Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3770/15.8T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
QUESITOS
FUNDAMENTAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP201905223770/15.8T8OAZ.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º294, FLS.62-67)
Área Temática: .
Sumário: I - O resultado dos exames por perícia médica é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões.
II - O incumprimento do n.º 8 das Instruções Gerais da TNI deve ser logo sindicado pelo Juiz que preside à perícia por junta médica.
III - Caso a decisão da 1ª instância que fixa o grau de incapacidade permanente de que ficou afectado o sinistrado em consequência de acidente de trabalho, o faz por referência ao auto de junta médica e neste não estão descritos de modo completo os elementos de facto indispensáveis àquela fixação, estas deficiências do laudo da junta médica, para cujo conteúdo a decisão remete, implicam insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e justificam a anulação da decisão nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3.770/2015.8T8OAZ.P1
Origem: Comarca Aveiro-O.Azeméis-Juízo Trabalho
Relator - Domingos Morais – R 815
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. – Relatório
1. - B…, sinistrado, foi vítima de acidente de trabalho, ao serviço da empregadora “C…, Lda.”, sendo responsável Companhia de Seguros D…, SA., nos autos identificados.
2. – Realizada tentativa de conciliação, sob responsabilidade do Ministério Público, não foi obtida a conciliação por discordância quanto ao grau de desvalorização fixado no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML).
3. – Requerida e realizada a perícia por junta médica da especialidade de oftalmologia, considerou, por maioria, que o sinistrado apresenta uma IPP de 30,037%, resultante das seguintes sequelas:
Capítulo V:
2.1. De um lado, visão de 1 a 0,7; do outro: h) 0 … 0,23-0,27: 0,27
7. Conjuntivites crónicas - 0,01-0,15: 0,05”.
4. – O Mmo. Juiz proferiu a seguinte decisão:
1. Nos presentes autos em que é sinistrado B… e ré a seguradora Companhia de Seguros D…, SA, foi feita tentativa de conciliação não tendo sido obtida a conciliação na medida em que a sinistrado e a seguradora não aceitaram o grau de desvalorização fixado no relatório médico-legal, aceitando no entanto a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional, a retribuição do sinistrado e a transferência da responsabilidade infortunística com base nessa retribuição, colocando apenas em causa o coeficiente de desvalorização.
2. Foi requerida Junta Médica que, uma vez efectuada, concluiu, por maioria, pela existência de um coeficiente de desvalorização de 30,037%.
3. Consideram-se reproduzidos os factos invocados em sede de tentativa de conciliação a que se acrescentam as sequelas e o coeficiente de desvalorização resultante da resposta maioritária dos peritos que compuseram a Junta Médica na medida em que é o resultado de uma junta colegial, é o elemento pericial mais recente e está corroborada pelo relatório do GML elaborado na fase de conciliação.
4. Assim sendo, nos termos do artigo 140.º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho, profere-se a seguinte decisão: Fixo a incapacidade permanente parcial sofrida pelo sinistrado em 30,037% com consolidação das lesões em 26 de Julho de 2016;
Condeno a Companhia de Seguros D…, SA, no pagamento ao sinistrado das seguintes quantias:
1. Uma pensão anual e vitalícia de €3.133,72 devida a partir de 27 de Julho de 2016 e acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações mensais da pensão já vencidas desde a data referida até integral pagamento; e
2. A quantia de €20 acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde a tentativa de conciliação.
Mais condeno a ré no pagamento das custas, fixando-se à causa o valor de €52.647,69.”.
5. - O sinistrado, inconformado, apresentou recurso de apelação,
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6. – A recorrida contra-alegou,
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7. – O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.Fundamentação de facto
A factualidade inerente é a que consta do relatório que antecede.
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2. - Objecto do recurso
a) - A alteração do ponto 4) da decisão, isto é, saber se o sinistrado está afectado de uma IPP de 30,037%, como foi fixada na sentença recorrida, ou de uma IPP de 43,20%, como defende o sinistrado/recorrente, com a consequente alteração do valor anual da pensão.
b) - A sentença indevidamente fundamentada.
3. - Da anulação da decisão recorrida
3.1. - O sinistrado/recorrente requer, a final, a anulação da decisão da 1ª instância e que se ordene “a realização de novos exames e a recolha de elementos e pareceres, no sentido apontado ou outros que se revelem necessários ou pertinentes para a realização de um novo exame por junta médica que considere os elementos até agora não considerados”, como os “itens 1,2 e n.º 6 da TNI (Capítulo V) e ainda o Capítulo X grau III da referida TNI, para além dos itens 2.1h) e n.º 7, já considerados.”.
O sinistrado/recorrente sustenta a sua pretensão, além do mais, no Relatório do Exame Oftalmológico, datado de 05.12.2017 e junto na fase conciliatória do processo, a fls. 125 dos autos, que considerou as seguintes sequelas:
Capítulo V:
1.2. Aderências cicatriciais das conjuntivas, causando perturbações ou prejuízo estético 0,01-0,10
2.1. De um lado, visão de 1 a 0,7; do outro: h) 0 … 0,23-0,27
6. Fotofobia Lesões permanentes da córnea ou midríase permanente 0,01-0,05
7. Conjuntivites crónicas 0,01-0,15”.
Como supra transcrito, no ponto I.4. do Relatório, o Mmo Juiz formou a sua convicção nas duas perícias médicas realizadas nos autos, uma singular, outra colegial, ambas meio de prova pericial, de livre apreciação judicial – cf. artigos 467.º e segs. do CPC; artigo 138.º, n.º 1, do CPT; e artigo 389.º do Código Civil.
3.2. – A perícia singular é o Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), do qual consta que do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, em 22.08.2014, resultou “traumatismo do globo ocular esquerdo”. Submetido a intervenções cirúrgicas, incluindo o “transplante da córnea à esquerda”, o perito médico do INML, fixando a consolidação médico-legal em 26.07.2016, considerou como sequelas resultantes da lesão sofrida pelo sinistrado:
Capítulo V:
2. Hipovisão
2.1. De um lado, visão de 1 a 0,7; do outro: h) 0 … 0,23-0,27: 0,27
7. Conjuntivites crónicas - 0,01-0,15: 0,05”.
3.3. - Na fase contenciosa do processo, o sinistrado indicou, para a perícia por junta médica, o perito médico subscritor do Relatório do Exame Oftalmológico, junto aos autos, e formulou os seguintes quesitos:
“1.º- Quais as lesões que resultaram para o Sinistrado em consequência do acidente a que os autos se referem?
2.º- Quais as sequelas que advieram para o Sinistrado em consequência de tais lesões?
3.º - Encontra-se o Sinistrado curado ou continua a necessitar de tratamento?
4.º - Apresenta o Sinistrado as sequelas referidas no relatório médico que juntou na tentativa de conciliação? – (negrito nosso)
5.º - Qual o grau de incapacidade (I.P.P) que deverá ser atribuído, tendo em conta a sua idade, profissão e o disposto na T.N.I?”.
A junta médica, por maioria, respondeu do seguinte modo:
“1.º - Perfuração do olho esquerdo.
2.º - Perda total da visão do olho esquerdo e conjuntivite crónica.
3.º - Encontra-se curado com sequelas a necessitar tratamento crónico.
4.º - Não, pelo perito do sinistrado é dito que sim. (negrito nosso)
5.º - IPP de 30,037%, segundo quadro anexo.”.
Ora, com todo o respeito, a resposta ao quesito 4.º carece de fundamentação, quer o Não dos peritos médicos do Tribunal e da ré seguradora, quer o “Sim” do perito médico indicado pelo sinistrado, porque contraditórios entre si.
Na verdade, para o Tribunal da Relação poder avaliar, de modo consistente, o objecto do recurso, torna-se necessário que a junta médica fundamente porque é que, no seu entender (a maioria), não considerou as sequelas descritas no “Capítulo V - 1.2 Aderências cicatriciais das conjuntivas, causando perturbações ou prejuízo estético 0,01-0,10 e 6. Fotofobia Lesões permanentes da córnea ou midríase permanente 0,01-0,05” -, tidas em conta no Relatório do Exame Oftalmológico, junto aos autos, atenta a lesão sofrida pelo sinistrado: “traumatismo do globo ocular esquerdo”, com “Perda total da visão”.
Assim, a junta médica deve esclarecer, nomeadamente, (i)se a “fotofobia” é sempre uma sequela resultante “da perda total da visão”, como parece resultar da observação do perito médico do sinistrado, registada no Auto de Exame por Junta Médica, da Especialidade de Oftalmologia, realizado no dia 02 de outubro de 2018; e (ii)se, no caso concreto, o sinistrado apresenta, no pós-operatório, “prejuízo estético”.
Em caso negativo, a junta médica deve explicar o porquê, quer quanto à “fotofobia”, quer quanto ao “prejuízo estético”.
3.4. - Como vem entendendo o Tribunal da Relação do Porto, de modo uniforme e persistente, se a decisão da 1.ª instância, que fixa o grau de incapacidade permanente de que ficou afectado o sinistrado em consequência de acidente de trabalho, o faz por referência ao auto de perícia por junta médica (como é o caso dos autos), e, nesse auto pericial, não estão descritos de modo completo os elementos de facto indispensáveis àquela fixação, estas deficiências do laudo da junta médica, para cujo conteúdo a decisão remete, implicam insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e justificam a anulação da decisão, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.
[cf., entre outros, os acórdãos do TRP de 02.12.2013 e de 26.01.2015, in www.dgsi.pt].
Aliás, consta, expressamente, do n.º 8 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10, que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões” (negrito nosso).
Daqui decorre que as respostas aos quesitos ou a fundamentação aduzida no laudo pericial deverão permitir, com segurança, ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir, pelo que, o incumprimento do n.º 8 das Instruções Gerais da TNI deverá ser logo sindicado pelo Mmo Juiz da 1.ª instância que preside à perícia por junta médica – cf. artigo 139.º, n.º 1, do CPT.
Caso essa sindicância não tenha sido feita em tempo oportuno, caberá ao Tribunal de recurso, no âmbito das regras processuais próprias, diligenciar pelo cumprimento de tal Instrução Geral da TNI.
Deste modo, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, determina-se a anulação da sentença recorrida com vista à ampliação da matéria de facto, designadamente, ao apuramento das questões acima mencionadas, devendo ser solicitado aos peritos médicos que integraram a junta médica os necessários, e fundamentados, esclarecimentos, tudo em conformidade com o acima referido e o mais que seja tido por conveniente pela 1ª instância, atento o poder conferido pelo artigo 145.º, n.º 5, segmento final, do CPT.
IV. A Decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em anular a sentença recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, devendo o tribunal de 1.ª instância determinar à junta médica os esclarecimentos, e consequente resposta fundamentada ao quesito 4.º, em conformidade com o supra referido, e o mais que possa ter por conveniente, proferindo de seguida nova decisão.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 2019.05.22
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha