Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
481/14.5JABRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: CRIME DE PORNOGRAFIA DE MENORES
Nº do Documento: RP20170607481/14.5JABRG.P1
Data do Acordão: 06/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º719, FLS.212-225)
Área Temática: .
Sumário: Integra o crime de pornografia de menores p.p. pelo artº 176º nº 6 CP o recebimento e guarda de fotos de jovem de 14 anos de várias partes do seu corpo sem vestuário enviadas pela própria a terceiro através do Facebook, e que as reenviou a outrem que as recebeu e visualizou.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 481/14.5JABRG.
*
Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
No processo comum nº 481/14.5JABRG, do 1º Juiz da Secção Criminal, Instância Local de Felgueiras, Comarca do Porto Este, foi o arguido B… acusado pelo Ministério Público da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154°, nº 1 e 155°, nº 1, alínea b), um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176°, nº 1, al. c) e 177º, nº 6 e ainda de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art. 171°, n° 1, todos do Código Penal.
Realizada a audiência, foi o arguido absolvido de todos estes crimes.
*
Desta decisão, recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt:Como decorre do Art. 412º do Código de Processo Penal, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):
*
O arguido B… foi absolvido do crime de que vinha acusado, de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.°, n. ° 1, al. c), e 177.°. nº 6, do Código Penal.
O presente recurso visa impugnar a matéria de facto, por se entender que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento permitiria ao Tribunal a quo, com a suficiência devida, dar como provados os factos descritos no ponto 5dos factos não provados da sentença em crise, tendo o Tribunal a quo, ao considera-los não provados, apreciado erradamente a prova produzida.
Visa ainda apreciar a errónea subsunção dos factos ao Direito, por violação do disposto no art." 176.°, ai. c), do c.P. - matéria de direito, sendo o presente recurso interposto com os fundamentos previstos no artigo 410.0, n. o 2, alínea b) e c), do Código de Processo Penal.
Entende o Ministério Público que o julgador a quo não andou bem ao apreciar a prova produzida em sede de audiência de julgamento, encontrando-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como não provada no ponto 5 da sentença ora posta em crise, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, factos que deveriam antes ter sido dados como provados.
Atendendo à prova produzida, e aos factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da sentença posta em crise, poderia e deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido nos factos elencados no art.o 13.º da acusação.
Na verdade, o Tribunal fundamenta a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido e gravadas na sessão do dia13/05116, faixa 20160513110006_2854313 _2871687, do minuto 00h00 ao minuto 21h28.
Das mesmas resulta inequivocamente que o arguido não podia deixar de saber que ao enviar as fotografias que detinha no seu computador à prima da menor estava deste modo a partilhá-las com terceiro, sem autorização ou conhecimento da menor.
Acresce que resulta uma notória contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 e os factos dados como não provados no ponto 5: ao guardar e enviar as fotografias a terceiro, bem sabia o arguido que tal constituía uma partilha com terceiros, uma divulgação de tais fotografias.
Tal conclusão lógica só seria afastada se estivéssemos perante um inimputável, ou um agente que sofresse de qualquer limitação cognitiva que o impedisse de perceber que o envio corresponde a uma partilha, o que não resulta de todo dos autos, nem de prova documental, nem das declarações prestadas em julgamento pelo arguido.
E nem se diga que o arguido não sabia que estava a divulgar as fotografias desconhecendo que tal divulgação carecia de autorização da menor, pois que das declarações do mesmo também resulta inequivocamente que a menor desconhecia tal envio.
Assim, o Tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes dos pontos 4 e 5 e simultaneamente dar como não provado os factos constantes do ponto 5 -que ao deter tais fotografias e ao divulgá-las, o arguido "bem sabia que estava a tornar públicas e a partilhar com terceiros fotografias de zonas do corpo da menor C… sem qualquer vestuário, fotografias essas de cariz sexual e que o fazia, como efectivamente fez, sem autorização e contra a vontade da menor C…".
Incorre em notória contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 e os factos dados como não provados no ponto 5.
Da conjugação de toda esta prova, por recurso às regras da experiência comum, e considerando os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da douta sentença, podia e deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os factos elencados no ponto 5 dos factos dados como não provados, de modo a não incorrer em contradição, como incorreu, o que implicaria, e bem, a condenação do arguido.
Pelo exposto, tal despacho violou o art.° 176.°, al. c), do c.P. e o artº 412.°, nº 2, al.c), do c.P.P., aplicável por força do disposto no art.º 4.°, do c.P.P.
A considerar-se conforme supra exposto - ao dar-se como provado os factos elencados no ponto 5 dos factos não provados -, importaria retirar conclusão diferente da que efectuou o Tribunal a quo, no que concerne à subsunção dos factos ao Direito.
Atento o teor do normativo legal- art. 176.°, al. c) e 177.°, n.º 6, do C.P., que aqui se dá por integralmente reproduzido, antes de mais, impõe-se preencher o conceito de pornografia.
Da mera leitura do normativo legal resulta tratar-se de uma norma penal em branco, cujo conteúdo terá de ser preenchido com recurso à jurisprudência e à doutrina.
Como muito bem refere o Tribunal a quo, as Nações Unidas definiram pornografia infantil como sendo "qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais", cfr. o art.º 2.°, alínea c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002.
Quanto à acção, o referido ilícito penal preenche-se com qualquer uma de várias actividades - adquirir, deter, divulgar, exibir, ceder, entre outras.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 488 "A divulgação "incluí a publicitação a uma ou mais pessoas (. . .)", a exibição " a mostra a uma ou mais pessoas" e a cedência que incluem a venda, o aluguer, a doacção, o empréstimo gratuito ou qualquer outra forma de transferência da detenção a terceiros".
Quanto à forma de consumação, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de um crime de mera actividade, como aliás pugna a própria sentença ora posta em causa, o que desde logo implica que o mesmo se consuma independentemente do resultado.
No que respeita ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, que admite qualquer uma das suas modalidades.
Todavia, não se trata de um crime que exija um dolo específico, prevendo-se apenas um dolo genérico.
Ora, no caso dos autos trata-se da aquisição, detenção e divulgação das fotografias da menor nua, com exibição dos seus órgãos genitais.
O Tribunal a quo dá como provado que se tratam de fotografias de cariz sexual; que o arguido sabia que a C… era menor de idade - tinha 13 anos, se bem que foi dado como provado que o arguido pensava que a mesma tinha 14 anos de idade -; que o mesmo guardou tais fotografias no seu computador, tendo-as posteriormente enviado à prima da menor, D….
Do exposto resulta que estão preenchidos todos os elementos do tipo objectivo: detenção e cedência de fotografias de menor pornográficas a terceiros.
Quanto ao elemento subjectivo, também considerando os factos a dar como provados, como supra se pugna, ter-se-á de concluir pelo seu preenchimento: dando-se como provado que o arguido sabia que a C… era menor de 14 anos de idade, sabia que guardou as fotografias de natureza pornográfica no seu computador, como bem sabia que ao enviá-las a terceiro ¬no caso, a prima da menor -, as partilhava com terceiro sem o consentimento da menor, mostra-se integralmente provado o dolo genérico exigido pelo crime imputado.
Pelo exposto, não podemos de todo subscrever a posição adoptada pelo Tribunal a quo, na parte que supra se transcreve e que ora se dá por integralmente reproduzida.
Afigura-se-nos que a intenção com que o arguido actuou é absolutamente irrelevante, assim como o contexto dos factos - é que parece o Tribunal a quo olvidar que estamos perante um crime de mera actividade - que se consuma pela mera verificação dos elementos do tipo, não dependendo da ocorrência de qualquer resultado - e com um dolo genérico, que não exige qualquer intenção específica.
Deste modo, para que o crime esteja perfeito basta que o agente detenha e partilhe fotografias de carácter pornográfico de menor, sendo agravado pelo nº 6 do artº 177.°, do c.P. se for menor de 16 anos, como inequivocamente é o caso em apreço.
Assim, as circunstâncias que rodeiam tal detenção e tal partilha são absolutamente irrelevantes para o preenchimento do tipo, quer ao nível objectivo, quer ao nível subjectivo - podendo apenas relevar na aplicação da concreta medida da pena, tivesse o arguido sido condenado - como deveria.
E nem se diga que o arguido não actuou com o dolo de ofender a autodeterminação sexual da menor - bem jurídico protegido, de forma remota, pela norma - já que quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, trata-se de um crime de perigo abstracto.
Perante um crime de mera actividade, de perigo abstracto e de dolo genérico, como é o caso da pornografia infantil, todas as considerações expendidas pelo Tribunal a quo são inócuas e não permitem afastar o preenchimento dos elementos do tipo.
A única consideração relevante para o preenchimento dos elementos do tipo que o Tribunal a quo faz, é em relação ao conteúdo pornográfico ou não das fotografias - a não se entender tratar-se de material pornográfico, não estaria preenchido tal elemento do tipo.
Contudo, como o próprio Tribunal a quo refere no enquadramento jurídico, a jurisprudência e a doutrina entendem por pornografia " a mera exibição dos órgãos sexuais do menor", com a ressalva da expressão artística.
Ora, no caso dos autos dúvidas não restam que as fotografias têm um cariz sexual - como a douta sentença o reconhece expressamente, até pela expressão facial visível da menor.
Daqui resulta que a posição do Tribunal a quo é, em si mesma, contraditória.
Aliás, o Tribunal a quo acaba por considerar que as fotografias, apesar de possuírem um cariz sexual, não integram o conceito de pornografia (inexplicavelmente, contrariamente ao que anteriormente transcreve quanto ao conceito de pornografia), mas sim que integram o conceito de "brincadeiras perigosas".
Ora, salvo o devido respeito, desconhece-se qualquer referência legal, doutrinal ou jurisprudencial a tal conceito, não se logrando, ainda que com algum esforço, vislumbrar qual o seu suposto conteúdo.
Por tudo quanto vem exposto, salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida não efectuou uma correcta valoração da prova produzida, atendendo à prova produzida, existindo para além do mais, notória contradição entre os factos dados como provados - pontos 4 e 5 - e os factos dados como não provados - ponto 5 -, como não faz uma correcta subsunção dos factos ao Direito - ao considerar não estarem preenchidos os elementos do tipo legal, considerando as circunstâncias em que os factos dados como provados ocorreram - e que são irrelevantes para o preenchimento do tipo -, e ainda afastando o dolo do arguido, o que a ter sido efectuado teria levado à condenação do arguido.
Pelo exposto, foram violados os normativos constantes dos artigos 176.°, al. c) e 177.°, n.º 6, do C.P.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser condenado o arguido pela prática de um crime de pornografia infantil, sendo dada como provada a factualidade constante do artigo 13º da acusação e considerando-se que estão preenchidos todos os elementos do tipo legal e que o arguido actuou com dolo genérico.
*
A este recurso respondeu o arguido, apresentando por seu lado as suas conclusões (que, pelo seu interesse, se reproduzem):
O Ministério Público pronunciou-se, em sede de alegações, pela absolvição do arguido da prática do crime de pornografia de menores. Da decisão tomada em audiência de discussão e julgamento, vem interpor recurso, alterando a sua posição anterior.
O recorrente entende estar erradamente dado como não provado o ponto 5), por entender que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento permitiria ao Tribunal a quo dar como provado aquele ponto. Porém, a douta sentença recorrida, não merece qualquer reparo.
Cabe ao Tribunal nos termos do disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal, apreciar a prova de acordo com “...as regras de experiência e a livre convicção...
O princípio contido neste artigo prevê “...no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o Tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a • ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objectividade” (TERESA BELEZA, Revista do Ministério Público, ano 19º, p. 40, cfr., sobre a génese do princípio, quadro histórico. fundamentos e conteúdo, ANTÓNIO ALBERTO MEDINA DE SEIÇA, presente no manual de Código de Processo Penal, Título 1 — Disposições Gerais, Anotações 1, pág. 335.
Refere, ainda, MARQUES FERREIRA que, o principio da livre apreciação de prova “significa a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova, não podendo nunca confundir-se com a apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova (Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 228, manual de Código de Processo Penal, Título 1 — Disposições Gerais, Anotações II, pág. 338.
De acordo com o aludido princípio, o Tribunal a quo, no uso do mesmo, fundamentou a decisão relativamente ao ponto 5 dos factos não provados, sustentando a apreciação nas declarações prestadas pelo arguido B….
Tendo por base a factualidade provada, não é possível subsumir que tais factos consubstanciem a prática do crime de pornografia de menores agravada, nos termos do disposto no artigo 176° n° 1 alínea b) e artigo 177° n° 6, ambos do Código Penal.
Não tendo o arguido praticado o ilícito criminal em causa, não assiste razão ao recorrente em considerar errónea a subsunção dos factos ao direito, nos termos do disposto no artigo 410° n° 2 alíneas b) e c) do C.P.P.
O arguido, menor dc idade à data dos factos, agiu sem consciência das consequências que daí resultariam, conclusão que o Tribunal a quo apurou, quando refere: “Mais referiu que, como era a amigo da prima da C… começou a falar com ela e a desabafar com ele os problemas que estava a ter com a C…, e foi no meio disso tudo que acabo u por enviar a fotos que a C… lhe tinha enviado à prima da C…, onde aparecia nua, porque a mesma lhe havia dito que não acreditava que a C… tivesse feito aquilo. Referiu ainda que na altura tinha 17 anos, e que pensava que a C… tivesse 15 ou 16 anos, e que se fosse hoje não se teria metido nestes problemas.
A atuação do arguido demonstra que este agiu sem culpa, pois não tinha consciência do ilícito. Tanto mais que, “um adolescente naquelas circunstâncias”, mostraria as ditas fotografias com carácter de nudez a alguém familiar da dita ofendida, não colocando sequer a hipótese que estaria a torná-las públicas.
Conforme vertido na Diretiva 2011/92/EU de 13 de Dezembro de 2011, o conceito de pornografia infantil consiste em “i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, ou, materiais que representem visualmente uma pessoas que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de una pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais; ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.
As ditas fotografias não foram utilizadas para fins predominantemente sexuais.
Além de que, as mesmas não possuíam carácter pornográfico, no sentido visado e tutelado pela incriminação legal.
A partilha das fotografias representa uma “atitude típica de adolescentes”, que quanto muito se poderia enquadrar no conceito de “brincadeiras periosas como entendeu o Tribunal.
Por fim, conforme advém da douta sentença. não foi provado o dolo, como resulta da convicção do Tribunal a quo, “...não ter resultado provado o dolo, ou seja, que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, com o que sabia violar os sentimentos gerais de moralidade sexual, designadamente os da menor C…, atenta a sua tenra idade, que o arguido bem conhecia, ou os de partilhar deforma voluntária as referidas fotos.
Pelo exposto, não violou a douta sentença o disposto nos artigos 176° n° 1 alínea c) e 177° n° 6 do código penal e artigos 410° n° 2, alínea b) e e) e 412°. n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
*
Já neste Tribunal, no seu parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto considerou que, apesar de acompanhar as conclusões do Ministério Público em primeira instância, reconhece ser a questão em discussão bastante controversa.
*
Da sentença impugnada, são estes os factos e a respectiva motivação:
*
Factos Provados:
1) Em data não concretamente apurada, mas seguramente na festa de Torrados, ocorrida durante os meses de Junho/Julho de 2014, o arguido conheceu, a C…, nascida no dia 25.05.2001, residente na Rua …, n." …, Felgueiras e pediu-lhe amizade no "Facebook", e desde então começaram a falar um com o outro nessa rede social, e como se deram bem e o arguido começou a gostar da C… acabou por lhe pedir namoro pelo "Facebook".
2) Em virtude do facto de se terem começado a relacionar no "Facebook", e a falar um com o outro, em data não concretamente determinada, mas que se situa nos meses de Julho a Agosto de 2014, combinaram encontrar-se, numa tarde, e o arguido esteve com C… no logradouro da Igreja de …, na freguesia de …, no concelho de Felgueiras, na área desta Comarca de Porto Este e acabaram por dar um beijo na boca.
3) Após tal encontro, o arguido continuou a contactar diariamente C… através de mensagens escritas pela rede social "Facebook".
4) E, na sequência de tais contactos através da rede social "Facebook", e em datas não concretamente apuradas, a menor C…, munida de um telemóvel, tirou várias fotografias a várias zonas do seu corpo sem qualquer vestuário e enviou-as ao arguido, que as recebeu, através da rede social facebook, no computador, de marca ASUS, modelo …, com a referência número ……….., sua pertença e aí as guardou, em sete ficheiros de imagem em formato JPG.
5) No dia 5 de Agosto de 2014, pelas 00horas e 5 minutos, o arguido, e depois de estar a conversar com a D…, prima da menor C…, e amiga do arguido, acabou por lhe enviar as mencionadas fotografias, através da rede social "Facebook", que as recebeu e visualizou.
Mais se provou:
6) O arguido desconhecia a idade real da menor C… e sempre pensou que a mesma tinha 14 anos.
O Arguido B…:
a) actualmente trabalha numa fábrica de calçado à experiência, auferindo um vencimento mensal de cerca de €450,00;
b) é solteiro e vive com os seus pais, e dois irmãos, e contribui com quantia não concretamente apurada para as despesas da casa;
c) habita em casa da avó;
d) tem o 8° ano de escolaridade;
e) o teor do relatório social efectuado ao arguido e constante de fls. 238 a 242, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
f) do seu CRC não constam antecedentes criminais.
Factos não Provados:
Não se provou:
1) que, na sequência de tais contactos através da rede social "Facebook", o arguido tivesse exigido, por diversas vezes, a C… que a mesma namorasse consigo, o que a mesma recusou e que perante tal recusa o arguido tivesse enviado, em datas não concretamente apuradas, várias mensagens através da rede social facebook à menor C… com o seguinte teor "senão namorares comigo, vou mandar-te para o hospital, vou matar os teus pais", e ainda que, seguidamente, mercê da recusa da menor C… em namorar com o arguido, este, enviou-lhe várias mensagens escritas através da rede social facebook a exigir-lhe que a mesma lhe enviasse fotografias do seu corpo sem qualquer vestuário, ao mesmo tempo que lhe dizia que se não o fizesse: "vou mandar-te para o hospital, vou matar os teus pais".
2) que após o referido no item 4) dos factos dados como provados, o arguido no dia 3 de Agosto de 2014, tenha enviado uma mensagem escrita à menor C…, através da rede social "Facebook", a exigir-lhe que namorasse consigo e que se não o fizesse iria publicar as referidas fotografias, dizendo-lhe ainda "não brinques comigo senão mando-te para o hospital".
3) que o arguido tenha agido livre, deliberada e conscientemente, com intenção de através da ameaça de mal contra a integridade física e a vida da menor C… e dos seus pais, a obrigar a namorar com ele e a tirar e a enviar-lhe várias fotografias do seu corpo sem qualquer vestuário, apesar de saber que essa não era a vontade da menor, tendo querido agir como agiu, levando a sua conduta por diante e que ao beijar na boca a menor C… e ao exigir-lhe que lhe enviasse fotografias de várias zonas do seu corpo sem qualquer vestuário, como fez, queria o arguido dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, aproveitando-se da incapacidade que a menor tinha de avaliar o significado dos comportamentos que se descreveram e de medir as consequências dos mesmos, incapacidade que era do conhecimento do arguido e de que este se aproveitou.
4) que o Arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, com o que sabia violar os sentimentos gerais de moralidade sexual, designadamente os da menor C…, atenta a sua tenra idade, que o arguido bem conhecia.
5) que ao deter e ao divulgar as aludidas fotografias através da rede social facebook, enviando-as para D…, que as recebeu e visualizou, bem sabia o arguido que estava a tornar públicas e a partilhar com terceiros fotografias de zonas do corpo da menor C… sem qualquer vestuário, fotografias essas de cariz sexual e que o fazia, como efetivamente fez, sem autorização e contra a vontade da menor C….
6) que o arguido bem soubesse que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, não se abstendo, porém, de assim atuar.
7) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como e não provados, baseou-se, fundamentalmente:
- nas declarações do arguido B…, o qual começou por referir que não conheceu a C… na escola, mas que quem andava na escola onde ele andava era a prima da mesma, de nome D…, e daí ter-lhe pedido amizade através do "Facebook", onde começaram a falar e dar-se bem, e acabando o mesmo por lhe pedir namoro. Confirmou que em Julho ou Agosto acabaram por combinar e encontraram-se na Igreja de …, e deram um beijo. Referiu que só esteve com a C… nesse dia.
Mais referiu e explicou como a C… lhe enviou as fotos, e que tal surgiu de uma conversa que estavam a ter, em que ele lhe pediu uma foto em bikini, e que ela a enviou, e ele pediu-lhe "e nua? Mandas?", e ela respondeu "queres uma nua?", e ele respondeu que sim, e a C… acabou porlhe mandar as fotos que constam dos autos, sem contudo antes lhe dizer para não contar a ninguém. Mais esclareceu que já antes do encontro, conversavam um com o outro, e a C… já tinha aceite o pedido de namoro, desabafando que começou a gostar dela e da forma dela ser, e o mesmo se passando com a C…, e que não tinham conversas de teor sexual. Referiu que depois se começaram a desentender, porque a C… dizia-lhe que gostava dele, mas que depois não queria namorar com ele por causa da prima, e que então e nas suas palavras "se passou", chegando a zangar-se com ela por ela não dizer a verdade, admitindo que a pudesse ter ameaçado, mas para ela dizer a verdade. Mais referiu que, como era a amigo da prima da C… começou a falar com ela e a desabafar com ele os problemas que estava a ter com a C…, e foi no meio disso tudo que acabou por enviar a fotos que a C… lhe tinha enviado à prima da C…, onde aparecia nua, porque a mesma lhe havia dito que não acreditava que a C… tivesse feito aquilo. Referiu ainda que na altura tinha 17 anos, e que pensava que a C… tivesse 15 ou 16 anos, e que se fosse hoje não se teria metido nestes problemas. Prestou ainda declarações quanto à sua situação pessoal e económica, as quais se revelaram credíveis, conjugadas com o teor do relatório social efectuado ao mesmo e constante de fls. 238 a 242.
No que concerne ao depoimento da testemunha D…, prima da menor C…, o mesmo não se revelou, com efeito, muito credível, dado que, se por um lado, não foi prestado com uma total espontaneidade, revelou-se muito confuso, incoerente e sobretudo, e por outro lado, desfasado com o depoimento que a mesma havia prestado anteriormente na PJ, tanto que a mesma acabou por ser confrontado com o mesmo; sendo que de tudo isto transpareceu uma incoerência e bastantes discrepâncias, o que inquinou o mesmo, ou seja, inquinou a sua veracidade.
O mesmo se diga das declarações para memória futura da menor C…, as quais o Tribunal ouviu atentamente, e dessa audição, acabou por ficar com a percepção de que a versão relatada pelo arguido, afinal, seria a que, com um ou outro pormenor ou detalhe diferente, corresponderia ao que de facto se terá passado, que mais não terá sido do que um namoro pelo "facebook", uma rede social que hoje em dia é muito utilizada pelos adolescentes e não só, e de que tudo não terá passado de "brincadeiras" de adolescentes, ou seja, de dois menores que se conheceram pelo "Facebook" e que tinham em comum a testemunha D… a qual era ao mesmo tempo prima da menor C… e melhor amiga do arguido B…, a qual acabou por descobrir o namoro dos dois, e das fotos e que face a tal contou aos pais da C…, e a confrontou com as mesmas, a qual, por sua vez, para se defender de um acto impensado e irreflectido (como é típico destas idades) - o de enviar fotos nuas a um rapaz - acabou por "inventar" a história que tentou passar, ou seja, de que o arguido a havia ameaçado para as enviar. Note-se que, se bem atentarmos na pose e atitude da menor C… nas referidas fotos, as mesmas não são certamente de uma pessoa que está a ser vítima de ameaça (repare-se que numa delas a menor C… até está com a língua de fora, o que demonstra uma atitude de provocação e "self confidence", como é típico destas idades); sendo que tudo é potenciado pelos meios técnicos que agora estão à disposição dos adolescentes, desde os telemóveis com máquinas fotográficas potentes e que dão para fazer vídeos, até às redes sociais onde tudo é partilhado e onde as pessoas se expõe sem terem noção disso.
Em jeito de conclusão, o Tribunal ficou convicto que tudo isto não passou de um "namorico" de adolescentes menores, no caso da C… e do aqui arguido, um "namorico" através do "facebook", e que teve como culminar um encontro em que ambos deram um beijo na boca, que não passou disso, um mero beijo, consentido por ambos, e ainda pelo facto de a menor C…, e conforme já se referiu, ter enviado para o arguido B…, o qual à altura era seu namorado, umas suas fotos nua, num acto que estamos em crer irreflectido ou menos pensado quanto às suas consequências; fotos essas que acabaram, por também ingenuidade do arguido, ser partilhadas pelo mesmo com a Prima da Menor D…, a qual acabou - e bem - por despoletar toda esta situação, contando da existência das mesmas aos pais da C…, a qual para se defender de tal acto irreflectido, acabou por "culpar" o arguido, dizendo que havia sido ameaçado por ele, quando, na verdade e disso ficamos crentes, as referidas fotos foram enviadas de livre e espontânea vontade ela mesma ao arguido B…, o qual não se pode olvidar tinha 17 anos à altura dos factos. Acrescenta-se que a menor C…, e como resulta das suas declarações, sempre disse ao arguido que tinha 14 anos de idade.
O tribunal teve ainda em consideração o depoimento da testemunha D…, pai da menor C…, o qual se limitou a referir e confirmar que teve conhecimento de toda esta situação pela prima da menor, D…, bem como da desculpa dada pela menor para a existência das mesmas.
Por último, o tribunal teve ainda em consideração a cota de fls, 39, o auto de busca e apreensão de fls, 72 e 73, relatório final da PJ de fls, 124 a 129, exame pericial ao computador do arguido de fls, 172 a 188, fotos de fls, 168 a 171, o CRC do arguido de fls, 208 e ainda o teor do relatório social efectuado ao arguido e constante de fls, 238 a 242.
Quanto aos factos, dados como não provados, tal resultou do facto de que sobre os mesmos não ter sido feita qualquer tipo de prova, nos termos do art.127 do C.P.P.
*
*
Decidindo.
A questão fulcral deste recurso passa por determinar se os factos provados e não provados foram bem apreciados e devem ser mantidos e ainda pela fixação do conceito técnico do termo pornografia (com menores).
Vejamos, em primeira análise, o recurso de facto e a sua amplitude e bondade.
*
Frequentemente recordamos as palavras que sempre escrevemos, quando o recurso verte sobre a matéria de facto:
Como nota prévia e fundamental, importa desde já considerar e recordar que o recurso da matéria de facto não representa um novo julgamento (o que só ocorre nos casos restritos de renovação da prova em segunda instância, nos termos do Art. 430º do Código de Processo Penal, o que não ocorre aqui); ele constitui um meio de cura para os eventuais vícios de julgamento em primeira instância, sempre tendo em atenção que este último tribunal julga em condições diversas do tribunal de recurso: a oralidade e a imediação são princípios basilares na recolha dos elementos probatórios; é na primeira instância que, em regra, o juiz se encontra em condições de avaliar a validade e a credibilidade de um documento, ou de um depoimento, quer de um declarante, quer de uma testemunha, quer mesmo de um arguido.
Dependendo o juízo de credibilidade (das provas oralmente produzidas) do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta e não sendo tais predicados apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é notório e evidente que o tribunal superior, salvo algumas excepções, adoptará o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo; esta linha orientadora de pensamento encontra eco e está hoje traduzida de forma perene na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, usando aqui as palavras do Acórdão deste Tribunal, proferido em 29 de Setembro de 2004 (in Col. Jur., nº 177, pág. 211), o tribunal de segunda instância vai à procura, não de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas, com os demais elementos dos autos, pode exibir perante si.
Por outro lado, estabelece o Art. 127º do Código de Processo Penal: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”: este é o princípio da livre apreciação da prova, peça basilar do nosso sistema jurídico-penal.
Este princípio deve ser entendido como o dever de “perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação da prova há-se ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e controle”.
São estas as regras a que esse mecanismo deve obedecer (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 227): a livre apreciação da prova, porque não impressionista nem meramente arbitrária, deverá ter sempre subjacente, tal como encontra eco no Art. 374º, nº 2 do C. P. Penal, uma motivação ou fundamentação, ou seja, os motivos de facto que fundamentam a decisão, os quais não são, nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova ou os factos probatórios (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de certa forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
Como escreveu Maia Gonçalves (Código de Processo Penal anotado, 15ª edição, pág. 318), livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. do Trib. Const. nº 1165/96, de 19.11, publicado no BMJ nº 461, pág. 93.
Na mesma vertente, escreveu também Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, pág. 126): a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Graduando os diversos níveis deste mecanismo temos, numa primeira abordagem, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, que depende e resulta essencialmente da imediação e da oralidade, com intervenção de elementos não racionalmente explicáveis ou definíveis; como exemplo, o valor e a credibilidade que se atribui a um determinado meio de prova, em consonância com o modo como essa prova surge no julgamento e perante o julgador.
Num outro nível, já referente à própria valoração da prova, intervêm as ilações e conclusões que o juiz opera a partir dos diversos meios probatórios; aqui, já estas induções não dependem apenas da supracitada imediação, mas basear-se-ão nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nas razões de ciência.
Em suma: o Art. 127.º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva, quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador, entidade competente a que o artigo se reporta.
A prova resultante da livre convicção do julgador deve ser motivada e fundamentada e, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão. Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Esta linhagem de pensamento está vertida de forma unânime na jurisprudência dos tribunais; como exemplo, vejam-se os Acs. do S.T.J., de 21.6.1989, proc. nº 40023/3; de 29.6.1995, Col. Jur., Acs do STJ, III, tomo 2, pág. 254; de 9.1.1997, Col. Jur., Acs. do S.T.J., V, tomo 1, pág. 172; de 15.5.2996, proc. nº 47722/3 et alia.
*
Feita esta introdução sobre o mecanismo que leva à formação da convicção, com especial incidência no princípio do livre apreciação, cumpre agora regressar à questão concreta, analisando – dentro destes parâmetros – a sentença recorrida, com especial atenção às provas indicadas nas alegações de recurso; não esquecemos, porém, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, antes há-de surgir da análise global de toda a prova produzida (sem o que estaríamos a cindir o mecanismo de fundamentação em átomos desagregados, sem consistência, ou sem homogeneidade).
*
Vejamos a primeira questão que se decidirá com rapidez:
Pretende o recorrente que se dê como provado que o arguido sabia da real idade da menor C…, tendo contudo o Tribunal dado como provado que o mesmo estava convicto que a menor tinha já 14 anos, defendendo que a mesma sempre o afirmou.
Não é bem assim, contudo: nas primeiras declarações (para memória futura), a C… declarou que havia dito ao arguido ter apenas 13 anos; porém, mais adiante, nas mesmas declarações e de uma forma serena e regular, confirmou ter dito ao arguido que a sua idade era de 14 anos; este assim acreditou.
Dado o modo como o disse, não se pode entender de outro modo, senão aceitar que o arguido estava realmente convencido que a C… tinha 14 anos de idade.
Como veremos de seguida, esta conclusão apenas terá interesse em sede de integração jurídica da infracção e respectiva punição.
*
Em relação aos factos que se pretende considerar provados - relativos aos elementos subjectivos da infracção – lembremos que se determinam através de presunções judiciais, atendendo a todo o restante factualismo demonstrado e às atitudes pessoais do agente; aliás, basta a verificação de que o agente sabia que uma determinada conduta, que procurou e prosseguiu, era proibida, lhe estava vedada, era contrária à lei, era incorrecta em face das normas vigentes, não se exigindo que o agente conheça com pormenor os elementos que compõem o tipo incriminador, nem as sanções penais correspondentes.
E efectivamente, o arguido agiu com dolo, na sua modalidade mais grave (directo), pretendendo obter e distribuir (como de facto o fez) fotografias da menor C…, sabendo que não o podia ou devia fazer e que actuou deliberada e conscientemente.
O que significa que alguns dos factos considerados não provados na sentença irão ser incluídos agora no acervo dos factos provados, quais sejam:
“O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, com o que sabia violar os sentimentos de vergonha e de formação da sexualidade da C…, atenta a sua idade, que o arguido acreditava ser de 14 anos.
Ao deter e ao divulgar as aludidas fotografias através da rede social facebook, enviando-as para D…, que as recebeu e visualizou, bem sabia o arguido que estava a tornar públicas e a partilhar com terceiros fotografias de zonas do corpo da C… sem qualquer vestuário, fotografias essas de cariz sexual e que o fazia, como efectivamente fez, sem autorização e contra a vontade da C….
O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, não se abstendo, porém, de assim actuar”.
*
A última dúvida – quiçá a mais complexa – resulta da determinação do conceito de pornografia, uma vez que se trata de elemento típico, relativo a uma fotografia de uma menor de 14 anos.
A lei não nos dá resposta directa a esta questão.
Procurando densificar tal conceito, sigamos de perto o que ficou escrito no Ac. da R. Lisboa, de 15.12.2015, proferido no processo nº 3147/08.JFLSB.L1-5:
“A pornografia, em sentido clássico, tem o significado de acto sexual chocante, aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda com o mero erotismo. Elianor Rober Moraes, docente de ética na PUC-S.Paulo, intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia, pondera que o erotismo só sugere; a pornografia tudo mostra; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por exº nas obras de arte pictóricas, de escultura ou gravuras.
O tipo legal visa a protecção, ainda que remotamente «demasiadamente longínqua» (na expressão do Prof. Figueiredo Dias…), da autodeterminação sexual, sem embargo de o desenvolvimento sexual da criança poder ser severa e directamente prejudicado com a sua participação em manifestações pornográficas, isto mesmo à margem de «sacrifício na ara de uma qualquer moralidade sexual»…, moralidade à revelia da qual o legislador nacional, do Código Penal, após 1995, se dispôs a construir o direito penal sexual, um pouco de acordo com a filosofia stuartmilliana para o liberalismo económico de que em princípio tudo é permitido; a proibição vem por excepção.
Também, acolhendo o que a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22.12.2003 (Jornal Oficial de 20.01.2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, definiu como pornografia infantil com crianças reais, reportada, segundo o seu art. 1.º, alínea b)/i, a qualquer material que as descreva ou represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, o que foi reafirmado pela Directiva 2011/92/EU, de 27.10.2011 (in Jornal Oficial de 17.12.2011), que entretanto veio substituir aquela, definindo pornografia infantil, nos termos do seu art. 2.º, alínea c), como i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais” (pontos relevantes em texto normal)”.
As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais – Artº 2º, alínea c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é vasto e foi inspirador para a Lei nº 58/07, de 4.9, ao inserir o tipo em causa.
A fonte da norma (Art. 176.º do CP, introduzido na reforma de 2007) é o Protoloco facultativo de 25.5.2000 à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14/2003 (in D.R., I Série-A, de 05.03.2003), definindo a pornografia infantil, segundo o seu Art. 2º, alínea c), como qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais; inclui aqui a abrangência, pelo direito criminal, de actos de produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse (Art. 3.º, n.º 1, alínea c): Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 487.
O conceito de pornografia não se refere a qualquer modelo incluído nas regras da moral ou aos pudores públicos, tanto mais que estes conceitos não podem, nem são abrangidos e protegidos pelo nosso direito penal.
A pornografia e especialmente a pornografia infantil é uma indústria milionária, das mais crescentes na internet, sendo produzida ou realizada através de câmaras digitais e webcams, tornando-se um negócio fácil e barato, tanto pela distribuição como aquisição pelos utentes da internet…”: apud Ac. do STJ, processo nº 4/10.5GBFAR.E1.S1, www.dgsi.pt).
O tipo legal de pornografia de menores pode revestir, no que ora releva, qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do nº 1 do Art. 176.º, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido: Ac. R. Évora, de 17.03.2015, www.dgsi.pt.
Assim, o crime de pornografia de menores é praticado, designadamente (e quanto ao que aqui importa), por "quem distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografia, filme ou gravação pornográficos que utilizem menor [al. c) do nº 1, do Art. 176º, do Código Penal], ou por quem "adquirir ou detiver aqueles materiais com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder" [al. d) do nº 1, do artº 176 do Código Penal].
*
Nestes autos, está em causa a obtenção, a posse e a divulgação desses materiais por via informática; e assim, a infracção surge-nos relacionada com os conteúdos respectivos, com afinidade e em sintonia com a recomendação ampla, que se encontra bem expressa na Convenção sobre o Cibercrime, aprovada em Budapeste em 23.11.2001, confirmada pela Resolução da Assembleia da República n.º 88/2009.
Trata-se de um crime de perigo abstracto e de mera actividade.
Como referido no Acórdão da Relação de Évora citado, o bem jurídico reside na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, embora não deixando de atentar, ainda que remotamente (dada a sua incipiente fase de formação de personalidade e de carácter), na sua autodeterminação sexual, opção neo-criminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução? e Maria João Antunes, in Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores, Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set.Dez.2010).
No seu âmbito subjectivo, o tipo legal incriminador é doloso, podendo este verificar-se em qualquer das modalidades admitidas na lei penal.
*
Que nos dizem os factos?
Com o acrescento agora feito ao acervo fáctico, no âmbito de uma mais cuidada e atenta análise da prova produzida (com o sempre necessário auxílio das regras da lógica e da experiência comum), temos assim preenchido na totalidade o tipo legal incriminador, qual seja o previsto no Art. 176º do Código Penal.
Com efeito, as fotografias que se encontram nos autos revelam uma menor exibindo os seus órgãos sexuais (numa das várias fotografias) e os seus seios desnudos.
Sem mais considerandos – sobretudo por respeito aos sentimentos da vítima e também para proteger os direitos do arguido – teremos de concluir, sem quaisquer dúvidas ou tergiversações, que estamos na presença de pornografia de menor!
As fotografias são naturalmente chocantes e foram obtidas – como sempre, em situações idênticas – para satisfazer os intentos lascivos do arguido, seu mentor, portador e difusor.
Porém, sendo também provado que o arguido procedeu da forma descrita, convicto que a vítima tinha 14 anos (sendo relevante tal erro, em sede penal), a norma violada foi antes a prevista e descrita no nº 6 do Art. 177º, que agrava o tipo legal fundamental.
O enquadramento típico mantem-se o mesmo, sendo apenas mais leve a punição prevista, que agora é a do nº 6 do Art. 177º, por referência ao já citado Art. 176°, nº 1, al. c), ambos do Código Penal (coincidentes, aliás, com a própria acusação).
*
Importa agora determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido:
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa: Artº 40º, nº 1, do Código Penal.
A determinação de medida de pena faz-se, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: Art. 71º do Código Penal.
A culpa do agente fixa a moldura da punição, cuja medida concreta será ajustada às exigências dos fins de prevenção; a quantificação dessa medida da culpa resultará da ponderação de todos aqueles elementos que nela se reflectem.
A individualização judicial da pena de prisão emerge do princípio da culpa; domina, na sua determinação, a teoria da margem de liberdade, que funciona entre parâmetros concretos, do já adequado à culpa ao ainda adequado à culpa, sem deixar de ter em conta os fins de prevenção geral e de prevenção especial, bem como a ressocialização.
As sanções criminais são, nas palavras de Eduardo Correia, uma necessidade de afirmar certos valores ou bens jurídicos (Direito Criminal, I, pág. 39): elas podem ser dirigidas à prossecução de diversos fins, em comum: podem dirigir-se à prevenção de violações futuras, agindo sobre a generalidade das pessoas, intimidando-as e desviando-as da prática de crimes (prevenção geral); podem ainda dirigir-se ao próprio agente, intimidando-o e dando-lhe consciência da seriedade da ameaça penal (prevenção especial). Considerando que a reacção criminal tem em vista proteger interesses relevantes (os bens jurídicos protegidos), conservá-los e defendê-los, a sua razão de ser resulta da necessidade de evitar que esses interesses venham a ser violados, ou voltem a sofrer violações.
À luz dos princípios emergentes do Direito Penal constituído, as penas devem reflectir todas essas finalidades de forma harmónica, visando sempre a protecção do bem jurídico que lhes subjaz e a realização dos fins éticos do sistema: tal é a filosofia do Art. 40º do Código Penal, a que acresce a ratio do seu Art. 71º, nº 1.
Como escreveu Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral, II, pág. 216), a prevenção significa prevenção geral e também prevenção especial, sendo a culpa que releva para a medida da pena aquela mesma culpa que releva na determinação do sentido, dos limites e dos fins das penas e da sua aplicação. Conclui o autor que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, não podendo a pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
Será ainda de referir que a nossa lei penal respeita os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da personalidade e da humanidade, nas sanções que prescreve; e como corolário do princípio da legalidade, decorre o princípio da não retroactividade da aplicação das penas e medidas de segurança.
Finalizando, dir-se-á que o actual Código Penal ampliou consideravelmente os poderes do juiz no que respeita à escolha e medida da pena.
*
Vejamos então, com algum pormenor, as circunstâncias relevantes para a fixação da pena concreta, de harmonia com o disposto no já citado Art. 71º do Código Penal:
O grau da ilicitude é alto, mesmo para um jovem de 17 anos, que deveria ter capacidade para considerar os perigos da sua conduta e os riscos, quer para si, quer para a vítima menor, quer para a família desta.
A culpa, representada na sua forma mais grave de dolo directo, ainda é mediana, apesar de censurável.
O modo de execução – pela sua frequência nas redes sociais e pelos perigos que representa nos tempos actuais – é sempre de considerar reprovável.
Os sentimentos (libidinosos) demonstrados, para além da crueza quiçá própria da idade, deverão ser combatidos, tendo também em conta o carácter pedagógico da pena, em sede de prevenção geral, acumulando-a à prevenção especial (positiva).
É certo que as consequências do crime não terão sido graves; mas nada de definitivo se pode concluir para já, considerando que a vítima, com 13 anos, está em crescimento e são frequente as situações em que os traumas se desenvolvem tardiamente, de forma indelével e perturbadora.
Importa ainda considerar a idade do arguido, ele também um jovem de 17 anos, mas denotando uma deficiente evolução da sua personalidade.
*
A pena abstracta cifra-se entre 1 ano e 4 meses e 6 anos e 8 meses de prisão.
No entanto, não pode o Tribunal ignorar – pese embora a gravidade dos factos – a idade do arguido e a sua situação pessoal, profissional e social.
Por esse motivo, beneficiará ele do Regime dos Jovens Adultos, o qual, no seu Art. 4º impõe ao Juiz a obrigação de atenuar especialmente a pena (Arts. 73º e 74º do Código Penal), sempre que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.
E assim é, com efeito; deste modo, fazendo a atenuação especial e determinado a pena concreta, fixa-se esta última em 2 meses de prisão (que não se substitui por multa, por esta não prosseguir as finalidades preventivas e pedagógicas).
E esta pena de prisão – por se verificarem todos os pressupostos previstos no Art. 50º, nº 1, do Código Penal, nomeadamente a certeza da realização dos desígnios da punição – será suspensa pelo período mínimo de um ano.
O que significa que o recurso merece provimento e assim será determinado.
*
*
Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação em:
1. Alterar o acervo fáctico provado, incluindo no mesmo os factos acima mencionados e descritos, incluindo os relativos aos elementos subjectivos da infracção.
2. Fazendo a correcta integração jurídica destes factos provados, julgar procedente o libelo acusatório e assim, condenar o arguido B…, pela prática de um crime agravado de pornografia de menores, previsto nos Arts. 176º, nº 1 e al. c) e 177º, nº 6, ambos do Código Penal, especialmente atenuada face à sua idade, na pena de 2 (dois) meses de prisão.
3. Suspender a execução desta pena de prisão pelo período de um ano.
4. Condenar o arguido nas custas, com taxa de Justiça mínima.
*
Porto, 7.6.2017.
Cravo Roxo
Horácio Correia Pinto