Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8472/19.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: PROCESSO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONCILIATÓRIA
INSTRUÇÃO
DIREITOS INDISPONÍVEIS
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO
Nº do Documento: RP202002178472/19.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A denominada fase conciliatória do processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, decorrendo sob a direção do Ministério Público, visando alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho através de uma composição amigável, está no entanto sujeita a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos, atendendo aos interesses de ordem pública que estão envolvidos.
II - Em face da sua finalidade, o conteúdo do auto de conciliação assume importância determinante, desde logo evidenciada pela necessidade sentida pelo legislador em especificar os requisitos a que esse auto deve obedecer, seja ou não aí obtido o acordo, assim nomeadamente o que se estabelece nos artigos 111.º e 112.º do CPT, devendo desse constar a indicação precisa dos direitos e obrigações que são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que aqueles fundamentam.
III - Tal como resulta do n.º 1 do artigo 114.º do CPT, a homologação do acordo pelo juiz depende da sua efetiva verificação sobre se esse em concreto atendeu, por um lado, aos elementos que constam do processo e, por outro, ao que se dispõe nas normas legais aplicáveis, sendo que, se não for este o caso, deve então recusar a sua homologação, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis, como o são os referentes a acidentes de trabalho, matéria subtraída à disponibilidade das partes.
IV - O dever de adequada instrução dos autos neste âmbito impõe-se expressamente também ao Ministério Público, como resulta aliás do artigo 104.º do CPT, em particular o seu n.º 1, que remete, para além do mais, expressamente para o artigo 114.º, ou seja, pressupondo pois assim a verificação sobre se, em face dos elementos fornecidos pelo processo, o acordo atende às normas legais, regulamentares ou convencionais.
V - Do regime que anteriormente se expôs, caso dos autos resulte a indicação de que o sinistrado esteja afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, se tal circunstância não tiver sido tida em consideração no acordo alcançado na tentativa de conciliação que é submetido à apreciação do juiz, este deve recusar a sua homologação, em face do que se encontra estabelecido no n.º 3 do artigo 11.º da LAT, como se referiu imperativo e sem a possibilidade de ser derrogado pelo acordo das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 8472/19.3T8PRT-A.P1
Sinistrado: B…
Entidade Seguradora: C…, S.A.
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Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B…, S.A., deu entrada, em 15 de abril de 2019, de participação de acidente de trabalho, identificando como sinistrado C…, sendo a entidade patronal D…, Lda.
1.1 Depois de realizado exame médico singular ao Sinistrado, veio a ser realizada tentativa de conciliação, constando do respetivo auto nomeadamente o seguinte:
“(...) Aberta a diligência pelo sinistrado foi dito:
No dia 17 de Dezembro de 2018, trabalhava, como serralheiro, por conta sob as ordens direcção e fiscalização de D…, Ldª, auferindo o salário mensal de 694,00€ X 14 meses + 83,00€ X 11 meses = 10.629,00€ e cuja responsabilidade estava transferida para a referida Seguradora, lhe aconteceu ter sofrido um acidente de trabalho que consistiu em:
Quando carregava o camião com vigas entalou o dedo médio da mão esquerda, desse acidente resultaram-lhe as lesões descritas no exame médico que antecede e do qual ficou afectado de incapacidade permanente parcial com o coeficiente global de 1,5% COM A QUAL CONCORDA.
Que se encontra pago de todas as indemnizações devidas até à data da alta, que não gastou qualquer quantia em honorários clínicos ou medicamentos, que gastou a quantia de 20,00€ em transportes para se deslocar ao INML e a este Tribunal.
Em face do exposto reclama:
1 – O pagamento do capital de remição da pensão anual e vitalícia de 111,60€, devido desde o dia 03/04/2019, nos termos do Artº 48 nº 3 al. c) da Lei 98/09 de 04/9, e calculada com base no salário e na IPP atrás referidos.
2 - A quantia de 20,00€ despendida com transportes.
3- Reclama os juros de mora que se contabilizarem sobre o capital de remição até à data da sua efectiva entrega.
4- Por não ser titular de conta bancária requer que o capital de remição lhe seja entregue por termo nos autos.
Pelo legal representante da Seguradora foi dito:
Que a sua representada reconhece o acidente dos autos como sendo de trabalho, aceita o nexo de causalidade entre as lesões constantes no seu boletim de alta e o acidente, o grau de desvalorização de 1,5%, o salário reclamado pelo sinistrado, aceitando assim conciliar-se com o mesmo, mediante o pagamento da pensão anual e vitalícia de 111,60€ obrigatoriamente remível e com inicio em 03/04/2019, bem como a quantia despendida com transportes.
Seguidamente pelo Procurador da Republica foi dito:
Mostrando-se as partes revestidas de capacidade e sendo legal o acordo dava-as por conciliadas, ordenando que os autos sejam remetidos ao Mº Juiz nos termos e para os efeitos do Art.º 114 do CPT..
Requer-se que a Seguradora seja condenada a pagar ao sinistrado sobre o capital de remição os juros de mora que se contabilizarem à taxa legal desde a data do seu vencimento até à data da sua efectiva entrega.”
1.2 Remetidos os autos ao Tribunal a quo, tendo em vista a homologação do acordo, com data de 25 de novembro de 2019 foi proferido despacho com o teor seguinte:
“Atenta a informação constante do relatório do INMLCF (fls. 43) quanto à existência de um anterior acidente de trabalho do aqui sinistrado do qual resultou «(…) IPP por lesão tendinosa no braço esquerdo, TT Gaia, E… (…)», diligencie-se pela pesquisa e junção ao processo de cópia da decisão que fixou a referida IPP e subsequente notificação da mesma às partes.”
1.3 Cumprido o despacho que antecede, veio posteriormente, com data de 28 de novembro de 2019, a ser proferida decisão com o seguinte teor:
“Da análise do auto de conciliação resulta que o valor aceite pelas partes não teve em consideração a anterior IPP de que o sinistrado já padecia de 4,5% − conforme cópia da decisão em causa que homologou a anterior IPP junta a fls. 57 e 58 −, com influência na IPP de 1,5% fixada e aceite nos auto de conciliação de 19-11-2019, por falta de consideração da incapacidade restante.
Assim, não se encontram reunidos os pressupostos para se poder homologar o acordo efectuado.
Em conformidade, não homologo o acordo, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes, face à relatada situação de existência de anterior IPP de 4,5%.
Notifique.”

2. Não se conformando com o decidido, o Ministério Público, em representação do Sinistrado, apresentou recurso de apelação, formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
“1- No processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a fase conciliatória é dirigida pelo Ministério Público (art. 99º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho).
2- No caso “sub judice”, efetuada a tentativa de conciliação, foi obtido acordo entre as partes, tendo sido elaborado o respetivo Auto de Conciliação.
3- Mesmo nos casos de falta de acordo, ou seja, nos casos de frustração da tentativa de conciliação, os factos admitidos por acordo na mesma tentativa de conciliação, na fase conciliatória, consideram-se assentes na fase contenciosa de processo de acidente de trabalho.
4- Na tentativa de conciliação, a requerida/seguradora aceitou, além do mais, o grau de desvalorização de 1,6% do sinistrado, tendo conhecimento, através do exame do INML, de anterior IPP ao mesmo atribuída.
5- Não podia, assim, a Mmº Juiz substituir-se às partes, contrariando as posições por estas assumidas em sede de tentativa de conciliação, não homologando o acordo efetuado.
6- Deverá o acordo efetuado ser julgado válido e eficaz, devendo por isso ser homologado, nos termos do art. 114º, nº 1, do CPT.
7-Mostram-se violados, além do mais, os artigos 112º, nº 1 e 114º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, substituindo-se a decisão recorrida por outra que homologue o acordo alcançado entre as partes.
No entanto, Vª Exªas, decidindo, farão, como sempre, a melhor Justiça.”
2.1 Contra-alegou a Seguradora, apresentando no final as conclusões seguintes:
“1. O acordo do auto de conciliação não podia ter sido homologado pela Mma. Juíza a quo por violar o princípio da capacidade restante.
2. De acordo com o disposto no artigo 114º, nº 1 do CPT, o juiz tem o dever de verificar a conformidade do conteúdo do acordo do auto de conciliação com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares e convencionais.
3. Na fixação de IPP decorrente do acidente de trabalho, os peritos médicos sabiam, mas não tiveram em consideração, o facto de o Recorrente/sinistrado já ser portador de IPP decorrente de acidente de trabalho anterior, ocorrido em julho de 2014.
4. A existência de IPP do Recorrente/sinistrado decorrente de acidente de trabalho anterior consta no exame pericial realizado nos presentes autos, todavia, não está quantificada.
5. Face à inércia do Recorrente/sinistrado em comprovar a sua incapacidade, a Sra. Juíza a quo agiu bem ao promover oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 27º do CPT e dos artigos 5º, 6º, 7º, 411º, 412º, nº 2 e 436º do CPC, as diligências necessárias à comprovação de IPP decorrente do acidente de trabalho anterior, tendo-se comprovado, através de certidão judicial do processo em que a mesma foi decidida e transitada em julgado, que o Recorrente/sinistrado, à data da perícia médica, já era portador de IPP de 4,5% decorrente de acidente de trabalho anterior.
6. Quando os peritos médicos fixaram a IPP de 1,5%, aplicaram erradamente o coeficiente de desvalorização de 0,01500% sobre a capacidade restante total (1,00000), como se o Recorrente/sinistrado fosse uma pessoa totalmente sã, e não apenas sobre a capacidade restante de 0,95500% (1,0000 - 0,04500).
7. A IPP de 1,5% e a pensão anual e vitalícia na quantia de € 111,60 constantes no acordo do auto de conciliação estão mal calculadas por assentarem em pressupostos errados.
8. Assim, a IPP deve ser alterada e fixada, de acordo com o já referido princípio da capacidade restante, no coeficiente de desvalorização de 0,14325% (0,955 x 0,15).
9. E considerando a retribuição anual do Recorrente/sinistrado na quantia de € 10.629,00, tem o Recorrente/sinistrado direito ao capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 106,58 (€ 10.629,00 x 70 x 1,4325%), com efeitos a partir do dia imediato ao da alta médica, ou seja, 4 de abril de 2019.
10. Pelo que deve ser mantida a decisão de não homologação do acordo do auto de conciliação.”
2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
2.3 Depois de instruído, o recurso subiu a esta Relação.
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Respeitadas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se o Tribunal a quo aplicou adequadamente o regime legal, ao não ter homologado o acordo que lhe foi submetido e que havia sido alcançado na fase conciliatória do processo.
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III - Fundamentação
A- Os factos relevantes para apreciação do recurso são exclusivamente os que resultam do relatório que se elaborou.
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B- Discussão
1. Regime processual – CPT
Compreendendo o processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, duas fases distintas, a primeira delas, obrigatória, denominada conciliatória[1], decorre sob a direção do Ministério Público, visando-se na mesma, como aliás a sua própria denominação o indica, alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho, através de uma composição amigável, muito embora sujeita necessariamente a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos, atendendo aos interesses de ordem pública que estão envolvidos[2].
Verificando da importância, face à sua finalidade, da tentativa de conciliação, constata-se que essa tanto pode vir a determinar o termo do processo, assim em caso de acordo quanto à discussão do acidente de trabalho e ao reconhecimento dos direitos para a sua reparação – pois que, homologado esse acordo o processo prossegue apenas a efetivação dos direitos aí reconhecidos –, como pode, diversamente, na falta desse acordo, prosseguir o processo para a fase contenciosa, mas com limitação da discussão às questões sobre as quais tenha existido desacordo na tentativa de conciliação, razão pela qual, face ao regime assim estabelecido, o conteúdo do respetivo auto acaba por assumir importância determinante. Por essa razão se justifica a necessidade sentida pelo legislador de especificar os requisitos a que esse auto deve obedecer, num ou noutro dos casos, assim, nomeadamente, nos artigos 111.º e 112.º do CPT, resultando em particular, no que ao caso importa, do artigo 111.º do CPT que dos autos de acordo constam “a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações”, como ainda, depois, do n.º 1 do artigo 114.º, quanto à pronúncia jurisdicional sobre esse acordo que, sendo esse imediatamente submetido ao juiz, o homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados “se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais.” Ou seja, sem que dúvidas se coloquem em face da redação da norma, a homologação pelo juiz depende da sua efetiva verificação sobre se o acordo atendeu por um lado aos elementos que constam do processo e, por outro, ao que se dispõe nas normas legais aplicáveis, sendo que, se não for esse o caso, como resulta do artigo 115.º, n.º 2, assim em caso de não homologação do acordo, deve então o Ministério Público, se considerar possível a remoção dos obstáculos à sua homologação, tentar a celebração de novo acordo para substituir aquele cuja homologação foi recusada.
Do regime que anteriormente se expôs resulta, pois, que a atividade do juiz está vinculada à verificação sobre se o caso submetido à sua apreciação atendeu aos elementos que porventura resultem do processo, sendo que, aliás, existe um dever de conhecimento oficioso, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis – em que como se sabe a condenação pode até exceder ou ir além do pedido[3] –, como ocorre com os acidentes de trabalho, matéria subtraída à disponibilidade das partes – artigo 12.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT). De resto, acrescente-se, o dever de adequada instrução dos autos nestes casos impõe-se expressamente também ao Ministério Público, sobre a direção do qual corre como se disse a fase conciliatória, bastando para o efeito ter presente o que se dispõe no artigo 104.º do CPT, em particular o seu n.º 1, ao estabelecer que “O Ministério Público deve assegurar-se, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, para os efeitos dos artigos 109.º e 114.º” – ou seja, como desse resulta, também por remissão expressa para o artigo 114.º, relacionado com a atividade de homologação do acordo pelo juiz, homologação essa que, como nesse se diz, pressupõe a verificação, também, imposta ao juiz como se viu, sobre se, em face dos elementos fornecidos pelo processo, o acordo atende às normas legais, regulamentares ou convencionais.
Importaria assim atender, no que aqui importa – também como se viu por parte do Ministério Público e não pois apenas pelo juiz –, ao disposto no n.º 3 do artigo 11.º da LAT, em que se estabelece, citando, que, “No caso de o sinistrado estar afectado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.”

2. Aplicação ao caso
Havendo pois que apurar da adequação ou não ao regime legal aplicável da solução alcançada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, o que se constata é que, constando dos autos (assim do exame médico singular) a referência a que teria ocorrido acidente de trabalho anterior, do qual resultara incapacidade permanente atribuída ao Sinistrado, impor-se-ia então a verificação da veracidade ou não dessa informação, instruindo-se os autos em conformidade, assim, se fosse o caso, solicitando-se as necessárias informações, sendo que, no caso, porque afinal tal não havia sido concretizado, não poderemos deixar de afirmar que bem andou o Julgador ao solicitar, quanto se apercebeu da situação, informação em conformidade – despacho de 25 de novembro de 2019 –, como depois, junta aos autos certidão do processo comprovativa de que o Sinistrado já padecia de anterior IPP de 4,5%, que esse elemento tivesse de ter em consideração. Daí que, não tendo sido atendido no acordo que lhe estava a ser submetido, outra solução não se imporia ao Julgador que não fosse a de não homologação do acordo, como aliás ocorreu na decisão recorrida.
Não assiste, em face do exposto, razão ao Recorrente, pois que, como se viu, carece de fundamento legal a pretensão de que venha a ser homologado um acordo, neste caso em matéria de direitos indisponíveis, que não atenda ao disposto expressamente na lei, sendo que, mais uma vez com salvaguarda do respeito devido, não será o regime que se invoca como vigente na fase contenciosa – conclusão 3.ª: “Mesmo nos casos de falta de acordo, ou seja, nos casos de frustração da tentativa de conciliação, os factos admitidos por acordo na mesma tentativa de conciliação, na fase conciliatória, consideram-se assentes na fase contenciosa de processo de acidente de trabalho” – que altera o que se referiu anteriormente, pois que, esclareça-se, aí como aqui, ou seja estando-se na fase conciliatória ou antes na fase contenciosa, se imporá atender ao que expressamente se dispõe na lei neste âmbito, nos termos anteriormente afirmados[4].
Improcede, em conformidade, o presente recurso.
Sem prejuízo de isenção de que beneficie, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Sinistrado (artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo Sinistrado, sem prejuízo de isenção de que beneficie.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do acórdão.

Porto, 17 de fevereiro de 2020
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] A tramitação desta fase, tendo em vista alcançar tal objetivo, compreende três fases, a primeira de instrução (tendo em vista a recolha e fixação de todos os elementos necessários à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo suscetível de ser homologado – artigos 104.º, n.º 1, 109.º, e 114.º do CPT), uma segunda que se consubstancia na realização do exame médico singular (devendo o perito médico “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” – artigos 105.º e 106.º do CPT) e, finalmente, uma última, com a realização da tentativa de conciliação, presidida pelo Ministério Público, com o objetivo primordial de ser obtido acordo suscetível de ser homologado depois pelo Juiz – artigo 109.º, do CPT) – Seguindo-se de muito perto o Acórdão desta Relação e Secção de 18 de Dezembro de 2018 (APELAÇÃO n.º 3992/16.4T8AVR.P1, relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção do aqui relator e 1.ª adjunta), que por sua vez faz apelo a João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts..
[2] A segunda fase, que ao caso que se aprecia não importa, de natureza contenciosa, não já obrigatória, decorre perante o juiz/tribunal.
[3] Artigo 74.º do CPT.
[4] Afirmou este mesmo Coletivo na apelação 3314/16.4T8VNG.P1, por acórdão de 23 de abril de 2018, então na fase contenciosa, o que nesse caso determinou a anulação da sentença, por não constarem do processo todos os elementos que nos permitissem apreciar a questão suscitada no recurso, assim a de saber se o Sinistrado sofreu ou não um acidente de trabalho anterior, determinando-se, em face dessa insuficiência da matéria de facto, a sua ampliação – artigo 662.º, n.ºs 2, al. c), do CPC –, com a consequente anulação da decisão recorrida, de tal modo que, realizadas que fossem as diligências que se mostrassem necessárias ao esclarecimento desse facto, pudesse ser então proferida pelo Tribunal recorrido nova sentença que não padecesse da apontada deficiência.