Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
772/19.9T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PRIVAÇÃO DE USO
Nº do Documento: RP20220927772/19.9T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A sentença não enferma de nulidade, por omissão de pronúncia no que concerne à questão da litigância de má fé, se na própria sentença, justificando com a necessidade de cumprir o pleno contraditório prévio, se remete para momento ulterior o conhecimento da questão.
II - Conhecida a questão em momento ulterior nos termos sobreditos, deve entender-se a decisão como complementar, e como tal abrangida pelo objeto do recurso de apelação interposto da sentença.
III - A privação do uso constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o dono ou proprietário fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o art. 1305.º do CCivil lhe confere de modo pleno e exclusivo, exigindo-se para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que tal privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.
IV - Não consubstancia dano de privação de uso de veículo automóvel, passível de indemnização, quando o veículo sinistrado (qualificado como “perda total”), à data do acidente, se encontrava há já algum tempo parado, sem seguro obrigatório e inspeção em vigor, aguardando numa oficina reparação de avaria, desconhecendo-se a data provável de conclusão da reparação, se antes ou depois de a seguradora disponibilizar ao proprietário do veículo a indemnização devida pela “perda total”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 772/19.9T8AVR.P1

[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Aveiro - Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria da Luz Seabra
Adjunto: Artur Dionísio Oliveira

SUMÁRIO:
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I.

RELATÓRIO

1.
AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra S..., S. A. (anteriormente denominada de Companhia de Seguros T..., S.A.).
Alegou, sem síntese, que a 6 de novembro de 2017 ocorreu uma colisão entre veículos, que causou danos no veículo propriedade do A.; que a responsabilidade civil do veículo que embateu no do A. estava transferida para a R. e foi assumida pela mesma a 28 de dezembro de 2017; que a proposta final de regularização de sinistro da R. foi de 1000€, por ter havido perda total do veículo; que a R. não disponibilizou ao A. o relatório de peritagem a fim de se confirmar a perda total nem lhe comunicou as propostas nos termos e prazos previstos na lei; e que o veículo em causa era usado diariamente nas deslocações quotidianas do A., tendo este necessitado de utilizar um veículo emprestado, cujo custo ascenderia ao montante global de nunca menos de 5000€, havendo por isso a considerar o dano da privação de uso, que a R. se negou a assumir.
Pediu a condenação da Ré no pagamento do valor da perda total do veículo do A., nunca inferior a 1000€, bem como de indemnização pelo dano de privação de uso do mesmo, no valor de 10€/dia desde a data do acidente, valores acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, ao dobro da taxa legal, desde a data da assunção da responsabilidade e até efetivo e integral pagamento, e ainda a aplicação de sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% desde a data do trânsito em julgado até efetivo e integral pagamento.
2.
A Ré contestou, sustentando que o A., ainda que possa ter direito a ser ressarcido pelos danos sofridos pelo seu veículo, não tem direito ao recebimento do montante que reclama a título de privação de uso do veículo e que age em abuso de direito quando, conhecendo pelo menos desde 28 de dezembro de 2017 o valor proposto, isto é, 52 dias após o acidente, vem reclamar o pagamento de indemnização a título de privação do uso do mesmo veículo por um período de 479 dias; aceitou que o acidente aconteceu por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ..-..-FI, bem como a transferência de responsabilidade para si; mais alegou que enviou ao A. informação de que este poderia consultar o processo de sinistro através de serviço online (que este recebeu), bem como comunicação solicitando-lhe o seu contacto telefónico para agendar a peritagem ao seu veículo; que tal peritagem ocorreu na oficina para onde este havia sido transportado na sequência do acidente, estimando-se a reparação daquele em 3663,42€, tendo o mesmo um valor comercial não superior a 1000€ e os respetivos salvados um valor de 130€; que enviou uma carta ao A. comunicando-lhe essas informações e que a reparação do veículo não era viável, colocando à disposição daquele o valor de 870€; que o A. não aceitou essa proposta, alegando que a mesma não contemplava dano de privação de uso por ele alegadamente sofrido, pelo que, tendo em vista a resolução definitiva do assunto, lhe propôs o pagamento da quantia total de 1000€, já incluindo uma verba referente à paralisação da viatura; sublinhou que o A. não tem direito ao recebimento de qualquer quantia a esse título, porque já em data anterior ao acidente o veículo não era ou não podia ser utilizado, já que não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel nem certificado de inspeção periódica obrigatória em vigor, e ainda porque a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação não é suscetível de fundar a obrigação de indemnizar.
Aproveitou para requerer a intervenção principal provocada de BB, que conduzia o veículo de matrícula ..-..-FI com uma TAS de 1,14g/l, por ter direito de regresso sobre o mesmo por todas as quantias que venha a pagar em consequência do acidente dos presentes autos.
3.
Admitido o incidente de intervenção principal provocada, o Interveniente BB também contestou, invocando que o veículo em causa já há muito que não circulava na via pública, dado que além de não possuir seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel nem certificado de inspeção periódica obrigatória válido, estava imobilizado por avaria mecânica, pelo que, conhecendo a falta de fundamento da presente ação, o A. usa-a de forma manifestamente reprovável, aproveitando o facto de um veículo da sua propriedade se encontrar envolvido num acidente de viação, cuja responsabilidade foi transferida para a R., para reclamar danos inexistentes e sem fundamento; aderiu ao sustentado pela R. em matéria de abuso de direito e aceitou igualmente que o acidente aconteceu por sua culpa exclusiva e que a responsabilidade do seu veículo se encontrava transferida para a R.; concluiu, pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente e que o A. seja condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização.
4.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado na presente ação e:
- condena-se a R. a pagar ao A. indemnização pela perda total do veículo com a matrícula ..-..-HD, no valor de 870€ (oitocentos e setenta euros), acrescido de juros à taxa legal, desde a data da sua citação e até efectivo e integral pagamento;
- absolve-se a R. do demais pedido.
*
Custas pelo A. e pela R., face aos seus decaimentos.
(…)
Uma vez que se impõe o prosseguimento dos autos para apreciação de eventual litigância de má-fé do A., notifique-se este para, querendo, se pronunciar como tiver por conveniente, no prazo de 10 dias.]
5.
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – O A. intentou a presente ação declarativa contra a Companhia de Seguros T..., S.A., pedindo que esta fosse condenada no pagamento do valor da perda total do veículo do A., nunca inferior a 1.000€, bem como uma indemnização pelo dano da privação de uso, no valor de 10€ dia, desde a data do acidente, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, desde a data da assunção da responsabilidade e ainda a aplicação da sanção pecuniária compulsória à taxa de 5%.
2.ª – A Sentença de que se recorre julgou parcialmente procedente a ação, condenando a Ré a pagar ao A. indemnização pela perda total do veículo com a matricula ..-..-HD no valor de 870€ (oitocentos e setenta euros) acrescido de juros à taxa legal, desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento. Absolvendo-se dos demais pedidos.
3.ª – Determinou-se ainda o prosseguimento dos autos para apreciação de eventual litigância de má fé, notificando-se para se pronunciar, no prazo de 10 dias, o que se tiver por conveniente.
4.ª – NÃO SE CONFORMANDO COM A SENTENÇA PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS, da mesma vem interpor recurso sobre a matéria de facto e de direito.
5.ª – O Recorrente não se conforma com o julgamento da matéria de facto, no que concerne ao julgamento do ponto essencial que era o do valor do veículo. O tribunal considera o valor do veículo no montante de 870€ recorrendo à carta enviada pela R ao A, mencionada no ponto 10 da matéria provada, tão só. Nada refere de como foi aferido tal valor, apenas se dá por provado, porque o mesmo consta da informação da carta enviada pela R. ao A. que foi elaborada com base no relatório de peritagem.
6.ª – Porém, ao contrário do que se afirma na douta sentença, foi feita prova através de uma testemunha que aferiu o valor em concreto do veículo em causa. Testemunha essa, que serve de base para prova do facto 7, quando refere no seu depoimento ter existido um acordo de compra e venda do referido veículo, referindo-se expressamente na douta sentença que tal depoimento enquadrou de modo pormenorizado a negociação com o A. quanto à compra e venda do veículo, inclusivamente quanto ao intervalo de preços, consoante o da reparação.
7.ª – Porém, apesar do que é dito na douta sentença e do Tribunal ter aferido que o testemunho foi pormenorizado, até mesmo ao preço da compra, já não diz, exatamente o que foi referido pela testemunha, que concretizou o valor.
Segundo o depoimento de CC, quanto a valor do veículo, gravado sob o ficheiro 20211020095939_3859963_2870298, dia 20/10/2021 9.59.40/10.14.37, dúvidas não há que o veículo estava a andar, em pleno funcionamento, e apenas foi para a oficina em reboque porque não tinha seguro nem inspeção, o que não retira valor ao veículo, naturalmente. E que o valor acordado era entre os 1.500€ e os 1.600€. Dependendo da reparação.
8.ª – E ainda que no momento do acidente a reparação já havia sido realizada.
Ora, naquele momento o carro valia efetivamente 1.500€, 1.600€.
8.ª (a) – Tendo sido o próprio Interveniente a arrolar a testemunha que colaborou para a descoberta da verdade e apesar de não ter sido a testemunha arrolada pelo A, certo é que a mesma fez prova do valor do veículo e tal terá de ser considerado nos termos do art. 413º do CPC.
9.ª – Mais ainda porque não se determina apenas o valor comercial do veículo por si só, mas efetivamente, determina-se o valor concreto daquele veículo. Não um valor com base em veículos idênticos e aferido por semelhança, mas aquele era o valor patrimonial, pelo qual o mesmo poderia ter sido vendido não fosse o acidente.
10.ª – Como refere a mais vasta jurisprudência e doutrina, na apreciação da excessiva onerosidade importa ter em atenção fatores subjetivos, como os respeitantes ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, bem como as condições do lesado, e o seu justificado interesse específico na reparação do objeto danificado. Nesta sede, o valor a ter em conta é o valor patrimonial do veículo, correspondendo este ao valor que o veículo representa dentro do património do lesado. Tal valor não é, então, o valor venal do veículo mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado; o valor que ele tem efetivamente --- tal como estava antes do sinistro --- dentro do património do autor.
11.ª – Pelo que através daquela testemunha, houve prova bastante para considerar que o valor venal do veículo não era o de 1000,00€ conforme a Ré transmitiu na carta que enviou ao A., mas estaria entre 1.600€. Estando já reparado na altura do acidente e tendo a testemunha dito que o valor estaria nesse intervalo em virtude da reparação.
12.ª – E tal facto era essencial à decisão de um dos pedidos formulados pelo A., e assim, nos termos do art. 640º do CPC o recorrente considera incorretamente julgado o facto relativo ao valor patrimonial do veículo.
13.ª – Devia, ainda, ter-se considerado provado que o A. Só conheceu o relatório de peritagem no momento da audiência de discussão e julgamento, pelo que o ponto B) da matéria considerada não provada, devia ter-se considerado, pelo contrário, provada.
14.ª – A douta sentença não considera como provado tal ponto, dizendo que bastava a carta recebida em 28 de dezembro de 2017 informando o valor da reparação/do veículo e do salvado, de acordo com o art 41º nº 4 do Dl nº 291/2007.
15.ª – Se assim fosse, não haveria necessidade de a lei impor a disponibilização do relatório pericial, ou seja, o estipulado no art. 36 nº 1 d) do mesmo diploma, que determina que o relatório pericial bem como todos os relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão devem ser disponibilizados no prazo de 4 dias úteis da sua conclusão.
16.ª – De facto, o A. só tomou conhecimento de toda a documentação em sede de audiência de julgamento. Diga-se que, como refere o Autor no seu depoimento, que confirmou o recebimento da primeira carta. Com a disponibilização de uma área de cliente para poder ter as informações relativas ao acidente, que disse expressamente: Não ter acedido a tal área, uma vez que não é pessoa habituada a lidar com a internet.
17.ª – Depois também não se provou que de facto o relatório e os demais documentos efetivamente estivessem nessa área reservada aos clientes para consulta. O facto de se enviar uma carta a dizer que o A. pode consultar o processo de sinistro através do serviço online, não prova só por si a disponibilidade desses elementos para consulta. Daí que a lei exija no seu art. 46º que qualquer que seja o meio de comunicação, deve o mesmo ser feito por meio do qual fique um registo escrito ou gravado da sua disponibilização. Além de que para o fazer teria de estar autorizada, nos termos da lei, e tal autorização não costa dos autos.
18.ª – Pelo que deveria ter-se considerado provado, o facto alegado pelo A. de que nunca foi (até à entrada da ação em juízo, ou melhor até à audiência de julgamento) disponibilizado o relatório de peritagem ao A nem de todos os relatórios de averiguação necessários à sua compreensão. Por haver prova bastante deveria ter sido considerado tal facto pois era fundamental à apreciação do mérito da causa e o que se considera incorretamente julgado nos termos, também, do já referido art. 640º do C.P.C.
19.ª – Uma outra conclusão que deve ser retirada de toda a prova produzida é que a Ré/ Seguradora não cumpriu, ainda, com outros deveres acessórios do contrato, nomeadamente com os prazos para a regularização do sinistro, que foram largamente excedidos. Sendo que recusada a primeira proposta, a seguradora demorou quatro meses e meio para fazer a sua proposta final, sem qualquer comunicação durante esse tempo.
20.ª – Como resulta dos pontos 10 e 11 considerados provados, não tendo o A. aceite a proposta apresentada em 28 de dezembro de 2017, só em 10 de maio a Ré apresentou a proposta final.
21.ª – No âmbito do contrato se seguro, os deveres de informação, de celeridade, assumem especial importância no caso de perda total do veículo. Uma vez que a entrega do capital com a rápida resolução do sinistro.
22.ª – Assim e por forma a proteger as partes envolvidas, o DL 83/2006 de 3 de maio, veio estabelecer prazos para cumprimento de vários procedimentos respeitantes à regularização dos sinistros. Contudo, em 2007 e com o DL 291/2007 de 21 de agosto, veio ainda acrescentar tal ideia de proteção quando da regularização de sinistros com o capitulo III, com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel. Art. 32º nº 4 e 5.
23.ª – No caso dos autos, todos os prazos para a regularização do sinistro foram excedidos. O acidente ocorreu em 6 de novembro de 2017, nos termos do art. 36º a proposta para a regularização do sinistro deveria ocorrer dentro dos 30 dias úteis, ora a mesma acontece em 28 de dezembro de 2017. Pelo que não se compreende o que se afirma na douta sentença que a proposta foi comunicada 25 dias depois do primeiro contacto.
24.ª – Concluir a douta sentença que: Mais uma vez, era ao A., por pretender beneficiar das consequências do incumprimento do prazo pela R., que cabia a prova de que tal prazo tinha decorrido: se provou que a R. não pagou até ao fim do prazo de 8 dias úteis a contar da data da assunção da responsabilidade, não alegou nem provou ter apresentado àquela os documentos necessários para que procedesse àquele; o que parece mais razoável ao Tribunal é até que o não tenha feito, uma vez que ressalta do articulado que deu origem aos presentes autos que o A. nunca pretendeu esse pagamento, por rejeitar o valor proposto pela R.
25.ª – Não se entende muito bem, como é que o Tribunal aferiu que os documentos não haviam sido entregues, pois tal facto não foi alegado por nenhuma das partes, nem sequer foi a instrução. Este é um facto que o Tribunal deduz da letra da lei e da carta enviada, nunca tendo sido um argumento da Ré para não pagar qualquer indemnização. Julgar assim que o pagamento não foi realizado porque o A. não entregou os documentos, é tão só uma invasão do Tribunal. Porque a razão do não pagamento é clara e nada tem a ver com os documentos, é que a resposta à contra-proposta do autor demorou 4 meses e meio.
26.ª – Ora tal prova, efetivamente é feita pela própria Ré, que quando comunica a proposta final, em que assume não só a responsabilidade civil pela perda total do veículo, assume ainda o dando de privação de uso, e em 10 de maio (doc. junto com a PI e confirmado pela Ré), informam que estão dispostos ao pagamento de 1000,00€, sendo que a cópia dos documentos foi entregue ao perito a fim de fazer o relatório pericial, pelo que já os tinha em seu poder.
27.ª – De facto, e de tal documentação junta pelo A. e confirmada pela Ré, resulta que só em 10 de maio de 2018, ou seja, 6 meses após o acidente e mais de 4 meses e meio da assunção da responsabilidade é que a Ré avança com a proposta de pagamento de 1000€. Que aliás nunca foi paga, aliás, só assim se justifica a condenação nos presentes autos.
28.ª – Ora o prazo de oito dias para o pagamento da indemnização previsto no art. 43º, não pode estender-se para quatro meses e meio quando há uma contraproposta e aceitação de parte da mesma. Tal contraproposta apresentada a 10 de maio, não apenas prova que a Ré assumiu a título de privação de uso do veículo o valor igual ao do salvado e assim dando razão ao Autor, mas já não se justifica que passado quatro meses e meio, que o A. fosse obrigado a aceitar tal proposta, quando é a própria lei, que reconhece que um dia que seja na falta de resposta importa custos, previsto no art. 43º nº 3 da LCSA.
29.ª – Ou seja, 1000€ em 28 de dezembro, não tem para a lei o mesmo valor que 1000€ no dia 10 de maio. E foi nesse sentido que o A. Nunca poderia aceitar a proposta de 10 de maio, sem que esse acréscimo em virtude do tempo também fosse relevado.
30.ª – Aliás, também se provou, como a douta sentença e bem refere que havia um negócio de compra e venda do veiculo, por valores entre os 1500,00€ e 1.600€, logo, quando a seguradora oferece apenas 870€, é plenamente justificável a recusa do A.
31.ª – Outro dever da Seguradora é o dever de informação, aquele que se impõe na comunicação prevista no art. 41º nº 4, ou seja, a proposta de pagamento, exige a mesma forma de comunicação que a disponibilização do relatório pericial, que está regulada no art. 46º “As comunicações ou notificações previstas no presente capítulo consideram-se válidas e plenamente eficazes caso sejam efetuadas por correio registado, transmissão por telecópia, correio eletrónico ou por outro meio do qual fique um registo escrito ou gravado, desde que a empresa de seguros esteja a autorizada a fazê-lo nos termos da lei.”
32.ª – Ora, o Decreto-Lei n.°7/2004, de 7 de janeiro veio estabelecer no seu artigo 26.° que: «1. As declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação. Em obediência à diretiva 2002/65/CE (artigo 3.°), o Decreto-Lei n.º 95/2006 faz recair sobre os prestadores de serviços financeiros, em que se incluem as seguradoras (artigo 2.°, alínea d)), a obrigação de comunicarem ao consumidor, em papel ou noutro suporte duradouro disponível e acessível ao consumidor, certas informações que o diploma especifica (artigo 11.°, n.°1). Já vimos como estas informações devem ser comunicadas ao consumidor, não bastando que lhe seja dada a possibilidade de efetuar um download de páginas da Internet da seguradora.
33.ª – É neste sentido que o art. 46º estipula que as comunicações ou notificações previstas no presente capítulo consideram-se válidas e plenamente eficazes caso sejam efetuadas por correio registado, transmissão por telecópia, correio eletrónico ou por outro meio do qual fique um registo escrito ou gravado, desde que a empresa de seguros esteja a autorizada a fazê-lo nos termos da lei.
34.ª – Tais comunicações são apenas válidas, quando feitas online, quando houver registo escrito. É uma imposição de forma de que depende a validade da comunicação. Ora o registo escrito não se basta com a mera comunicação ao A. que de existe uma página na internet, cujo o endereço lhe transmite, onde pode consultar os elementos que a lei impõe serem comunicados. A Ré teria de provar que naquele sitio da internet efetivamente os relatórios e toda a documentação que a lei impõe seja fornecida ao terceiro lesado de um sinistro nos termos do art. 36º nº 1 d). O que não fez.
35.ª – Além que só poderia ter-se como válida tal forma de comunicação, caso o terceiro lesado, aqui A. Tivesse dado consentimento a fim de as comunicações lhe poderem ser feitas por via eletrónica. O que não sucedeu. A lei é clara quando refere na parte final do artigo “desde que a empresa de seguros esteja autorizada a fazê-lo”.
36.ª – Pelo que, ao contrário do que a douta sentença entende, não se pode concluir que a Ré disponibilizou, conforme a lei exige o relatório de peritagem. Assim incumpriu com o dever previsto no art. 36º nº 1 al c).
37.ª – Depois certo é que, ao contrário do que a douta sentença entende, existiu dano da privação do uso, muito superior ao valor igual ao do salvado que a Ré assumiu, assim vejamos:
38.ª – Como se referiu na PI a indemnização derivada da privação do uso de veículo em caso de acidente de viação desenham-se as teses divergentes entre si, que apontam, a maioritariamente seguida, no sentido de que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação. A privação é geradora de dano ou prejuízo e que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar - uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305º, do CC.
39.ª – De facto o que resulta da prova produzida, não é se existe ou não dano da privação do uso, mas sim o montante deste. Assim, está claro que do Doc. 2 que o A juntou na PI e que a Ré corroborou, esta assumiu o dano da privação de uso no valor igual ao salvado. Para depois em sede de contestação, apesar de referir expressamente que assumiu tal dano o vir negar e depois de agir de forma tal que fez em muito acrescer os prejuízos pelos quais é responsável. A obrigação de oferecer uma Proposta Razoável pressupõe que a seguradora tenha tomado uma posição quanto à responsabilidade no sinistro, assumindo-a e, assim, seja a responsável pelo pagamento de todos os danos sofridos em consequência do acidente. E esta deve-a manter, sob pena de agir de má-fé e mesmo com abuso de direito, quando no exercício da sua defesa, a R. seguradora que, tendo assumido inequivocamente a responsabilidade pelo acidente e a obrigação de reparar os danos dele emergentes em momento prévio à instauração da ação pelos lesados, recusa depois essa responsabilidade.
40.ª – Assim, a douta sentença baseia apenas o dano da privação de uso tão só no não se ter provado que o A utilizava o veiculo quando o A. alegou para fundamentar o dano de privação, então vejamos: o A alegou, que o veiculo era utilizado para as suas deslocações diárias e depois mais adiante adianta que a simples que a simples privação do uso, independentemente da utilização que se faça do veiculo ou não, é um dano indemnizável, uma vez que impede o seu dono, aqui A., do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, usar, fruir e dispor do bem. Depois refere que tal privação ocorreu da data do acidente, pelo menos até que a R apresentasse a proposta em que assume esses mesmos danos, mas quatro meses depois e por isso não concorda com o valor atribuído. Mais porque se desconhece quais os critérios os utilizados para fixar o dano da privação de uso em valor igual ao salvado. Ora o dano está na privação alegada e reconhecida pela Ré, independentemente do uso efetivo que se dava ao veículo. E conclui o pedido de condenação pelo dano de privação do veículo.
41.ª – O dano da privação existiu e não pode a douta sentença concluir de forma diferente, poderá eventualmente acomodar os valores retirando o não uso do veículo, mas nunca de forma alguma ocultando uma privação do mesmo, onde reside a causa de pedir.
42.ª – Ora não pode a douta sentença como fez, alhear-se de toda a envolvente, o referido veículo encontrava-se à guarda de uma oficina na via pública, porque apesar de funcionar tinha um problema relacionado com os injetores, ora em vez de o reparar, o A., ou melhor, o filho do A. negociou a venda do automóvel e foi por essa razão que o carro estava, onde estava, na oficina, para reparação necessária à venda. Como resultou do depoimento da testemunha DD e acima transcrito, o negócio só não se fez em virtude do acidente. Logo aqui se provou, que o poder de dispor do veículo, cessou em virtude do acidente. E tal poder de dispor, ao par do de fruir e de usar, também é indemnizarei como o A. e bem referiu na sua petição.
43.ª – Se é facto que o A. nada referiu quanto à venda do veículo na sua PI, porque como disse a testemunha o negócio foi sempre tratado pelo filho do A., certo é que tal facto não pode ser completamente omisso da decisão sobre a matéria de facto.
44.ª – Como refere Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, pai. 17 e sgs. “Na formulação tradicional do principiou do dispositivo, …. Levava a que se entendesse que não só competia às partes a alegação dos factos da causa como o juiz não podia servir-se de outros factos que não alegados pelas partes. Com a reforma do CPC em 2013 e com a introdução do art. 5º do CPC, o ónus da alegação circunscreve-se aos factos essenciais, mas não se podem colocar de parte todos os factos instrumentais e complementares que advenham da instrução da causa.
45.ª – O Contrato de compra e venda do veículo em causa, não sendo facto essencial, era um facto complementar ou concretizado do facto essencial (dano em virtude da privação do veiculo). Quanto a estes o juiz pode e deve conhecer tais factos quando resultem da instrução da causa e desde que sobre eles as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar. Quer isto dizer que, agora e nos termos da lei, o conhecimento desses factos passa a ser oficioso e deixa de estar dependente da vontade do interessado, ao contrário do que sucedia antes do CPC de 2013”. Em caso de indemnização em dinheiro, deverá atender-se à medida que o artigo 566º, nº 2, do Código Civil estabelece: a da diferença entre a situação do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data, se não existissem danos, considerando, ainda, os demais critérios que os artigos 564º a 566º do Código Civil estabelecem.
46.ª – Deste modo a compra e venda que veio a ser conhecida na instrução do processo, veio concretizar o alegado em 16º 17º a 19º da PI, uma vez que concretiza algo alegado de forma genérica no poder do A dispor do seu veículo.
47.ª – Significa, então, que, tendo o juiz contacto com um facto ao longo do processo, porque ele consta de um documento junto aos autos ou porque resulta do depoimento de uma testemunha, entre outras eventualidades, não só terá a possibilidade de ter esse facto em conta no momento da prolação da decisão, utilizando-o, nomeadamente, para dar como provado um outro facto, como ainda tem um amplo poder inquisitório, podendo levar a cabo todas as diligências que tiver por pertinentes para a sua investigação e averiguação. Significa então que, tendo esses factos sido alegados e provados no processo, o juiz poderá deles livremente conhecer, aplicando- lhes o direito vigente e proferindo uma decisão de mérito sobre a causa.
48.ª – Em suma, acontece, no entanto, que durante a instrução da causa, o juiz vem tomar conhecimento, e inclusivamente ficar convencido, da ocorrência de factos que não foram concretizados/alegados pela parte. Na hipótese atrás desenhada, entendo que estará no poder do juiz conhecer desses factos, uma vez que a lei expressamente lhe confere essa autoridade. Tal apenas pode não acontecer nos casos em que as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar sobre os factos ou, tendo-a tido, se pronunciaram no sentido do seu não aproveitamento. O que não sucedeu, uma vez que a referida compra e venda foi invocada no processo pelo Interveniente.
49.ª – Desta forma a douta sentença deveria ter relevado para a apreciação da existência de dano de privação do veículo a matéria que resultou da instrução e que na decisão sobre a matéria de facto fundamenta a prova do ponto 7, transcrevendo: o depoimento de DD, que enquadrou de modo pormenorizado a negociação com o filho do A (e não com o A, como refere) quanto à compra e Venda do veículo, inclusivamente quanto ao intervalo de preços que discutiram, e explicou como a conclusão desse negócio dependia somente de acertar o preço, consoante o da reparação.
50.ª – Além de não ser necessário que no momento do acidente o veiculo fosse utilizado, nos dias a ter e seguinte. Se o veiculo estava numa oficina para reparação, o intuito evidenciado e provado, era que o carro circulasse. Ninguém vai fazer uma reparação de um veículo para não utilizar o mesmo. Fosse qual fosse a utilização que fosse dada ao veículo, provada está a sua necessidade pelo facto de o mesmo veículo estar numa oficina para reparação. Ninguém iria reparar um veículo para entregar o mesmo para abate. Tal utilização deixou de poder existir em virtude do acidente. Pelo que, também, por esta via, existe um dano de privação, que vai muito para além, do valor do veículo, tendo em conta, até que a reposta definitiva da Ré só foi dada 6 meses depois do acidente.
51.ª – Depois é certo que, como vimos supra existiu uma violação dos deveres acessórios por parte da seguradora. Como já se referiu não bastava a comunicação de um endereço eletrónico para a consulta do processo, nomeadamente o relatório de peritagem e o orçamento da reparação, através do qual a Ré concluiu ter havido perda total.
52.ª – Como se refere no acordo do TRP de 21-02-2018: “Age em violação dos deveres acessórios de conduta, a justificar a atribuição de indemnização pela privação do uso do veículo, a seguradora que se atrasa injustificadamente na conclusão do processo e que tal obsta a que o mesmo receba a indemnização por perda total do veiculo.”
53.ª – Entende-se, na realidade, que a privação do uso de um bem é suscetível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição e disposição da coisa. A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
54.ª – Acresce que estar quatro meses e meio à espera de uma resposta da seguradora, depois desta apresentar uma proposta que não contemplava o dano da privação de uso, impediu o A. de durante esse tempo, a par do facto do acidente ter inviabilizado o negócio de venda do veículo, são danos que deverão ser indemnizáveis pela Ré a título de dano de privação, que aliás a Ré assumiu, em 10 de maio de 2018.
55.ª – Assim, não há duvidas:
1.º Que o valor do veículo não era o de 1000€, mas o valor do efetivo prejuízo ou valor do veículo na esfera jurídica do A. que não fosse o acidente poderia ter vendido o veiculo por 1.600€. Sendo este o valor do veículo, uma vez que se encontrava já reparado, face às declarações da testemunha DD.
2.º Que não se pode concluir que o veículo não tinha utilização, apenas por não ter seguro e infeção periódica válidos, uma vez que tal veículo estava numa oficina para reparação a fim de se lhe dar um destino. Destino esse que não era de todo o abate ou a não intenção de uma vantagem que o acidente impossibilitou. Provando-se que o veiculo se encontrava para reparação, certo é que tal reparação só será concebia se se quisesse tirar alguma utilidade o mesmo poderia proporcionar.
3.º Depois deverá o mesmo ser indemnizado pela privação do uso, pela afetação do acidente nos seus poderes inerentes ao direito de propriedade sobre o mesmo veículo, tendo em conta que acidente veio inviabilizar um negócio de compra e venda em novembro de 2017.
4.º Que só em 10 de maio de 2018, a Ré, embora assumido o dano de privação de uso, apresentou a sua proposta final de indemnização, ou seja, seis meses depois do acidente ter ocorrido.
56.ª – Por tudo isto não se pode o A. conformar com a condenação da Ré em somente 870€, ou seja o valor atribuído pela seguradora ao veículo, deduzido o valor do salvado.
57.ª – Assim e de acordo com o pedido formulado, deve a Ré ser condenada no valor de 1600,00€ a título de perda total nos termos do art. 41º nº 3 do DL 291/2007; e deve ainda ser condenada a indemnizar o A. pelo dano da privação de uso em virtude de não ter celebrado o negócio de venda prometido e ainda pelo facto de estar seis meses à espera de uma solução para a resolução do problema causado pelo acidente do qual a Ré assumiu a responsabilidade, inclusivamente a do dano de privação de uso, conforme peticionado.
58.ª – Deve ainda ao contrário do que é referido na douta sentença ser condenado em sanção pecuniária compulsaria, conforme pedido ao abrigo do art 829ºA, que não pedido nos termos do nº 1 do referido artigo, mas nos termos do nº 4 em que se refere: Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
59.ª – Por fim, determinou-se na douta sentença, notificar o A. para querendo se pronunciar sobre a eventual litigância de má fé. Invoca-se, assim, a nulidade da sentença recorrida, imputando-lhe o vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Nos termos da invocada alínea d) do citado preceito, a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, do qual consta o seguinte: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
60.ª – A justificar a arguição daquele vício, o apelante alude ao artigo 543.º, n.º 3, do CPC interpretando tal preceito no sentido de que «só a fixação da indemnização a atribuir em consequência da litigância de má-fé pode ser relegada para posterior (relativamente à sentença) decisão», sublinhando que «a contrario sensu», a condenação da parte como litigante de má-fé e a fixação da respetiva multa processual não pode ser deixada para ulterior decisão, antes devendo ser fixada pelo juiz na sentença final.
61.ª – Ora, a Ré na sua contestação, vem logo alegar o abuso de direito, sobre o qual o A. se pronunciou em requerimento próprio. Posteriormente o Interveniente ao apresentar a sua contestação, vem na mesma senda, pegar no referido abuso de direito a fim de integrar o conceito de litigância de má fé, e pedir, tão só a condenação do A em multa, uma vez que no seu articulado nada alega qualquer causa de pedir para a eventual indemnização.
62.ª – Não sendo a matéria atinente à litigância de má-fé autónoma do mérito da causa, não é admissível que o Tribunal decida em despacho subsequente à sentença a questão sobre a litigância de má-fé. Verificando-se que a matéria atinente aos pressupostos da litigância de má-fé foi objeto de discussão anterior, por não ter sido percecionada e suscitada oficiosamente pelo Tribunal a quo somente com a prolação da sentença que julgou totalmente procedente a oposição deduzida pelo requerido, mostra-se errada a decisão que no referido contexto decide determinar a notificação das partes para, querendo, no prazo de dez dias, tomarem posição sobre tal matéria, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, só depois proferindo decisão quanto à litigância de má-fé; sendo que qualquer decisão que vier a ser proferida posteriormente está ferida de nulidade pelo vício decorrente da prolação de decisão após esgotamento do poder jurisdicional do juiz. O que deve desde já ser reconhecido.
6.
A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, bem assim pela punição do Autor como litigante de má-fé.
7.
Em 24.05.2022, o Tribunal a quo apreciou e decidiu a questão da litigância de má fé do Autor, concluindo assim:
[Por todo o exposto, decide-se, à luz do disposto nos artigos 542º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC e 27º, n.º 3, do RCP, condenar o A., enquanto litigante de má-fé, no pagamento de multa, que se fixa em 5 UC (cinco unidades de conta), sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto à indemnização requerida pelo interveniente.]
8.
A propósito da invocada nulidade da sentença por omissão da pronúncia, também em 24.05.2022, quando da prolação de despacho sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal de 1.ª instância pronunciou-se assim:
[Aquando da prolação de sentença, foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que se impõe o prosseguimento dos autos para apreciação de eventual litigância de má-fé do A., notifique-se este para, querendo, se pronunciar como tiver por conveniente, no prazo de 10 dias».
Como se expôs supra, o despacho foi proferido nesse momento porque apenas na elaboração da sentença se pôde concluir pela pertinência da condenação do A. como litigante de má-fé, mais se constatando que antes não lhe fora dada oportunidade de se pronunciar, como se impunha, sem que, portanto, a questão pudesse ser logo decidida. Deste modo, impôs-se proferir tal decisão em despacho autónomo e não na sentença, momento em que o Tribunal decidiu todas as questões sobre as quais estava em condições de se pronunciar, devendo fazê-lo, e deixou de lado aquelas que não podia apreciar – designadamente a eventual litigância de má-fé do A. –, no mesmo momento dando conhecimento a todas as partes de que os autos prosseguiriam para apreciação dessa questão em momento oportuno, necessariamente posterior ao decurso do prazo para contraditório.
Julga-se que não houve, portanto, qualquer omissão de pronúncia, já que o Tribunal não podia nem devia apreciar a questão nesse momento.
Mais importa atentar que, nas referidas alegações de recurso, o A. alega que «[o]s factos que integram o pedido de litigância de má fé, foram vertidos nas contestações da Ré (como abuso de direito) e do Interveniente Provocado. Sobre as mesmas o A. tomou posição, em requerimento de 27 de Maio de 2019». Por consulta do processado, afere-se que o único requerimento datado de 27 de Maio de 2019 foi apresentado pela Ilustre Mandatária do A., na sequência de despacho que determinou que se notificasse «o autor para, no prazo de 10(dez) dias, se pronunciar quanto ao incidente de intervenção acessória provocada suscitado pela ré – cfr. artigo 322º, n.º 2 do C.P.C.», e que do mesmo consta que «O Autor impugna, em razão do desconhecimento, o alegado em 64º a 72º» e que «Não obstante não se opõe à intervenção do condutor como parte na presente acção».
Uma vez que o alegado em 64º a 72º também diz respeito ao referido incidente de intervenção e que a litigância de má-fé do A. foi alegada na contestação do próprio interveniente (que ainda nem tinha sido citado na data do requerimento referido pelo A.), só é possível compreender a referência à tomada de posição do A. nesse momento a partir da referência à associação entre a litigância de má-fé e o abuso de direito invocado pela R..
Como se expôs antes e se fez constar também do relatório da sentença, a litigância de má-fé foi expressamente suscitada pelo interveniente, e não pela R., pelo que não pode ter-se a tomada de posição do A. relativamente à contestação da R. como uma tomada de posição relativamente à litigância de má-fé invocada pelo interveniente. Uma vez que, embora o A. tenha tido «vários momentos para exercer o contraditório», como diz nas suas alegações de recurso, não fora antes convidado a tomar posição sobre esta concreta questão, julga-se, partindo das palavras do A., que «a matéria atinente aos pressupostos da litigância de má-fé» não tinha sido «objeto de discussão anterior», não podendo o Tribunal apreciá-la antes.
Além disso, a julgar-se ter havido omissão de pronúncia, julga-se que sempre será de considerar que a mesma se mostra agora colmatada, pelo despacho antes proferido relativamente à litigância de má-fé do A. – sem prejuízo da alegação do A., nas suas alegações de recurso, no sentido de que qualquer decisão que viesse a ser proferida posteriormente seria nula.]
II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, desnecessariamente prolixas, repetitivas e algo confusas no que toca à distinção entre matéria de facto e matéria de direito, não podemos deixar de o dizer, as questões estruturais carecidas de resposta por via deste recurso apresentam-se assim:
a) Se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão de litigância de má-fé;
b) Se se justifica a pretendida modificação da decisão da matéria de facto;
c) Se deve ser aumentado o montante da indemnização fixado pela sentença recorrida a título de perda total do veículo;
d) Se é devida indemnização a título de privação de uso do veículo; e
e) Se a conduta processual do Autor é merecedora da qualificação de má-fé.

III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Defende a Apelante que a sentença recorrida, por não ter apreciado e decidido a questão da litigância de má fé, padece de vício de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte, do CPCivil.
Sem razão, a nosso ver.
Nos termos da cit. disposição legal, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
No caso dos autos, a Exma. Juíza de Direito, ao prolatar a sentença sobre o mérito da causa, não ignorou a questão lateral da litigância de má fé. Bem pelo contrário. Assumindo expressamente o dever de decidir aquela questão, justificou não ser então o momento oportuno para o fazer, em razão da necessidade de cumprir previamente o contraditório, deixando exarado no final do aresto: [Uma vez que se impõe o prosseguimento dos autos para apreciação de eventual litigância de má-fé do A., notifique-se este para, querendo, se pronunciar como tiver por conveniente, no prazo de 10 dias].
Tal atuação do Tribunal a quo, em vez de merecer a crítica do Recorrente, deveria ser merecedor de respeito e elogio, desde logo porque assumida em benefício dos seus próprios interesses, traduzidos na possibilidade de exercício de um contraditório pleno perante um quadro que antes não existia, composto, para além do mais, pelo elenco dos factos julgados provados e não provados, naturalmente com relevo para a decisão da questão da litigância de má fé.
Sendo verdade que, por regra, é na sentença que deverá dar-se resposta à questão da existência de litigância de má fé, como se infere desde logo do preceituado no art. 543.º, n.º 3 do CPCivil, não podemos pôr de parte a possibilidade de situações particulares justificadoras de procedimento diverso, conduzindo à prolação de decisão subsequente à sentença, assumindo então aquela complemento desta, situação em que “o recurso da sentença terá vocação para abranger a impugnação da condenação como ligante de má-fé”[1].
No caso dos autos, o procedimento adotado pela Exma. Juíza de Direito encontra-se por demais justificado, por razões inerentes ao cumprimento do devido contraditório, como de resto a mesma bem deixou sublinhado no despacho que deixámos transcrito supra em I-9).
Afirmar-se a um tempo que a sentença é nula por omissão de conhecimento de uma questão e que a decisão subsequente que conhece a mesma questão é nula em razão de esgotamento do poder jurisdicional, como o faz o Apelante, para além de não ser acertado no caso dos autos, pelas razões já aduzidas, em termos gerais pode mesmo configurar contradição nos seus próprios termos.
Na verdade, sendo a nulidade decorrente de omissão de pronúncia de natureza puramente formal (como todas as demais elencadas no art. 615.º do CPCivil), será sempre passível de sanação, naturalmente mediante conhecimento do que fora omitido.
Assim, sem necessidade de nos alongarmos mais em considerações em volta do tema, concluímos pela não verificação de nulidade tanto da sentença como da decisão ulterior que a complementa quanto ao conhecimento da questão da litigância de má fé imputada ao Autor, não deixando o mérito da última de ficar de fora do objeto deste recurso.

2.
OS FACTOS
2.1.
Factos julgados provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. No dia 6 de novembro de 2017, pelas 4h50, na Rua ..., em ..., ocorreu uma colisão entre os veículos com as matrículas ..-..-FI, ..-..-LV, ..-..-CG e ..-..-HD.
2. O veículo com a matrícula ..-..-HD, da propriedade do A., estava estacionado naquele local quando o veículo com a matrícula ..-..-FI nele embateu, causando-lhe danos.
3. A responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo com a matrícula ..-..-FI estava transferida para a R. através da apólice nº ....
4. A R. assumiu a responsabilidade pelo acidente referido em 1.
5. À data do acidente, o seguro de responsabilidade civil automóvel e o certificado de inspeção periódica obrigatória do veículo com a matrícula ..-..-HD não estavam em vigor.
6. Desde pelo menos o início de outubro de 2017, aquele veículo não era utilizado, encontrando-se estacionado no local onde foi embatido, a aguardar reparação.
7. O A. e DD tinham acordado na compra e venda do mesmo, estando apenas a aguardar saber o preço da reparação para determinar o preço daquele.
8. A 20 de novembro de 2017, a R. enviou uma carta ao A., que a recebeu, informando-o de que, querendo, poderia consultar o processo de sinistro através de serviço online, e outra solicitando-lhe contacto telefónico para proceder ao agendamento de peritagem.
9. A 15 de dezembro de 2017, realizou-se a peritagem do veículo.
10. A 28 de dezembro de 2017, a R. enviou uma carta ao A., que a recebeu, informando-o da estimativa de reparação dos danos do veículo, no valor de 3663,42€, do valor venal de 1000€ atribuído ao mesmo e do valor de 130€ atribuído ao salvado, colocando à disposição do mesmo o valor de 870€ e comunicando que ficaria a aguardar resposta à proposta apresentada e cópia dos documentos do veículo.
11. Uma vez que o A. comunicou à R. não aceitar a proposta, a R. apresentou-lhe como proposta final, a 10 de maio de 2018, o valor de 1000€, já contemplando indemnização a título de paralisação da viatura.
2.2.
Factos não provados
Dos factos tidos com relevância para a decisão, Tribunal a quo julgou não provados os seguintes:
A – O veículo em causa era usado diariamente nas deslocações quotidianas do A..
B – O relatório de peritagem não foi disponibilizado ao A..
2.3.
Apreciação da impugnação da matéria de facto
2.3.1.
Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa a matéria de facto”, dispõe assim o art. 640.º, n.º 1, do CPCivil: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso que nos ocupa, o Apelante, após tecer considerações diversas em torno da matéria respeitante ao “valor comercial do veículo” à data do sinistro, remata assim, sob as conclusões 11.ª e 12.ª: “Pelo que através daquela testemunha [referindo-se à testemunha CC], houve prova bastante para considerar que o valor venal do veículo não era o de 1000,00€ conforme a Ré transmitiu na carta que enviou ao A., mas estaria entre 1.600€. Estando já reparado na altura do acidente e tendo a testemunha dito que o valor estaria nesse intervalo em virtude da reparação”. “E tal facto era essencial à decisão de um dos pedidos formulados pelo A., e assim, nos termos do art. 640º do CPC o recorrente considera incorrectamente julgado o facto relativo ao valor patrimonial do veículo”.
Ora, tal forma de alegar e concluir apresenta-se manifestamente inadequada e insuficiente para que possamos considerar devidamente cumprido o ónus de especificação previsto no cit. art. 640.º, n.º 1, al. a).
Na verdade, ficamos sem saber qual o concreto ponto da matéria de facto – devidamente autonomizados na sentença, sob numeração quanto aos provados, e sob alíneas quanto aos não provados – que o apelante apelida de incorretamente julgado, assim como ignoramos a concreta redação alternativa advogada pelo Recorrente como acertada em face dos meios de prova que indica.
Nestas circunstâncias, julgamos ser de rejeitar a impugnação nesta parte.
Ainda assim, mesmo a entender-se que o Apelante pretende que este Tribunal passe a considerar como provado que o veículo em causa, à data do acidente, valia cerca de 1.600,00€, com base no depoimento da referida testemunha, nenhuma razão válida existe para tal.
Por um lado, como de resto bem explicitado ficou na sentença recorrida, o A. em momento algum, desde logo em sede de causa de pedir, alegou qualquer valor comercial concreto respeitante ao seu veículo, sendo certo que sempre o poderia ter feito, e independentemente de a Ré seguradora lhe remeter ou não documentação no âmbito da regularização extrajudicial do sinistro.
Mesmo que o valor comercial de 1.600,00€ pudesse resultar do sentido do depoimento da testemunha DD, que nunca poderia, pelas razões que ficaram explicitadas na decisão recorrida em matéria de apreciação crítica dos meios de prova, jamais poderia ser atendido pelo tribunal ao abrigo do preceituado no art. 5.º, n.º 2, do CPCivil, pela razão simples de que estaríamos perante um facto essencial a fazer valer a pretensão do Autor, e não um facto instrumental complementar ou sequer concretizador.
2.3.2.
Sustenta o Apelante nas suas alegações/conclusões que “devia ainda ter-se considerado provado que o A. só conheceu o relatório de peritagem no momento da audiência de discussão e julgamento, pelo que o ponto B) da matéria considerada não provada, devia ter-se considerado, pelo contrário, provada”, tendo por base desde logo o depoimento prestado pelo próprio Autor.
Lembramos que o Tribunal recorrido julgou não provado, sob a respetiva alínea B): “O relatório de peritagem não foi disponibilizado ao A.”.
O fundamento do sentido desta decisão ficou assim explicitado na sentença: [Quanto ao facto B, tal conclusão bastou-se com a prova do facto 8 (quanto ao modo de disponibilização das informações relativas ao acidente) e a circunstância de o A. ter declarado não ter ligado muito a isso, tendo em conta que era ao A. que cabia a prova de que tal relatório não lhe fora disponibilizado e que a R. assim revelou a possibilidade de o ter disponibilizado online sem que o A. o tivesse visto].
O facto em apreço foi alegado pelo A. sob o artigo 7.º da petição e, nessa medida, competia-lhe fazer prova da veracidade do mesmo (art. 342.º, n.º 1, do CCivil).
Ora, o depoimento do A. apresenta-se manifestamente insuficiente para criar convicção segura ao julgador no sentido da ocorrência de tal facto. É certo que estamos perante um facto negativo e é sabido que em tais casos a prova nem sempre se apresenta de fácil concretização. Contudo, no caso dos autos, perante a prova do facto descrito sob o item 8) – “A 20 de Novembro de 2017, a R. enviou uma carta ao A., que a recebeu, informando-o de que, querendo, poderia consultar o processo de sinistro através de serviço online e outra solicitando-lhe contacto telefónico para proceder ao agendamento de peritagem” –, e a circunstância de o A. ter declarado “não ter ligado muito a isso”, julgamos ser de concluir como concluiu a 1.ª instância, ou seja, “que a Ré revelou a possibilidade de o ter disponibilizado online sem que o A. o tivesse visto”.
Em todo o caso, insistimos, não impendia sobre a Ré o ónus de provar ter enviado ao Autor o relatório de peritagem, competindo antes ao Autor provar o não envio, em conformidade com o que alegou na petição inicial.
E, já agora, não é de todo verdade o que o Apelante deixou dito na conclusão 36.ª. A sentença não concluiu que a Ré disponibilizou ao A. o relatório de peritagem; apenas concluiu no sentido de ter procedido em termos compatíveis com a possibilidade de tal disponibilização ter ocorrido.
Assim, sem necessidade de outras considerações, impõe-se a improcedência do recurso nesta parte, mantendo-se inalterado o teor da al. B) do elenco dos factos julgados não provados.
2.3.3.
Relativamente à questão da “projetada venda do veículo”, não é verdade que tal matéria tenha sido completamente omitida na decisão da matéria de facto, como parece afirmar o Autor na Conclusão 43.ª.
Com efeito, mesmo ante a ausência de alegação neste domínio, a sentença julgou provado, sob o respetivo ponto 7): “O A. e DD tinham acordado na compra e venda do mesmo, estando apenas a aguardar saber o preço da reparação para determinar o preço daquele”.
E relativamente ao ponto 7) do elenco dos factos provados, o Apelante, não obstante se referir genericamente ao depoimento da testemunha DD, não impugna sequer a redação do mesmo, propondo uma qualquer outra redação alternativa.
Nestas circunstâncias, também neste domínio não há qualquer justificação para operar a alteração da decisão da matéria de facto.
2.3.4.
Termos em que concluímos pela total improcedência do recurso em matéria de facto.

3.
OS FACTOS E O DIREITO
3.1.
Da indemnização devida a título de “perda total” do veículo
Lembramos que a 1.ª instância concluiu pela obrigação de a Ré pagar ao Autor o valor de 870€, equivalente ao valor venal do veículo deduzido o valor do salvado, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 559º, n.º 1, 804º, n.º 1, 805º, n.º 1, e 806º, nºs 1 e 2, do CC, e 1.º da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
O Apelante defendeu o aumento do referido montante indemnizatório, tendo por base o facto de o valor venal do veículo não corresponder a 1.000,00€, mas sim a 1.600,00€, valor pelo qual o veículo poderia ter sido vendido não fora a ocorrência do sinistro.
Adiantamos desde já que não operando qualquer alteração da decisão da matéria de facto por via deste recurso, nenhuma razão vemos que justifique a alteração da solução jurídica alcançada pela 1.ª instância nesta matéria.
Em face da causa de pedir e da factualidade julgada provada, permitimo-nos evidenciar o seguinte:
- O Autor, em sede de petição inicial, limitou-se a aludir à proposta que recebeu da Ré para regularizar extrajudicialmente a reparação dos danos, assente em “perda total do veículo”, não pondo em causa a situação de “perda total”, nem tão pouco alegando um valor venal do veículo diferente do que havia sido considerado pela Ré, limitando-se a invocar incumprimento da Ré no que concerne ao envio de documentação relacionada com a avaliação dos danos sofridos pelo veículo;
- Da matéria de facto julgada provada não se retira que o Autor tenha logrado provar que o valor venal do veículo fosse, à data do acidente, superior a 1.000,00€, e o valor do “salvado” fosse superior a 130,00€, valores considerados pela Ré na proposta que apresentou ao Autor;
- Pese embora tenha resultado provado que o Autor negociou com um terceiro a venda do veículo, a verdade é que tal aconteceu quando o veículo se encontrava a aguardar reparação numa oficina, e a determinação do preço da venda ficou a aguardar a conclusão da dita reparação (ver pontos 6) e 7) do elenco dos factos provados);
- A matéria de facto julgada provada apresenta-se insuficiente para podermos concluir por qualquer incumprimento relevante da Ré em sede de regularização extrajudicial do sinistro, à luz do que dispõe o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, capaz de justificar a atribuição de um valor indemnizatório superior com fundamento em perda total do veículo.
Neste quadro, não podia o Tribunal ir mais além do que foi em matéria de determinação do valor indemnizatório, com base em “perda total” do veículo, deixando vertidas na respetiva fundamentação considerações que não podemos deixar de acolher e que passamos a reproduzir, para melhor elucidação:
[O artigo 41º, n.º 1, alínea c), do regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo DL n.º 291/2007 determina que um veículo interveniente num acidente com mais de 2 anos se considera em situação de perda total quando se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 120% do valor venal do veículo (definido no n.º 2 do mesmo artigo como o seu valor de substituição no momento anterior ao acidente).
Nessa situação, o valor da indemnização corresponde ao valor venal do veículo deduzido do valor do respetivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização, tal como resulta do n.º 3 do mesmo artigo.
O n.º 4 fixa ainda que, ao propor o pagamento de uma indemnização por perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar ao lesado, cumulativamente, as informações relativas à identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade, ao valor venal do veículo no momento anterior ao acidente, à estimativa do valor do respectivo salvado e à identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.
Quanto aos relatórios de peritagem, o artigo 36º, n.º 1, alínea d), determina que, sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve disponibilizá-los no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão. É de realçar, face aos factos 8 e B, que o artigo 46º deste diploma fixa que as comunicações são válidas e plenamente eficazes caso sejam efectuadas por correio registado, transmissão por telecópia, correio electrónico ou por outro meio do qual fique um registo escrito ou gravado, desde que a empresa de seguros esteja a autorizada a fazê-lo nos termos da lei. Como tal, não se pode concluir pelo incumprimento dessa obrigação pela R..
Além disso, é de acrescentar que o artigo 41º, n.º 4, do mencionado diploma não inclui o relatório de peritagem nas informações que a empresa de seguros está obrigada a prestar ao lesado em caso de proposta de indemnização por perda total e que o A. não questiona que o veículo esteja em situação de perda total (como aliás resulta claro dos factos provados): questiona sim o valor da respectiva indemnização, e essa não é, como se expôs também, variável consoante o preço da reparação do veículo, mas apenas com o valor venal do mesmo e o valor do salvado. Como tal, a falta de disponibilização do relatório de peritagem parece não ter as consequências que o A. pretende retirar da mesma, a conclusão de que a R. lhe disponibilizou todos os elementos necessários para aferir do valor da perda total, assim lhe dando a conhecer toda a informação que tinha de ser prestada (até porque o A., nesta parte, fundou o seu pedido no incumprimento da obrigação de disponibilização do referido relatório e não da das demais informações).
A alínea e) do n.º 1, do artigo 36º postula ainda que, perante a comunicação da ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve comunicar, por escrito ou por documento electrónico, a assunção ou não assunção da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis a contar depois de corridos 2 dias úteis após o primeiro contacto com o lesado.
O artigo 38º fixa, no n.º 1, que tal assunção se consubstancia numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável.
Ora, embora o A. tenha alegado que a R. não lhe comunicou a proposta no prazo previsto na lei, resulta dos factos provados que entre o primeiro contacto conhecido nos autos entre o A. e a R. e a comunicação da proposta de pagamento de 870€ mediaram 25 dias úteis, demonstrando-se cumprido o referido prazo. Não é demais sublinhar que, a ter havido qualquer contacto anterior, era ao A., por pretender beneficiar das consequências do incumprimento do prazo pela R., que cabia prová-lo.
Sobre a obrigação de pagamento desta indemnização, os n.ºs 1 e 3 do artigo 43º consagram que, salvo acordo em contrário, a empresa de seguros responsável deve proceder ao pagamento ao lesado da indemnização decorrente do sinistro no prazo de 8 dias úteis a contar da data da assunção da responsabilidade e mediante a apresentação dos documentos necessários ao pagamento e que, no caso em que não o faça nesse prazo, deve pagar ao lesado juros de mora, no dobro da taxa legal, sobre o montante devido e não pago, desde a data em que tal quantia deveria ter sido paga e até à data em que esse pagamento venha a concretizar-se.
Mais uma vez, era ao A., por pretender beneficiar das consequências do incumprimento do prazo pela R., que cabia a prova de que tal prazo tinha decorrido: se provou que a R. não pagou até ao fim do prazo de 8 dias úteis a contar da data da assunção da responsabilidade, não alegou nem provou ter apresentado àquela os documentos necessários para que procedesse àquele; o que parece mais razoável ao Tribunal é até que o não tenha feito, uma vez que ressalta do articulado que deu origem aos presentes autos que o A. nunca pretendeu esse pagamento, por rejeitar o valor proposto pela R.”.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, concluímos pela improcedência do recurso nesta parte.
3.2.
Do dano de privação do uso do veículo
Não se conforma também o Recorrente com a sentença recorrida na parte em que esta concluiu no sentido da inexistência do invocado direito de indemnização decorrente de dano de privação do uso do veículo.
Também nesta matéria os fundamentos da decisão recorrida se nos afiguram inteiramente válidos e consentâneos com o direito que temos por aplicável.
Senão vejamos.
O Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, maioritariamente, (nomeadamente no domínio da responsabilidade extracontratual emergente de acidente de viação, mas não só), que a privação do uso constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o dono ou proprietário fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o art. 1305.º do CCivil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando, para o efeito, que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que tal privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.
Neste dano incluem-se os prejuízos sofridos que podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.).
E a correspondente indemnização, de acordo com a jurisprudência do STJ vertida no acórdão de 03.05.2011[2], será devida desde a data do acidente até ao momento em que for colocado à disposição do lesado o dinheiro correspondente à indemnização devida pela perda.
Afirma-se aí: “O que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir”.
No caso que nos ocupa, o acidente de viação levou à perda total do veículo do Autor, o mesmo é dizer implicou a inviabilidade da reparação dos danos materiais sofridos.
Tendo o Autor alegado, em sede de causa de pedir, que o veículo “era usado nas suas deslocações quotidianas”, e que “em virtude do acidente e durante o período de paralisação do veículo, o A. necessitou de utilizar um veículo emprestado por um familiar”, nada disso resultou provado.
O que resultou provado, com especial relevância, foi o seguinte:
[- À data do acidente, o seguro de responsabilidade civil automóvel e o certificado de inspeção periódica obrigatória do veículo com a matrícula ..-..-HD não estavam em vigor;
- Desde pelo menos o início de outubro de 2017, aquele veículo não era utilizado, encontrando-se estacionado no local onde foi embatido, a aguardar reparação;
- O A. e DD tinham acordado na compra e venda do mesmo, estando apenas a aguardar saber o preço da reparação para determinar o preço daquele;
- A 28 de Dezembro de 2017, a R. enviou uma carta ao A., que a recebeu, informando-o da estimativa de reparação dos danos do veículo, no valor de 3663,42€, do valor venal de 1000€ atribuído ao mesmo e do valor de 130€ atribuído ao salvado, colocando à disposição do mesmo o valor de 870€ e comunicando que ficaria a aguardar resposta à proposta apresentada e cópia dos documentos do veículo.]
Perante tal factualidade, é fácil ver que até a presunção que é comum vermos considerada na jurisprudência menos exigente nesta matéria, no sentido de que o mero impedimento de uso de um veículo automóvel, em razão dos fins a que o mesmo por regra se destina, permite presumir a perda de utilidades que o mesmo proporcionava ao respetivo proprietário, foi contrariada em absoluto no caso em análise.
Na verdade, tendo o acidente em causa ocorrido no dia 6 de novembro de 2017, ele não era utilizado pelo Autor desde pelo menos o início do mês anterior, encontrando-se estacionado no lugar onde foi embatido, a aguardar reparação de avaria.
Elucidativo é também, no que à falta de utilidades concretas e relevantes respeita, o facto de à data do acidente, o seguro de responsabilidade civil automóvel e o certificado de inspeção periódica do veículo não se encontrarem em vigor.
Quando o acidente ocorreu, ao invés do que parece ser entendimento do Recorrente, o veículo ainda não se encontrava reparado da avaria que padecia. Encontrava-se a aguardar reparação. E não sabemos quando é que a reparação ficaria concluída. Nem mesmo se antes ou depois de 28 de dezembro de 2017, quando a Ré colocou à disposição do Autor o valor indemnizatório decorrente da “perda total do veículo”, valor que como vimos corresponde ao devido.
E é por isso que, não obstante tenha resultado provado que o A. negociou com um terceiro a venda do veículo, nenhum alcance assume tal facto no contexto da afirmação do dano em análise, já que a determinação do respetivo preço de venda ficou na dependência do conhecimento do custo da reparação, conhecimento esse que não sabemos quando seria alcançado.
Pelo exposto, também nesta matéria se impõe considerar a improcedência do recurso.
3.3.
Da litigância de má-fé do Autor
Dando aqui por reproduzido tudo quanto deixámos expendido supra em III-1), em torno da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia no que concerne à questão da litigância de má-fé imputada ao Autor, cumpre-nos agora dizer que acolhemos por inteiro o sentido da decisão de mérito proferida pela 1.ª instância relativamente àquela questão, e que consideramos decisão complementar da sentença recorrida.
É manifesto ter o Autor incorrido dolosamente na alteração da verdade dos factos e na dedução de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, o que consubstancia litigância de má-fé à luz do preceituado no art. 542.º, n.º 2, als. a) e b), do CPCivil, afigurando-se-nos perfeitamente ajustada a multa correspondente a 5UC, tendo por base o comportamento censurável do Autor e o preceituado no art. 27.º, n.º 3, do RCProcessuais, tudo em conformidade com a boa fundamentação da decisão da 1.ª instância, que acolhemos e passamos a transcrever, para que não restem dúvidas:
[Na sua contestação, o interveniente alegou, no que ora importa, que já em data anterior ao acidente o veículo sub judice não circulava na via pública, pois estava imobilizado por avaria mecânica, não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido nem certificado de inspeção periódica obrigatória válido, não sendo nem podendo ser utilizado pelo A. nem por ninguém, por estar impedido de circular na via pública, e que o A. aproveitou o facto de este veículo se encontrar envolvido num acidente de viação para reclamar danos inexistentes e sem fundamento, concluindo assim que deve ser condenado como litigante de má fé e requerendo a sua condenação no pagamento de multa e indemnização.
Depois de proferida sentença – e porque antes não lhe fora dada essa oportunidade – foi o A. notificado para se pronunciar sobre esse aspecto, sem que nada tenha dito no prazo determinado (só se referindo à sua eventual condenação como litigante de má-fé nas suas alegações de recurso da sentença proferida).
*
Na sentença foram dados como provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
(…)
1. No dia 6 de Novembro de 2017, pelas 4h50, na Rua ..., em ..., ocorreu uma colisão entre os veículos com as matrículas ..-..-FI, ..-..-LV, ..-..-CG e ..-..-HD.
2. O veículo com a matrícula ..-..-HD, da propriedade do A., estava estacionado naquele local quando o veículo com a matrícula ..-..-FI nele embateu, causando-lhe danos.
3. À data do acidente, o seguro de responsabilidade civil automóvel e o certificado de inspecção periódica obrigatória do veículo com a matrícula ..-..-HD não estavam em vigor.
4. Desde pelo menos o início de Outubro de 2017, aquele veículo não era utilizado, encontrando-se estacionado no local onde foi embatido, a aguardar reparação.
Mais resulta do processado que, na petição inicial, o A. formulou pedido no sentido de que a R. fosse condenada a indemnizá-lo no valor de 10,00€/dia desde a data do acidente, no valor de 4790,00€ (quatro mil setecentos e noventa euros) até à data em que a petição inicial deu entrada, pelo dano de privação de uso, alegando que:
- «o veiculo em causa era usado diariamente nas suas deslocações quotidianas, havendo ainda de considerar no valor proposto pela Ré, o dano da privação de uso»;
- «Em virtude do acidente e durante o período de paralisação do veículo, o A. necessitou de utilizar um veículo emprestado por um familiar, sendo que se tivessem que suportar o custo de um veículo de substituição o mesmo ascenderia ao montante global de nunca menos de €5.000,00»;
- «O A, proprietário lesado, utilizava na sua vida corrente e normal o veículo sinistrado, ficando privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos pela viatura no acidente».
*
Na sentença foi dado como não provado o seguinte facto com relevância para a decisão:
A. O veículo em causa era usado diariamente nas deslocações quotidianas do A..
*
O artigo 542º do CPC determina que a parte que litigue de má-fé é condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, e define como litigante de má-fé, no que ora importa, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos.
Ficou claro, com a factualidade provada, que o A. não se coibiu de pedir indemnização por danos não patrimoniais relacionados com a privação do uso de veículo que assumidamente não usava à data do acidente.
O facto de, após o depoimento do A., este ter mantido o pedido formulado e, em fase de alegações, ter procurado enquadrá-lo no direito de propriedade sobre tal veículo não altera o facto de a indemnização pela privação de uso implicar o uso da coisa de que o proprietário se vê privado, uma vez que tal privação não causa qualquer dano ao proprietário que não retire quaisquer utilidades da coisa. Resulta aliás claro, pelas alegações em que tal pedido assenta, que este enquadramento surgiu ao A. como escapatória após a prestação do seu depoimento.
Considerando que nos presentes autos se provou que o veículo não era utilizado há pelo menos um mês quando se deu o acidente, dúvidas não restam ao Tribunal, por um lado, de que, ao alegar utilizar diariamente o veículo sinistrado na sua vida corrente e normal nas suas deslocações quotidianas e ter ficado privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos por tal viatura no acidente, o A. alterou a verdade de factos relevantes para a decisão da causa, e, por outro, de que, ao pedir indemnização decorrente dessa privação, o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Uma vez que o pedido e a causa de pedir foram livremente delineados pelo A. na sua petição inicial, é claro que tais alegações e tal pedido foram voluntariamente formulados, pelo que resulta igualmente claro que o A. incorreu dolosamente na alteração da verdade dos factos e na dedução de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Como tal, litigou de má-fé.
*
Enquadrada, deste modo, a conduta do A. no artigo 542º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, importa quantificar a multa e a indemnização aí mencionadas.
O artigo 27º, n.º 3, do RCP determina que nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
Considerando a concreta conduta do A., ao pedir a condenação da R. no pagamento de valores superiores a 4500€ desprovidos de fundamento, procurando criar a aparência de tal fundamento através da alteração dos factos, e como tal conduta foi dolosa, julga-se adequado fixar a multa devida em 5 UC.]
3.4.
Tendo dado causa às custas do recurso, o Apelante constitui-se na obrigação de as suportar (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).

IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso improcedente, tanto em matéria de facto como em matéria de direito, e, consequentemente, decidimos:
a) Confirmar a sentença recorrida, assim como a decisão subsequente que a complementa, que qualificou de má-fé a litigância assumida pelo Autor e, consequentemente, o condenou no pagamento de multa correspondente a 5 UC; e
b) Condenar o Recorrente no pagamento das custas do recurso.
***

Tribunal da Relação do Porto, 27 de setembro de 2022

Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
_____________________
[1] Cf. Ac. RL de 12.07.2012, relatado por EZAGUY MARTINS no processo 205/06.0TCSNT.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Relatado por NUNO CAMEIRA no processo 2618/05.06TBOVR.P1, acessível em www.dgsi.pt.