos trabalhadores da função pública (onde estão incluídos enfermeiros do Serviço nacional de Saúde), não havendo para tal a exigência de quaisquer requisitos.
DÉCIMA-PRIMEIRA: - Esta actualização por aumento percentual não é compatível com a alteração do vencimento base que ocorra por aplicação de regras da função pública.
DÉCIMA-SEGUNDA: - O Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de Novembro, para além de estabelecer o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem e de identificar os respectivos níveis da tabela remuneratória única, veio definir as regras de transição para a nova carreira e identificar as categorias que se mantêm como subsistentes, o que não se aplica aos autores.
DÉCIMA-TERCEIRA: - Mas até a alteração de posição remuneratória na categoria que se prevê naquele diploma realiza-se nos termos previstos nos artigos 156.º a 158.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e que corresponde ao anteriormente previstos nos artigos 46.º a 48.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
DÉCIMA-QUARTA: - Mas mesmos com a transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores foram reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, por isso de acordo com normas legais e requisitos específicos que não são aplicáveis aos autores.
DÉCIMA-QUINTA: - O reposicionamento referido no n.º 2 do artigo 5.º, que se discute nos autos, exige que os enfermeiros se encontrem posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado e até que tenham avaliação positiva, quando os autores não têm aquela categoria nem a avaliação referidas naquelas normas, o que impossibilita a aplicação daquela norma aos autores.
DÉCIMA-SEXTA: - Para além disso, são as regras de direito privado que regem as relações contratuais estabelecidas entre a Ré e os Autores, não resultando dos contratos de trabalho nem da lei qualquer regra de “progressão” nos termos definidos para os trabalhadores em funções públicas.
DÉCIMA-SÉTIMA: - Acresce que na Função Pública existem regras para a progressão e promoção, e estas só ocorrem se se verificarem uma série de requisitos, a saber: existência de vaga, abertura de concurso para o seu provimento, classificação dentro do número de vagas, etc.
DÉCIMA-OITAVA: - Os autores não alegaram em que termos é que os outros trabalhadores viram as suas remunerações alteradas, para demonstrar sequer que reúnem os mesmos requisitos.
DÉCIMA-NONA: - Na apreciação que é feita na sentença recorrida sobre a violação do princípio constitucional da igualdade invocada pelos autores, é considerado que estes exercem exactamente as mesmas funções dos enfermeiros integrados na função pública mas que recebem um salário inferior, mas dos factos provados, não existe qualquer facto que leve a esta conclusão, pelo que não se pode concluir pela alegada violação daquele princípio constitucional.
VIGÉSIMA: - A causa de pedir – e é por aí que se delimita o objecto dos presentes autos – assenta, seja do ponto de vista fáctico, seja do jurídico, na violação do princípio da igualdade.
VIGÉSIMA-PRIMEIRA: - Estando demonstrado nos autos que existem dois regimes urídicos sob os quais os trabalhadores exercem funções, não ocorre a violação do princípio da igualdade.
VIGÉSIMA-SEGUNDA: - E muito menos quando não se mostra provado e sequer alegado pelos autores qualquer factor característico de discriminação ou violação do princípio da igualdade, que leve à conclusão de que existe efectivamente discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual.
VIGÉSIMA-TERCEIRA: - Aos autores competia alegar e provar (o que não fez) que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade).
VIGÉSIMA-QUARTA: - Os autores limitaram-se a referir de que as suas funções são idênticas às funções desempenhadas pelos funcionários integrados na função pública, mas tal não preenche os requisitos necessários para se dar como provada a violação do princípio da igualdade, já que não é possível qualquer comparação entre os vários trabalhadores.
VIGÉSIMA-QUINTA: - A violação do princípio constitucional invocada pelos autores foi ainda afastada quando a ré alegou e demonstrou que a diferença de remuneração resulta de razões legítimas resultantes dos dois regimes existentes.
VIGÉSIMA-SEXTA: - As remunerações da Função Pública são estabelecidas de acordo com critérios fixados e de acordo com requisitos, como aliás, resulta do próprio diploma legal invocado pelos autores: Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro, que apenas se aplica aos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, e não aos autores.
VIGÉSIMA-SÉTIMA: - Daquele diploma legal resulta um regime próprio que não pode ser aplicado aos autores, em que os enfermeiros em funções públicas têm obrigações no que respeita à formação e são sujeitos a um sistema de avaliação para a sua progressão na carreira, o que não acontece com os autores.
VIGÉSIMA-OITAVA: - É claro que existem e que sempre existiram dois regimes diferentes, não só quanto à remuneração como em muitos outros aspectos, seja na constituição da relação contratual seja nos direitos e obrigações instituídos para cada um dos regimes, conforme é referido nestas alegações.
VIGÉSIMA-NONA: - Os próprios autores consideram que têm um regime próprio e diferente já que não aceitam que lhes seja aplicável o disposto na Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, que veio impor o período normal de trabalho de quarenta horas por semana.
TRIGÉSIMA: - Pelo exposto nas alegações facilmente se pode concluir que a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de Novembro, nos termos constantes na sentença recorrida, violam os princípios da Constituição da República Portuguesa.
TRIGÉSIMA-PRIMEIRA: - A sentença recorrida apenas tem a vista a atribuição de uma remuneração única sem atender à existência de dois regimes distintos (com direitos e obrigações diferentes), havendo ainda a violação da Lei Constitucional por colocar os autores no mesmo plano remuneratório que os enfermeiros com contrato em funções públicas, sem atender que estes têm outras obrigações que não têm os autores.
TRIGÉSIMA-SEGUNDA: - Não se pode decidir por haver igualdade de retribuição entre os vários trabalhadores quando não há coincidência no trabalho prestado, segundo a quantidade, natureza e qualidade, pelo que a interpretação dada na sentença recorrida do princípio da igualdade, com referência aos artigos 13.º e artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, e que leva à procedência da acção (e apenso) é inconstitucional.
TRIGÉSIMA-TERCEIRA: - A violação do princípio da igualdade invocada pelos autores só poderia proceder se a alegada diferenciação salarial não assentasse em justificação material bastante.
TRIGÉSIMA-QUARTA: - A diferenciação salarial existente decorre de toda uma diferença de regimes imposta pelos diferentes regimes jurídicos a que se encontram sujeitos os autores (contrato individual de trabalho) e os enfermeiros da carreira especial de enfermagem com o seu estatuto próprio enquanto trabalhadores em funções públicas.
TRIGÉSIMA-QUINTA: - Esta diferenciação tem justificação legal e que, além do mais, é razoável e não discriminatória em nenhum dos sentidos proibidos pelos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, a), da Constituição da República Portuguesa, pelo que a decisão proferida é violadora dos mesmos artigos.
TRIGÉSIMA-SEXTA: - E esta violação ainda é mais flagrante quando a própria sentença recorrida expressamente reconhece que foram contratadas condições remuneratórias diferentes segundo regimes diferentes, e depois procura igualizar os autores com os enfermeiros da carreira especial de enfermagem apenas no que respeita ao salário-base, sem curar de os igualizar quanto a todos os demais aspectos em que assenta a diferença de regimes aplicáveis.
TRIGÉSIMA-SÉTIMA: - Além disso, a sentença recorrida apenas teve em consideração a remuneração-base, sem considerar outras componentes salariais que alguns dos autores auferem (incentivos que constam dos próprios recibos que juntam com a petição) e que igualmente deveriam ser consideradas para aferição do princípio da igualdade.
TRIGÉSIMA-OITAVA: - Ao condenar a ré nos termos constantes na sentença recorrida ocorre, a viola não só o princípio da igualdade, como discrimina dos trabalhadores com contrato em funções públicas que veem os autores a receber a mesma remuneração, mas com obrigações e direitos diferentes dos seus.
TRIGÉSIMA-NONA: -A decisão recorrida violou , designadamente, o disposto no artigo 23º, 25.º, 26.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, a), da Constituição da República Portuguesa.”
1.3. Também os AA. interpuseram recurso da sentença e no requerimento de interposição de recurso arguiram a nulidade da mesma. Remataram a alegação com as seguintes conclusões:
DA NULIDADE
a) O tribunal a quo, na determinação da equiparação dos salários, ao determinar a obrigatoriedade de “tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho”, vem condenar extra vel ultra petitum;
b) A condenação extra vel ultra petitum só se justifica quando estão em causa direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, o que aqui não é, manifestamente, o caso;
c) Os AA. peticionaram, além do mais, que o Tribunal declarasse e reconhecesse que:“os AA.. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”
d) A Douta sentença, de que se recorre, condenou a R. a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2010, devendo tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho (incluindo neste conceito as quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição).
e) Ora, a sentença não corresponde ao que peticionaram os AA., que pretendem o mesmo reposicionamento remuneratório que os outros CIT (aqueles cujo reposicionamento foi operado nos termos das alíneas a) e b) da Lei 122/2010 de 11 de Novembro).
f) E é mormente face a estes que os AA. se encontram em desigualdade.
g) São CIT com 35 horas semanais de trabalho, que auferem presentemente € 1.200,48 e que a R. reposicionou, e bem, por via da cláusula dos seus contratos de trabalho que remete para “o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República”.
Por isso,
h) A sentença viola, injustificadamente, o princípio dispositivo, o que determina, por força do disposto na alínea e) do nº 1 do Art. 615º do C.P.C., aplicável ex vi alínea a) do nº 2 do Art. 1º do C.P.T., a sua nulidade;
i) A solução para uma situação de desigualdade salarial passa por uma equiparação dos que recebem menos aos que recebem mais, nunca pelo inverso;
j) Ao tentar resolver dois problemas de uma só vez, o dos enfermeiros com CIT e o dos enfermeiros integrados no SNS, o tribunal prejudicou os AA., e condenou em objecto diferente do que foi peticionado;
k) A R. deveria ter sido condenada a respeitar rigorosamente os CIT celebrados, equiparando os salários destes enfermeiros, àqueles auferidos pelos enfermeiros, em igualdade de funções, integrados no SNS, independentemente de desempenharem, ou não, funções públicas;
l) A decisão recorrida vem criar, ex novo, outro nível salarial, aumentando a disparidade entre vencimentos de enfermeiros no desempenho das mesmas funções;
m) A manutenção da decisão recorrida levaria a que se legitimasse a violação do princípio – com acervo constitucional – “para trabalho igual, salário igual”, permitindo que enfermeiros com CIT, ambos a trabalhar 35 horas semanais, recebessem uns € 1.201,48 e, os autores, por força desta decisão, € 1.051,30;
n) A violação do princípio da equidade retributiva, por força desta decisão, leva a que, no seio da mesma organização, aos AA. seja paga retribuição desigual daquela que é paga, como contrapartida de trabalho igual, a outros enfermeiros também com CIT, determinando tam-bém a inconstitucionalidade da decisão, neste ponto;
o) Não é, de modo algum, justificável que a R. haja procedido ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem – integrado em funções públicas e com CIT – que se enquadrava nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, e sem qualquer fundamento para tal, não o tenha feito com os AA., que se enquadram na previsão da alínea c) do nº 2 do mencionado art. 5º do DL 122/2010;
p) Os contratos dos AA. determinam uma indexação do seu nível salarial àquele que seja auferido por enfermeiros que desempenhem fun-ções públicas, mas não determinam que se lhes aplique, sem mais, a carreira de enfermeiro/funcionário público;
q) O que se peticionou foi que se reconhecesse “o direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”, incluindo-se aqui, não só os enfermeiros integrados na função pública, como também os demais enfermeiros com CIT, que viram a sua remuneração aumentada entre Janeiro de 2011 e a presente data, não podendo o tribunal a quo, na sua condenação, ignorar aqueles enfermeiros com CIT;
r) Perante este quadro factual e documental, o Tribunal a quo deveria ter decidido que “os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” e bem assim condenado a R.:
a) A equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2012.
b) A estender essa equiparação às quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição, tudo a liquidar no competente incidente de liquidação de sentença.
c) Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
d) As custas e demais encargos legais
Do aditamento aos pedidos das AA G... e H...
1) Todos os factos alegados foram dados como provados por acordo das partes, com excepção dos referentes às “funções especializadas de enfermagem”;
2) Os AA. não prescindiram, em momento algum, da prova documental junta aos autos e, apenas prescindiram da prova testemunhal porque todos os factos por si alegados – com a ressalva acima efectuada – foram admitidos por acordo;
3) Quanto à absolvição do aditamento aos pedidos das AA. G... e H... o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto;
4) Estas AA. alegaram ter direito à promoção à categoria de enfermeiro graduado, nos termos do DL 437/91, com as alterações introduzidas pelo DL 412/98, citando a norma na integra;
5) As AA. alegaram também que, por via da aplicação do normativo supra e da cláusula contratual que consta dos seus CONTRATO DE TRABALHO e que remete para aquele regime, deveriam ter sido promovidas, decorridos 6 anos do exercício das funções de enfermeiro, à categoria de Enfermeiro Graduado;
6) As AA. juntaram aos autos as suas notas biográficas, das quais constam relatórios das suas avaliações, sendo estas sempre iguais ou superiores a “Satisfaz”;
7) Os documentos acima referidos foram emitidos pela Ré, essa factualidade é do seu conhecimento e não foi, por esta, contestada, nem os documentos objecto de impugnação;
8) O tribunal a quo não poderia haver preterido, arbitrariamente, da análise crítica dos documentos juntos aos autos;
9) Ainda que interpretados, pelo tribunal a quo, como factos “genéricos”, dizendo apenas que “outras pessoas, em igualdade de circunstâncias, foram promovidas” estes, por provados, são verdade processual e têm de conformar a decisão.
10) Não poderia daqui resultar outra decisão que não a de reconhecer às AA. os direitos por estas exigidos, cuja legitimidade a R. admitiu;
11) Perante este quadro factual e documental, o Tribunal a quo deveria ter considerado provado que:
- As autoras estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos;
- Foi alegado e provado que o resultado da avaliação de desempenho das AA foi sempre de “Satisfaz”.
- Foi alegado e provado que foram promovidos inúmeros Enfermeiros, que, à imagem das AA, preencheram as condições legais exigidas.
12) Por essa via o Douto Tribunal a quo deveria ter decidido que as AA. G... e H...:
1 - Devem ser classificados na correspondente categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010,
2 - As AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiro integrados no Sistema Nacional de Saúde,
3 - as AA prestam serviços de qualidade, quantidade, natureza igual ao trabalho prestado por colegas no Sistema Nacional de Saúde e declarar que lhes assiste o direito a receberem da Ré o mesmo valor que aqueles, a titulo de retribuições base e outros acréscimos salarias.
E por essa via deveria ter condenado a Ré a pagar às Autoras:
1- a diferença remuneratória correspondente a € 125,26 mensais, desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012.
2- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal, nos anos de 2010 e 2011.
3- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2010 até 1 de Janeiro de 2012, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
4- E todos os acréscimos salariais, que em virtude da ausência de promoção, deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.145,32 referente à categoria profissional de Enfermeiro Graduado.
5- A diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1 201,48 - €1 020,06), desde 1 de Janeiro de 2012 até à presente data,
6- a diferença da retribuição das Férias e respectivo subsídio, e do Subsídio de Natal;
7- as retribuições respeitantes a trabalho prestado desde 1 de Janeiro de 2012 até ao presente, designadamente referente a prestações complementares e acessórias, trabalho nocturno, trabalho suplementar e qualquer outra forma de retribuição.
8- Todos os acréscimos salariais, que em virtude de discriminação salarial, que deveriam ter sido pagos em função do salário base ilíquido de € 1.201,48.
9- De igual modo e doravante, ter condenado a Ré a pagar às AA., o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde.
10- Os juros moratórios, á taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas, até efectivo e integral pagamento;
11- As custas e demais encargos legais, tudo a liquidar em execução de sentença.
13) Conforme melhor peticionado em sede de Petição Inicial.”.
1.4. A R. respondeu aos recursos das AA. pugnando pela improcedência das nulidades e do recurso.
1.5. As AA. G… e H… apresentaram também contra-alegações ao recurso da R. defendendo também a sua improcedência.
1.6. Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 699.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da inexistência da invocada nulidade, da improcedência da apelação dos AA. e da procedência da apelação da R., concluindo que deve a acção ser julgada totalmente improcedente e a R. absolvida de todos os pedidos formulados pelos AA.
As partes, ouvidas, não se pronunciaram quanto ao douto Parecer do Ministério Público.
Mostra-se ultrapassada a questão, suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, da falta de pagamento da taxa de justiça por uma das AA. que apresentaram contra-alegações ao recurso da R. (vide fls. 747 e ss., vg. 779 e 780).
Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª – se deve ser declarada a nulidade da sentença por condenação além do pedido e em objecto diverso do mesmo (recurso dos AA.);
2.ª – se deve ser alterada a decisão de facto no sentido de:
a) a matéria dos factos provados sob os n.ºs 7 e 8 conter apenas o que consta dos contratos de trabalho juntos aos autos (recurso da R.);
b) se dar como provado o pagamento das verbas relativas a incentivos constantes dos recibos juntos pelos AA. (recurso da R.);
c) se dar como provado que as AA. G… e H… estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos (recurso dos AA.);
d) se dar como provado que o resultado da avaliação de desempenho das AA foi sempre de “Satisfaz” (recurso dos AA.);
e) se dar como provado que foram promovidos inúmeros Enfermeiros, que, à imagem das AA, preencheram as condições legais exigidas (recurso dos AA.).
3.ª – se os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde ou por via da violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual (recurso da R. e dos AA.);
4.ª – se a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, nos termos que vieram a determinar a condenação constante na sentença recorrida, viola o princípio constitucional da igualdade, conduzindo à discriminação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas (recurso da R.);
5.ª – se as AA. H… e G… têm direito a ser classificadas na categoria profissional de enfermeiro graduado a partir de 1 de Janeiro de 2010 (recurso dos AA.).
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3. Da nulidade da sentença
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3.1. No requerimento de interposição de recurso, os AA. recorrentes indicaram que “vêm arguir as nulidades da mesma [da sentença] e desta interpor recurso de apelação”.
Por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer. Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a correspondente motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida e possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
Apesar de no requerimento de interposição de recurso os recorrentes se limitarem a arguir genericamente nulidades da sentença, sem que indiquem, mesmo resumidamente, as razões de tal arguição (vide fls. 639 verso), no decurso da sua alegação dedicam um capítulo autónomo da mesma à substanciação das razões por que consideram verificar-se aquela nulidade (vide fls. 646 verso e ss.), enunciando conclusões especificamente respeitantes a tal matéria (vide fls. 658 e ss.), razão pela qual se irá tomar conhecimento da arguição – vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005.
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3.2. Alegam os recorrentes que o tribunal a quo, na determinação da equiparação dos salários, ao determinar a obrigatoriedade de “tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho”, condenou extra vel ultra petitum, o que só se justifica quando estão em causa direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública e não é aqui o caso.
Na sua perspectiva, perante o pedido que formularam de que, além do mais, o Tribunal declarasse e reconhecesse que “os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”, não corresponde aquele pedido a sentença que “condenou a R. a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2010, devendo tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho (incluindo neste conceito as quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição)”. Segundo alegam, “pretendem o mesmo reposicionamento remuneratório que os outros CIT (aqueles cujo reposicionamento foi operado nos termos das alíneas a) e b) da Lei 122/2010 de 11 de Novembro)” pois “é mormente face a estes que os AA. se encontram em desigualdade”. Explicitam ainda que estes contratos (“CIT" como lhes chamam), são de pessoas com 35 horas semanais de trabalho, que auferem presentemente € 1.200,48 e que a R. reposicionou por via da cláusula dos seus contratos de trabalho que remete para o nível de idêntica categoria dos Enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República. E concluem que a sentença viola, injustificadamente, o princípio dispositivo, o que determina a sua nulidade por força do disposto na alínea e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., além de que “ao tentar resolver dois problemas de uma só vez, o dos enfermeiros com CIT e o dos enfermeiros integrados no SNS", o tribunal prejudicou os AA., e condenou em objecto diferente do que foi peticionado.
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 que estabelece sobre as “causas de nulidade da sentença”, o seguinte:
«1 — É nula a sentença quando:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
A nulidade decisória prevista nesta alínea e) verifica-se quando é violado o artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que impõe que a sentença não pode condenar em quantidade ou em objecto diverso do que se pedir, devendo o tribunal circunscrever a sua actividade ao conhecimento da pretensão jurídica substantiva tal como foi expressa no pedido formulado na petição inicial.
Esta limitação dos poderes de condenação constitui expressão do princípio da autonomia da vontade que caracteriza a generalidade dos direitos subjectivos que os particulares exercitam no campo do direito processual civil. A sentença deve conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado.
Ponderando o pedido formulado pelos AA. nas suas petições iniciais — designadamente de condenação da ré a reconhecer que “os AA. têm direito ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” e a pagar aos AA. diferenças remuneratórias e retribuições, tendo por referência “o montante salarial base de € 1.201,48, resultante da aplicação indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” —, e tendo presente que a sentença condenou a ré “a equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2010, devendo tal equiparação ter em conta a proporção do respectivo horário de trabalho (incluindo neste conceito as quantias pagas a título de férias, subsídio de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar e qualquer outra forma de retribuição)”, não se vislumbra onde se condenou além do pedido ou em objecto diverso do pedido.
A referência do dispositivo aos “enfermeiros integrados na função pública” não excede o universo dos “enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” a que os AA. se reportaram no seu pedido e a referência limitativa à proporção do respectivo horário de trabalho, quando muito, configura uma condenação em quantidade inferior ao pedido, o que não integra as nulidades apontadas.
Note-se que não correspondem ao que emerge das petições iniciais as afirmações que os AA. fazem na apelação de que peticionaram “o mesmo reposicionamento remuneratório que os outros CIT (aqueles cujo reposicionamento foi operado nos termos das alíneas a) e b) da Lei 122/2010 de 11 de Novembro)”, de que “é mormente face a estes que os AA. se encontram em desigualdade” e de que “são CIT com 35 horas semanais de trabalho, que auferem presentemente € 1.200,48 e que a R. reposicionou, e bem, por via da cláusula dos seus contratos de trabalho que remete para o nível de idêntica categoria dos Enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República” – conclusões e) a g).
Debalde se procura nos extensos pedidos formulados nas petições iniciais da presente acção e do seu apenso, bem como no aditamento de fls. 181 e ss. esta referência aos ditos “outros CIT".
É certo que no desenvolvimento dos articulados iniciais os AA. fazem uma referência a que têm as mesmas qualificações profissionais que os “demais enfermeiros ao serviço da Ré, integrados no Sistema Nacional de Saúde e com CIT", que “não auferem o mesmo vencimento” e que “a Ré trata, sem qualquer motivo, de forma diferenciada e arbitrária os ora AA. daqueles integrados no Sistema Nacional de Saúde e ainda daqueles por si contratados, e que se encontram com o reposicionamento remuneratório já actualizado, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 5º do DL. 122/2010 de 11 de Novembro” (artigos 37.º a 41.º da petição inicial da presente acção e da acção n.º 1045/14.9T8VFR). E que na resposta à contestação, já perante a alegação da R. da contestação, referenciam que se consideram discriminados “em relação ao pessoal de enfermagem com Contrato Individual de Trabalho” que “foi (bem) reposicionado em termos de remuneração e requalificação profissional, e que preenchia a previsão das duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010 (que a Ré aplicou)”, não aceitando que lhes seja aplicável o disposto na Lei n.º 68/2013 que veio impor o período normal de trabalho de 40 horas por semana e só se aplica aos trabalhadores em funções públicas (artigos 21.º a 25.º da resposta).
Mas não só não explicitam em que termos foram estes outros enfermeiros “contratados” pela R., como não concretizam minimamente que pessoas se encontram em tais circunstâncias, como ainda partem para estas afirmações depois de expressamente afirmarem que a R. não procedeu ao reposicionamento remuneratório dos Autores apesar de a isso estar vinculada contratualmente “[d]iscriminando objectivamente os Autores dos enfermeiros que sofreram esse reposicionamento, por via da indexação remuneratória dos seus contratos, a exercerem funções e com relação jurídica de emprego constituída por contrato de trabalho em funções públicas” (artigos 34.º de ambas as petições iniciais). Ou seja, partem sempre de uma alegada discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas.
Além disso, e essencialmente, a verdade é que dos concretos pedidos formulados no final das suas petições iniciais – e são estes que delimitam a actividade decisória nos termos do artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – não consta qualquer referência à equiparação a outros enfermeiros contratados através de contrato individual de trabalho mas, apenas, aos “enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde”, ao invés do que dizem os recorrentes [vg. na conclusão e)], nada permitindo concluir que os AA. pretendessem incluir no seu pedido, quer os enfermeiros integrados na função pública, quer os demais enfermeiros com contrato individual de trabalho [como dizem na conclusão q)]. Aliás, é de notar que os próprios recorrentes distinguem os dois universos “o dos enfermeiros com CIT" e “o dos enfermeiros integrados no SNS" [como claramente ressalta da conclusão j)], o que constitui mais uma razão para não se considerar incluído na expressão “enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” que fizeram constar do pedido o primeiro universo em relação ao qual agora, na apelação, dizem que pretendiam ver equiparados os seus salários.
Não pode, também, deixar de se salientar que na própria apelação – e depois de suscitada esta nulidade –, versando já sobre o mérito da sentença, os recorrentes defendem que esta devia ter condenado a R. “a) A equiparar os vencimentos dos autores com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2012”, limitando também aqui, e mais uma vez, a equiparação que peticionam aos vencimentos auferidos por estes enfermeiros [alínea a) da conclusão r) da apelação].
Em suma, fazendo o cotejo entre os pedidos formulados e o segmento decisório da sentença, e na esteira do propugnado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, entendemos que a sentença, embora tenha enunciado a decisão final em termos que, literalmente, não são absolutamente coincidentes com os pedidos formulados nas petições iniciais, observou os seus limites e objecto, limitando-se a restringir o alcance do que foi pedido ao tribunal na estrita medida em que acolheu a defesa apresentada pela R. na sua contestação, não traduzindo uma condenação além do pedido ou em objecto diverso do mesmo, não consentida pelos artigos 74.º do Código de Processo do Trabalho e 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Deste modo, não se pode afirmar que a sentença violou o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância [artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil].
Saber se a decisão está correcta ou não, é já questão que se prende com o mérito da causa.
A argumentação exposta pelos apelantes nas suas conclusões, apesar de toda ela, a este propósito, se ter incluído no âmbito da invocada nulidade, consubstancia a imputação à sentença de um erro de julgamento de mérito por, na perspectiva dos recorrentes, não ter atendido às estipulações dos seus contratos de trabalho e ao princípio constitucional da igualdade salarial, criando um novo nível salarial e aumentando a disparidade entre os vencimentos dos enfermeiros no desempenho das mesmas funções [conclusões k) a r)], questão de mérito esta que integra, também, o objecto do recurso.
Improcede a suscitada nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. Da impugnação da decisão de facto.
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4.1.4. Em suma, reapreciada a decisão de facto:
- altera-se o ponto 7. da mesma decisão, na procedência parcial da impugnação deduzida pela R.;
- aditam-se à decisão os pontos 32. e 33., na procedência parcial da impugnação deduzida pelos AA.;
- oficiosamente, altera-se o ponto 21. da mesma decisão e adita-se-lhe o ponto 34..
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4.2. Dos factos provados a atender para a decisão, após a intervenção deste Tribunal da Relação.
1. A Ré é EPE - Entidade Pública Empresarial integrada no Sistema Nacional de Saúde.
2. Os Autores foram admitidos ao serviço da Ré, com ela estabelecendo contratos individuais de trabalho, nos seguintes termos:
a) A 1ª A., B…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 29 de Dezembro de 2005, auferindo o vencimento mensal de € 943,43, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
b) A 2ª A, C…[1], celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
c) A 3ª A, D… celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
d) O 4º A, E…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 1 de Outubro de 2012, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeiro.
e) A 5ª A, F…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 1 de Fevereiro de 2011, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
f) A 6ª A, G…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 29 de Dezembro de 2005, auferindo o vencimento mensal de € 942,43, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
g) A 7ª A, H…[2], celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 18 de Agosto de 2005, auferindo o vencimento mensal de € 942,43, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
h) A 8ª A, I…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
i) A 9ª A, J…[3], celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
j) A 10ª A, K…[4], celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 11 de Janeiro de 2013, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
k) A 11ª A, L…[5], celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 31 de Março de 2010, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
l) A 12ª A, M…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 13 de Dezembro de 2007, auferindo o vencimento mensal de € 970, 92, com a categoria de enfermeira de Nível 1.
m) A 13ª A, N…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 2 de Maio de 2011, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
3. Os AA. foram admitidos ao serviço da R., para prestarem cuidados de enfermagem.
4. Obrigaram-se, mediante retribuição, a prestar os seus serviços nas suas instalações, sob as ordens, direcção, fiscalização e autoridade desta.
5. Aí integrando a sua organização.
6. Com um horário de trabalho semanal de 35 horas, de Segunda a Domingo, em regime de trabalho por turnos.
7. Os AA. referidos nas alíneas a), f), g) e l) do ponto 2. exercem as funções e actos materiais correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiros (de nível 1), e os AA. referidos nas alíneas b), c), d), e), h), i), j), k) e m) do ponto 2. exercem as funções e actos materiais correspondentes à categoria de Enfermeiro.
8. Tendo sido classificados pela R. nessa categoria profissional.
9. Exerceram a sua actividade com caracter de exclusividade de funções na R.
10. Sendo que, a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª, 5ª e 6ª A, exercem no serviço de Urgência Geral e as 7ª, 8ª,9º, 10ª e 11ª no serviço de Cuidados Intermédios e 12ª e13ª em Pediatria.
11. Funções que ainda exercem, na presente data, de forma contínua, inerentes à categoria profissional em causa.
12. Todos e cada um dos contratos dos Autores têm uma cláusula igual (a 2ª ou a 4ª)[6] determinando no seu n.º 1 que a Entidade Patronal “pagará, mensalmente, ao Segundo Outorgante (Trabalhador), uma remuneração base (ilíquida) de (…), quantia essa que deduzidos os descontos legais, será depositada, por transferência bancária, na sua conta”.
13. Estabelecendo ainda o n.º 2 dessa mesma cláusula que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço[7] Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.”
14. A Ré, procedeu ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 5º do DL 122/2010,
15. Não o fez com os Autores.
16. Os Autores [do processo n.º 497/14.1TTVFR-A.] foram admitidos ao serviço da Ré, com ela estabelecendo contratos individuais de trabalho, nos seguintes termos:
a) A 1ªA, O…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 26 de Abril de 2012, auferindo o vencimento mensal de € 1 020,06, com a categoria de enfermeira.
b) O 2ºA, P…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, no dia 13 de Dezembro de 2007, auferindo o vencimento mensal de € 970,92, com a categoria de enfermeiro nível 1.
c) A 3ª A, Q…, celebrou Contrato de Trabalho, por tempo, indeterminado, no dia 1 de Outubro de 2012, auferindo o vencimento mensal de € 1.020,06, com a categoria de enfermeira.
17. Os AA. foram admitidos ao serviço da R., para prestarem cuidados especializados de enfermagem.
18. Através do qual se obrigaram, mediante retribuição, a prestar os seus serviços nas suas instalações, sob as ordens, direcção, fiscalização e autoridade desta.
19. Aí integrando a sua organização.
20. Com um horário de trabalho semanal de 35 horas, de Segunda a Domingo, em regime de trabalho por turnos.
21. O A. referido na alínea b) do ponto 16. exerce as funções e actos materiais correspondentes à categoria de profissional de Enfermeiro (de nível 1), e as AA. referidas nas alíneas a), e c) do ponto 16. exercem as funções e actos materiais correspondentes à categoria de Enfermeiro.
22. Tendo sido classificados pela R. nessa categoria profissional.
23. Exerceram a sua actividade com carácter de exclusividade de funções na R.
24. Sendo que a 1ª e o 2º, exercem no serviço de Urgência Geral e a 3ª nos Cuidados Intermédios.
25. Função que ainda exercem, na presente data.
26. Os contratos dos Autores têm uma cláusula igual (2ª ou 4ª) determinando no seu n.º 1 que a Entidade Patronal “pagará, mensalmente, ao Segundo Outorgante (Trabalhador), uma remuneração base (ilíquida) de (…), quantia essa que deduzidos os descontos legais, será depositada, por transferência bancária, na sua conta”.
27. Estabelecendo ainda o n.º 2 dessa mesma cláusula que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República.”
28. A cláusula 5ª dos contratos de trabalho das autoras, G… e H… refere que “A promoção do Segundo Outorgante (trabalhador) a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Sistema Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico”.
29. As AA, prestam serviço á Ré:
- A 6ªA., desde 13 de Agosto de 2004;
- A 7ªA., desde 18 de Fevereiro de 2004.
30. As autoras [G… e H…] não foram promovidas à categoria de Enfermeiro Graduado.
31. Desde o ano de 2014 que os enfermeiros integrados na Função Pública cumprem um horário semanal de 40 horas.
32. A A. G… nunca obteve classificação inferior a Satisfaz desde que foi admitida ao serviço da R. e até 19 de Setembro de 2008.
33. A A. H… nunca obteve classificação inferior a Satisfaz desde que foi admitida ao serviço da R. e até 11 de Julho de 2012.
34. A retribuição base mensal dos AA., à data de interposição da acção, era no valor de € 1.020,06.
*
5. Fundamentação de direito
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5.1. Do reposicionamento remuneratório dos AA. recorrentes
5.1.1. A Ré é uma pessoa colectiva de direito público, com a natureza de entidade pública empresarial, criada pelo Decreto-Lei n.º 27/2009, de 27 de Janeiro e submetida aos estatutos, constantes do anexo II do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, com as especificidades estatutárias que constam do anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2009, bem como ao regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro.
De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 5 e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, não é este diploma aplicável às entidades públicas empresariais, com excepção dos trabalhadores que à data da sua publicação tivessem a qualidade de funcionário ou agente. Também a Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) actualmente em vigor, exclui do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresariais.
A relação jurídica de emprego público é distinta da relação de trabalho de direito privado.
No que concerne ao regime da função pública, ou seja ao contrato de trabalho em funções públicas, a respectiva carreira especial de enfermagem, enquanto carreira especial da Administração Pública, é regulada pelo Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22/09, sendo que tal regime é essencialmente caracterizado pela atribuição ao trabalhador de uma situação estatutária e regulamentar, uniformemente aplicável a todos os que pertençam a um mesmo grupo de pessoal e integrem a mesma categoria. Na sequência do disposto nos artigos 14.º e 15.º desse diploma, segundo os quais os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem no sector público - enfermeiro e enfermeiro principal - são identificados por diploma próprio, o Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de Novembro, em conformidade com os princípios e regras consagrados na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identificar os correspondentes níveis salariais.
Por seu turno o Decreto-Lei n.° 247/2009, de 22/09 estabeleceu o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros vinculados em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnica.
No que concerne aos AA., é pacífico nos presentes autos que todos se encontram submetidos ao regime do contrato de trabalho, não se mostrando qualquer deles vinculado à R. através de um contrato de trabalho em funções públicas.
É aliás, nos contratos de trabalho que todos celebraram com a R. que alicerçam a pretensão que formulam na apelação de reposicionamento remuneratório e que corresponde aos pedidos formulados na petição inicial de que se reconheça que têm direito “ao reposicionamento remuneratório, previsto no nº 2 do art. 5º do DL 122/2010, de 11 de Novembro, por via da indexação dos seus contratos de trabalho aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde” e de ser a Ré condenada a pagar aos Autores a “diferença remuneratória correspondente a pelo menos €181,42 mensais (€1.201,48 - €1.020,06), desde 1 de Janeiro de 2013 até à presente data”.
Segundo alegam os AA., os contratos de trabalho celebrados entre AA e Ré remetem no que à retribuição e progressão na carreira diz respeito, para o regime aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho com funções públicas integrados no Serviço Nacional de Saúde, regime que é o do Decreto-Lei n.° 122/2010 de 11 de Novembro.
Como resulta deste diploma e é pacífico entre as partes, o mesmo aplica-se aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas e submetidos ao regime da carreira especial de enfermagem previsto no Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro (vejam-se as expressas referências a estes diplomas feitas no seu preâmbulo e os artigos 2.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.° 122/2010).
No artigo 5º do Decreto-Lei n.° 122/2010 estabelece-se que:
«Reposicionamento remuneratório
1 — Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado, mantêm o direito à remuneração base que vêm auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela remuneratória constante do anexo ao presente diploma, nos seguintes termos:
a) A 1 de Janeiro de 2011, os enfermeiros graduados com avaliação positiva que, pelo menos, desde 2004, se encontrassem posicionados no escalão 1 daquela categoria;
b) A 1 de Janeiro de 2012, os restantes enfermeiros graduados com avaliação positiva;
c) A 1 de Janeiro de 2013, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os enfermeiros graduados que não tenham sido abrangidos pelas alíneas anteriores.
3 — (…)»
Na perspectiva dos AA., estando eles posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, mantêm o direito à remuneração base que vêm auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela constante do anexo ao diploma nos termos da transcrita alínea c) do artigo 5.º, n.º 1. Não deixando de reconhecer que o Decreto-Lei n.° 122/2010 não se aplica aos contratos de trabalho que vinculam AA e Ré, sustentam que os níveis remuneratórios e a progressão na carreira dos AA. estão indexados à previsão constante daquele diploma legal, e ao Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, uma vez que tal foi contratualizado.
Segundo alegam, a Ré procedeu à reclassificação e ao reposicionamento remuneratório dos Enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde, e no pessoal de Enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 5º do DL 122/2010 e, sem qualquer fundamento, não o fez com eles, que se enquadram na previsão da alínea c) do n.º 2 do mencionado art.º 5º do DL 122/2010, por via da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde ou por via da violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”.
Analisemos estas duas perspectivas.
5.1.2. Sobre a questão de saber se os termos contratuais de enfermeiros contratados em regime de contrato de trabalho pela ora R. no que diz respeito a salário, autorizam uma interpretação que afirme uma indexação do salário ao regime aplicável aos enfermeiros em funções públicas, este Tribunal da Relação teve ocasião de muito recentemente se pronunciar em sentido negativo no acórdão publicado no dia 20 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 496/14.1TTVFR.P1, proferido em processo em que era demandada a Ré ora recorrente e que a ora relatora subscreveu como adjunta.
Em tal aresto assim se discorreu:
«Os termos contratuais dos Autores, no que diz respeito a salário, não autorizam, como aliás a sentença bem analisou, uma interpretação que afirme uma indexação do salário ao regime aplicável aos enfermeiros em funções públicas.
O teor da cláusula 4ª nº 2 dos contratos de trabalho dos autores, ao mencionar que “A remuneração base definida no número anterior será actualizada em função do aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Sistema Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República”, é particularmente clara no sentido de que os aumentos/actualizações da retribuição acordada entre as partes no nº 1 da mesma cláusula 4ª, serão feitos na mesma percentagem que for aplicada, para idêntico nível categorial de enfermeiros, em cada momento, na função pública. A indexação é pois ao percentual de aumento, mas não ao salário. Nem se compreenderia que assim fosse, quando as partes convencionaram expressamente o valor do salário, não se limitando a remeter para os termos da tabela de vencimentos da função pública.
Essa clareza não é diminuída pela consagração, na cláusula 6ª dos contratos, duma remissão para o regime de promoção e progressão profissional dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde. Aqui podemos ver uma verdadeira indexação, mas trata-se, contratualmente, de cláusulas distintas, e ainda que ambas com possíveis efeitos remuneratórios, o seu campo de incidência é bem delimitado e é diverso.
Portanto, nos termos literais do contrato, quer da cláusula 4ª quer duma análise sistemática e global do contrato, e na ausência de qualquer outro facto que nos elucide sobre a vontade das partes, não podemos afirmar a referida indexação salarial, mas apenas a convenção de aplicação do mesmo percentual de aumento, em cada momento, quer este momento coincida com um marco temporal definido, quer com o tempo duma alteração de regime.
A este propósito, também não resulta que a revisão dos níveis e posições remuneratórias feita pelo DL 122/2010 tenha produzido uma percentagem de aumento dos salários dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que devesse ser também aplicada, por via da referida cláusula contratual, aos Autores, pois que conforme resulta do disposto no art. 104º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, aplicável por via do art. 5º, nº 1, daquele DL 122/2010, do reposicionamento remuneratório não resulta necessariamente um aumento do vencimento.
[…]»
Continuamos a subscrever este entendimento, que se nos afigura o único conforme com os critérios consagrados nos artigos 236.º e ss. do Código Civil para a interpretação da declaração negocial, segundo os quais a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento da pessoa que a proferiu, salvo se esta não puder razoavelmente contar com ele ou se outra for a vontade do declarante e esta for conhecida do declaratário.
À luz desta teoria da impressão do destinatário, cremos que a cláusula em causa – sempre com o mesmo teor em todos os contratos (a 2.ª ou a 4.ª, consoante os AA.) –, , embora seja suficientemente demonstrativa de que não é indiferente para a retribuição a atender em cada momento como devida ao contraente enfermeiro a evolução que se verificar, também em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço Nacional de Saúde, de modo algum permite a conclusão de que o vencimento do contraente trabalhador será igual ao que for devido, em cada momento, aos enfermeiros com contratos de trabalho em funções públicas (vide os factos 12., 13., 26. e 27.).
Com efeito, o n.º 1 desta cláusula dos contratos de trabalho, que se reporta à retribuição convencionada como contrapartida para a prestação de actividade a que o trabalhador se obriga pelo contrato, fixa uma retribuição em valor certo – ao referir que o empregador “pagará, mensalmente, ao Segundo Outorgante (Trabalhador), uma remuneração base (ilíquida) de (…), quantia essa que deduzidos os descontos legais, será depositada, por transferência bancária, na sua conta” – e não tem qualquer referência a salários de outros trabalhadores, nem qualquer elemento que faça crer haver alguma relação entre o concreto valor ali convencionado e o auferido por um determinado grupo ou categoria de trabalhadores (veja-se o facto 12.).
Por seu turno o seu n.º 2 não constitui também uma remissão do vencimento devido para os vencimentos dos trabalhadores “Enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde”, sendo evidente a relação que estabelece com o concreto valor convencionado no n.º 1 (a “remuneração base definida no número anterior”), valor este cuja actualização, não mais do que isso (a retribuição será “actualizada em função”), é acordada por reporte ao “aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República” (veja-se o facto 13.).
De acordo com os termos literais da cláusula, apenas a actualização da retribuição convencionada no contrato é feita em função do aumento percentual que se verificar em cada momento naqueloutro universo de enfermeiros.
Interpretação distinta da referida cláusula dos contratos de trabalho celebrados entre a R. e cada um dos AA. colidiria, a nosso ver, com a restrição expressa pelo artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, sendo certo que no caso nada se sabe quanto à vontade real das partes que, nos termos do n.º 2 do preceito, seria susceptível de relevar por a tal se não oporem as razões determinantes da forma do negócio.
Assim, com o a sentença, concluímos que o que os contratos indexaram ao “aumento percentual que vigorar, em cada momento, para o nível de idêntica categoria dos “Enfermeiros” integrados no Serviço Nacional de Saúde e conforme publicação em Diário da República” não foi a retribuição mas a actualização dessa retribuição.
5.1.3. Os recorrentes alegam ainda que consubstancia violação do princípio da igualdade o facto de a Ré ter procedido à reclassificação e ao reposicionamento remuneratório dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde e no pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 5º do DL 122/2010 e, sem qualquer fundamento, não o ter feito com eles, que se enquadram na previsão da alínea c) do n.º 2 do mencionado art.º 5º do DL 122/2010, a partir de 1 de Janeiro de 2013.
Vejamos.
O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no artigo 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa[8].
É dizer que, “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido[9].
O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (em vigor em 1 de Janeiro de 2013) contempla a esta matéria o nos artigos 23.º e ss., disciplinando a igualdade e não discriminação em função dos vários factores que enuncia e mantendo os princípios gerais e sistemas de valores expressos em 2003, embora abarcando no Código disposições que antes se encontravam no Regulamento[10].
Aí se estabelece que:
«Artigo 23.º
Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação
1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:
a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado.
2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um factor de discriminação.
Artigo 24.º
Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho
1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
2 – O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a) A critérios de selecção e a condições de contratação, em qualquer sector de actividade e a todos os níveis hierárquicos;
b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;
c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para selecção de trabalhadores a despedir;
d) A filiação ou participação em estruturas de representação colectiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.
3 – […]
4 - […]
5 - […]
Artigo 25.º
Proibição de discriminação
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 - […]
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.
7 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório.
8 - […]»
Os “factores de discriminação” em função dos quais é tratada a matéria da igualdade e não discriminação estão contidos nos artigos 24.º e 25.º, pelo que com estes preceitos devem ser articuladas as alíneas a) e b) do artigo 23.º, n.º1[11], bem como as demais normas incluídas na subsecção destinada aquela matéria, entre as quais a que estabelece a inversão do ónus da prova.
Apesar de o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho de 2009 não referenciar agora expressamente o preceito em que se mostram descritos os factores a que se reporta (como sucedia com o n.º 3 do artigo 23.º do Código do Trabalho de 2003, que expressamente aludia aos “factores indicados no n.º 1”), não deixa de precisar que se trata de “factores de discriminação”, pelo que necessariamente deverá o intérprete ter presentes os factores enunciados nos artigos 24.º e 25.º.
À luz do regime do Código do Trabalho de 2003, constituía jurisprudência pacífica a de que a inversão do ónus da prova a que aludia o n.º 3, do art. 23.º, do CT, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação[12]. Mantém actualidade esta jurisprudência, continuando a dever entender-se que numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção (de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores) e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.
No caso sub judice, não vem alegado que o referido tratamento desigual se baseou em qualquer dos factores de discriminação pressupostos na lei, ou outros qualitativamente equiparáveis (situações e opções do trabalhador, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, que atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei), pelo que não tem aplicação o que dispõe o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, e sempre valeria a regra consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, competindo aos recorrentes alegar e provar os factores que pudessem revelar o tratamento discriminatório.
Ora os recorrentes nem sequer identificam os trabalhadores relativamente aos quais invocam haver discriminação – o que sempre seria necessário, mesmo sendo alegado um factor legal de discriminação –, não alegando, nem demonstrando, que desempenhem as mesmas funções nas mesmas condições que tais trabalhadores de modo a permitir a conclusão de que o trabalho por si prestado tenha a mesma natureza, qualidade e quantidade do prestado pelos outros trabalhadores relativamente aos quais se sentem discriminados.
Como bem diz o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, e ao contrário do que refere a sentença, não se provaram factos integradores da invocada discriminação, nem dos factos apurados – de os AA. terem sido admitidos ao serviço da R. para prestarem cuidados de saúde, de exercerem funções inerentes à categoria profissional de enfermeiros ou enfermeiros de nível 1 e de a R. os classificar nessa categoria profissional – se pode extrair a ilação ou conclusão, pela verificação da discriminação.
Não é efectivamente possível, com os dados de facto disponíveis, estabelecer o indispensável confronto entre a situação objectiva dos AA. e dos demais trabalhadores da R., quer com contratos de trabalho em funções públicas, quer com contratos de trabalho submetidos ao regime privado, em ordem a apurar se o comportamento da R. se reveste, ou não, de algum arbítrio e concluir que há enfermeiros que prestem serviço de natureza, qualidade e quantidade idêntica à dos recorrentes e que são remunerados de modo mais favorável.
É também aqui pertinente o que se escreveu no já referido acórdão desta Relação do passado dia 20 de Junho:
«(…) relativamente a estes outros enfermeiros com contrato individual de trabalho e que por trabalharem 35 horas semanais, estariam nas mesmas condições que os Autores, cuja prova de discriminação levaria afinal à falta de fundamento da alegada redução proporcional da equiparação/retribuição, e por isso à revogação da sentença nessa parte, nada ficando provado, não podemos afirmar qualquer discriminação ou violação do princípio da igualdade retributiva.
Resta saber se, por via dos factos nº 14 e 15, sobre a Ré ter procedido ao reposicionamento remuneratório do pessoal de enfermagem que se enquadrava nas duas primeiras alíneas do nº 2 do art. 5º do DL 122/2010 e não o ter feito em relação aos Autores, encontramos a referida discriminação ou violação do princípio da igualdade.
Sendo claro que trabalho igual também passa pela quantidade do trabalho, é manifesto que o tempo de trabalho não é igual, pois os Autores trabalham 35 horas semanais, contra as 40 horas semanais dos enfermeiros a que se aplica o DL 248/2009, a propósito dos quais foi publicado o DL 122/2010.
O que não é claro é que exista igualdade até às 35 horas, para determinar a solução que a sentença recorrida adoptou. Aliás, recorde-se, a sentença partiu do pressuposto de que estava provado por acordo que o trabalho era de idêntica natureza e qualidade, e não há factos provados para isso.
De facto, o legislador criou dois regimes no que respeita aos recursos humanos na área da saúde, em concreto, na enfermagem, seja o DL 248/2009 e o DL 247/2009.
No preâmbulo deste último lê-se: “No âmbito da reformulação do regime de carreiras da Administração Pública, criou-se um patamar de referência para as carreiras dos profissionais de saúde a exercer em entidades públicas empresariais no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que adquire, neste contexto, particular importância a intenção de se replicar o modelo no sector empresarial do Estado.
Efectivamente, a padronização e a identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos contribuem para a circularidade do sistema e sustentam o reconhecimento mútuo da qualificação, independentemente do local de trabalho e da natureza jurídica da relação de emprego.
Para alcançar este desiderato, torna-se imperativo alterar, em conformidade, o regime de pessoal das entidades públicas empresariais no domínio do SNS para todos os profissionais de saúde. Cumpre, a este propósito, referir que a presente alteração não condiciona a aplicação do Código do Trabalho nem a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva.
Em síntese, através do presente decreto-lei, o Governo pretende garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, o que possibilita também a mobilidade interinstitucional, com harmonização de direitos e deveres, sem subverter a autonomia de gestão do sector empresarial do Estado”.
Assumindo pois o legislador o propósito de replicar, para os enfermeiros com contrato individual de trabalho, o modelo dos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, em vista da padronização e identidade de critérios de organização e valorização de recursos humanos que contribuem para a circularidade do sistema, garantias para as pessoas dos trabalhadores que integram esses recursos e do mesmo passo garantias de qualidade do sistema para os utentes, e portanto do cumprimento estatal dos imperativos constitucionais relacionados com a saúde pública, a verdade é que, como do mesmo preâmbulo consta, “Iniciado, em 2002, um processo de reforma da gestão hospitalar mediante o aprofundamento das formas de natureza empresarial e de gestão de recursos humanos, com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, determinou-se, posteriormente, em finais de 2005, a transformação das referidas unidades de saúde em entidades públicas empresariais. No que concerne aos recursos humanos, tem-se revelado como linha condutora dos regimes do sector empresarial do Estado, sucessivamente aprovados, em 1999 e 2007, fazer aplicar, aos respectivos trabalhadores, o Código do Trabalho, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal”. Quer isto dizer que o legislador entendeu reformar a gestão hospitalar mediante a criação de entidades públicas empresarias, dominadas por princípios de gestão empresarial, aos quais interessa que a fonte do estatuto legal do respectivo pessoal seja o Código do Trabalho, com as adaptações necessárias por via da garantia de qualidade do serviço que o legislador consagra neste DL 247/2009, mas sem prescindir dum aspecto essencial da legislação laboral, que é precisamente a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação colectiva, lugar onde também se joga a autonomia de gestão empresarial, autonomia esta que o legislador fez questão de sublinhar que não é subvertida pelas disposições que visam a harmonização e dignificação, mais a circularidade, dos trabalhadores públicos e privados da carreira de enfermagem. Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13º do DL 247/2009, lhe interessou remeter para modelos de gestão empresarial, susceptíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação colectiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte directamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação colectiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho – e mesmo que assim não fosse, o certo é que nestes autos não vem suscitada, pelos Autores, a questão da inconstitucionalidade do DL 247/2009, que expressamente reconhecem que lhes é aplicável.
Concluindo, não é também por esta via de discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que se pode defender o direito ao reposicionamento ou equiparação salarial.
[…]»
Também reconhecendo a diferença de regimes a que se mostram submetidos os enfermeiros ao serviço de entidades públicas empresariais, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo n.º 9706/14.6T8PRT.P1, teceu as seguintes considerações:
«(…) o Decreto-Lei n.º 247/2009 e o DL n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro, regulam realidades distintas, na medida em que o primeiro é aplicável aos “enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, enquanto o segundo tem aplicação “(…) ao enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas”. Têm em comum o propósito afirmado no preâmbulo do primeiro deles, isto é, o de “(...) garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”, mas as especificidades próprias de cada um dos regimes leva a que no segundo se estruture o “regime legal da carreira de enfermagem”, mas “enquanto carreira especial da Administração Pública”.
Por essas precisas razões, apesar da estrutura base da carreira partilhar princípios comuns, tudo o mais está depois sujeito ao seu próprio regime, isto é, no caso dos … contratados em regime de contrato individual de trabalho, ao Código do Trabalho e legislação complementar e “(...) aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (...)”; no caso, dos enfermeiros cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas, ao regime próprio da administração pública, vulgo, do funcionalismo público. Assim acontece, por exemplo, com o regime remuneratório e o regime de faltas férias, férias e feriados.»
Ou seja, como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto proferido no passado dia 20 de Junho deste ano, do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.° 122/2010, não resulta directamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 247/2009 que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.
Continuamos a subscrever este juízo, o que determina uma resposta negativa à 3.ª questão enunciada (suscitada nos recursos de ambas as partes, embora cada uma delas lhe confira respostas distintas) e acarreta a improcedência da pretensão recursória dos AA. de ver a R. condenada a proceder ao seu reposicionamente remuneratório com fundamento em se enquadrarem na previsão da alínea c) do n.º 2 do mencionado art.º 5º do DL 122/2010, seja por via da indexação dos respectivos contratos aos dos enfermeiros integrados no Sistema Nacional de Saúde seja por via da violação do princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”.
E acarreta, igualmente, a procedência da pretensão recursória da R. de se ver absolvida da condenação contida na sentença da 1.ª instância de equiparar os vencimentos dos AA. com os vencimentos auferidos pelos enfermeiros integrados na função pública desde o dia 01 de Janeiro de 2013, ainda que em tal equiparação se leve em conta a proporção do respectivo horário de trabalho, tornando prejudicada, consequencialmente, a apreciação da 4.ª questão enunciada (suscitada no recurso da R.) de saber se a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, nos termos que vieram a determinar a condenação constante na sentença recorrida, viola o princípio constitucional da igualdade, conduzindo à discriminação dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas – cfr. o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigo 663.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
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5.2. Da promoção à categoria profissional de enfermeiros graduados
Cabe agora responder à 5.ª questão enunciada e suscitada no recurso dos AA., de saber se as AA. H… e G… têm direito a ser classificadas na categoria profissional de enfermeiro graduado a partir de 1 de Janeiro de 2010.
A sentença da 1.ª instância, reconheceu que a cláusula que a este propósito consta dos contratos de trabalho em causa – segundo a qual “a promoção da segunda outorgante a categoria superior da respectiva carreira, bem como a progressão em cada categoria, são análogas às dos profissionais de idêntica categoria integrados no Serviço Nacional de Saúde, sendo-lhes aplicável o correspondente regime jurídico” – constitui uma remissão expressa para o regime jurídico vigente para os enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde no que concerne à progressão na carreira.
Contudo absolveu a R. do pedido de condenação na reclassificação como enfermeiros graduados e consequentes diferenças salariais desde 2010 a 2012, por nenhuma das AA. ter demonstrado estar de posse da classificação não inferior a “Satisfaz” exigida pelo invocado Decreto-Lei n.° 437/91, e em conformidade com a disciplina probatória constante do artigo 342º nº 1 do Código Civil.
Alegam os AA. que o tribunal a quo deveria ter considerado provado que estiveram no desempenho das suas funções durante mais de seis anos, o resultado da avaliação de desempenho das AA. foi sempre, no mínimo, de “Satisfaz” e foram promovidos inúmeros Enfermeiros, que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas e que, por essa via, deveria ter decidido que as AA. devem ser classificadas na correspondente categoria profissional de Enfermeiro Graduado, desde 1 de Janeiro de 2010.
Em face da alteração factual a que se procedeu, a argumentação da sentença não colhe relativamente à A. H…, uma vez que é possível concluir dos factos provados que presta funções na categoria de enfermeira nível 1 pelo menos desde 18 de Agosto de 2005 e que nunca obteve classificação inferior a Satisfaz desde que foi admitida ao serviço da R., em 18 de Fevereiro de 2004 e, pelo menos, até 11 de Julho de 2012 [factos 2., alínea g), 29. e 33.].
Tal não significa, porém, que deve obter provimento o recurso dos AA. quanto a este pedido de reclassificação.
Com efeito, não pode perder-se de vista que o Decreto-Lei n.° 437/91, de 8 de Novembro foi revogado pelo já citado Decreto-Lei n.° 248/2009, de 22 de Setembro (art. 28º), que veio estabelecer um novo regime da carreira especial de enfermagem, diploma que entrou em vigor a 23 de Setembro de 2009 (artigo 29º do mesmo), antes portanto de a A. H… ter completado os seis anos de serviço que aquele diploma estabelecia como requisito de promoção a enfermeiro graduado, pelo que nunca poderia a mesma pretender a sua promoção a enfermeira graduada ao abrigo do regime daquele diploma revogado.
Além disso, e seguindo mais uma vez o acórdão desta Relação do passado dia 20 de Junho:
«(…) Para os enfermeiros do SNS, deixou de existir a categoria de enfermeiro graduado, passando a carreira especial de enfermagem a desenvolver-se por duas outras categorias, enfermeiro e enfermeiro principal, por via do art. 7º, nº 1, do mencionado DL 248/2009, de 22 de Setembro. Porém, na mesma data foi publicado o DL 247/2009, que veio definir o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, o qual veio determinar, para os contratos individuais de trabalho, no nº 1 do seu art. 7º, que a carreira de enfermagem se estrutura nas seguintes categorias: a) Enfermeiro; b) Enfermeiro principal.
Simplesmente, por força do seu artigo 11º, nº 3, a admissão à categoria de enfermeiro principal exige, cumulativamente, a detenção do título de enfermeiro especialista, atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, e um mínimo de cinco anos de experiência efectiva no exercício da profissão, sendo ainda o recrutamento para os postos de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho, correspondentes à carreira de enfermagem, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção, conforme disposto no art. 12º, nº 1. Ou seja, a progressão deixou de ocorrer automaticamente, passando a depender de concurso, tal como passou a ocorrer para os enfermeiros do SNS, conforme resulta do art. 13º, nº 1, do DL 248/2009.
[…]»
Deste modo, mesmo que se considerasse a prevalência da liberdade contratual sobre as alterações legislativas subsequentes, por força da cláusula dos contratos de trabalho que prevê que a progressão na categoria profissional se faz por analogia com a fixada no regime geral da função pública, ou seja, mesmo que se entendesse que não era aplicável aos AA. o Decreto-Lei n.° 247/2009, a invocada indexação clausulada passou a remeter, mesmo quanto aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, para o novo regime emergente do Decreto-Lei n.° 248/2009, que também já não previa a progressão automática à data em que a A. H… preencheria os requisitos de progressão enunciados no, já nessa altura, revogado Decreto-Lei n.° 437/91.
Acresce que estas AA. não provaram, também, que tenham sido discriminadas relativamente a quem quer que seja, limitando-se à alegação conclusiva de que “foram promovidos inúmeros enfermeiros que, à imagem dos AA., preencheram as condições legais exigidas”, sem identificarem alguém que o tenha sido, o que nada adianta e não é, sequer, susceptível de prova.
Assim, com a resposta negativa à 5.ª questão enunciada quando se traçou o objecto do recurso, não pode reconhecer-se, mesmo a esta A., o direito à progressão automática e inerente reclassificação como enfermeira graduada, devendo manter-se a sentença absolutória nesta parte, ainda que por razões não totalmente coincidentes.
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5.3. As custas do recurso interposto da sentença final deverão ser suportadas pelos AA. recorrentes, porque em ambos decaíram (artigo 4527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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6. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
6.1. julgar improcedente a invocada nulidade da sentença;
6.2. julgar parcialmente procedentes as impugnações da decisão de facto deduzidas por ambas as partes e, em consequência:
6.2.1. alterar o ponto 7. da mesma decisão, na procedência parcial da impugnação deduzida pela R.;
6.2.2. aditar à decisão os pontos 32. e 33., na procedência parcial da impugnação deduzida pelos AA.;
6.2.3. alterar oficiosamente o ponto 21. da mesma decisão e aditar-lhe o ponto 34..
6.3. negar provimento ao recurso dos AA.;
6.4. conceder provimento ao recurso da R., e em consequência, revogar a sentença da 1.ª instância, absolvendo a R. de todos os pedidos contra ela formulados pelos AA.
Custas pelos AA..
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 7 de Julho de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Insere-se o nome completo da A. na medida em que a 10.ª A. é igualmente S…, e para que se distingam uma da outra mais claramente.
[2] Insere-se o nome completo da A. na medida em que a 9.ª A. é igualmente T…, e para que se distingam uma da outra mais claramente.
[3] Idem, face à 7.ª A.
[4] Idem face à 2.ª A..
[5] Corrige-se o nome desta A. pois a inscrição do nome F… nesta alínea k) deveu-se a lapso que se mostra evidente na medida em que a A. F… é a 5.ª A. indicada na petição inicial e não a 11.ª aqui referida., já havia sido referenciada na alínea e) do mesmo ponto da decisão de facto, não é a 11.ª A. indicada na petição inicial, nem o seu contrato teve início em 31 de Março de 2010, sendo estas referências todas relativas à A. L…, cujo contrato de trabalho se mostra documentado a fls. 87 e ss. - cfr. o artigo 614.º do CPC.
[6] Corrige-se oficiosamente a referência apenas à cláusula 4.º, na medida em que nos diversos documentos a que se reporta este ponto da decisão de facto, a cláusula nele transcrita surge por vezes como 2.ª – vide desde logo o contrato de fls. 35 e ss. – e por vezes como 4.ª – vide o contrato seguinte, documentado a fls. 39 e ss. - cfr. o artigo 614.º do CPC.
[7] Corrige-se a referência a “Sistema Nacional de Saúde”, como sugerido pela R., embora depois não vertido nas conclusões do recurso, alterando-a para “Serviço Nacional de Saúde”, uma vez que nos documentos a que se reporta este ponto 13. (vg. a fls. 35 e ss.), o n.º 2 da clausula em causa, que aqui se pretende transcrever, contém esta segunda referência - cfr. o artigo 614.º do CPC. Sendo certo que o ponto 13. da decisão de facto constitui a reprodução do artigo 13.º da petição inicial e neste consta “Sistema” e não “Serviço”, como bem nota o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a verdade é também que a referência constitui a transcrição de uma cláusula contratual escrita e encontra-se entre aspas, mesmo na petição inicial, pelo que logo ali se mostra evidente o lapso, devendo ficar a constar do ponto 13. da decisão de facto o efectivo teor da cláusula contratual escrita.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008, in www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2008, processo n.º 07S4100, no mesmo sítio.
[10] Vide Guilherme Dray in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 168.
[11] Vide Guilherme Dray in ob. citada, p. 169.
[12] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2011.10.12, Recurso n.º 343/04.4TTBCL.P1.S1 - 4.ª Secção e de 2011.07.06, Recurso n.º 428/06.2TTCSC.L1.S1, ambos sumariados in www.stj.pt. Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2010.04.21, Processo:1030/06.4TTPRT.S1, no mesmo sítio, é excluída a possibilidade de aplicação do regime especial de repartição do ónus da prova, previsto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho – onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – quando se mostre também excluída a aplicabilidade do regime jurídico garantístico do princípio da igualdade e da não discriminação.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – A cláusula de contrato individual de trabalho que determina a “actualização” da retribuição nele expressamente acordada, “em função do aumento percentual que vigorar em cada momento” para os enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, não pode interpretar-se como um indexação da retribuição ao regime salarial dos enfermeiros integrados no Serviço Nacional de Saúde, mas apenas como uma indexação da actualização daquela ao aumento percentual da retribuição destes.
II – Compete ao trabalhador que invoca a discriminação alegar e provar quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado e os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei e, quanto a estes factores, se os não alega, cabe-lhe alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por aqueles identificados trabalhadores, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”.
III – Do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.° 122/2010 não resulta directamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde.

Maria José Costa Pinto