Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
| Descritores: | CRIME DE DANO DIREITO DE QUEIXA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADO ESPECIAL CENSURABILIDADE OU PERVERSIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP2015073073/14.9GBMTS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/30/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Não têm legitimidade para exercer o direito de queixa relativo ao crime de dano, os familiares dos arrendatários da casa danificada, mesmo que nela habitem, pois não dispõem (ao contrário dos próprios arrendatários) de um título jurídico que lhe dê o direito de uso e fruição dessa casa. II - Não pode considera-se, até por exigências do respeito pelo princípio da legalidade, o crime de ofensa à integridade física qualificado apenas pelo facto de as circunstâncias em que foi praticado serem reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, independentemente da verificação de alguma das circunstâncias indicadas, como exemplos-padrão, no nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Se não se verificar alguma dessas circunstâncias, terá de verificar-se outra, também reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, que seja equiparável a alguma dessas circunstâncias, no plano da estrutura valorativa e gravidade. E não basta uma equiparação genérica à estrutura valorativa da globalidade das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal como exemplos-padrão, desde logo porque não há uma estrutura valorativa comum a todas elas. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Pr 73/14.9GBMTS.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso do douto acórdão do Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Central de Vila do Conde do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de coação, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, a), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do mesmo Código, na pena de quatro meses de prisão; pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, nº 1, a), do mesmo Código, na pena de três anos de prisão; pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e dois meses de prisão; e que o condenou também a pagar à “Unidade Local de Saúde de Matosinhos, E.P.F.” a quantia de cento e três euros e noventa e seis cêntimos, acrescida de juros vincendos, à taxa legal. Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «DA PRÁTICA DO CRIME DE DANO I. Dispõe o artigo 212.º n.º 1 do Código Penal no seu n.º 1 que quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. II. Sendo que nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo o procedimento criminal depende de queixa. III. Porém da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não nos parece que a ofendida E… fosse titular desse direito e sim os seus pais na qualidade de arrendatários. IV. Resulta pacificamente da jurisprudência e da doutrina que coisa alheia para efeitos do crime de dano, é apenas aquela cujo direito de propriedade, de gozo, fruição e guarda pertence a outrem que não o agente. V. Resultando das declarações do ofendido C… (audiência de discussão e julgamento de 18.02.2015 ao minuto 00:20:30 do ficheiro 20150218154456_13804469_2871567) que os seus pais são os arrendatários de tal imóvel como tal seriam estes que deveriam ter apresentado queixa pela prática deste ilícito. VI. Razão pela qual o recorrente deve ser absolvido pela prática do crime de dano pelo qual foi condenado por não se encontrarem preenchidos todos os requisitos integradores do aludido crime. DA PRÁTICA DO CRIME DE COACÇÃO AGRAVADA VII. Mal andou ainda o Tribunal a quo quanto à condenação do recorrente pela prática de um crime de cocção agravada p. e p. artigo 154.º e 155.º, n.º 1, alínea a). VIII. A verdade é que o recorrente em momento algum ameaçou o ofendido C… nem este refere ter tido medo ou que tenha sido obrigado pelo recorrente a fazer seja o quer o que for. IX. Aliás é o próprio ofendido que refere não ter sido coagido a fazer seja o que for ao minuto 00:24:45 e respondendo à pergunta se se sentiu de alguma maneira coartado, coagido de fazer o que quer que seja: a resposta é perentória: “Não.” X. Ora, o crime de coacção, na modalidade praticada no caso em apreço, consiste na ameaça da prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (art. 154.º citado). XI. O que é importante é que o facto ameaçado, constituindo crime (seja usada arma ou não) seja idóneo a provocar medo na pessoa ameaçada. XII. O que claramente não sucedeu no caso concreto de forma que deveria o recorrente ser absolvido da prática do crime de coacção agravada. XIII. Ainda que assim não entendam, a ser o recorrente condenado sempre teria de ser pela prática de um crime de coacção simples p. e p. pelo artigo 154.º do Código Penal na forma tentada pois que se o objectivo do recorrente era obrigar o ofendido C… a indicar-lhe onde estava o ofendido “D…” tal não chegou a suceder pois numa habitação com quatro quartos depois da segunda porta o recorrente seguiu sozinho deixando o ofendido C… para trás indo sozinho à procura do ofendido D1… (audiência de discussão e julgamento de 18.02.2015 ao minuto 00:06:16 a 00:07:00 do ficheiro 20150218154456_13804469_2871567). XIV. Refere o ofendido que “a partir dai (do quarto da avó) ele vai sozinho.” XV. Ficando o Ofendido C… para trás continuando o recorrente sozinho à procura do ofendido D1… pelo que se encontra errada e incorrectamente dado como provado o facto do ponto 7 dos factos provados na sua parte final pois que o ofendido C… não foi obrigado a percorrer o corredor da habitação na sua totalidade e a indicar o quarto onde se encontrava o casal ofendido. DA PRÁTICA DO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA XVI. Não pode o recorrente concordar com a condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º1, alínea a). XVII. Na significação corrente do termo, motivo fútil é o “que tem pouca ou nenhuma importância, nulo, vão, inútil”, conforme definição da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. XVIII. Nas palavras de Figueiredo Dias, (In Comentário Conimbricense, Parte Especial, I, pág. 32), motivo “torpe ou fútil” “significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado repugnante, baixo ou gratuito”. XIX. Em síntese conclusiva: motivo fútil é o móbil do crime da actuação despropositada do agente, sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação do facto, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente. XX. Revertendo ao caso dos autos, o motivo determinante do acto praticado pelo arguido terá sido o final da relação entre este e a ofendida E… e o consequente reatamento da relação desta com o ofendido D1…. XXI. Estamos claramente perante um “desgosto de amor” que provocou uma dinâmica de emoções e sentimentos no recorrente. XXII. Ora isto não é de considerar irrisório ou insignificante pois no preciso dia em que se dá a ruptura dá-se o reatamento da relação da ofendida E… com o ofendido D1…. XXIII. Razão pela qual não deveria o recorrente ter sido condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física qualificada por não se encontrar preenchida a previsão do disposto no artigo 145.º, n.º 1 alínea a) e 132.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal. XXIV. No limite deveria apenas o recorrente ter sido condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física simples com as necessárias implicações legais, sem esquecermos ainda da desistência de queixa de fls. 387 pois que resulta da prova produzida em julgamento resultou que esta desistência foi livre, vejam-se declarações do ofendido D1…, gravadas em suporte digital na sessão de discussão e julgamento de dia 12.02.2015 (ficheiro 20150212113855_13804469_2871567 ao minuto 18:00), bem como resulta das declarações da Ofendida E…, (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:38:00 a 00:39:00 do ficheiro 20150212103352_13804469_2871567) que foram de livre vontade ter com a Advogada e que foi também de livre vontade que subscreveram o requerimento de desistência de queixa. DA PRÁTICA DO CRIME DE AMEAÇA XXV. Considera o recorrente face à prova produzida em sede audiência d discussão e julgamento, designadamente resulta das declarações da ofendida E…, não estar preenchido o tipo do crime de ameaça. XXVI. O crime de ameaça, cujo bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo: - Que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; - Que a ameaça seja adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto. XXVII. A ameaça é, como se sabe, um mal futuro e não, iminente, de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, e pode revestir uma qualquer forma incluindo, a gestual. XXVIII. O mal ameaçado tem sempre que constituir crime – que a lei enuncia – mas a vítima deste pode ou não coincidir com a vítima ou sujeito passivo do crime de ameaça. XXIX. Por outro lado, a ameaça tem que chegar ao conhecimento do seu destinatário, do sujeito passivo do crime, e deve ser adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, adequação a aferir através de um critério objectivo-individual. XXX. Efectivamente a ofendida E… refere ao minuto 00:44:56 que não tem medo do recorrente quando questionada se face ao que aconteceu tem medo deste (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:44:56 a 00:45:00 do ficheiro 20150212103352_13804469_2871567). XXXI. Mesmo o irmão da ofendida E…, o também ofendido C… refere ao minuto 00:20:59 que a irmã nunca se queixou de ser ameaçada (audiência de discussão e julgamento de 12.02.2015 do minuto 00:20:59 a 00:21:30 do ficheiro 20150212121805_13804469_2871567). XXXII. Para concretização do crime de ameaças é necessário por um lado que o sujeito activo queira criar no espirito do ofendido medo ou receio de que o crime pronunciado se realizará. XXXIII. Por outro lado que o sujeito passivo, abstratamente tipificado como homem médio, tenha em vista esse medo ou receio. XXXIV. Ora resulta claro que não tendo o comportamento do recorrente não sendo idóneo a provocar como é verdade que não provocou efectivo receio, medo ou inquietação ou tenha prejudicado a liberdade de determinação da Ofendida E… devia o recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ameaças. XXXV. Face às declarações da Ofendida acima referidas encontra-se errado e incorrectamente dado como provado o ponto 26 dos factos provados que o arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as expressões que dirigiu à ofendida E… eram idóneas a causar medo e receio de que poderia vir a atentar contra a sua integridade física, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA XXXVI. Sem prescindir de tudo o atrás aduzido, que naturalmente se repercute na determinação da medida das penas parcelares e pena única aplicadas, o recorrente não se conforma com a desproporcionalidade da pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses que lhe foi determinada. XXXVII. Dispõe o artigo 71.º, nº 2 do Código Penal que “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”. XXXVIII. Por sua vez, nos termos do art. 77.º, n.º 2 do CP, a pena aplicável em caso de concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas. XXXIX. Significa isto que não há molduras penais abstractas cujo máximo seja superior a 25 anos de prisão, mesmo que a soma das penas parcelares aplicadas seja superior a esse limite [1]. XL. A medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas parcelares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta o critério plasmado no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. XLI. Dispõe este normativo que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. XLII. O Tribunal a quo fundamentou a aplicação das penas parcelares e da pena única aplicada nas fortes exigências de prevenção geral positiva que seriam de nível elevado, dada a frequência destes ilícitos criminais, geradores de grande insegurança e alarme social. XLIIII. Bem como na existência de necessidades de prevenção especial que refere serem também elevadas dados os antecedentes criminais do recorrente. XLIV. O mesmo argumento utiliza o Tribunal a quo ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao recorrente: “Efectuando, agora, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas ao arguido pela prática do referidos crimes, tendo em conta que a pena resultante do cumulo tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares (três anos) e como limite máximo a soma das penas parcelares (seis anos e dois meses), considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do mesmo, ponderação essa que, diga-se já foi feita na determinação concreta das penas parcelares, reiterando-se, por isso, aqui, as considerações supra expostas, decide-se aplicar ao arguido B…, a pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.” XLV. Ora, julgamos que a circunstância do recorrente nunca antes ter sido condenado pela prática de nenhum dos crimes pelos quais foi agora condenado, permite concluir que a pluriocasionalidade em causa não radica na sua personalidade. XLVI. Ademais, a mencionada interligação dos crimes praticados auxilia, aliás, a extrair a conclusão de que o sentido de ilicitude manifestado na conduta assume um sentido uno de desvalor da acção e portanto uma personalidade que não denota uma propensão para a prática de crimes. XLVII. O Tribunal a quo faz uma ponderação muito genérica no que diz respeito à ponderação das necessidades que presidem a aplicação das penas. XLVIII. O julgador colocou a tónica no passado criminal do arguido, por crimes de natureza muito diferente repita-se, na intensidade do dolo e no grau de ilicitude. XLIX. Sem que tenha ponderado devidamente os factores que depõem a favor do recorrente. L. É verdade que referiu que o recorrente procedeu ao pagamento da quantia necessária ao ressarcimento dos danos provocados mas não pode esgotar-se neste único aspecto a ponderação da globalidade da conduta do recorrente. LI. O arguido, no EP esta a apresentar uma postura com respeito ao regulamento interno e adaptada no relacionamento interpessoal com funcionários e outros reclusos. LII. O recorrente apresenta desde cedo hábitos de trabalho e demonstra possuir importante apoio familiar junto da companheira, da mãe e dos seus filhos. LIII. Ora a aplicação quer das penas parcelares quer da uma pena única tão dura e pesada, inviabilizará as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir, e destruirá por completo uma família. LIV. Efectivamente que no que diz respeito às penas parcelares quer no que se refere ao cúmulo o Tribunal a quo aplicou ao arguido/recorrente penas muito próximas do máximo legalmente aplicável. LV. Entende o recorrente que não foi devidamente tido em conta o facto de este não apresentar antecedentes criminais pela prática dos crimes pelos quais foi condenado nem a toda a envolvente da situação em si. LVI. Não se quer com isto dizer que o recorrente não tenha de ser punido pelos erros praticados, mas tão-só que a medida da pena a cumprir globalmente se revela exagerada. LVII. Na verdade, a pena que lhe foi aplicada espelha grandemente uma concepção negativa de prevenção especial que não é admissível no nosso sistema jurídico-penal. LVIII. Salvo o devido respeito, subjaz na decisão recorrida um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, como se o julgador procurasse atingir a sua neutralização social duradoura. LIX. Como bem saberão V. Exas., uma concepção negativa da prevenção especial ultrapassa qualquer limite axiológico inerente a um Estado de Direito Democrático, e subverte-o. LX. Ora, claramente não pode deixar de ser considerado para efeitos de medida de pena a aplicar o seu relatório social que nos demonstra claramente estramos perante uma pessoa com hábitos de trabalho, inserida social e familiarmente. LXI. O recorrente não pode deixar de sentir esta condenação como desproporcional face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento bem face à sua personalidade e ao juízo de prognose muito favorável que é possível efectuar da análise conjugada de todos estes elementos. LXII. Efectivamente não podemos considerar que muito mal andou o Tribunal a quo quanto à medida quer das penas parcelares quer da pena única aplicada. LXIII. Não foi devidamente tido em consideração o relatório social do recorrente que bem espelha o desenvolvimento do recorrente ao longo dos anos e a luta deste para se afastar do seu passado criminal ligado ao tráfico de estupefacientes. LXIV. Nem foi devidamente ponderada a inexistência de perigo do recorrente voltar a delinquir. LXV. Neste tipo de situações pessoais e diga-se mesmo passionais os sentimentos negativos rapidamente se desvanecem à medida que os intervenientes vão refazendo as suas vidas. LXVI. O recorrente tem uma relação estável com a sua companheira sendo que neste momento a única coisa que o mesmo quer é poder reconstruir a sua família e esquecer este episódio. LXVII. O comportamento deste no estabelecimento prisional reflete precisamente este momento calmo e assertivo do recorrente que apenas pretende seguir com a sua vida. LXVIII. Bem vistas as condições pessoais do recorrente, ao aplicarem-lhe V. Exas. uma pena única mais reduzida, que permita a restauração da paz jurídica e ao mesmo tempo, incutir a premente necessidade de se ressocializar, sem o estigmatizar de forma irremediável, cumprirão uma justiça adequada e proporcional às circunstâncias, como desde logo impõe o artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental. LXIX. Pena essa necessariamente suspensa na sua execução. LXX. O recorrente necessita e merece uma oportunidade. Oportunidade que não foi sequer ponderada pelo Tribunal a quo. LXXI. Pode, sem qualquer dúvida, afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável tendo o arguido interiorizado a gravidade dos actos praticados no passado e apresentando consciência crítica acerca dos mesmos. LXXII. O Tribunal a quo não atendeu, assim, em nosso entender, como devia ao relatório social do recorrente, elemento fundamental para se aferir em como o recorrente é merecedor de uma oportunidade. LXXIII. Como também não atendeu ao depoimento das testemunhas F… e G… que referiram que o recorrente não é uma pessoa agressiva ou violenta o que acaba por ser corroborado pelo Certificado de Registo Criminal pois que este nunca foi condenado por nenhum crime desta natureza. LXXIV. Não atendeu ainda o Tribunal a quo à confissão do recorrente, ainda que parcial e não nos moldes em que a M.ª Juiz Presidente pretendia, mas importante para o esclarecimento dos factos. LXXV. O recorrente apresentou a sua versão dos acontecimentos, ou pelo menos tentou, ainda que a este não possa concordar que a Justiça se faça aos gritos, bastando para isso atentar nas declarações do recorrente (acta de audiência de discussão e julgamento de dia 27.01.2015, declarações gravadas em suporte digital, ficheiro 20150127111939_13804469_2871567). LXXVI. Face a estes condicionalismos quer as penas parcelares quer a pena única aplicada ao arguido recorrente terão necessariamente de ser inferiores e sempre suspensa na sua execução. PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADOS: ● Artigos 154, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; ● Artigos 212.º, n.º 1 do Código Penal; ● Artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal; ● Artigos 153.º, n.º 1 do Código Penal; ● Artigos 40.º, 41.º, 71.º e 77.º do Código Penal; ● Artigo 412º nº 3 e 410 nº 2 b) e c) do CPP; ● Artigos 18.º da Constituição da República Portuguesa.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso apenas quanto ao crime de ameaça, por falta de legitimidade do Ministério Público para acusar no que a este crime diz respeito. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes: - saber se o arguido e recorrente não poderá ser condenado pela prática de um crime de dano, por falta de legitimidade do Ministério Público para acusar no que a este crime diz respeito; - saber se a prova produzida não permite a condenação do arguido e recorrente pela prática de um crime de coação agravado; - saber se não se verificam os pressupostos da qualificação do crime de ofensa à integridade física, sendo, por isso relevante a desistência de queixa a este crime relativa; - saber se a prova produzida não permite a condenação do arguido e recorrente pela prática de um crime de ameaça; - saber se as penas em que o arguido e recorrente foi condenado deverão, face aos critérios legais, ser reduzidas e suspensas na sua execução. III – Da fundamentação do douto acórdão recorrido, consta o seguinte: «(…) 2. Fundamentação de Facto. 2.1.Matéria de facto provada. De relevante para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido B… manteve uma relação de namoro durante cerca de três semanas, em finais do ano de 2013, em data não concretamente apurada, com a ofendida E…, ao fim das quais desentenderam-se e esta reatou o relacionamento que anteriormente mantinha com o ofendido D1… com o qual tem um filho que à data da prática dos factos infra descritos tinha 15 meses de idade. 2. O arguido B… no dia 12 de Fevereiro de 2014, cerca das 00.10 horas, dirigiu-se à …, …, .° Esq., em …, cidade de Matosinhos, onde estava a residir a ofendida E… e a pernoitar o ofendido D1… e o filho de ambos de 15 meses. 3. Nesta residência, para além dos ofendidos e seu filho, encontravam-se os progenitores da E…, sua avó e três irmãos. 4. Ali chegado, o arguido B… tocou à campainha da porta daquela habitação e a irmã da ofendida, H…, pensando tratar-se de algum vizinho, abriu a porta. 5. Nessa sequência, o arguido B… entrou na referida residência. 6. O arguido B… perguntou ao irmão da E…, o ofendido C…, em que quarto se encontrava o "D…", alcunha pela qual é conhecido o ofendido D1…. 7. O arguido B…, empunhando uma arma de características não concretamente apuradas, apontou-a na direcção do peito do C… e, empurrando-o, obrigou-o a percorrer o corredor da habitação e a indicar-lhe o quarto onde se encontrava o casal ofendido. 8. Alertados pelo ruído, encontrando-se os ofendidos E… e D1… no interior de um dos quartos daquela habitação, com a porta fechada à chave, este último de imediato se escondeu na parte de trás de um "guarda-vestidos" ali existente, ao ouvir os passos do arguido B… a percorrer o corredor e a gritar, perguntando pelo ofendido, dizendo "vou-te apanhar! Eu sei que estás aqui." 9. O arguido B… desferiu vários pontapés na porta do quarto onde se encontrava o casal ofendido e seu filho, arrombando-a e nele adentrou, destruindo aquela porta. 10. Os demais arguidos, entretanto, entraram na referida residência, permanecendo o I… e o J… no corredor de acesso ao quarto onde estavam os ofendidos D1… e E… e entrando o M… dentro daquele quarto. 11. O arguido B… dirigiu-se ao ofendido D1… e encostou-lhe na cabeça a arma de características não concretamente apuradas que trazia consigo. 12. O arguido B…, com a dita arma, desferiu duas "coronhadas" na cabeça do ofendido D1…, que caiu no chão, ficando inconsciente. 13. O ofendido D1… foi socorrido naquele local pelo INEM e conduzido para a urgência do Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos. 14. Com esta conduta o arguido B… causou, directa e necessariamente, ao ofendido D1…, lesões na região occipital com cicatriz de coloração avermelhada de 3 cm por 1 cm, fractura do dente 1.1, lesões que demandaram 10 dias para consolidação médico-legal, tendo resultado como lesão permanente uma cicatriz localizada no couro cabeludo. 15. Após o dia 12 de Fevereiro de 2014, o arguido B… e a ofendida E… trocaram mensagens entre si, utilizando o primeiro o telemóvel com o cartão número ………, e a segunda, com o IMEI n° ……………, a que corresponde o cartão n° ………, tendo aquele enviado algumas com o seguinte teor: "foste fazer queixinha à tua amiga K… kkkk vou te fuder os cornos minha puta do caralho, tem calma; agora que a tua amiga K… confirmou me que andavas com os dois ao mxm tempo vais pagar bem caro e podes ir fazer queixa a polícia mais uma vez. Ainda lhe vou fazer pior a ele e a ti podes ter a certeza tem calma porque não vais ficar assim. Andaste a goxar cmg. Kero ver quando eu entrar na casa da tua amiga cntgo la dentro. Tem calma eu sei onde ele mora. Não vai demorar mto tem calma mas também posso entrar outra vez em tua casa para ir buscar a ti agora. Tem calma quando eu t por a mão vais ver. Não es então vou t fazer uma visita a tua casa logo a noite kuro ver se tens medo o não. O teu goxo vai acabar quando eu t poser as mao. Eu quando t poser as mao vais ver. Ainda t vou fuder os cornos vaca do caralho." 16. Os ofendidos E… e D1…, após o dia 12 de Fevereiro de 2014, permaneceram alguns dias em Lisboa. (…) 20. Segundo a transcrição da comunicação telefónica ocorrida entre o arguido B… quando este já se encontrava preso em regime de prisão preventiva à ordem deste autos - e a namorada L…, no dia 27.03.2014, constante de fls. 494/495, esta, a dado passo da conversa, diz ao arguido o seguinte: "... nós vamos tentar oferecer o dinheiro ao cabrão (...) amanhã tem que ser resolvido ( …) a minha versão para ele era esta ... olha ... o B… está preso depende de ti sair ou não sair já ... por isso é assim ... desistes da queixa e eu pago-te ... tu dizes a quantia que queres e eu pago-te ... ou então o B… continua preso, tu vais receber oh caralho, porque ele vai ficar preso não te vai pagar (…). Ao que o arguido B… lhe respondeu: "quando eu sair daqui ... vou matar esse gajo". E a L… continuou: ... e quando ele sair, já sabes que vais levar com ele ... e depois sabes como é que são os irmãos dele, são tolos ... por isso ... estás sujeito a qualquer altura ... numa esquina qualquer te foderem o focinho eu acho que a melhor opção que tens a tomar é retirares a queixa e eu pago-te o que quiseres senão retiras a queixa estás fodido." 21. O ofendido D1… juntou aos autos a fls. 398 um requerimento onde diz que vem desistir do procedimento criminal contra os arguidos, nomeadamente B… porque dele recebeu a quantia de 700.00€ para reparar os danos causados. No requerimento consta que "o presente requerimento foi feito neste Tribunal na presença da Advogada do arguido B… que lho leu e encontra-se de acordo com a sua vontade" e foi manuscrito pela dita Advogada. 22. O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de se introduzir na residência da ofendida E…. 23. O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de obrigar o ofendido C… a indicar-lhe o quarto onde se encontravam os ofendidos E… e D1…, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 24. O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de danificar a porta do quarto da ofendida E… e onde se encontrava o D1…, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 25. O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que ao actuar da referida forma provocava no ofendido D1… as lesões físicas supra descritas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 26. O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as expressões que dirigiu à ofendida E… eram idóneas a causar medo e receio de que poderia vir a atentar contra a sua integridade física, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Antecedentes criminais: 27. O arguido B… - fls. 119811208: - Por acórdão proferido em 06.06.2001 e transitado em julgado em 04.12.01 no processo comum colectivo n° 1711/00.6PBMTS foi condenado pela prática em 27.10.2000, de um crime de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n'T, do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro na pena de seis anos de prisão e em cúmulo com outros processos, na pena única de sete anos de prisão, já extinta pelo cumprimento. - Por acórdão proferido em 21.06.2006 e transitado em julgado em 21.07.06 no processo comum colectivo n° 30/00.6GFMTS foi condenado pela prática em 02.08.2005, de um crime de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n'T, do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro na pena de seis anos de prisão. - Por sentença proferida em 25.10.2010 no processo comum singular n° l625/09.4TACBR foi condenado pela prática em 07.04.2009, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40°, n02, do Dec. Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro em pena de multa; - Por sentença proferida em 15.01.2014 no processo sumário n° 26114.7GBMTS foi condenado pela prática em 14.01.2014, de um crime de condução sem habilitação legal em pena de multa; - Por sentença proferida em 24.01.2014 no processo sumário n° 41/14.0GBMTS foi condenado pela prática em 23.01.2014, de um crime de condução sem habilitação legal em pena de multa; (…) Relativos às condições pessoais do arguido B… (fls 1163/1166) 31. O processo de crescimento e de socialização de B… iniciou-se no agregado de origem, de modesta condição económica e de humilde estrato social, cuja dinâmica foi marcada por alguma disfuncionalidade, decorrente dos comportamentos ofensivos e agressivos do pai, sob o efeito do consumo abusivo de bebidas alcoólicas. 32. Na idade normal iniciou a frequência escolar, mas abandonou a aprendizagem aos 12 anos, só tendo concluído a 2a classe, por desinteresse, acentuada falta de assiduidade, e necessidade do agregado, pois era o segundo da fratria de seis, pelo que precocemente começou a inserção laboral na área da construção civil para contribuir para a economia familiar. 33. Aos 21 anos de idade casou, contexto em que nasceram dois filhos, relacionamento que cedo cessou, e numa relação seguinte que perdurou por dois anos, foi pai de outros dois descendentes. 34. Ainda na adolescência iniciou o consumo de estupefacientes. 35. Em 2000 foi preso, fase em que namorava com uma menor de 17 anos, então grávida, com quem casou no decurso da pena de 6 anos a que foi condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes. 36. Foi colocado em liberdade condicional a 27.10.2004, quando ele e a companheira já tinham sido pais dum segundo filho, mas a relação tinha cessado entretanto, e B… reintegrou o agregado da mãe, então viúva, mas a viver com outro companheiro. 37. Depois de um mês de prestação laboral que alegou não ter sido paga, B… optou pela inactividade, começou nova relação amorosa com L…. 38. Foi detido e preso a 02.08.2005, e ambos foram condenados por prática de crime de tráfico de estupefacientes, ela, numa pena de prisão suspensa na execução. 39. A 22.03.2013 B… foi colocado em liberdade condicional e retomou o enquadramento junto da mãe e de um dos irmãos, e foi para a Suíça trabalhar com a anterior namorada, tendo requerido autorização ao TEP para alterar a residência, pois estava a cumprir um contrato de trabalho na Suíça, Genebra, mas por não ter conseguido nova oportunidade de trabalho, regressou a Portugal em Outubro de 2013. 40. À data da ocorrência que originou os autos, o arguido residia com a mãe e o irmão mais novo num apartamento de tipologia 3, inserido em bairro com gestão camarária, atribuído à progenitora, dotado com satisfatórias condições de habitabilidade. 41. O arguido obtinha alguns proventos na realização de trabalhos esporádicos e era apoiado peça mãe, na situação de desemprego a auferir o respectivo subsídio, e pelo irmão, que exercia uma actividade laboral. 42. Mantinha o consumo ocasional de haxixe, e no tempo de ócio dedicava-se ao convívio social com amigos, a jogar futebol e em idas a discotecas. 43. No meio residencial, detém uma imagem social associada ao percurso delinquente e criminal, mas sem sinais de rejeição. 44. O arguido começou a namorar com L… em fins de Janeiro de 2104, sendo apoiado por familiares e por aquela, que o visitam periodicamente no estabelecimento prisional. 45. O arguido, no E.P. está a apresentar uma postura com respeito ao regulamento interno e adaptada no relacionamento interpessoal com funcionários e outros reclusos. (…) Do Pedido de Indemnização Civil: 88. Em consequência dos factos descritos em 12, 13 e 14, o ofendido D1… foi conduzido para a urgência do Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, onde lhe foi prestada assistência médica, e cujo valor global ascende à quantia de € 103,96 (cento e três euros e noventa e seis cêntimos). (…)» IV 1. – Cumpre decidir. Vem o arguido e recorrente alegar que não poderá ser condenado pela prática de um crime de dano, por falta de legitimidade do Ministério Público para acusar, uma vez que a queixa relativa a tal crime foi apresentada por uma pessoa que residia na casa onde se situa a porta danificada, mas que não é nem sua proprietária, nem sua arrendatária. Na resposta à motivação do recurso, o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância alega que não se verifica ilegitimidade do Ministério Público para acusar porque a queixa foi apresentada por quem tem legitimidade para usar e fruir a coisa danificada. Por seu turno, o Ministério Público junto desta instância alega, no seu douto parecer, que não se verifica, quanto a este crime, legitimidade de Ministério Público para acusar, pois a queixa foi apresentada por um familiar dos arrendatários da casa onde se situa a porta destruída e será ir longe demais, à luz da orientação da jurisprudência que vem sendo seguida (atendendo ao acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/2011), estender a estes tal legitimidade. Vejamos. Nos termos do artigo 113º, nº 1, do Código Penal, tem legitimidade para apresentar a queixa, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei quis proteger com a sua incriminação. O acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/2011 (publicado no Diário da República, Iª série, de 31 de maio de 2011) consigna o seguinte: «No crime de dano, previsto e punido no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa ‘destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada’, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição.» E afirma-se, na fundamentação desse acórdão: «As concepções que vêm tomando maior consistência nas formulações da jurisprudência e nas abordagens da doutrina — a jurisprudência elaborando a propósito de espécies concretas nascidas da diversidade das projecções relacionais entre a coisa e o aproveitamento das utilidades que proporciona — apontam, assim, para uma identificação do interesse “especialmente protegido” no crime de dano com a utilidade funcional, específica e efectiva da coisa por determinado sujeito, e concretamente afectada por uma das modalidades de acção do crime e do consequente resultado. Relação de utilidade, no entanto, com “representação jurídica”, no sentido de juridicamente tutelada por instrumento ou modo consistente para o direito, que constitua o modelo de legitimação e de identificação dos direitos e inerentes poderes sobre a coisa. As relações de facto sobre a coisa terão de estar enquadradas por um modo relevante para o direito, ou seja, por uma relação jurídica suficientemente precisa na definição dos direitos e consequentes poderes — a “representação jurídica”. A fonte de legitimação e de definição do conteúdo relacional tem, pois, de estar prevista na lei, ou resultar de alguma vinculação contratual como fundamento da atribuição da disponibilidade ou da utilidade sobre a coisa — a propriedade (artigo 1305.º do Código Civil), a posse (artigos 1251.º e 1276.º), o usufruto (artigos 1439.º e 1446.º), uso ou habitação (artigo 1484.º, n.os 1 e 2), espécies contratuais típicas e nominadas — modalidades de compra e venda [artigos 879.º, alínea b), 934.º e 936.º, n.º 2]; locação [artigos 1022.º e 1031.º, alínea a)]; comodato (artigos 1129.º e 1133.º); depósito (artigos 1185.º); ou outras dependentes da vontade dos interessados que detenham direitos de atribuição sobre a coisa. (…) «Deste modo, para efeitos do artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, o conceito de “ofendido” como titular dos interesses que a incriminação quis proteger, pode, assim, abranger tanto o proprietário, como aquele que tem a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa, com um mínimo de representação jurídica que justifica a tutela penal, assistindo legitimidade aos titulares desses direitos e interesses legítimos, enquanto representantes de interesses especialmente tutelados pela incriminação, para apresentar queixa -crime, quando a coisa tenha sido alvo de qualquer uma das acções compreendidas no tipo do artigo 212.º do Código Penal. «Este critério significa que tem legitimidade para apresentar queixa por crime de dano, o proprietário — em qualquer situação este não poderia ser excluído, porque tal implicaria uma alteração do bem jurídico protegido pela incriminação —, o usufrutuário, o possuidor, o titular de qualquer direito real de gozo sobre a coisa e, ainda, todo aquele que tenha um interesse juridicamente reconhecido na fruição das utilidades da coisa.» A esta luz, não pode dizer-se que os familiares dos arrendatários de uma casa, mesmo que nela habitem, sejam, para este efeito, “ofendidos” relativamente a atos que danifiquem essa casa. Podem, de facto, usar e fruir dela, mas não dispõem (ao contrário dos próprios arrendatários) de um título jurídico que lhe dê o direito desse uso e fruição. Falta-lhes, usando a terminologia do acórdão de uniformização de jurisprudência citado, um mínimo de “representação jurídica” que justifique a tutela penal. Como bem salienta o Ministério Público junto desta instância, admitir a sua legitimidade para exercer o direito de queixa relativo a essa casa é, à luz da jurisprudência fixada por tal acórdão, ir longe demais. Assim, porque o Ministério Público não tem legitimidade para o exercício da ação penal quanto a tal crime (ver artigos 48º e 49º, nº 1, do Código de Processo Penal e 113º, nº 1, e 212º, nº 2, do Código Penal), deverá o arguido ser absolvido do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, por que foi condenado. Nesta medida, deverá ser dado provimento ao recurso. IV 2. – Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a prova produzida não permite que seja condenado pela prática de um crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, c), do Código Penal. Invoca declarações do eventual ofendido, C…, no sentido de que este não se sentiu ameaçado ou constrangido a fazer o que quer que seja. E invoca declarações do mesmo no sentido de que acabou por não ser ele a revelar onde se encontrava a pessoa que o arguido queria encontrar (conhecido por “D…”), de onde resulta que o crime nunca poderá considerar-se consumado (mas apenas tentado). Vejamos. Parece mais do que óbvio que quem é empurrado por alguém que lhe aponta uma arma ao corpo (e, quanto a isso, as declarações da testemunha em causa, de 5.00 a 7.05) não oferecem quaisquer dúvidas) se sente constrangido, sob ameaça de ser atingida por uma arma, a essa deslocação, pelo menos. Considerar o contrário brigaria com quaisquer regras da lógica, do bom senso e da experiência comum. A declaração da testemunha em causa a que se refere o arguido e recorrente (ao minuto 00.24.45) não é relativa a este comportamento do arguido e recorrente, mas ao comportamento dos restantes arguidos. Também não pode dizer-se que esta testemunha não chegou a ser constrangida à prática de qualquer ato, designadamente a revelar onde se encontrava a pessoa conhecida por “D…”, por ter sido, afinal, o próprio arguido e recorrente a procurar esta sozinho. É que até ao momento em que o arguido e recorrente foi procurar sozinho essa pessoa, a testemunha C… não deixou de ser constrangida, sob ameaça, a deslocar-se. Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 3.- Vem o arguido e recorrente alegar que não se verificam os pressupostos da qualificação do crime de ofensa à integridade física por que foi condenado, sendo, por isso, relevante a desistência de queixa a este crime relativa. Alega que não poderá considerar-se fútil o motivo da sua atuação (o facto de ter terminado uma relação de namoro com E… e de esta ter reatado o relacionamento que anteriormente mantinha com D1…). No seu douto parecer, o Ministério Público junto desta instância alega que a conduta do arguido (que entrou abusivamente em casa dos pais da antiga namorada, a altas horas da noite, de arma em punho, arrombando a porta do quarto onde se encontrava um bebé a dormir, agredindo o ofendido até este ficar inconsciente) revela, de qualquer modo, especial censurabilidade e perversidade, pelo que sempre se integrará na cláusula geral do artigo 145º, nºs 1 e 2, do Código Penal. Vejamos. A configuração típica dos crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º do Código Penal, e de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º do mesmo diploma, serve-se da técnica habitualmente designada como de “exemplos-padrão”. Consiste essa técnica na combinação, para efeito de qualificação dos crimes em questão, de uma cláusula geral (nestes casos, que as circunstâncias da prática do crime sejam reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade) com uma enumeração de casos exemplificativos de concretização da aplicação dessa cláusula. Embora, como regra, a verificação de algum desses exemplos seja sintoma de verificação da cláusula geral, não o será necessariamente (afirma-se que esses exemplos «são suscetíveis de revelar especial censurabilidade e perversidade»). Por outro lado, a enumeração das circunstâncias exemplificativas não é taxativa (é acompanhada da expressão “entre outras”); para além dos exemplos indicados, poderá haver outras situações que se enquadrem na cláusula geral. No entanto, não pode recorrer-se à cláusula geral sem passar pelo “crivo”, dos exemplos padrão, como se estes não existissem. Alguma situação não diretamente enquadrável nos exemplos-padrão há de equiparar-se, no plano da estrutura valorativa e gravidade, a algum do exemplos- padrão (ver, sobre a questão, entre outros, Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 132º, pgs. 25 a 29, e Teresa Serra, Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 1990). A jurisprudência vem admitindo a figura do homicídio qualificado atípico (e, por identidade de razão, admitirá a ofensa à integridade física qualificada atípica), em situações em que outras circunstâncias, para além da expressamente enumeradas nas várias alíneas do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, possam ser reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade (ver, por exemplo, o acórdão da Relação de Coimbra de 30 de abril de 2008, processo nº 106/06.4GCPMS.C1, relatado por Heitor Vasques Osório, in www.dgsi.pt). No entanto, esta figura pode suscitar alguma incompatibilidade com o princípio da legalidade. Será assim, para Jorge de Figueiredo Dias, se se fizer «apelo direto à cláusula de especial censurabilidade e perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto no art.132º ou de uma situação valorativamente análoga» (op. cit., pg. 28). Afirma-se, a este respeito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2004 (proc. nº 04P 1389, relatado por Pereira Madeira, in www.dgsi.pt) que o recurso a essa figura «há de ser levado a cabo com alguma parcimónia» e que «deve ser posta de parte a hipótese de multiplicação de casos de homicídio qualificado atípico». Deve também atender-se ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 852/2014 (in www.tribunalconstitucional.pt) que julgou inconstitucional «a norma retirada do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, na relação deste com o n.º 2 do mesmo preceito, quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2 ou ao critério de agravação a ela subjacente, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais, garantidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Afirma-se na fundamentação deste acórdão: «Não se pode ter por bastante a invocação do "crivo" dos exemplos-padrão - até porque não existe propriamente o "crivo dos exemplos-padrão": o que existe, em rigor, são os distintos "crivos de cada exemplo-padrão"). A invocação conjunta de todas, ou algumas, alíneas do n.º 2 do artigo 132.º, sem identificação clara do fator ou fatores exponenciadores da censura penal resultante da cláusula de especial censurabilidade ou perversidade inscrita no n.º 1, não pode deixar de ter um significado jurídico idêntico ao que resultaria da aplicação direta e imediata desta. Ora, a interpretação/aplicação de um direito assim tornado equívoco e impreciso não satisfaz a exigência de “normas prévias, escritas e precisas”, própria do direito penal (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 449/02, já citado), ofendendo, desta forma, os princípios da legalidade e da tipicidade penais, havendo de se considerar desconforme ao artigo 29.º, n.º 1, da CRP.» No caso em apreço, o douto acórdão recorrido considerou que o arguido e recorrente atuou movido por “motivo fútil”, com o que se verificará a circunstância prevista na alínea e), in fine, do nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Por motivo fútil deve entender-se o que é insignificante, ou irrelevante (ver, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2011, in C.J.-S.T.J., 2011, III, pg.227). No caso em apreço, o arguido e recorrente agiu movido pelo facto de E… ter terminado a relação de namoro que mantinha consigo e ter reatado a relação de namoro que já tinha mantido anteriormente com D1…. É compreensível o abalo emocional provocado por tal facto. Abalo que está longe de justificar, ou sequer atenuar substancialmente, a gravidade, da conduta (de todo desproporcionada) do arguido e recorrente. Mas não pode dizer-se que estejamos perante um motivo insignificante ou irrelevante, perante um motivo fútil. Não podemos, pois, considerar que se verifica a circunstância prevista na alínea e), in fine, do nº 2 do artigo 132º do Código Penal (para que remete o nº 2 do artigo 145º do mesmo Código). Alega o Ministério Público junto desta instância, no seu douto parecer, que as circunstâncias da prática do crime são, independentemente da verificação de alguma das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal, reveladoras de especial censurabilidade e perversidade, pelo que estaremos, de qualquer modo, perante um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1, do Código Penal. Mas, como vimos, não pode considerar-se, até por exigências do respeito pelo princípio da legalidade, o crime qualificado apenas pelo facto de as circunstâncias em que foi praticado serem reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, independentemente da verificação de alguma das circunstâncias indicadas, como exemplos-padrão, no nº 2 do artigo 132º do Código Penal. Se não se verificar alguma dessas circunstâncias, terá de verificar-se outra, também reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, que seja equiparável a alguma dessas circunstâncias, no plano da estrutura valorativa e gravidade. E, como se salienta o acórdão do Tribunal Constitucional nº 852/2014, acima citado, não basta uma equiparação genérica à estrutura valorativa da globalidade das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal como exemplos-padrão, desde logo porque não há uma estrutura valorativa comum a todas elas. Não se vislumbra em que medida alguma das circunstâncias invocadas pelo Ministério Público junto desta instância (a prática do crime com entrada na casa dos pais da antiga namorada, de noite, empunhando uma arma, num quarto onde dormia um bebé, a agressão que provocou o estado de inconsciência da vítima) possa ser equiparada, no plano da estrutura valorativa, a alguma das circunstâncias indicadas, como exemplos-padrão, no nº 2 do artigo 132º do Código Penal. É de salientar que, a seguir o entendimento do Ministério Público junto desta instância, sempre estaríamos perante uma alteração de qualificação jurídica que exigiria o cumprimento do artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal. Deve, pois, considerar-se que o arguido e recorrente praticou um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. Porque este é um crime de natureza semi-pública (nº 2 do mesmo artigo), é relevante a desistência de queixa formulada por D1… (ver fls. 398) e esta deverá ser homologada, considerando que o arguido e recorrente a ela não se opõe (artigos 113º, nº 1, e 116º, nº 2, do Código Penal, e 51º do Código de Processo Penal). Deverá, assim ser dado provimento ao recurso quanto a este aspeto. Mantém-se, no entanto, a condenação relativa ao pedido de indemnização civil (artigo 377º, nº 1, do Código de Processo Penal). IV 4. – Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a prova produzida não permite a sua condenação pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal. Invoca declarações da visada, E…, no sentido de que não tem medo do arguido e recorrente face ao que aconteceu, e declarações do irmão desta, C…, no sentido de que a irmã nunca se queixou de ter sido ameaçada pelo arguido e recorrente. Vejamos. Estatui o artigo 153º, nº 1, do Código Penal que «quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bem patrimonial de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até cento e vinte dias». Não estamos, pois, perante um crime de resultado. Não é elemento típico do crime que a ameaça tenha provocado, efetivamente, medo ou inquietação, ou que tenha prejudicado a liberdade de determinação do visado; basta que seja adequada para tal. Ora, as expressões indicadas no ponto 15 do elenco dos factos provados constante do douto acórdão recorrido são, claramente, adequadas a causar na pessoa visada medo e inquietação. De qualquer modo, sempre se dirá que das declarações desta testemunha invocadas pelo arguido e recorrente (de 00.46.50 a 00.45.00) resulta que ela não sentirá hoje medo do arguido e recorrente, não necessariamente que não o tenha sentido quando recebeu a mensagem em questão. Assim, deve ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 5. - Vem o arguido e recorrente alegar que as penas em que foi condenado deverão, face aos critérios legais, ser reduzidas e suspensas na sua execução. Invoca as circunstâncias de nunca ter sido condenado pela prática dos crimes por que agora é condenado, de ter bom comportamento na prisão, de ter hábitos de trabalho e de estar inserido social e familiarmente. Vejamos. Estão em causa, apenas, as medidas das penas correspondentes aos crimes de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, a), do Código Penal, e de ameaça, p. e p. pelo artigo l53º, nº 1, do mesmo Código, assim como o cúmulo jurídico de ambas. O primeiro desses crimes é punível com pena de prisão de um a cinco anos. O segundo desses crimes é punível com pena de prisão até um ano ou pena de multa até cento e vinte dias. Na escolha e determinação da medida dessas penas, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal. De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2). Nos termos do artigo 70º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)). Em caso de concurso de crimes, o agente é condenado numa única pena, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a sua personalidade (artigo 77º, nº 1). Essa pena tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar vinte e cinco anos tratando-se de pena de prisão e novecentos dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (nº 2 do mesmo artigo). Pela prática de um crime de coação agravada crimes de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, a), do Código Penal, foi o arguido e recorrente condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão. Pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo l53º, nº 1, do mesmo Código, foi o arguido e recorrente condenado na pena de quatro meses de prisão. Vem o arguido e recorrente alegar que tais penas são exageradas, face aos critérios legais. Invoca as circunstâncias de nunca ter sido condenado pela prática dos crimes por que agora é condenado, de ter bom comportamento na prisão, de ter hábitos de trabalho e de estar inserido social e familiarmente. No entanto, estas circunstâncias não se revestem de um peso significativo a ponto de justificar a redução das penas em que o arguido e recorrente foi condenado. Não é, em especial, significativo que o arguido e recorrente tenha sido anteriormente condenado pela prática de crimes diferentes daqueles por que agora é condenado. As penas de prisão em que foi condenado, e que cumpriu, relativas à prática de crimes de tráfico de estupefacientes, deveriam ter servido para ele de advertência (e não serviram) quanto à prática futura de quaisquer crimes, e não apenas, obviamente, desse tipo de crime. Não podem, pois, deixar de ser tidos em conta, como circunstância agravante, os antecedentes criminais do arguido e recorrente. Também não pode deixar de ser considerada, como circunstância agravante, reveladora de ausência de arrependimento e de perigo de continuação da atividade criminosa, a atitude do arguido e recorrente reportada no ponto 20 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido e acima transcrito. Assim, as penas parcelares em que o arguido e recorrente não são merecedoras de reparo. Na determinação da pena única correspondente ao cúmulo jurídico dessas penas, há que considerar, à luz do disposto no nº 1 do artigo 77º do Código Penal, que os dois crimes em apreço foram praticados em ocasiões distintas, embora com a mesma motivação, ligada ao rompimento do namoro entre o arguido e recorrente e E…. Assim, entende-se adequado fixar a pena relativa a tal cúmulo jurídico em dois anos e oito meses de prisão. Vem o arguido e recorrente alegar que as penas em que foi condenado deverão ser suspensas na sua execução. Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O período da suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano (nº 5 desse artigo 50º). Preside ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão um propósito de favorecimento de penas mais adequadas à prevenção especial positiva (reinserção social, ou não desinserção social do agente) do que a pena de prisão. É seu pressuposto uma prognose social favorável ao arguido, isto é, a prognose de que a censura do facto e a ameaça de eventual cumprimento da pena de prisão sejam suficientes para o afastar da criminalidade. Ora, os antecedentes criminais do arguido, por um lado, e a sua atitude reportada no ponto 20 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido e acima transcrito, reveladora de ausência de arrependimento e de perigo de continuação da atividade criminosa, por outro lado, impedem a formulação desse juízo de prognose. Não deverá, pois, ser suspensa a execução das penas de prisão em que o arguido e recorrente vai condenado. Deve, assim, ser dado provimento parcial ao recurso. Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal) V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso, declarando a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal quanto ao crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, por que o arguido e recorrente foi condenado; absolvendo-o da prática deste crime; absolvendo-o também da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, e 145º, nº 1, a), do Código Penal, por que foi condenado; homologando a desistência de queixa apresentada por D1… e declarando extinto o procedimento criminal quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, imputável ao arguido e recorrente; reduzindo para dois (2) anos e oito (8) meses a pena correspondente ao cúmulo jurídico das duas penas em que o arguido e recorrente vai condenado; e mantendo, no restante, o douto acórdão recorrido. Notifique Porto, 30/07/2015 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato (em turno) Carlos Querido ______________ [1] Neste sentido, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, As consequências jurídicas do crime…, p. 286 e ANTÓNIO RODRIGUES DA COSTA, O cúmulo jurídico na doutrina e na jurisprudência do STJ, p. 4. |