Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7000/09.3T2AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
BENS COMUNS DO CASAL
PARTILHA AMIGÁVEL
TERCEIRO PARA EFEITOS DE REGISTO
Nº do Documento: RP201412177000/09.2T2AGD-A.P1
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os embargos de terceiro não têm, hoje, por exclusivo objecto a defesa da posse, podendo aquele compreender qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial.
II - Invocando-se neles o direito de propriedade, caso o terceiro não beneficie de presunção derivada do registo, tem este de alegar a respectiva aquisição por um dos modos para tal legalmente previstos, bastando negócio translativo caso o bem nomeado e penhorado tenha sido adquirido pelo embargante ao próprio executado.
III - Sendo penhorado, em execução movida por um credor contra o ex-cônjuge, um imóvel que integrou o património comum do casal mas que, na partilha subsequente ao divórcio, foi adjudicado à embargante sua ex-esposa, apesar do registo daquela penhora ser anterior ao da aquisição, prevalece esta.
IV - Embargante e exequente não são terceiros para efeitos do artº 5º, do Código de Registo Predial.
V - A alegação singela, na petição, como fundamento dos embargos, da «posse efectiva» para efeitos de aquisição da propriedade por usucapião, não pode ser suprida por aquilo que consta do teor de diversos documentos juntos ou pelo que disseram as testemunhas em audiência, nem por via da consideração disso como «factos concretizadores» ou «complementares».
VI - Tal alegação não integra mera «insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização» de qualquer matéria de facto nem, por isso, impõe convite ao aperfeiçoamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 7000/09.3T2AGD-A.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 200)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
B…, por apenso a processo executivo para pagamento de quantia certa nº 7000/09.3T2AGD pendente no Juízo de Execução de Águeda, movido contra C… e Outros pela “D…”, invocando o disposto no artº 351º, do CPC, apresentou-se, em 23-05-2012, a deduzir embargos de terceiro.
Formulou o pedido de que “seja ordenado o levantamento da penhora do bem – prédio urbano … – identificado no auto de penhora de 18-03-2010, com as legais consequências”.
Alegou, para tanto, no capítulo fáctico, em síntese, que:

-em 18-03-2010, pela Agente de Execução convencida de que aquele imóvel pertencia ao co-executado C…, foi o mesmo penhorado;
-aconteceu que este, então, já não era propriedade daquele, pois, tendo ambos sido casados e integrando tal bem o património comum, na partilha feita por escritura de 09-09-2003, subsequente ao divórcio em 05-08-2003, foi-lhe a si adjudicado;
-não obstante assim e desde aquela data se ter tornado exclusiva proprietária do imóvel, apenas em 20-05-2010 registou tal aquisição a seu favor na Conservatória;
-como a anterior descrição do prédio (nº 1000) havia sido eliminada e ele se encontrava omisso (por virtude de ter caducado uma outra penhora sobre ele e não ser possível manter-se a descrição sem um titular inscrito), ficou com uma nova descrição (nº 2088);
-também só em 02-06-2010 requereu nas Finanças o averbamento do prédio em seu nome;
-por isso, mantendo-se ele até aí em nome do co-executado e seu ex-marido e omisso na Conservatória, a Agente de Execução num processo executivo nº 4871/09.7TBLRA, do 1º Juízo Cível de Leiria, registou-o nesta (ficando com o nº 2065) e inscreveu a respectiva penhora;
-assim se explicando que tenha sido possível penhorar um bem não pertencente aos executados;
-só tomou conhecimento de que o seu bem havia sido também penhorado nesta execução quando, em 09-05-2012, lhe foi deixado por baixo da porta da sua residência um ofício da Agente de Execução do dito processo 4871/09 comunicando-lhe que estava marcada o dia 24 seguinte para a sua venda mediante propostas em carta fechada;
-a Conservatória respectiva (Ílhavo) já regularizou oficiosamente o registo inscrevendo na descrição nº 2065 a aquisição pela embargante mencionando como causa a partilha subsequente a divórcio e fazendo o reporte: “Transcrita da Ap. 811 Ap. 811 de 2010/05/20 da ficha nº 2088/20100520 da freguesia …, duplicado desta”;
-assim, não há dúvidas que é a embargante a única proprietária do imóvel em causa, como também se retira da caderneta predial onde assim figura;
-o acto de apreensão constituído pela penhora efectuada nestes autos é ofensivo do “direito de propriedade e posse efectiva que a embargante detém sobre o bem penhorado”.
E, no capítulo de direito, que estão preenchidos os requisitos do citado artº 351º, do CPC.

Anexou à petição os seguintes documentos:

-acta da conferência de divórcio (doc. 1);
-cópia do seu BI, do qual consta como residente em …, Ílhavo (doc. 2);
-cópia da escritura de partilha da qual se vê que à embargante, identificada como residente no mesmo lugar e freguesia (sem mais) foram adjudicados os bens imóveis comuns do ex-casal, aí se referindo o prédio urbano como descrito na Conservatória sob o nº 1000 e inscrito na Matriz sob o artigo 746 (doc. 3);
-cópia da requisição, pela embargante, em 20-05-2010, do registo predial, com base na escritura, da aquisição, correspondente à AP. nº 811, da mesma data (doc. 4);
-cópia da requisição, pela embargante, em 20-05-2010, da abertura de nova descrição do prédio (doc. nº 5);
-cópia requisição do acesso on line ao prédio descrito sob o nº 2088 e da chave atribuída (doc.s nºs 6 e 7);
-cópia do requerimento, datado de 02-06-2010, dirigido às Finanças para averbamento, com base na escritura, do prédio urbano (nº 746) em seu nome (doc. 8);
-certidão permanente do registo predial relativa à descrição nº 2065/20100111, relativa ao prédio urbano 746, da qual consta a anotação oficiosa “Duplicada da ficha nº 2088/20100520, que se encontra inutilizada”; inscrição por AP 3194 de 2010/01/11 da penhora, tendo por sujeito activo “E…, Ldª” e por sujeitos passivos, entre outros, C…, efectuada, na mesma data, no processo 4871/09.7TBLRA, do 1º Juízo de Leiria; inscrição por AP. 4742 de 2010/03/18 da penhora, tendo por sujeito activo a D… aqui exequente e por sujeitos passivos os aqui executados, efectuada, naquela mesma data, no processo de que estes embargos são apenso; inscrição por AP. 4358 de 2010/05/05 da penhora, tendo por sujeito activo o F…, SA, e por sujeito passivo C…, efectuada no processo 1093/10.8T2AGD; inscrição por AP 811 de 2010/05/20 da aquisição, tendo por causa partilha subsequente a divórcio, pela aqui embargante, aí identificada como residente na Rua …, nº . (sem que entre esta e o prédio e respectivo teor descritivo resulte qualquer ligação) tendo por sujeito passivo C…, com a anotação “Transcrita da Ap. 811 de 2010/05/20 da ficha nº 2088/20100520 da freguesia …, duplicado desta”; outra inscrição posterior provisória de penhora efectuada em processo nº 4098/10.5T2AGD (doc. 9);
-cópia de edital (doc. 10);
-cópia da caderneta predial urbana do prédio nº 746 data de 09-05-2012, mencionando como titular a embargante, mencionando-a como residente na Rua … e o prédio como situado na … (doc. 11).

Proferido despacho na fase introdutória a admitir os embargos e notificadas as partes primitivas para contestarem, apenas a exequente D… o fez, impugnando, por desconhecimento, os factos (salvo os relativos à penhora e à transcrição anotada), bem como o teor dos onze documentos juntos “quanto aos seus efeitos e consequente prova que com eles se pretenda fazer”.

Alegando, de seguida, os factos relativos ao seu crédito, respectivo título e garantias (além do mais, aval prestado pelo referido C… à livrança), falta de pagamento, e, assim, a necessidade de ter enveredado pela execução, onde foi efectuada e registada, em 18-03-2010, a penhora do prédio descrito na Conservatória sob o nº 2065 e inscrito na Matriz sob o artº 746 por o mesmo se encontrar assim referenciado nessas Repartições e em nome do referido executado, invocou que, sendo o registo da aquisição do prédio em 20-05-2010 a favor da embargante B… posterior ao registo da penhora a favor da exequente, não se pode daí inferir que a propriedade a ela pertença, pois o registo constitui mera presunção da titularidade mas aquela direito relaciona-se com a capacidade de gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do bem, não se descortinando dos embargos, porque não alegado, qualquer facto demonstrativo de que a embargante é proprietária do imóvel penhorado, nem tão pouco possuidora do mesmo, nem, pelo contrário, que o dito executado tivesse deixado de o ser.

Por fim, aduziu que vigora a prioridade do registo em detrimento da regra da prioridade do acto, e, assim, prevalece a penhora, concluindo pela improcedência dos embargos.

Juntou, além de cópia do requerimento executivo e documentos adredes, a cópia do auto de penhora e do registo predial relativo ao prédio 2065/20100111 (idêntica ao doc. 9 junto pela autora), bem como de documento informativo das Finanças resultante de consulta feita em 07-01-2010 de que o prédio 746 era aí titulado pelo executado C….

Não houve resposta.

Proferido saneador tabelar, foi dispensada a selecção dos factos e, depois de indicadas as provas, foi designada e realizada a audiência de julgamento, no decurso da qual foram inquiridas testemunhas de ambas as partes.

Após, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, declarando quais os factos provados – os abaixo elencados – e que “não existem factos não provados”, tudo fundamentado com base, apenas, nos documentos juntos.
Por sentença de 07-07-2014, exarada a fls. 113-115, foi proferida decisão que julgou os embargos totalmente improcedentes e ordenou o prosseguimento da execução.
A embargante não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações (fls. 121 a 146):
“A. Por sentença de 07.07.2014, constante de fls .... , veio o Tribunal a quo julgar improcedentes os embargos de terceiro deduzidos por B…, aqui Apelante por não ter dado como provados os factos constitutivos da posse, o que levou a não considerar provada a aquisição originária, apenas a derivada, e também por interpretar de forma errada a noção de terceiro para efeitos do Código do Registo Predial, o que teve por consequência entender que no caso concreto eram terceiros para esse efeito, pelo que a regra da prioridade do registo tinha aplicação.
B. Assim, o presente recurso versa tanto sobre matéria de facto, como sobre matéria de direito, pois o Tribunal a quo interpretou e aplicou mal o artigo 5.° n.º 2 aI. b), n.º 4 do artigo 590.°, ambos do CPC, o artigo 408.°, n.º1, 1305.°, 1316.°, 1317.°, al. a), todos do Código Civil e o artigo 5.°, 6.º e 7.º do Código de Registo Predial - matéria de direito - e ao não considerar provados os factos constitutivos da posse, no seguimento da prova testemunhal produzida em audiência, bem como da prova documental junta na petição de embargos, como o deveria ter feito, por serem factos que complementam e concretizam os factos alegados pela Embargante/Apelante, julgou-os incorrectamente - matéria de facto -.
C. Tendo em conta que o Tribunal a quo, no despacho saneador, absteve-se de fixar a base instrutória, as partes apenas tiveram conhecimento dos factos que o tribunal pretendia ver provados, e quais o que já considerava provados (base instrutória ou matéria assente) na audiência de discussão e julgamento, e, em especial, na sentença.
D. Esta limitação fez com que as partes, em concreto a Embargante/Apelante, não tivesse tido a oportunidade de, tomando consciência de que o Tribunal a quo não iria considerar os factos constitutivos da posse, reagir contra esta despacho, nomeadamente aperfeiçoando a sua petição de embargos.
E. O Juiz a quo deveria sempre, e sendo a sua convicção, como na sentença se veio a demonstrar, que existia insuficiências na matéria de facto alegada, convidar a Embargante/Apelante a suprir essas insuficiências na exposição da matéria de facto - cfr. n.º 4 do artigo 590.° do CPC - o que não fez!
F. Não obstante não ter existido este aperfeiçoamento, ou esta possibilidade, os factos constitutivos da posse deveriam ter sido sempre tomados em consideração pelo Tribunal a quo, e ter sido dado como provados, pois, a posse efectiva foi alegada, bem como a residência da Embargante/Apelante e, nos termos do artigo 5.°, n.º 2, al. b) do CPC, o juiz deve considerar os factos que, embora não sejam directamente alegados, sejam complemento ou concretização dos factos alegados e resultem da instrução da causa – prova documental e testemunhal – e as partes tenham oportunidade para se pronunciarem sobre os mesmos.
G. Não existe dúvidas de que os factos constitutivos da posse são factos complementares ou concretizadores da posse efectiva (alegada) pelo que deveriam ter sido dado como provados no seguimento da produção de prova testemunhal e documental, uma vez que as partes em audiência tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos.
Assim,
H. Os concretos pontos de facto que a Embargante/Apelante considera incorrectamente julgados são os factos constitutivos da posse, no seguimento do alegado nos artigos 11.° e 16.° da oposição à execução mediante embargos onde se diz que: "A Embargante apenas tomou conhecimento (...) deixaram por baixo da porta da sua residência (...)", e "O acto de apreensão constituído pela penhora efectuada nos presentes autos é ofensivo do direito de propriedade e posse efectiva que a Embargante detém sobre o bem penhorado."
I. Factos esses como: Que quem vivia na habitação em causa nos autos é a Embargante/Apelante, e a sua filha, desde muita antes de 2003; Que actualmente também vive com elas o namorado da filha; Que o Sr. C… desde muito antes de 2003 não vivia na referida habitação; Que o Sr. C… vivia noutra casa, com outra família; Que a Embargante/Apelante actuava como verdadeira proprietária e possuidora da habitação; Que as amigas da filha da Embargante/Apelante eram visitas assíduas da habitação, onde faziam refeições e pernoitavam, e que nunca viram o Sr. C… lá; Que as pessoas que frequentavam a casa assiduamente consideram a Embargante/Apelante como a única proprietária da habitação, não por terem conhecimento de documentos, mas pelos comportamentos que assistem no que respeita ao bem imóvel (animus).
J. No que respeita à prova documental, e que deveria ter levado o Juiz a quo a uma decisão diversa, pois, da análise destes documentos resulta provado que a Embargante/Apelante reside, pelo menos desde 2003, no prédio objecto da penhora, temos:
a. Documento 2 junto à petição de embargos - composto pelo bilhete de identidade da Embargante/Apelante, cuja emissão foi em 17.09.2003, em data posterior ao divórcio, aliás consta do documento como divorciada, e que tem como residência a ….
b. Documento 3 junto à petição de embargos - composto pela escritura de partilha, outorgada em 09.09.2003, e onde na identificação da Embargante/Apelante consta como sua residência ….
c. Documento 9 junto à petição de embargos - composto pela certidão da CRP referente ao prédio aqui em crise, onde na Ap. 811 de 2010/05/20 consta como sujeito activo da aquisição a Embargante/Apelante com residência na Rua …, n.º ., ….
d. Documento 11 junto à petição de embargos - comporto pela caderneta predial referente ao prédio aqui em crise, onde na identificação do titular consta a Embargante/Apelante com a residência na Rua …, n.º ., ….
K. Os concretos meios probatórios constantes de gravação que impunham decisão diversa da recorrida são o depoimento das testemunhas apresentadas pela Embargante/Apelante que, sem margem para dúvida, de forma espontânea e sincera, relataram que a Embargante/Apelante tinha a posse efectiva do imóvel, onde fazia a sua vida há vários anos com a sua filha, e com o namorado da filha, recebia os amigos, os familiares, pagava as contas, recebia correspondência, fazia refeições, etc.
L. A testemunha G… - filha da Embargante! Apelante - [minuto 2.21 a 3.50] [minuto 5.15 a 5.35] [minuto 6.42 a 7.00] - afirmou de forma espontânea e sincera, com conhecimento directo dos factos, que habita na casa desde que tem 2 ou 3 anos, em primeiro lugar APENAS com a sua mãe, e mais recentemente com o seu namorado também (há cerca de 5 anos), que nunca viu o seu pai lá em casa, e que este nunca viveu com eles, aliás, viviam numa casa perto com outra família.
M. A testemunha H… - amiga da filha da Embargante/Apelante - [minuto 1.03 a 3.15] - afirmou de forma espontânea e sincera, com conhecimento directo dos factos, que conhecia a casa em causa nos autos desde há cerca de 16 anos, por ser amiga e colega da filha da Embargante/Apelante, e que considera que a dona da mesma é a Embargante/Apelante, pois desde sempre foi quem viu a viver lá em casa, e que, do comportamento dos mesmos, RECEBIAM LÁ AS VISITAS, DORMIAM LÁ, TOMAVAM AS SUAS REFEIÇÕES, chegou a essa conclusão, nunca tendo visto lá o Sr. C….
N. A testemunha I… - namorado da filha da Embargante/Apelante - [minuto 1.30 a 3.03] - afirmou de forma espontânea e sincera, com conhecimento directo dos factos, que a dona da casa é a Embargante/Apelante, e que tem essa opinião por ser namorado da filha há cerca de 10 anos, e porque há cerca de 5 anos que vive nessa casa, pelo que, e pelo que observa, em concreto nunca ter visto o Sr. C… lá em casa, chegou a esta conclusão.
O. A testemunha J… - amiga da filha da Embargante/Apelante - [minuto 1.00 a 3.00] - afirmou de forma espontânea e sincera, com conhecimento directo dos factos, que frequenta com assiduidade a habitação em causa nos autos por ser amiga da filha da Embargante/Apelante há cerca de 10 anos, e que a casa é destas. Que nunca viu o Sr. C… na dita casa, e que sempre conheceu os pais da amiga como sendo separados, nunca tendo visto ninguém ir à procura do Sr. C… àquela casa, ou a receberem correspondência para este.
P. A testemunha K... - amiga da filha da Embargante/Apelante - [minuto 0.58 a 1.58] [minuto 5.35 a 5.53] - afirmou de forma espontânea e sincera, com conhecimento directo dos factos, que é frequentadora assídua da casa da sua amiga G…, filha da Embargante/Apelante, desde há cerca de 11 anos, e que é a Embargante/Apelante a dona da mesma. Diz isto pela sua convivência na casa, onde pernoitava várias vezes, e onde fazia refeições com a G… e a sua mãe, nunca tendo visto o Sr. C….
Posto isto,
Q. A decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, é a de que a Embargante/Apelante tem a posse efectiva do imóvel, que se encontram provados todos os factos constitutivos da posse, em concreto que quem actua perante terceiros como possuidora e dona da casa é a Embargante/ Apelante. que quem vive na casa é esta, a sua filha e o namorado da filha, que desde antes de 2003 que o Sr. C… não vive na casa, que quem toma as refeições, dorme, recebe visitas, correspondência, etc., na casa é a Embargante/ Apelante,
R. Em suma, teria de dar como provada a intenção da Embargante/ Apelada de se comportar como titular do direito real correspondente aos poderes exercidos (animus).
S. Dando como provado o animus, e a aquisição originária do direito, o Tribunal a quo, mesmo aplicando de forma errada os artigos 5.°, 6.° e 7.° do CRP, como seguidamente de demonstrará que aplicou, teria sempre de decidir que a Embargante/Apelante é a única e legitima proprietária e possuidora pacífica do imóvel penhorado, ordenando em consequência o cancelamento dessa penhora.
No que respeita à matéria de direito, diga-se,

Terceiro para efeitos de registo

T. Uma das formas de aquisição do direito de propriedade é o contrato - cfr. artigo 1316.° do Código Civil - gozando o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas - cfr. artigo 1305.° do Código Civil -.
U. Por sua vez, nos termos do artigo 408.°, n.º 1 do Código Civil é através de contrato, por regra, que se dá a constituição ou a transferência de direitos reais (propriedade) sobre coisa determinada,
E,
V. Nos termos do artigo 1316.° do Código Civil, o direito de propriedade adquire-se, entre outras formas, por contrato.
W. No caso dos autos o Tribunal a quo deu como provado que a Embargante/ Apelante adquiriu o imóvel penhorado nos autos principais por contrato - escritura pública outorgada em 09 de Setembro de 2003 - facto provado C da douta sentença - pelo que não restam dúvidas de que o direito de propriedade se transferiu para esta nessa data – cfr. artigo 1317.°, aI. a), do Código Civil.
X. Tanto a aquisição do direito de propriedade sobre imóveis, como a penhora, estão sujeitos a registo - cfr. artigo 2.°, als. a) e o) do Código do Registo Predial -, que no entanto só produzem efeito perante terceiros após a data desse registo - cfr. artigo 5,°, n.º 1 do Código do Registo Predial.
Y. Assim, é mister que se defina o que se entende por terceiros para efeitos de registo predial.
Z. Nos termos artigo 5.°, n.º 4 do Código do Registo Predial, "Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.".
AA. Se antes da entrada em vigor da redacção actual do n.º 4 do artigo 5.° do CRP havia dúvidas da noção de terceiros, surgindo pelo menos duas teses interpretativas, a realidade é que essa querela acabou por desaparecer.
BB. Em primeira instância perante o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/99, proferido em 18.05,1999, in DR, l-A, de 10.07.1999, onde o Supremo Tribunal de Justiça optou pela tese que entendia que, "Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5. o do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.".
CC. Posteriormente, com a alteração decorrente do Decreto-Lei n.º 533/99, de 11/12, ficou definitivamente afastada a questão, indo o legislador ao encontro da tese restritiva de terceiro para efeito de registo predial tal como no Acórdão acima referido.
DD. Assim, o adquirente do prédio vendido pelo executado, ou seja, a Embargante/Apelante, mesmo antes do registo da penhora, e a Embargada/Apelada, não são terceiros para efeitos do registo predial, não se verificando a circunstância de um e outro adquirirem do mesmo transmitente direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio.
EE. A penhora sobre um imóvel, ainda que registada, não é, em si mesma, conflituante nem incompatível com o direito de propriedade sobre o imóvel, não registado ou registado posteriormente, nem os respectivos titulares (do direito de propriedade e de garantia) são terceiros entre si nos termos e para efeito do disposto no artigo 5° do Código de Registo Predial.
FF. Não sendo a embargante e a embargada terceiros entre si não é aplicável ao caso dos autos a regra constante do artigo 5° n° 1 do Código de Registo Predial, podendo a embargante, titular do direito de propriedade, ver reconhecido o seu direito pela embargada, independentemente da prioridade dos registos.
GG. E, uma vez que o registo não confere direitos mas faz apenas presumir a respectiva titularidade, nos seus precisos termos, comprovado que está nos autos que, à data da penhora, o bem imóvel não pertencia ao executado C… mas que a respectiva propriedade havia sido transferida para a embargante, haverá que concluir que mal andou a douta sentença ao julgar improcedentes os embargos.
HH. O direito de propriedade adquirido em data anterior à da penhora, ainda que a aquisição não seja registada ou seja registada posteriormente, prevalece sobre a penhora.
II. Pelo que no caso em apreço nem seria necessário analisar e discutir a questão da posse, uma vez que estamos perante uma situação em que a Embargante/Apelante e a Embargada/Apelada não são terceiros para efeitos de registo!
JJ. Da violação do artigo 5.° n.o 2 aI. b) do CPC,
a. Nos termos do artigo 5.° n.º 2 aI. b) do CPC o Juiz a quo tinha a obrigação de considerar os factos que são a concretização e complemento dos factos alegados pela Embargante! Apelante - posse efectiva e a sua residência - e resultam da instrução da causa - depoimentos e documentos - e as partes tiveram possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos.
b. Ao não ter considerado estes factos, como era sua obrigação, o Juiz a quo violou estabelecido no artigo 5.° n.º 2 aI. b) do CPC.

Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite,

KK. Da violação do n.º 4 do artigo 590.° do CPC,
a. O Juiz a quo deveria sempre, e sendo a sua convicção, como na sentença se veio a demonstrar, que existia insuficiências na matéria de facto alegada, convidar a Embargante/Apelante a suprir essas insuficiências na exposição da matéria de facto - cfr. n.º 4 do artigo 590.° do CPC - o que não fez!
b. Com esta actuação, a falta de convite ao aperfeiçoamento, apenas confrontando a parte, Embargante! Apelante, com essa decisão na sentença, não permitiu que esta insuficiência fosse suprida em tempo.
c. Ao não ter efectuado o convite ao aperfeiçoamento, como era sua obrigação, o Juiz a quo violou estabelecido no n.º 4 do artigo 590.° do CPC.
LL. Ao decidir à contrario, o Juiz a quo violou as seguintes normas, artigo 5.° n.º 2 aI. b), n.º 4 do artigo 590.°, ambos do CPC, artigo 408.°, n.º 1, 1305.°, 1316.°, 1317.°, al. a), todos do Código Civil e, artigo 5.°, 6.° e 7.° do Código do Registo Predial.
Pelo que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, revogando a douta decisão ora recorrida e substituindo-a por outra que julgue os embargos procedentes por provados, determinando o não prosseguimento da execução quanto ao imóvel penhorado e o cancelamento do registo da penhora, farão a costumada e tão necessária JUSTIÇA!“

A embargada respondeu, batendo-se pela confirmação do decidido.
O recurso foi admitido por despacho de 13-11-2014 (fls. 165) como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
É pelas conclusões que se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

Da análise das da apelante, extrai-se que as questões a resolver, colocadas na correcta ordem lógico-jurídica, consistem, em saber:

a) Se embargante e exequente não são terceiros para efeitos de registo predial e, por isso, aquela pode opor a esta a aquisição anterior à penhora, apesar de o registo deste acto ter precedido o daquela.
b) Se são complementares ou concretizadores de factos alegados pela embargante (relativos à posse) os que constam dos documentos juntos com a petição ou foram ditos pelas suas testemunhas no decurso da audiência, e, por isso, o Tribunal a quo devia tê-los considerado.
c) E, na afirmativa, se devia tê-los julgado provados.
d) Caso assim se não entenda, se se trata de insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada e, por isso, incumbia ao juiz convidar a embargante a supri-las.

III. FUNDAMENTAÇÃO

A. De facto

O tribunal recorrido, na sentença, deu como provados os seguintes factos:

A)
Na exeução a que estes autos correm por apenso, em 18.03.2010, foi realizada a penhora do prédio urbano sito na …, …, inscrito na matriz sob o artigo 746 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº2065.
B)
A ora embargante e o executado C… foram casados entre si desde 7 de Novembro de 1968 até 5 de Agosto de 2003, data em que foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.
C)
Em consequência do mencionado divórcio foi lavrada em 9 de Setembro de 2003, escritura de partilha onde o bem imóvel comum do casal, referido em A) foi adjudicado ao cônjuge mulher, ora embargante.
D)
A embargante registou a propriedade do imóvel a seu favor em 20 de Maio de 2010.
E)
Em 2 de Junho de 2010, a embargante requereu no Serviço de Finanças de Ílhavo, o averbamento do prédio referido em A), em seu nome.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

1. Os embargos de terceiro estiveram previstos como acção especial nos artºs 1037º a 1043º, do Código de Processo Civil de 1961, aí configurados como um dois meios destinados a reagir contra a ofensa da posse de terceiro decorrente de qualquer diligência judicial, como é o caso da penhora em execução.

Adjectivava-se assim a defesa da posse enquanto “poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” – artºs 1285º e 1251º, do Código Civil –, embora para outros direitos de natureza não real, desde que incompatíveis, tal acção também fosse meio próprio.

Dispunha, então, o nº 2, do artº 1037º, que “considera-se terceiro”, além do mais, “aquele que não tenha intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial”.

Era entendimento comum e generalizado, cremos, que só a posse real e efectiva, baseada num título (não a material nem a simples posse jurídica, civil ou causal (por vezes, mas nem sempre, coincidentes), era susceptível de fundamentar os embargos de terceiro. Afirmava-se mesmo que aquela devia “traduzir-se pelos dois conhecidos elementos concretizadores, o «corpus», ou seja uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição, e o «animus», isto é, a intenção de exercer esse poder no próprio interesse”.[1]

A reforma processual de 1995, levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, introduziu relevantes modificações, como tal enfatizadas e explicadas no seu próprio preâmbulo:

“A principal inovação, no que ao incidente de oposição respeita, é a inclusão no seu âmbito do processo de embargos de terceiro – perspectivados como verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro-embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências.
A eliminação das acções possessórias do elenco dos processos especiais, a ampliação, que se julga perfeitamente justificadas, dos pressupostos de admissibilidade dos embargos de terceiro – que deixam de estar necessariamente ligados à defesa da posse do embargante, configurando-se como meio processual idóneo para este efectivar qualquer direito incompatível com a subsistência de uma diligência de cariz executório, judicialmente ordenada - e a criação de um meio processual específico, destinado a facultar ao executado a reacção contra uma penhora, por qualquer motivo ilegal – a oposição à penhora – obrigaram a equacionar a questão de qual a inserção sistematicamente correcta do instituto dos embargos de terceiro.
Considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o carácter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante – mas a circunstância de uma pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante.
Relativamente ao regime proposto para os embargos de terceiro, salienta-se a possibilidade de, através deles, o embargante poder efectivar qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido, que não apenas a posse. Permite-se, deste modo, que os direitos «substanciais» atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação, por esta via se obstando, no caso d a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência da reivindicação. […]
A ampliação do fundamento dos embargos ditou, por outro lado, que os termos processuais subsequentes serão moldados segundo o processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor – assim se assegurando os direitos dos interessados a verem apreciado o litígio com as mesmas garantias de que beneficiaram em acção autónoma – e conduzindo logicamente, por esta razão, o processo de embargos à formação de caso julgado material, relativamente “a existência e titularidade dos direitos que dele foram objecto”.

O regime assim modificado passou a constituir os artigos 351º a 359º do reformado compêndio e, a partir de então, a entender-se que, permitindo ele a defesa de “qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência” judicial, o seu objecto não se limita à posse e que, desde então, a mera posse jurídica lhes pode servir de fundamento.

Entretanto, pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08-03, a redacção do artº 1285º, do Código Civil, foi também alterada, no respectivo texto se passando a incluir expressamente a penhora como acto ofensivo da posse.

Destina-se, pois, esta espécie de embargos, como incidente apenso, a “fazer valer”, isto é, a afirmar e a impor, em face das partes numa causa em que é ordenado qualquer acto judicial, o direito de terceiro e, consequentemente, a remover esse acto dele ofensivo, na medida em que com ele conflituante.

No novo e actual CPC, entrado em vigor em 01-09-2013 o respectivo regime passou a integrar os artigos 342º a 350º, sem alteração alguma.

Tal oposição exercita-se mediante um articulado, designado por petição, na qual, além de, nos termos gerais, o embargante dever alegar, sob a forma processualmente exigida e em conformidade com a técnica seguida na praxis (para tal serve o obrigatório patrocínio forense), os factos essenciais ou fundamentais, deve também deduzir a sua pretensão.[2]

Invocando-se penhora de bens alegadamente ofensiva do direito de propriedade sobre eles, convém não esquecer-se que, além dos factos concretos relativos àquele acto, impende sobre o terceiro embargante o ónus de provar (nos termos do artº 342º, nº 1, do Código Civil) e de, para tal, primeiro, alegar (tanto quanto possível em termos simples, claros e objectivos mas completos), os factos concretos que, juridicamente subsumidos, hão-de levar à conclusão de que ele adquiriu e é titular do referido direito.

Ao tribunal competirá, depois, verificando a natureza e o conteúdo deste direito e respectiva titularidade (v. g., artº 1305º, do CC) e os efeitos daquele acto legalmente derivados (v. g., apreensão e venda), à luz dos respectivos princípios e regras jurídicas convocadas, ajuizar se e em que medida um é incompatível com o outro e, reconhecendo que tal ocorre, decidir-se pela providência adequada a remover a ofensa (v. g., levantando a penhora violadora do direito real ou absoluto de propriedade e incompatível com os princípios que o estruturam).

Para além desta consequência específica, os embargos de terceiro têm, estrutural e substancialmente, a fisionomia de uma acção autónoma de defesa de qualquer direito, sendo certo que, no âmbito do seu objecto, se compreende a decisão, com carácter definitivo, sobre a questão da propriedade dos bens quando seja este o direito ofendido, como, aliás, promana do artº 358º (caso julgado quanto à existência e titularidade do direito).[4] Nesta hipótese, é ostensiva a semelhança com a acção de reivindicação, pelo que, em face do rigor e exigências de que tradicionalmente se reveste a proposição, fundamentação, instrução, prova e decisão desse tipo de acções, mal se compreende a aparente ligeireza ou displicência com que, por vezes, são tratados os embargos, maxime ao nível da alegação de factos, estando em jogo a propriedade de bens, sejam eles quais forem, e a possível diversidade de modos de adquirir.

É que – como se pode estudar no Acórdão desta Relação de 07-02-2008[5] – “…o embargante que se arrogue proprietário dos bens cuja apreensão foi ordenada ou realizada, tem de alegar os factos integradores da aquisição do direito por qualquer um dos modos previstos na lei. “

Depois, importa ver se tem a seu favor a presunção derivada do registo predial (artº 7º do respectivo Código), caso em que escusa de provar o facto a que ela conduz (artº 350º, nº 1, do CC), ou não.

Não beneficiando do registo – esclarece o referido aresto –, “tem de alegar factos integradores de uma forma de aquisição originária (v. g., a usucapião) e de uma forma de aquisição derivada (compra e venda, doação, sucessão por morte, partilha subsequente a divórcio, etc.).”

Ou seja: de um dos modos de adquirir previstos no artº 1316º, do CC, tendo-se em conta que, na aquisição derivada, sempre há-de demonstrar-se ou legalmente presumir-se que o direito existia na esfera jurídica do transmitente também por um dos assinalados modos – com uma particular especificidade nos embargos de terceiro.

Neles, com efeito, atenta a sua natureza e função, verifica-se, com frequência, uma peculiar circunstância: o terceiro embargante alega precisamente que adquiriu o bem do próprio executado, a quem ele foi penhorado. Ao fazê-lo, coloca-se de acordo com o próprio exequente que, no pressuposto de que aquele era o dono, promoveu a penhora, e (em princípio) com o próprio executado, que tal admitiu.

De tal convergência de atitudes e inerente sintonia de vontades, gera-se, no processo, o pacífico reconhecimento da anterior titularidade do direito na esfera jurídica do executado, enquanto transmitente, o que, por isso, facilita o encargo do embargante que apenas terá de alegar e provar a transmissão daquele para si, sem os constrangimentos e dificuldades da pura acção de reivindicação em que normalmente é exigível a alegação e prova dos factos integrantes da usucapião enquanto modo originário de adquirir o direito real de propriedade.

É por isso que, no dito Acórdão, se alerta: “… impõe-se distinguir se o embargante alega ter adquirido o bem do próprio executado ou de outrem.”

E continua:

“Se alega ter adquirido o bem de pessoa diversa do executado, tudo se passa como acima se referiu: inexistindo presunção registral a seu favor, não lhe basta invocar uma forma de aquisição derivada do direito, tendo de invocar também uma forma de aquisição originária.
Mas se alegar que adquiriu o bem do próprio executado, a situação tem contornos diferentes.”

Com efeito, explica:

“A penhora de um bem tem como pressuposto que aquele existe no património do executado, pois que, em regra, apenas este responde pelo cumprimento coercivo da obrigação (artº 817º e artº 821º, nº 1 do CPC). Só nos casos especialmente previstos na lei (artºs 610º e 818º) é que a execução pode incidir sobre bens de terceiro.
Por isso, quando penhora um bem, o exequente não põe em causa o direito de propriedade do executado sobre aquele bem. Pelo contrário, parte do pressuposto da existência daquele direito na titularidade do executado, aceitando toda a situação jurídica anterior à aquisição do bem pelo executado.
Por isso, o embargante que adquira do executado, não tem de alegar nem provar uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o acto translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada).
E, ao contestar os embargos, o exequente não pode pôr em causa o direito de propriedade do executado, porque estaria em contradição com o comportamento anteriormente assumido quando penhorou o bem e, dessa forma, implicitamente reconheceu a existência daquele direito na esfera jurídica do executado. Resta-lhe, apenas, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respectivo título, alegando, por exemplo, a sua invalidade ou ineficácia.”

Isto posto, vamos ao caso.

Como do relato exaustivo acima feito resulta, a embargante, na sua petição inicial, limitou-se, por um lado, a alegar que pela partilha do património comum do seu casal dissolvido lhe foi adjudicado, em 09-09-2003, o bem em causa – imóvel urbano – e que, por isso e desde então, passou a ser dele única e exclusiva proprietária (e não o executado seu ex-marido). Já o era à data da penhora. Aconteceu, porém, que só registou tal aquisição, pelas vicissitudes que relatou, já após o registo da penhora promovido no processo executivo.

De resto, apenas en passant afirmou, conclusivamente, que a penhora ofende o “direito de propriedade e posse efectiva que a embargante detém sobre o bem penhorado”. Juntou os documentos acima descritos.

Com aquela alegação e remetendo para o teor destes e para os depoimentos testemunhais produzidos na audiência pretende, agora, no recurso, terem resultado provados os “factos constitutivos da posse”, refutando a conclusão contrária tirada a tal propósito na sentença recorrida e, bem assim, de resto, o entendimento nesta seguido quanto à qualidade de terceiro da exequente e oponibilidade à embargante da penhora anterior do registo.

Começando por esta questão primeira e, se procedente, prejudicial das demais.

É pacífico, porque a exequente tal não põe em causa e o tribunal a quo o considerou provado e reconheceu, que o imóvel penhorado, sendo comum do casal, por efeito da partilha – contra cuja validade formal ou substancial e eficácia inter partes nada foi objectado, sendo de todo a esse nível irrelevante a “impugnação” deduzida pela exequente – veio à titularidade da embargante em 09-09-2003.

Contudo, os embargos foram julgados improcedentes, com base em três ordens de argumentos:

-A prova feita da aquisição derivada não é suficiente[6];
-Nenhuns factos conducentes à prova da posse efectiva foram alegados e provados;
-O registo da penhora prevalece em relação ao posterior da aquisição[7].

É facto que a penhora do imóvel foi feita e registada em 18-03-2010, no pressuposto reconhecido pela embargada (então como agora) de que ele era propriedade do co-executado C…. Tal como o é que aquela e este, enquanto património comum do casal, o partilharam em 09-09-2003, sendo adjudicado à ex-mulher, a qual só veio a inscrever a aquisição no registo em 20-05-2010.

As vicissitudes relativas ao registo em duplicado do prédio não têm – nem, aliás, aqui se lhes dá – relevo específico, a não ser o de terem potenciado a penhora do bem inscrito na Matriz a favor do executado mas cuja descrição predial havia sido cancelada, com desconhecimento pela exequente da realidade anterior e, portanto, da transmissão havida e consequente convicção de que a propriedade do prédio pertencia ao executado.

Sendo isso problema de registo, afinal já resolvido no respectivo âmbito, o que importa, como se refere no Acórdão desta Relação de 02-12-2013[8], é a questão substantiva, relativamente à qual concluiu, como aqui se irá concluir, que, não obstante, “quando a penhora foi realizada e registada, o bem penhorado não fazia parte do património da executada, mas integrava o património da embargante”.

Na verdade, a partilha amigável é um modo previsto na lei de um dos cônjuges adquirir a propriedade exclusiva para si do bem antes comum do casal – artºs 1316º e 1317º, do CC. É um negócio translativo.

Por mero efeito dela, o direito real transferiu-se para a embargante – artº 408º, nº 1, CC. Em consequência, esta goza sobre ele dos poderes plenos e inerentes conferidos pelo artº 1305º, de o usar fruir e dele dispor.

Simplesmente, antes de ela levar ao registo predial tal aquisição, onerou-o a exequente com a inscrição da penhora.

É aqui que entronca o problema, gerado, aliás, a partir da conjugação das regras civis citadas com as prediais, maxime do artº 5º, e que se prende essencialmente com a noção de terceiros para tais efeitos, questão tormentosa na Doutrina e na Jurisprudência ao longo dos anos e ainda hoje viva.

Antes do DL 533/99, o artº 5º do Código dispunha, sob a epígrafe “oponibilidade a terceiros”:

“1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais a quem incumba a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.”

Depois da alteração introduzida por aquele diploma passou a dispôr:

“1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais a quem incumba a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”

A redacção actual, resultante da 32ª alteração ao Código, é:

“1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado.”

A introdução da noção de terceiros foi esclarecida e justificada no preâmbulo do referido diploma nos seguintes termos:

“Aproveita-se, tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5.º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens.”

O historial da questão, por referência a cada uma da duas correntes fundamentais, seus defensores, fundamentos, respectivo significado e projecção num caso com o destes autos em que se confronta o direito real de garantia com o direito real de propriedade, está excelentemente feito no já por nós referido Acórdão desta Relação de 07-02-2008[9], na senda, aliás, do de 21-09-2006[10] que, por sua vez, remete para o do STJ, de 18-12-2003 (processo 03B2518)[11], em que se salientam a natureza, função e princípios de registo predial em cotejo com os do negócio translativo do bem e posição relativa do titular do exequente beneficiário do registo da penhora enquanto direito real de garantia e do terceiro embargante como adquirente do de propriedade, não registado ou apenas registado mais tarde, à luz da boa fé.

Com a vénia devida e por economia e celeridade para aqueles remetemos, em especial para o primeiro dos citados.

Aí se dá conta do Acórdão Uniformizador do STJ nº 15/97: “Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente” e que consagrou a chamada corrente mais ampla, em função da qual a aquisição da aqui embargante só registada depois da penhora cederia perante esta, que lhe seria oponível pelo exequente enquanto terceiro.

Igualmente se descreve que a candente polémica permaneceu viva e veio a dar origem a novo Acórdão Uniformizador nº 3/99 que consagrou a chamada corrente restritiva: “Terceiros para efeitos do disposto no artº 5º do C. Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.

Foi esta a acolhida na lei, mediante a alteração já referida e que introduziu ao artigo 5º, nº 4: “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”

Perante isto, tal como ali se disse, aqui se aplica e nós subscrevemos:

“Sucede que, in casu, o acto registado é uma penhora: o que significa que a embargada/exequente, embora tenha adquirido sobre o mesmo prédio um direito incompatível com o dos embargantes, adquiriu esse direito sem intervenção voluntária do titular inscrito e, portanto, não é “adquirente de um mesmo transmitente comum”, pelo que, desde logo, não é terceiro para efeitos de registo predial.
O nº 4 do artº 5º do CRP, na esteira do AU nº 3/99, ao restringir o conceito de terceiro nos termos em que o fez, excluiu ab initio os casos em que o titular inscrito não tem intervenção voluntária na transmissão do direito, mas é sujeito passivo desse direito, abrangendo assim os direitos reais de garantia, tais como, o arresto, a penhora, a hipoteca judicial, etc.
Para justificar aquela exclusão, sustenta-se no citado AU que quando estão em causa dois direitos reais da mesma natureza, é justo que a segunda aquisição registada deva prevalecer sobre a primeira não registada. Por exemplo, perante dois compradores sucessivos do mesmo prédio, só o segundo tendo registado, “...a negligência, ignorância ou ingenuidade do primeiro deve soçobrar perante a agilidade do segundo, cônscio não só dos seus direitos, como os ónus inerentes”. Neste caso, a prioridade do registo ultrapassa a incompatibilidade dos direitos, desde que o adquirente que registou esteja de boa-fé.
Já quando estão em confronto, v. g., o direito real de propriedade não registado e o direito real de garantia resultante da penhora registada, permitir a prioridade do registo, mantendo a viabilidade executiva, quando, por via de embargos de terceiro, se denunciou a veracidade da situação, seria, no fundo, permitir que um direito de crédito (embora sob a protecção de um direito real de garantia) prevalecesse sobre um direito real, e seria permitir que o credor executasse bens de terceiro em situação não abrangida pela previsão dos artºs 818º do CPC[16] e 610º (ainda que o credor estivesse originariamente de boa-fé: ou seja, que, ao penhorar os bens não soubesse nem devesse saber que aqueles já haviam saído da esfera jurídica do devedor).
Estando então actualmente o conceito de terceiro restringido nos termos acima expostos, relembramos que, segundo tal doutrina, o exequente nunca é terceiro para efeitos de registo predial porque não adquiriu o seu direito com intervenção voluntária do titular inscrito (não há portanto aquisição de um mesmo transmitente comum) e, por isso, nem sequer há que apreciar se agiu de boa ou má-fé.
Não sendo a exequente/embargada terceiro, o direito anterior dos embargantes não registado pode pois ser-lhe oposto.”

Nesta linha, salientando que os direitos em causa (real de garantia e real de gozo), para os efeitos do registo, não são incompatíveis nem o exequente um terceiro de boa fé protegido por aquele e com o poder de opor ao adquirente o benefício decorrente da precedente inscrição tabular, tudo à luz do conceito restritivo adoptado no AU 3/99 e consagrado depois pela lei (artº 5º, nº 4, do CRP) – e de onde decorre que a argumentação do teor da neste caso utilizada pela 1ª instância só seria válida se estivéssemos perante o caso de o mesmo transmitente ter vendido sucessivamente a mesma coisa a duas pessoas diversas em que “o segundo adquirente, desconhecendo a primeira alienação, efectua o respectivo registo antes do primeiro adquirente, é a segunda aquisição que prevalece, uma vez que estão em causa direitos reais da mesma natureza. A negligência, a ignorância ou a ingenuidade do primeiro adquirente deve ceder perante a agilidade do segundo, cônscio não só dos seus direitos como dos ónus inerentes” – nesta linha, dizíamos, se tem mantido, parece-nos que sem discrepâncias, a jurisprudência deste Tribunal, como se vê dos Acórdãos de 09-02-2009 e de 23-02-2010.[12]

Como ainda com superior autoridade e eloquência se refere no Acórdão do STJ, de 06-12-2012, depois de traçar uma panorâmica sobre a questão e tratando de caso cujos contornos fácticos são praticamente iguais aos deste (aquisição do bem na partilha subsequente a divórcio pelo ex-cônjuge embargante e sua penhora registada antes daquele negócio em execução movida contra o ex-cônjuge executado)[13]:

“Nos termos desta (art.º 5º, n.º 4 do CRP) e da orientação plasmada no último dos acórdãos uniformizadores que aqui também se adopta, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo "os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora”.
Ora, como no caso, o direito de garantia do AA que conflitua com o direito de propriedade da recorrente/embargante, posteriormente levado ao registo, deriva de diligência judicial (a penhora), situação não enquadrável no conceito restrito de terceiros, não goza o mesmo da protecção registal de que se arroga, não obstante a respectiva inscrição ser anterior. No caso, não sendo aquele terceiro, para efeitos de registo, não funcionam obviamente as suas regras, designadamente a da prioridade (prior in tempore, potior jure), que é afastada pelo principio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo.
Deste modo, quando a fracção autónoma foi penhorada (…) já a mesma havia saído, bem antes, do património do embargado/executado BB, dado que o atinente direito de propriedade transferira-se por mero efeito da partilha e adjudicação para a recorrente/embargante, independentemente do seu registo, e portanto não podia ser já objecto de subsequente penhora em ordem a garantir o crédito que o embargado AA tem sobre aquele executado.
O AA não é considerado terceiro em relação à recorrente e, apesar de ter registado a penhora antes do registo do direito de propriedade daquela, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, que foi claramente ofendida por essa diligência judicial e não pode subsistir.
No caso, ao invés do que se entendeu e decidiu, no acórdão recorrido, a realidade substantiva prevalece sobre a realidade registal, o que implica o total êxito dos embargos, com o consequente levantamento da penhora e cancelamento do respectivo registo.
Procedem, pois, neste ponto as conclusões da recorrente, a quem assiste razão para se insurgir contra o decidido no acórdão recorrido e na sentença da 1ª instância que não devem manter-se.”[14]

Concluindo, a apelante tem razão quanto às conclusões T) a II) das suas alegações, inteiramente procedentes e que, aliás, respaldou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 31-01-2012[15].

Não a tem o tribunal recorrido que, citando embora o nº 4, do artº 5º, do CRP, não atentou na sua repercussão quanto à especificidade do caso essencialmente decorrente da circunstância de executado e transmitente serem o mesmo e nenhuma dúvida haver entre as partes sobre a anterior titularidade dele sobre o bem e subsequente transmissão do direito real para a embargante e, além disso, de a oneração constituída ter sido judicialmente ordenada e não voluntariamente decidida.

Nem a tem a apelada, quer ao insistir, apesar das concretas circunstâncias fácticas do caso, que, para preenchimento da causa de pedir dos embargos de terceiro, é necessário alegar e provar os factos constitutivos ou genéticos originários do direito de propriedade e, desde aí, o seu ingresso na titularidade do embargante, quer percutindo que é necessário alegar e provar a posse efectiva do bem.

Citando, como se disse fora de contexto, jurisprudência que a tal se refere, esqueceu-se que, hoje, tal meio não serve só para defesa da posse mas para a de qualquer outro direito incompatível com o acto ou diligência judicial e que, entre eles, estando evidentemente o direito de propriedade e mesmo não se presumindo a partir da sua titularidade a posse efectiva ou material nem a posse jurídica fazendo presumir legalmente o exercício dos correspondentes poderes de facto (ao contrário do que sucede, quanto a estes, nos termos dos artºs 1252º, nº 2, e 1268º, nº 1, do Código Civil)[16], pode, em particulares circunstâncias como esta, bastar a alegação e prova da aquisição translativa.

Aliás, salvo o devido respeito, as considerações por si tecidas em torno do conceito de terceiros para efeitos do registo e a Doutrina e Jurisprudência que cita ou estão ultrapassadas, mormente pela evolução legislativa ocorrida no registo predial, ou não se ajustam ao caso, como sucede quanto ao citado Acórdão do STJ, de 25-03-2009[17].

Na realidade, reportando-se à Anotação feita, na RLJ, ao Acórdão do STJ, de 03-06-1992, por Antunes Varela e Henrique Mesquita[18], e dando conta que nela estes, partindo do que apelidam de verdadeira função do registo tal como ela resulta do actual nº 4, do artº 5º, do CRP, e da noção de terceiros para efeitos de registo defendida por Manuel de Andrade (vencedora no AU 3/99 e acolhida expressamente pelo legislador no DL nº 533/99, de 11 de Dezembro), aderem à doutrina de que “terceiros, para efeitos de registo, relativamente a determinada aquisição não registada, são não apenas aqueles que adquiram (e registem) direitos incompatíveis em relação ao mesmo transmitente, mediante negócio que com ele celebrem, mas também aqueles que adquiram (e registem) direitos incompatíveis em relação ao mesmo transmitente, sem a cooperação da vontade deste, através de um acto permitido por lei (hipoteca legal ou judicial, arresto, penhora, apreensão de bens para a massa falida ou insolvente, compra em processo executivo, etc.).”, sublinha que foi este o entendimento consagrado nos Acórdãos daquele Alto Tribunal de 07-07-1999 e de 14-01-2003[19].

Acontece que em tais arestos se tratou de casos concretos de conflito entre adquirentes por contrato e adquirentes em venda executiva e não, apenas, entre adquirente e credor penhorante, situação que o mencionado Acórdão de 07-07-1999 claramente distingue e o AU 3/99 expressamente salvaguarda, neste precisamente sobre a “questão dos direitos reais de garantia” se considerando:

“Por força do condicionamento da eficácia, em relação a terceiros, dos factos sujeitos a registo, é evidente que, se alguém vende, sucessivamente, a duas pessoas diferentes a mesma coisa, e é o segundo adquirente quem, desconhecendo a primeira alienação, procede ao registo respectivo, prevalece esta segunda aquisição (ver nota 45), por ser esse o efeito essencial do registo. Estão em causa direitos reais da mesma natureza. Aqui, a negligência, ignorância ou ingenuidade do primeiro deve soçobrar perante a agilidade do segundo, cônscio, não só dos seus direitos como dos ónus inerentes. É sob este prisma que a primeira venda leva à constituição de um direito resolúvel, no dizer de Oliveira Ascensão (ver nota 46), cuja resolução ocorre perante a verificação do facto complexo de aquisição posterior, de boa fé, seguida de registo.
Isto, conforme já resulta do que acima ficou exarado em nota, quer a alienação seja voluntária, isto é, livremente negociada, quer coerciva, ou seja, obtida por via executiva. Efectuada a compra, por via de arrematação em hasta pública, ou por qualquer outro modo de venda judicial, este modo de alienação, na perspectiva em causa, tem, pelo menos, a mesma eficácia daqueloutra. Também aqui a prioridade do registo ultrapassa a incompatibilidade.
Situação diferente é a resultante do confronto do direito real de garantia resultante da penhora registada quando o imóvel penhorado já havia sido alienado, mas sem o subsequente registo. Aqui, o direito real de propriedade, obtido por efeito próprio da celebração da competente escritura pública, confronta-se com um direito de crédito, embora sob a protecção de um direito real (somente de garantia). Nesta situação, mesmo que o credor esteja originariamente de boa fé, isto é, ignorante de que o bem já tinha saído da esfera jurídica do devedor, manter a viabilidade executiva, quando, por via de embargos de terceiro, se denuncia a veracidade da situação, seria colocar o Estado, por via do aparelho judicial, a, deliberadamente, ratificar algo que vai necessariamente desembocar numa situação intrinsecamente ilícita, que se aproxima de subsunção criminal (ver nota 47), ao menos se for o próprio executado a indicar os bens à penhora. Assim, poderia servir-se a lex, mas não seguramente o jus.
Certo que «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo» (ver nota 48). Não deixa, porém, de se obedecer à lei, reconhecendo, como efectivamente se reconhece, que o credor tem o direito de executar o património do devedor (ver nota 49). São ineficazes, sem prejuízo das regras do registo, e em relação ao exequente, os actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados (ver nota 50). Dos bens penhorados, mas pertencentes ao devedor.
Com efeito, «o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado» (ver nota 51). E tão-só.
Como já se verificou, o imóvel penhorado, no caso dos autos, já havia saído do património do devedor. Portanto, não podia garantir nenhuma das suas dívidas. Como bem alheio que é, pode o seu titular embargar de terceiro.
A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. Portanto, efectuada a venda, é que os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo (ver nota 52). In casu ainda se não efectivou a venda. Nesta perspectiva, poderia dizer-se que, a conceder-se eficácia ao registo, de alguma maneira estaria a emprestar-se-lhe capacidade impeditiva de o embargante conservar o seu direito de propriedade. No entanto, é certo que ninguém pode ser privado, no todo em ou parte, daquele direito senão por via de expropriações ou requisições, mediante pagamento de indemnização (ver nota 53), sob pena de inconstitucionalidade (ver nota 54). De certo modo, estaríamos perante a figura do confisco, facto susceptível de ferir profundamente o senso comum e, portanto, de gerar grande sobressalto social (ver nota 55).
Resta acrescentar que, em casos como o presente, o exequente, perante o conteúdo do requerimento inicial de embargos e a sua eventual procedência, passa a saber que o prédio já não é do executado, cessando a sua boa fé. A má fé - conhecimento da situação jurídica de certo prédio - neutraliza o requisito da publicidade registal, tornando-o irrelevante, mesmo quando estão em causa actos da mesma natureza, por exemplo, duas alienações. Com efeito, a publicidade destina-se a dar conhecimento. Se este já existe, inútil se torna aquela. Por isso e por todos os valores acima expostos, torna-se evidente que, mesmo no caso de duas compras/vendas consumadas, com registo da segunda, esta não deve prevalecer se o segundo comprador conhecia a alienação anterior.”[20]

Culminando tal entendimento e distinção[21], porque se tratava de situação análoga à deste recurso, foram precisamente aí julgados procedentes os embargos de terceiro e ordenado o levantamento da penhora.

É esta mesma solução que, para o caso aqui em apreço, entendemos dever adoptar, motivo por que, na procedência da primeira questão, rejeitando-se os fundamentos de sentido contrário invocados pelo tribunal recorrido, a sua decisão de improcedência não pode manter-se, antes deve ser revogada e substituída pela de procedência e de ordem de levantamento da penhora.

2. Com isto ficam prejudicadas as demais questões suscitadas na apelação, sem embargo de, sumariamente, se deixar, quanto a elas anotado que:

-integra recurso em matéria de direito e não recurso em matéria de facto – pois nada a este nível tendo sido decidido, nada há a modificar, mormente por via da impugnação, nos termos dos artºs 662º e 640º, do CPC – a de saber se são complementares ou concretizadores de factos alegados pela embargante (relativos à posse) os que constam dos documentos juntos com a petição ou foram ditos pelas suas testemunhas no decurso da audiência, e se, por isso, o Tribunal a quo devia tê-los considerado em respeito do artº 5º, nº 2, alínea b), do CPC, se aplicável, ou do anterior artº 264º, nº 3, do CPC, e perante a qual nos inclinaríamos em sentido negativo, cotejando o regime legal atinente com a confrangedora falta de alegação dos factos essenciais relativos à somente em abstracto e em conexão com a adjudicação referida “posse efectiva”, sem o menor sentido alegatório, ainda que por remissão, e à revelia do que técnica e legalmente é exigível num articulado como a petição inicial, sem esquecer que, tendo-se em vista ao que parece actos possessórios que devem revestir-se de características e requisitos eventualmente susceptíveis de fundar a usucapião ou prescrição aquisitiva, esta necessita de ser invocada, nos termos dos artºs 303º, 1288º e 1292º, do Código Civil, o que não sucedeu (perspectiva segundo a qual também ficaria arredada a questão de saber se tais factos deveriam, por este tribunal, ser julgados provados);[22]
-não se estaria sequer ante questão de insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que impusesse ao juiz o convite ao respectivo suprimento, uma vez que, nos termos do artº 508º, nº 3, alínea b), do CPC vigente à data em que findaram os articulados (ou mesmo do nº 4 do artº 590º, do compêndio actual), sempre tal iniciativa pressupõe a alegação dos factos essenciais que fundamentem certa pretensão e não se destina, portanto, a suprir a pura e simples omissão deles, caso em que não faz sentido o convite a completá-los, precisá-los ou concretizá-los, sob pena de violação frontal do princípio dispositivo, sem embargo, ainda, de, pelo menos à luz do regime processual anterior, ser discutível a consequência da eventual omissão e que a apelante não refere, muito menos pede.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e, em sua substituição, julgam os embargos procedentes e determinam o levantamento da penhora em causa sobre o imóvel (identificado no ponto A), dos factos provados) e, como consequência legal, o cancelamento do respectivo registo.

Custas pela apelada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 17-12-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
___________
[1] Acórdão da Relação do Porto, de 15-10-1975, in BMJ, nº 252º-196.
[2] Artº s 467º, nº 1, c), 264º, nºs 1 e 2, e 664º, bem como os artºs 3º, nº 1, 353º, n º 2, 467º, nº 1, e), e 661º, nº 1, do CPC, vigente ao tempo da respectiva apresentação.
[3] Os verdadeiros acontecimentos da vida, parece que cada vez mais arredios das peças processuais, de tão enxameadas que andam de meras afirmações de conceitos jurídicos, quando não de profusa e variada erudição!
[4] Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 16-12-2009, relatado pelo Desemb. Guerra Banha.
[5] Relatado pela Desemb. Deolinda Varão.
[6] Justificando com um trecho que citámos no Acórdão de 10-10-2013 em apoio da tese que para o caso nele defendemos, extractado do da Relação de Coimbra, de 03-06-2008 – este notoriamente pelo tribunal recorrido aqui seguido de perto –, embora a espécie em qualquer deles decidida não se assemelhe a esta e sem reparar na ressalva ali feita no sentido de que, sendo “em regra” insuficiente tal invocação, ela comportará excepções, nomeadamente quando “se comprove que o direito já existia no transmitente”, ressalva, aliás, em sintonia com o acima citado Acórdão desta Relação de 07-02-2008.
[7] Justificando-se com as regras dos artigos 1º, 5º e 6º, do Código Registo Predial, considerando que a exequente/embargada é terceiro para aquele efeito e que registou prioritariamente a penhora, não se podendo opor a embargante o posterior registo da sua aquisição anterior
[8] Relator: Alberto Ruço. Publicado na CJ, nº 250, ano XXXVIII, Tomo V, página 210.
[9] Relatora: Desemb. Deolinda Varão
[10] Relator: Desemb. Amaral Ferreira. Sumário: “Ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda anterior não levada ao registo e uma penhora posterior registada, aquela obsta à eficácia desta última, prevalecendo sobre ela”.
[11] Relator: Cons. Santos Bernardino. Sumário: “1. O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário: não tem natureza constitutiva, sendo o seu efeito simplesmente declarativo, não conferindo, a não ser excepcionalmente, quaisquer direitos.2. A noção de terceiros, para efeitos de registo, agora constante do n.º 4 do art. 5º do Cód. Reg. Pred., é tributária de uma das posições doutrinais - a do Prof. Manuel de Andrade - que, acerca do conceito, se vinham digladiando desde há muito.3. O aludido preceito tem, pois, a natureza de norma interpretativa.4. Dele decorre que o titular de um direito real de garantia registado, sobre imóvel anteriormente vendido, mas sem o subsequente registo a favor do comprador, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o do adquirente do imóvel não provêm de um autor comum.5. Ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda anterior não levada ao registo e um arresto posterior registado, aquela obsta à eficácia deste último, prevalecendo sobre ele.6. A compra e venda é, como decorre da própria definição legal do art. 874º do CC, um contrato oneroso.”
[12] Relatados, respectivamente, pelos Desemb. Fernanda Soares e Rodrigues Pires, e cujos sumários são eloquentes: “Devem ser julgados procedentes os embargos de terceiro deduzidos pelo proprietário de um veículo automóvel penhorado ao executado, se o embargante fizer a prova de que o adquiriu ao executado em data anterior ao registo da penhora, mesmo que não tenha ainda nesta data registada a seu favor a propriedade do veículo”; “I - No caso de confronto entre direito de propriedade — não registado — e direito real de garantia, resultante de penhora ou hipoteca, este registado, prevalecerá, apesar da falta de registo, o direito de propriedade; II - O titular do direito real de garantia não pode ser havido como terceiro para efeito de registo, porquanto este seu direito e o direito de propriedade, não sendo da mesma natureza, não são incompatíveis entre si.”
[13] Relator: António Joaquim Piçarra. Nesse aresto se remete para outros em que se seguiu idêntica orientação, nomeadamente o do STJ, de 12-01-2012, relatado pelo Consº Silva Gonçalves.
[14] Em idêntico sentido se haviam pronunciado os Acórdãos de 28-09-1999 (Relator: Consº Ferreira Ramos): “I - Nos termos do acórdão de uniformização de jurisprudência n. 3/99, de 18-05-1999, perfilhando orientação frontalmente divergente da anteriormente firmada no acórdão n. 15/97, de 20-05-1997, "terceiros, para efeitos do disposto no art. 5 do CRP, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa". II - Exigindo-se, agora, que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, ficam excluídos os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial. III - Assim, num conflito entre uma compra e venda anterior não registada e uma penhora posterior, mas registada, esta não prevalece necessariamente sobre o direito decorrente da compra e venda, apesar do registo deste direito ser posterior ao da penhora.”; e de 10-02-2000 (Relator: Consº Ferreira de Almeida): “Da penhora não resulta para o exequente um direito incompatível com os do titular do direito real não registado, pois o direito do exequente é apenas um direito à execução pelo que não é terceiro em relação ao titular não inscrito.” Distinguindo o caso de a penhora nascer de antecedente hipoteca voluntária, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 30-06-2011, relatado pela Consª Maria dos Prazeres Piazrro Beleza.
[15] Relator: Desemb. Carvalho Martins, de cujo sumário se destaca: “[…] 2. Não são terceiros entre si, para efeito do disposto no artigo 5º do Código de Registo Predial, o titular do direito de propriedade adquirido em contrato de compra e venda celebrado com o executado e o beneficiário da penhora promovida em execução intentada contra o vendedor e incidente sobre o mesmo bem.3. Sendo a penhora um direito real de garantia de um crédito que não comporta a transferência de qualquer direito dominial e o direito de propriedade um direito real de gozo, a penhora e o direito de propriedade não são incompatíveis entre si por terem conteúdo distinto.4. O direito de propriedade adquirido em data anterior à da penhora, ainda que a aquisição não seja registada ou seja registada posteriormente, prevalece sobre a penhora.”
[16] Motivo porque se entendia, antes, quando os embargos serviam apenas para defesa da posse que a alegação da propriedade não bastava.
[17] Relator: Consº Urbano Dias.
[18] Na Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3837, anos 126º (página 380 a 384) e 127º (páginas 19 a 32).
[19] Respectivamente, relatados pelo Consº Ribeiro Coelho e Consº Ponce Leão e publicados na CJ, Ano VII, Tomo II, 1999, páginas 164 a 168 e CJ nº 166, ano XXVIII, Tomo I/2003, páginas 19 a 21, de cuja solução, ainda assim, nos afigura divergir o Acórdão do STJ, de 08-01-2009, relatado pelo Consº João Bernardo.
[20] Sublinhado nosso.
[21] Já claramente exposta no Acórdão do STJ, de 16-10-2008, relatado pelo Consº Pires da Rosa.
[22] Como se sumaria no Acórdão desta Relação de 05-05-2014, relatado pelo Desemb. Carlos Gil, “No actual processo civil as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções invocadas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), apenas podendo ser oficiosamente considerados os factos instrumentais, com função meramente probatória, que resultem da instrução da causa (artigo 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil), os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes que resultem da instrução da causa e sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar (artigo 5º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil) e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil).” É, por isso, embora não só por isso, que o princípio dispositivo permanece como fundamental no artº 5º, nº 1, bem reflectido no artº 552º, nº 1, alínea d), CPC, e o patrocínio forense por advogado é obrigatório, nenhum deles sendo substituível pela intervenção oficiosa do juiz.