Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
600/15.4GBILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CIÚME PATOLÓGICO
Nº do Documento: RP20171122600/15.4GBILH.P1
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 738, FLS 166-188)
Área Temática: .
Sumário: Uma situação de "ciúme patológico" dirigido a namorada ou ex-namorada, manifestada nas condutas a seguir descritas que atingiram a ofendida na sua integridade física e, de uma forma grave, o seu bem-estar emocional, preenche os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica:
a) insultos soezes dirigidos à namorada ou ex-namorada, também publicamente e por SMS, que afetaram a dignidade da vítima;
b) ameaça à vida e/ou à integridade física da ofendida;
c) agressão física à vítima,
d) subtração de telemóvel da ofendida;
e) violação da privacidade das comunicações e acesso ilegítimo à conta de Facebook da vítima;
f) destruição de telemóvel da ofendida;
g) arrombamento de porta de entrada de residência da ofendida; e
h) difamação torpe da ofendida junto da mãe desta.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 600/15.4GBILH.P1
Data do acórdão: 22 de Novembro de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Aveiro

Sumário:
Uma situação de "ciúme patológico" dirigido a namorada ou ex-namorada, manifestada nas condutas a seguir descritas que atingiram a ofendida na sua integridade física e, de uma forma grave, o seu bem-estar emocional, preenche os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica:
a) insultos soezes dirigidos à namorada ou ex-namorada, também publicamente e por SMS, que afetaram a dignidade da vítima;
b) ameaça à vida e/ou à integridade física da ofendida;
c) agressão física à vítima,
d) subtração de telemóvel da ofendida;
e) violação da privacidade das comunicações e acesso ilegítimo à conta de Facebook da vítima;
f) destruição de telemóvel da ofendida;
g) arrombamento de porta de entrada de residência da ofendida; e
h) difamação torpe da ofendida junto da mãe desta.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;
I – RELATÓRIO
1. Em 5 de Julho de 2017 foi proferida nos presentes autos a sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgando procedente a acusação, decide-se condenar B...:
I - pela prática desde Maio de 2015 até 06 de Setembro de 2016 de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n.° 1, al. b), n.°s 2, 4 e 5, do Código Penal:
a) na pena de dois anos e seis meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período com regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima e a frequência de programa de promoção de competências pessoais e emocionais e de prevenção de comportamentos abusivos na conjugalidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social (artigos 50°, n.°s 1, 2, 3 e 5; 52°, n.°s 1 e 2; 53°, n.° 1; e 54° do Código Penal e artigo 494° do Código de Processo Penal),
b) na pena acessória de proibição de contactos com C..., pelo período de um ano, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância e
c) na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de dois anos e seis meses;
d) a pagar a C... compensação que se fixa em €1.000,00 (mil euros);
e) a pagar custas processuais, fixando-se a taxa de justiça criminal em 2,5 UC's, a que acrescem legais encargos (artigos 513° e 514°, n.°1 do Código de Processo Penal e artigo 8°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo da oportuna consideração da decisão que vier a ser proferida relativamente ao pedido de apoio judiciário que apresentou (fls. 368 segs.).
f) Mais decide-se manter, até trânsito em julgado da condenação, a sujeição do arguido às medidas de coacção aplicadas em 20.09.2015, sendo que as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência subsistirão até extinção das penas (artigo 214°, n.°1, al. e), do Código de Processo Penal).»

2. Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões[1] da motivação de recurso:

"O presente Recurso tem como objeto tanto matéria de facto como de direito da sentença que ora se recorre, a qual condenou o arguido pela prática de um crime de Violência Doméstica p. e p. pelo art. 143° do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período com regime de prova, na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de um ano, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, na pena acessória de uso e porte de arma pela período de dois anos e seis meses e, por fim, a pagar à ofendida compensação que se fixou em €1.000,00 (mil euros).
Entende o Recorrente que, e salvo melhor entendimento, da prova produzida em sede de Audiência de discussão de julgamento, não poderiam resultar como provados os factos n°s 7,10, 11, 12,13,14,15, 16,23, 24 e 26, e que o Tribunal a quo deu como provados, pelo que, tais factos foram indevidamente dados como provados.
Tendo sido indevidamente dados como provados pelo Tribunal a quo, a sentença de que ora se recorre viola o disposto no art. 355° n° 1 do C.P.P., porquanto tais factos não resultaram provados da prova concebida em audiência de julgamento.
E tais factos foram indevidamente dados como provados porquanto os depoimentos das testemunhas não os corroboraram, nem os atestaram, sendo que tais depoimentos contrariam os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
Nomeadamente, o depoimento da ofendida que, relativamente ao facto n° 7, se demonstrou demasiado impreciso, incoerente e com evidentes contradições, conforme já exposto na motivação do presente recurso, apresentando uma explicação do empurrão que, segundo as regras da experiência, é pouco plausível de ter acontecido daquela forma, porquanto, é na prática impossível que um homem de estatura vulgar (como o é o arguido) conseguisse empurrar a ofendida sem que para tal empurrasse a porta do carro que estava aberta entre os dois, principalmente, porque a ofendida alegou estar debruçada para retirar os seus pertences do carro. Ainda sobre o depoimento da ofendida, o mesmo foi, em certas ocasiões, ao encontro do alegado pelo aqui recorrente, no entanto, posteriormente acabava por desmentir e apresentar outra versão sobre os mesmos factos.
Relativamente ao facto dado como provado n° 10, o mesmo foi indevidamente dado como provado (pelo menos parcialmente), porquanto o próprio depoimento da ofendida não o corroborou na totalidade, tendo a ofendida negado que o aqui recorrente lhe tenho dito que a ia matar e que a tenha ameaçado de furar os pneus, pelo que, tal facto nunca poderia ter sido dado como provado na íntegra pelo Tribunal a quo.
O facto n° 11 foi indevidamente dado como provado pelo Tribunal a quo, porquanto da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha D..., da testemunha E... e ainda da testemunha F..., resultou precisamente o oposto, ou seja, que a ofendida e o aqui recorrente mantinham uma relação amorosa, pelo que, tal facto não poderia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
Relativamente ao facto n° 12, o mesmo foi indevidamente dado por provado pelo Tribunal a quo, porquanto, assentou a sua convicção somente em afirmações genéricas e vagas, sem indicação de tempo, modo e lugar, o que não podia fazer por tais factos vagos impedirem um eficaz direito de defesa, bem como o exercício do contraditório. Efetivamente, não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo dar tal facto como provado, apenas baseando-se no depoimento da ofendida, do qual resultou somente a alegação de tais factos, sem precisar datas, locais, e prova documental que sustentasse o alegado por aquela.
Os factos n°s 13, 14, 15 e 16 foram indevidamente dados como provados, porquanto, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente o depoimento do arguido e da testemunha D..., verificou-se uma clara contradição com a versão alegada pela ofendida, conforme já exposto na motivação do presente recurso, pelo que, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, tais factos nunca poderiam ter sido dados como provados.
Foi ainda indevidamente dado como provados os facto n° 23, 24 e 26 porquanto, do depoimento da testemunha F..., o qual mereceu toda a credibilidade e isenção por parte do Tribunal a quo, resultou evidente que a ofendida era vista com o aqui recorrente e que não demonstrava qualquer medo por aquele, angústia ou revolta, e que "iam normalmente como um casal", pelo que, face a tal depoimento, o Tribunal a quo nunca poderia dar como provado tal facto. Não se conseguiu produzir prova suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar tais factos como provados.
O Tribunal a quo, ao dar como provados os acima mencionados factos, violou, entre outros, o Princípio da Livre apreciação da prova, consagrado no art. 127° do C.P.P., e o Princípio da Imediação, consagrado no art. 355° do C.P.P., porquanto tais factos não resultaram comprovados da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Por outro lado, o Tribunal a quo, com o devido respeito que merece, considerou, indevidamente, dados como não provados os factos IV e VII da sentença a que ora se recorre.
E fê-lo indevidamente porque, salvo melhor entendimento, resultou claro e evidente dos depoimentos prestados pelo arguido e pelas testemunhas D... e E..., ter sido produzida prova suficiente para considerar tais factos como provados.
E relativamente ao facto VI, o Tribunal a quo, desconsiderou por completo a prova documental junta aos autos, mesmo após a ofendida ter confirmado aquele número como sendo o seu, não podendo desvalorar por completo um documento junto de teor imprescindível para a descoberta da verdade material, sem qualquer justificação ou contraprova.
Ao considerar tais factos como não provados, apesar de ter resultado evidente o contrário da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas D... e E... e pelo documento junto aos autos aquando a Contestação, a sentença a que ora se recorre, viola o disposto no art. 127° do C.P.P.
Por outro lado, e sem prescindir do supra exposto, os factos dados como provados não se inserem no objeto tutelado pela incriminação prevista no art. 152° do C.P., isto porque, a nossa lei procura tutelar com tal incriminação o bem jurídico saúde, integrando a saúde física, psíquica e moral.
Isto porque, quanto ao conceito de maus-tratos e à identificação de comportamentos suscetíveís de enquadrar o conceito de maus-tratos, Nuno Brandão (em "A tutela especial reforçada da violência doméstica", Revista Julgar n° 12, Set-Dez 2010, pp9-4) entende que "devem estar em causa atos que pelo seu carácter violento sejam, por si ou quando conjugados com outros, idóneos a refletir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima, sendo ainda necessária a avaliação da "situação ambiente" e da imagem global do facto para se decidir do preenchimento legal do tipo".
E, no caso sub judice, para além da convicção de que os factos praticados pelo arguido não são reveladores de uma especial gravidade ou crueldade deste para com a ofendida, nem que tivesse um especial ascendente sobre a ofendida, considera-se, salvo melhor entendimento, não ter sido produzida prova em sede de audiência de julgamento suficiente para provar os sentimentos de medo, angústia e revolta da ofendida. Porquanto,
Não basta a alegação por parte da ofendida do seu medo, revolta e angústia, para que a atuação do arguido se encaixe no crime de violência doméstica. Será necessário provar, para além dos factos praticados pelo arguido, que tais factos provocaram na ofendida sentimentos como os de medo, revolta e angústia, para que se consiga preencher o tipo de ilícito criminal p. e p. pelo art. 152° do C.P.
Aliás, resultou evidente do depoimento prestado pela testemunha F... e do documento juntos aos autos de uma mensagem enviada pela ofendida ao arguido em 23/03/2017 onde se lê "Vai embora que amanhã fujo contigo", que a ofendida não possuía pelo arguido qualquer medo, revolta ou angústia, mas antes que continuava a manter contacto próximo com aquele.
Logo, não há factos dados como provados que, "apreciados à luz da vida em comum", inculquem a verificação de maus tratos infligidos à ofendida pelo arguido, que este tenha agido com especial humilhação, desprezo, ou desconsideração pela ofendida, afinal, factos que revelem uma intensidade, ao nível do desvalor, da ação e do resultado, que sejam suficientes para lesar o bem jurídico protegido, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana.
O Tribunal a quo entendeu, ainda, que os factos praticados pelo aqui recorrente preenchiam a incriminação prevista no art. 152° n° 2 do C.P., mas, salvo o devido respeito, fê-lo indevidamente, porque da prova produzida em audiência de julgamento não resultou preenchido nenhum dos requisitos necessários para a aplicação do n° 2 do mencionado artigo.
Entende-se que, e salvo melhor juízo, os factos praticados pelo arguido/recorrente, e que o mesmo admitiu ter praticado, não preenchem a incriminação prevista no art. 152° n° 2 do C.P., mas antes as incriminações previstas nos arts. 148° do C.P. - Ofensa à integridade física por negligência - e 212° do C.P. - Crime de Dano -, porquanto, o aqui recorrente ofendeu o corpo da ofendida, mas sem a intenção de o fazer, atuando com mera negligência, facto este que devia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, e o facto do aqui recorrente ter danificado o telemóvel da ofendida e a fechadura da porta da sua habitação, não preenche a incriminação legal do art. 152° n° 2 mas antes a do art. 212°, ambos do C.P., porquanto, o bem jurídico protegido pela incriminação do art. 152° é a saúde, enquanto que o bem protegido pela incriminação do art. 212° do C.P. é a propriedade, ou seja, o dano protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou a integridade do estado da coisa.
E foi exatamente isso que o aqui recorrente fez, destruiu e danificou a propriedade alheia, nomeadamente, destruiu o telemóvel e danificou a fechadura da porta da ofendida. Ao atuar da forma que atuou, o arguido não praticou um crime de violência doméstica, por não ter atentado à saúde - física, psíquica e moral - da ofendida, mas antes um crime de ofensa à integridade física por negligência e dois crimes de dano, p. e p. nos arts. 148° e 212° do C.P.
As condutas do arguido, que ficaram provadas em sede de audiência de julgamento (e que o mesmo desde logo confessou) - ter empurrado, no dia 10/08/2015, a porta do carro contra a ofendida; ter partido o telemóvel da ofendida a 05/09/2016 e, ter partido a fechadura da porta da habitação da ofendida em 06/09/2016 - não preenchem o tipo legal do crime previsto no art. 152° do C.P., porque nem toda a ofensa inserida no meio da vida familiar e doméstica representa imediatamente maus tratos, pois estes pressupõem a ofensa da integridade física ou psíquica de modo especialmente desvalioso e por isso particularmente censurável. Decisivo é atentar no carácter violento do ato ou na sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n° 864/13.8PCMTS.P1, datado de 02/12/2015.
Por estes factos, o arguido devia ser condenado pela prática de um Crime de ofensa à integridade física por negligência e dois crimes de Dano p. e p. pelos arts. 148° e 212° do C.P, respetivamente.
Não tendo assim considerado, cometeu a sentença um erro notório na apreciação da prova e na aplicação do direito (art. 410° nº 3 do C.P.P.).
A matéria de facto dado como provada é insuficiente para condenar o arguido pelo Crime de Violência Doméstica (art. 410° n° 2 al. a) do C.P.P.).
E foram dados por provados factos constantes nos n°s 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 23, 24 e 26 que não o deviam ter sido, nem que fosse por aplicação do Princípio In Dubio Pro Reo, atenta a insuficiência da prova quer em termos de rigor quer de falta de imparcialidade, devido às relações inamistosas da ofendida e testemunhas com o arguido.
Ora, os factos praticados pelo arguido, supra contextualizados, não se inserem neste enquadramento fáctico-legal não devendo, por isso, ter, o Tribunal a quo, procedido a esta qualificação jurídica.
Os factos que devem ser dados por provados, quer por eliminação dos que erroneamente o foram assim considerados, quer pelo aditamento de novos factos, impõem decisão diversa da recorrida, bastando para tal ouvir as gravações dos depoimentos do arguido e ofendida, bem como das testemunha F..., D... e E..., supra referidos e as regras de experiência.
Face a todos os fundamentos expostos neste recurso, deve a sentença ser revogada e o arguido ser condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148° do C.P. e de dois crimes de Dano p. e p. pelo art. 212° do C.P., ou, e sem conceder, na pena mínima prevista no art. 152° n° 2 do mesmo diploma sem a imposição de outras penas acessórias e suspensa por igual período.
Deve a indemnização fixada ser substancialmente reduzida para o montante a fixar por Vossas Excelências segundo juízos de equidade mas nunca superior a 500 euros atenta a diminuta gravidade dos ferimentos da ofendida.
Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime de violência doméstica em que foi condenado.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça."

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Notificado da motivação de recurso, o Ministério Público apresentou resposta, na qual concluiu - após ter explicitado juridicamente o regime legal pertinente a vícios formais das sentenças, o principio da livre convicção do tribunal e o âmbito da presunção de inocência - que "entendemos que não assiste qualquer razão ao arguido e que, consequentemente, todos os pontos de facto da decisão recorrida se encontram correctamente julgados e, nessa medida, impunham a condenação daquele".
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, devidamente fundamentado, nos seguintes termos pertinentes ao objeto do recurso:
"(…) compulsadas as provas concretas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, não vemos que venham convocados, ou sequer existam - como se verá - razões bastantes para divergir daquela que foi a convicção formada pelo julgador quanto aos factos que teve como provados e não provados;
Com feito, verifica-se que o arguido/recorrente, não deixando de admitir, v.J. quanto ao facto ocorrido que no dia 09.Agosto.2015 [pontos 6 a 9 dos factos provados], ter tido uma discussão com a ofendida, «quando ambos vinham a ler a caminho da casa dos pais deste, dentro do carro» e de a «ter empurrado», pretende, porém, encontrar justificação para aquela sua atitude na circunstância, de todo indemonstrada e ilógica, de pretender «evitar que a ofendida se virasse a ele» [conclusões XI, a XIV];
Não deixando, todavia, de acabar por corroborar que esta, na sequência daquela sua acção, caiu e sofreu ferimentos, tanto assim que refere «ter ajudado de imediato a ofendida a levantar-se, verificando se ela estaria bem, pedindo-lhe desculpas pelo sucedido demonstrando que não teria sido sua intenção magoar a ofendida, mas apenas proteger-se" [conclusão XIII];
Mesmo raciocínio que pode ser dirigido aos factos que se reportam ao dia 12.Agosto.2012 [ponto 10 dos factos provados], uma vez que o arguido/recorrente, não negando a ocorrência dessa discussão com a ofendida, apenas questiona que tenha sido produzida prova bastantes quanto a alguns das afirmações pontuais que lhe sào imputadas, ou seja, que naquelas circunstâncias de tempo e lugar, tenha dito à ofendida que a tenha dito que «a matava» ou «algo sobre a casa ou o carro» [conclusões XVIII e XIX]; Convocando aquilo que refere terem sido as declarações prestadas pela própria ofendida que teriam localizado esses factos não nessa data, mas em «outros episódios» [mesmas conclusões];
Todavia, importa a este propósito referir que, em sede de fundamentação da decisão de facto, ao explicitar o desenvolvimento da formação da sua convicção, o julgador não deixou de anotar criticamente que "(...) [n]o que respeita aos factos objectivos, a prova dos que o arguido não reconheceu resultou inequívoca do depoimento de C..., prestado com indisfarçada revolta pelo que sofreu por causa do arguido e medo do que este possa vir a fazer-the no futuro, mas nem por isso denotando exagero ou intuito vingativo, antes pela sua postura e pelo seu discurso (conteúdo e forma) em audiência criando a convicção de que foi com espontaneidade e com propósito de verdade que prestou depoimento" [fPs 389v, § 2]:
Acrescentando-se. na mesma sede, que "(...) [pontuais e normais hesitações, lapsos de memória e dificuldade em situar cronologicamente os factos, apenas contribuíram para acentuar a credibilidade de C... ... " [fls 389, § 3];
Daqui ressalta que, no essencial, o arguido/recorrente se limita a divergir da credibilidade que o tribunal conferiu ao depoimento da ofendida, pretendendo impor a sua própria apreciação dos factos - necessariamente interessada - àquela que foi a convicção isenta e imparcial do julgador, formada segundo o enunciado princípio da livre apreciação das provas [art° 127° do CPP];
Princípio que quer relativamente à prova testemunhal [art° 128 e ss. do CPP], quer quanto às declarações do arguido, salvo havendo confissão [artr 3'l<i° do CPP], não sofre qualquer limitação;
Acresce que. como é apodíctico, os crimes de violência doméstica ocorrem, por regra, na reserva da vida privada:
E daí que. não havendo testemunhas que tenham presenciado os factos, pelo menos em toda a sua extensão, a apreciação da prova há-de ancorar-se, muita das vezes, apenas no depoimento que é prestado pelos arguidos e pelas próprias vítimas;
Sendo que, nestes casos, assume naturalmente particular relevância - sob pena, até, da total impunidade do crime - o depoimento que é prestado pela testemunha-vítima e que, não raras vezes - perante o silêncio do arguido - é a única que depõe sobre os factos;
Acontece que. no caso dos autos, o arguido/recorrente, como se destaca na sentença recorrida, em sede, ainda, de fundamentação da decisão de facto, e de certo modo não deixa de reiterar, face aos segmentos acima enunciados, na sua própria motivação de recurso "(...) não deixou de ir reconhecendo a prática de grande parte dos factos que lhe vinham imputados (como já reconhecera alguns na própria contestação, bem como outros relevantes para a a decisão, na contestação alegados ou pelo arguido declarados em audiência), não raras vezes textualmente (coo os referidos em 5, 6, 7, 14, 17 e 22), ora superficialmente (como o indicado em 10 relativamente ao vestuário de C... ou à referência ao pai do arguido, acerca do que este afirmou que «o biquini e calções" usados - num lugar de praia ... - por C... não eram próprios e que «só insinuei que ela se queria fazer ao meu pai", ou o enunciado em 12, dizendo que o arguido que «estava com ela quando queria, mesmo depois de separados» e admitindo que poderá ter dito que «vida já não fazia sentido»; ou ainda o indicado em 23, afirmando o arguido em audiência que «talvez não tenha sido bem assim, terá usado outras palavras, para alertar ... que ela andava a engrenar por outros caminhos c que o filho encobria ...») " [fls 389, § 2 da motivação];
Razão por que se concluiu, assim, na sentença recorrida, após a análise critica da prova produzida e examinada em audiência, que "(...) apesar de verbalizar negação de qualquer propósito de maltratar C..., resultou claro das declarações que o arguido foi prestando que agiu sempre de livre vontade (isso, o arguido afirmou em audiência) e que a sua perspectiva relativamente a C... (necessariamente determinante dos propósitos que motivaram as suas acções) era de depreciação e total desrespeito pela sua personalidade e vontade (ela não sabia tomar conta de si, o arguido «tentava pôr-lhe juízo . mudar o que ela era, para ser mais reservada, fazê-la crescer… fazê-la ver as coisas como deveria») e ressentimento pela ruptura (denotado na postura do arguido em audiência e não só - veja-se o relatório social (…), bem como resultou seguro que o arguido sabia bem da inadmissibilidade dos seus comportamentos (soube bem afirmar, por exemplo, que «não somos donos de ninguém e toda a gente é livre», que se ela fosse todos os dias ao seu local de trabalho seria incómodo, que não gostaria que ela atendesse chamadas a si dirigidas ou nelas se imiscuísse, que ela fosse dizer aos seus pais coisas desprimorosas a se respeito a repreenderia. (…)
Sucede que este raciocínio, devidamente desenvolvido e explicitado em sede de fundamentação da decisão de facto, respeitando as exigências de prova, não se mostra destituído de sentido, nem atenta contra as regras de experiência comum, sendo plenamente válido à luz do referido princípio da livre apreciação de prova [art° 127° do CPP],
Tanto mais que o arguido/recorrente, limitando-se a pôr em crise a credibilidade e fiabilidade que foi conferido ao depoimento da ofendida, acaba por não convocar, como se disse, razões/fundamentos bastantes que permitam infirmar aquela que foi a convicção do julgador quanto aos factos que teve como provados;
Podendo, assim, afirmar-se, para além de qualquer dúvida razoável, que os factos ocorreram nos termos em que foram dados como provados;
Razão por que se entende que a decisão da matéria de facto não merece qualquer censura devendo, por isso. ser integralmente confirmada
Acresce que os comportamentos do arguido para com a ofendida C..., sendo heterógenos entre si [uma vez que se traduziram, tanto na inflição de ofensas à integridade física da ofendida, como em ofensas á sua honra e consideração], foram praticados de modo reiterado, no decurso do tempo em que mantiveram uma relação de namoro entre si;
E atentaram gravemente contra a dignidade humana daquela ofendida na sua dimensão, quer física, quer psíquica e emocional;
Pelo que manifestamente, integram - quanto a ela - a prática do crime do tipo legal de crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152° r\% I, alínea b) ç 2 do Código Penal, por que o arguido foi condenado;
Razão por que acompanhando a posição do Ministério Público na Ia instância, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, por conseguinte, ser a mesma integralmente confirmada;

6. Não houve resposta ao parecer.

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso – que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
A - Vícios formais da sentença:
- Erro notório na apreciação da prova;
- Insuficiência da matéria de facto para a decisão;
B - Impugnação da decisão da matéria de facto (tendo por objeto dos factos provados 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 23, 24 e 26 e os não provados identificados sob os pontos IV e VII da sentença);
C – Erro em matéria de direito:
- As condutas do arguido não integram a prática de um crime de violência doméstica, por não ter atentado à saúde - física, psíquica e moral - da ofendida, mas antes um crime de ofensa à integridade física por negligência e dois crimes de dano, p. e p. nos arts. 148° e 212° do C.P.;
Não integra questão a decidir a pretensão de redução da indemnização aludida nas novas conclusões da motivação de recurso, uma vez que tal matéria não encontra expressão na motivação de recurso: a única passagem da motivação de recurso que alude à indemnização fixada limita-se ao artigo 81º dessa peça processual, onde o recorrente expressa a pretensão de ser absolvido "da pena principal e das penas acessórias em que foi condenado, bem como do pedido de compensação em que foi condenado."
Para decidir as questões controvertidas acima identificadas, importará, primeiramente, concretizar os factos jurídico-processuais relevantes – a fundamentação da decisão da matéria de facto proferida na primeira instância (destacando-se a negrito os factos impugnados), bem como o enquadramento jurídico-penal dos factos provados e a fundamentação jurídica do montante da indemnização –.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Os factos processuais relevantes:
Fundamentação da decisão recorrida:
" Factos provados:
1. O arguido e a C... conheceram-se no início de 2015 e a amizade entre os dois evoluiu para relação de namoro, pelo menos a partir de Maio de 2015, tendo em Julho e Agosto desse ano partilhado habitação.
2. Enquanto se manteve o relacionamento entre o arguido e C..., o arguido revelava ciúmes, repetidamente acusando C... de andar a manter relacionamentos de natureza sexual com outros homens (até com o próprio filho e com o pai do arguido), fazendo tais acusações sempre que se apercebia que C... recebia telefonemas ou trocava alguma palavra com outras pessoas e não acreditando quando C... negava qualquer infidelidade.
3. No Verão de 2015, C... trabalhou durante algumas semanas num negócio de aluguer de quadriciclos na praia, que o pai do arguido explorava na ..., concelho de Ílhavo, num ancoradouro sito na Av. ....
4. O arguido acompanhava C... na ida e no regresso do local de trabalho e ia ao seu encontro à hora de almoço.
5. Em algumas dessas ocasiões, o arguido viu C... perto de homens que ali perto trabalhavam ou frequentavam o local, o que constituía para o arguido motivo para discussões com o conteúdo mencionado em 2.
6. No dia 09 de Agosto de 2015, pelas 22:00 horas, na viagem de regresso do mencionado trabalho desenrolou-se mais uma de tais discussões.
7. Junto à casa dos pais do arguido, na Rua ..., na ..., concelho de Ílhavo, quando C... estava a retirar os seus pertences do interior do automóvel em que até ali se tinham feito transportar, o arguido empurrou a porta do carro contra C..., fazendo-a cair.
8. Em consequência de tais empurrão e queda, C... sentiu dores físicas e sofreu duas escoriações lineares, oblíquas infero-lateralmente, na região anterior do joelho esquerdo e terço proximal da face anterior da perna esquerda, a maior das escoriações com quatro centímetros de comprimento.
9. Tais lesões terão demandado oito dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho em geral.
10. No dia 12 de Agosto de 2015, pelas 12:40 horas, na Avenida ..., ..., quando C... se encontrava a trabalhar no contexto referido em 3, o arguido abordou-a, indignando-se por a ver com roupa de praia e perto de outros homens, chamando-lhe "rota, vaca, puta, ladra", dizendo-lhe que "andava metida na cama com o pai dele" (dele, arguido), que a "ia matar" que lhe "ia furar os pneus do carro".
11. Na sequência de tais factos, C... terminou o relacionamento com o arguido.
12. O arguido passou então a tentar insistentemente manter contacto com C..., tocando à campainha da sua residência a meio da noite, fazendo perguntas nos locais públicos que C... frequentava e permanecendo em tais locais, enviando-lhe, quotidianamente, numerosas mensagens, com afirmações como "tens aí outro cavaleiro, já arranjaste outro"; "a vida já não me diz nada, nada tenho a temer nem a perder, qualquer dia passo-te a ferro com o carro ou atravesso-te o carro à frente".
13. No dia 05 de Setembro de 2016, cerca das 20:00 horas, o arguido abordou C... à entrada do edifício onde a mesma habita, sita na ..., n.° .. 1.° esq.°, em Aveiro, e retirou-lhe o telemóvel, afastando-se de seguida para o interior do seu automóvel.
14. O arguido esteve então cerca de duas ou três horas a ver os "contactos" que C... tinha no telemóvel e a "visitar" a página de "facebook" de C..., bem como a eliminar comunicações da sua autoria.
15. Entretanto, C... dirigira-se para o interior do seu apartamento, onde contou o sucedido ao seu filho, a quem o arguido foi dirigindo numerosas chamadas telefónicas.
16. O arguido acabou por colocar o aparelho de telemóvel, destruído, bem como o respectivo cartão, na caixa de correio de C....
17. Antes de se afastar do local, o arguido tocou à campainha do apartamento e, não lhe sendo aberta a porta, arremessou diversas pedras contra as janelas do quarto de C....
18. B... colocou o seu cartão de telemóvel noutro aparelho.
19. Durante o dia 06 de Setembro de 2016 o arguido efectuou várias chamadas para o referido número de C....
20. Cerca das 20:00 horas desse mesmo dia 06 de Setembro de 2016, o arguido entrou no edifício onde C... reside, aproveitando a abertura da porta e a entrada doutra pessoa.
21. Dirigiu-se então ao apartamento de C... e bateu insistentemente à porta, que C..., percebendo que era o arguido, não abriu.
22. Então o arguido, de modo não concretamente apurado mas usando da força física, partiu a fechadura da porta, que assim abriu, entrou no apartamento e disse a C... que ela "estava com outro", após o que virou costas e foi embora a correr. 
23. Nesse mesmo dia 06, o arguido telefonou à mãe de C... e disse-lhe que C... andava a vender-se em Aveiro e que o filho tinha comissão.
24. Por causa das descritas condutas do arguido, C... sentiu e sente medo, angústia e revolta.
25. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente.
26. Quis humilhar e maltratar física e psicologicamente C..., quando esta era ou fora sua namorada, atingindo-a na sua integridade física e bem-estar emocional, assustando-a com ameaças e insultando-a.
27. Bem sabia o arguido sabia que não podia tratar do modo descrito B..., estando bem consciente de que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
28. Na sequência do descrito em 8, foi instaurado o presente processo, que esteve suspenso provisoriamente a partir de 22 de Fevereiro de 2016, prevendo-se que a suspensão perdurasse por oito meses e sendo uma das injunções fixadas, como condição do não prosseguimento do processo, a proibição de por qualquer meio o arguido contactar B....
29. Porém, tal suspensão foi revogada, em razão dos contactos que o arguido em Setembro de 2016 por diversas vezes tentou ou forçou.
30.
a) Os pais do arguido foram pescador e doméstica e o arguido teve baixo aproveitamento escolar, reprovando três vezes e concluindo apenas o quarto ano de escolaridade;
b) Posteriormente, na sequência de certificação marítima de pescador, obteve equivalência ao sexto ano de escolaridade, tendo frequentado cursos de formação que lhe conferiram habilitações profissionais nas áreas de electromecânica, soldadura e de manobrador de cargas e descargas.
c) O arguido vem seguindo percurso profissional instável, caracterizado pela mobilidade entre entidades patronais e áreas de actividade (construção civil, montagem de caixilharias de alumínio, operário fabril, ajudante de motorista, mecânica, marcenaria, soldadura, electricista), intercalada por períodos de desemprego.
d) No final da adolescência e durante cerca de cinco anos, manteve consumos de diversas drogas proibidas.
e) O arguido tem um filho com entre vinte e trinta anos de idade, fruto da primeira de três relações com alguma continuidade que manteve antes de conhecer C....
f) O arguido tem vivido com os pais e um irmão, este com cerca de quarenta anos e beneficiário de subsídio de inserção social, em casa àqueles pertencente e que dispõe de uma construção anexa onde residem outro irmão e companheira deste.
g) Depois de ter trabalhado quinze dias numa empresa de comércio e serviços de electricidade, o arguido desistiu de tal trabalho por insatisfação com as condições salariais, ficando assim novamente desempregado.
h) Há cerca de dois meses, o arguido iniciou novo relacionamento afectivo.
i) Denota ressentimento relativamente a C....
40. O arguido já sofreu condenações:
a) por sentença transitada em julgado em 24.11.2011, em razão da prática em 09.08.2009 de crime de embriaguez e intoxicação, na pena de noventa dias de multa à razão diária de sete euros, que em Fevereiro de 2012 foi substituída por trabalho a favor da comunidade e em 02.04.2012 extinta por cumprimento;
b) por sentença transitada em julgado em 06.11.2013, em razão da prática em 06.10.2013 de crime de condução em estado de embriaguez, nas penas de três meses de proibição de conduzir e de noventa dias de multa à razão diária de cinco euros, a primeira em Março de 2014 extinta por cumprimento e a segunda em Maio de 2014 extinta por cumprimento mediante pagamento e
c) por sentença transitada em julgado em 14.02.2014, em razão da prática em 15.09.2012 de crime de ameaça, na pena de oitenta dias de multa à razão diária de cinco euros, pena esta que, após realização de cúmulo com a pena resultante da condenação anterior, foi declarada extinta pagamento em 23.10.2014.
Não se provou que:
I
O arguido e C... viveram como se de marido e mulher se tratassem.
II.
Os factos descritos em 6 e 7 ocorreram no dia 10 de Agosto de 2015 e na Avenida ..., na ....
III.
Depois do sucedido em Agosto, quando o arguido estava a trabalhar na Inglaterra, C... estabeleceu contactos com o arguido e depois, já em Portugal, retomaram o namoro.
IV.
Nos dias 03 e 04 de Setembro de 2016, arguido e C... passaram o fim-de- semana juntos, na ....
V.
No dia 05 de Setembro de 2016, arguido e C... foram juntos a uma festa em Ílhavo, de que regressaram ambos para a residência de C..., onde esta recebeu um telefonema de uma pessoa do sexo masculino, o que enfureceu o arguido, que atirou ao chão o aparelho de telefone de C..., acabando esta por lhe entregar o respectivo cartão, com a indicação de que o deixasse depois na sua caixa de correio.
VI.
Na ocasião indicada em 22 a exacta expressão proferida pelo arguido foi "estás a fazer o comer para outro".
VII.
No dia 23 de Março do corrente ano de 2017, C... enviou ao arguido mensagem dizendo que queria fugir com ele.
Não foram alegados nem resultaram da audiência outros factos relevantes para a decisão (não se considerando como tal - factos - nem, portanto, susceptíveis de prova, conclusões de conteúdo jurídico-valorativo que constam da acusação e da contestação) nem se provaram os alegados na contestação inconciliáveis com os que se demonstraram, designadamente os referentes à intencionalidade do arguido).
Motivação:
Resultaram a prova e a não demonstração dos factos enunciados da ponderação crítica e conjugada, à luz de critérios de normalidade e experiência comum, das declarações prestadas em audiência por arguida e assistente, depoimentos de testemunhas e teor dos documentos de seguida referenciados.
Nas declarações prestadas em audiência, o arguido não deixou de ir reconhecendo a prática de grande parte dos factos que lhe vinham imputados (como já reconhecera alguns na própria contestação, bem como outros relevantes para a decisão, na contestação alegados ou pelo arguido declarados em audiência), não raras vezes textualmente (como os referidos em 5, 6, 7, 14, 17 e 22), ora superficialmente (como o indicado em 10 relativamente ao vestuário de C... ou à referência ao pai do arguido, acerca do que este afirmou que o "biquini e calções" usados - num lugar de praia... - por C... não eram próprios e que "só insinuei que ela se queria fazer ao meu pai"; ou o enunciado em 12, dizendo o arguido que "estava com ela quando queria, mesmo depois de separados" e admitindo que poderá ter dito que "vida já não fazia sentido"; ou ainda o indicado em 23, afirmando o arguido em audiência que "talvez não tenha sido bem assim, terá usado outras palavras, para alertar que ela andava a engrenar por outros caminhos e que o filho encobria.").
E, apesar de verbalizar negação de qualquer propósito de maltratar C..., resultou claro das declarações que o arguido foi prestando que agiu sempre de livre vontade (isso, o arguido afirmou em audiência) e que a sua perspectiva relativamente a C... (necessariamente determinante dos propósitos que motivaram as suas acções) era de depreciação e total desrespeito pela sua personalidade e vontade (ela não sabia tomar conta de si, o arguido "tentava pôr-lhe juízo. mudar o que ela era. para ser mais reservada. fazê-la  crescer. fazê-la ver as coisas como deveria") e ressentimento pela ruptura (denotado na postura do arguido em audiência e não só - veja-se o relatório social de fls. 330 e segs., esp. fls. 332, último parágrafo), bem como resultou seguro que o arguido sabia bem da inadmissibilidade dos seus comportamentos (soube bem afirmar, por exemplo, que "não somos donos de ninguém e toda a gente é livre", que se ela fosse todos os dias ao seu local de trabalho seria incómodo, que não gostaria que ela atendesse chamadas a si dirigidas ou nelas se imiscuísse, que se ela fosse dizer aos seus pais coisas desprimorosas a seu respeito a repreenderia.).
A prova dos factos subjectivos enunciados em 25 a 27 resultou portanto, não apenas da consideração dos factos objectivos à luz dos inicialmente citados critérios de normalidade, mas também das próprias declarações prestadas pelo arguido em audiência.
No que respeita aos factos objectivos, a prova dos que o arguido não reconheceu resultou inequívoca do depoimento de C..., prestado com indisfarçada revolta pelo que sofreu por causa do arguido e medo do que este possa vir a fazer-lhe no futuro, mas nem por isso denotando exagero ou intuito vingativo, antes pela sua postura e pelo seu discurso (conteúdo e forma) em audiência criando a convicção de que foi com espontaneidade e com propósito de verdade que prestou depoimento.
Pontuais e normais hesitações, lapsos de memória e dificuldade em situar cronologicamente os factos, apenas contribuíram para acentuar a credibilidade de B..., tal como a que justificaram nos seus depoimentos as testemunhas G... (mãe de B..., obviamente conhecedora do descrito em 23, mas também de muitas das mensagens mencionadas em 12, que a filha lhe mostrou), H... (filho de C..., também referido na factualidade provada, que vivia com a mãe e numerosas vezes presenciou insistências como as referidas em 12 e 17 e ouviu o arguido dirigir a C... insultos e ameaças como os mencionados em 2, 10 e 12, sendo ainda conhecedor de muitas das mensagens mencionadas em 12, que a mãe lhe mostrou) ou F... (vizinha mencionada em 20, que pouco depois do momento da entrada do arguido no edifício ouviu "estrondo" e, logo após, a sua vizinha C... bater à sua porta, assustada - foi a testemunha que a ajudou a chamar a Polícia - e observando então a porta arrombada).
Acresce, que objectivos meios de prova corroboram o narrado por B... e seus referidos familiares, designadamente:
- o relatório do exame médico-legal realizado em 17.08.2015, a fls. 33 e segs., apresentando então C... à Perita Médica versão do sucedido no anterior dia 09.08.2015 (factos indicados em 6 e segs.) coincidente com a que apresentou em audiência (e relatara no dia 12 aos Militares da GNR: cfr. auto de fls. 91 e 92), queixando-se de dores físicas e de medo (de que lhe haviam sido observados sinais expressivos na ocasião a que respeita o auto de fls. 91 e 92) e apresentando (já só vestígios das) escoriações lineares;
- o auto de notícia de fls. 91 e 92 (no qual C... em audiência reconheceu a sua assinatura), referente a intervenção da GNR (solicitada pela mãe do arguido) no dia 12.08.2015, pelas 13.00 horas (factos indicados em 10 e segs.), no local onde o pai do arguido mantinha o seu negócio de aluguer de veículos, junto a um ancoradouro (Av. ...);
- o auto de notícia de fls. 4 e segs. dos autos apensos (que tiveram o n.° 1354/16.2PBAVR) e de que consta certidão a fls. 180 a 182 dos autos principais (no qual C... reconheceu a sua assinatura), referente a intervenção da PSP em 06.09.2016, pelas 20:10 horas , na residência de C... (factos indicados em 20 e segs.), nessa ocasião tendo C... relatado aos Agentes Policiais o sucedido nessa data e no dia anterior (05.09.2016), bem como ameaças, também então lhe sendo notados sinais de grande transtorno;
- as fotografias tiradas em 14.09.2016, juntas a fls. 66 a 71 dos autos apensos, a primeira referente ao aparelho de telemóvel destruído e as demais a SMS enviados do número do arguido para o de C... (anotando-se que foram 36 - mais de sete por hora - entre as 14:21 e as 19:43 do dia 10.09.2016).
- O enunciado em 28 e 29 resulta de fls. 156, fls. 151 a 153 e fls. 193 e seg.
- O relatório social já mencionado, elaborado em Maio de 2017 (fls. 330 e segs.) relevou não apenas para demonstração do enunciado em 30 (a propósito do indicado em c), f) e h), relevando também as cópias de contratos de trabalho propostos ao arguido em Janeiro de 2016, a fls. 136 a 138, e em Fevereiro de 2017, a fls. 243 e segs., bem como os depoimentos de I..., E... e J..., respectivamente pai, filho e actual companheira do arguido).
As condenações indicadas em 31 constam do certificado de registo criminal emitido em 14.06.2017.
No que respeita aos factos não provados, para além de a não demonstração de alguns (I e II) ser motivada pela mesma apreciação probatória em que se fundamentou a conclusão pela demonstração de outros (1 e 6), a respeito de outros (III, IV, V e VII) as declarações do arguido, vagamente corroboradas pelo depoimento do seu filho E... (relativamente a IV), não foram bastantes para contraditar a sua firme negação por C... (que em audiência, além do mais, reconhecendo o seu número de telefone na fotografia de fls. 302, não reconheceu no entanto o conteúdo do que aparentam ser SMS, negando ter enviado qualquer uma como a que aparece como datada de 23.03 - sendo que já anteriormente viera aos autos declarar que nessa data foi o arguido quem procurou contactá-la, contra sua vontade: fls. 237)."
*
O arguido foi acusado da prática de crime de violência doméstica, que nos termos do artigo 152°, n.° 1, al. b) e n.° 2, do Código Penal (na parte relevante, atenta a factualidade apurada), consiste na conduta de quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido relação de namoro, sendo a pena em abstracto aplicável de dois a cinco anos de prisão se os factos típicos forem praticados no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
"Neste crime protege-se a saúde física e mental do cônjuge [ou pessoa com quem o agente mantenha relação de comunhão de vida, afectividade, intimidade, com maior ou menor continuidade ou perspectiva de continuidade], sendo que esse bem pode ser violado por todo o comportamento que afecte a dignidade pessoal daquele, designadamente por ofensas corporais simples. Protege-se a dignidade humana, em particular a saúde, aqui se compreendendo o bem-estar físico, psíquico e mental" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2009, que pode ler-se em www.dgsi.jtstj processo 09P0236).
Não basta porém "(...) qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana conduzindo à sua degradação pelos maus tratos" (Plácido Conde Fernandes, citado no Acórdão do STJ de 02.07.2008, processo 07P3861), sendo que "(...) em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício de violência" (Ricardo Bragança de Matos, citado no mesmo Acórdão).
Pressupõe o crime em causa relação presente ou passada de natureza familiar, tendencialmente familiar ou de grande proximidade vivencial, entre agente e vítima (como a que existiu entre arguido e C..., que foram namorados durante perto de cinco meses, chegando a coabitar), sendo que, como se pondera no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.01.2013, proferido no âmbito do processo n.° 486/08.5GAPMS.C1 (www.dgsi.pt/j trc), "A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração / respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio, e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade de um afastamento total e efectivo, é um dos factores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coacções são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade. Esta consideração que patentemente emana da lei apenas excepcionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade do outro foi afectada de forma insignificante que não justifica a penalização em causa."
Parafraseando o acórdão por último citado, não podem, manifestamente, qualificar-se como insignificantes ou muito incidentais as demonstradas ofensas do arguido à dignidade de C..., que foi sua namorada e com quem coabitou, a quem - quase desde o início da relação, depois de finda a mesma e pelo menos até 06.09.2016 - o arguido humilhou e atemorizou constantemente, imputando-lhe comportamentos sexualmente promíscuos e  avaliando-a como desonesta (não acreditando no que C... lhe asseverava), controlando todos os seus passos e contactos, tudo fazendo para a impedir de falar com quem entendesse, insultando-a e ameaçando-a, estendendo essas suas acções a mãe e filho de C..., impondo-lhe a sua presença e interpelações, chegando a atingi-la na sua integridade física e a invadir a sua casa.
Tal conduta do arguido, de intensa violência emocional e também violência física, foi claramente incompatível com a consideração que o arguido devia à sua namorada ou à pessoa com quem mantivera tal relação de grande proximidade, pessoa que o arguido antes diminuiu na sua dignidade, o que fez de modo voluntário e conscientemente, actuando dolosamente, verificando-se pois também os pressupostos subjectivos do crime de violência doméstica por que vinha acusado (cfr. artigos 13° e 14° do Código Penal e factos enunciados em 25 a 27).
Cumpre, assim, concluir que a demonstrada conduta do arguido consubstancia a prática pelo mesmo do crime de violência doméstica, na mencionada modalidade agravada já que muitos dos factos foram praticados na residência da vítima (cfr. factos indicados em 12, 13, 17 e 20 a 22).
Incorreu portanto o arguido no crime por que vinha acusado, sendo que ao crime de violência doméstica, na modalidade agravada, é aplicável pena de prisão de dois a cinco anos e, para além de tal pena principal, são também aplicáveis penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, por período a fixar entre seis meses e cinco anos, bem como obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos dos n.°s 4 e 5 do mesmo artigo 152° do Código Penal. (…)"
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De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), importa apreciar, primeiramente, os dois vícios formais imputados pelo arguido recorrente à decisão recorrida.
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A – Do alegado erro notório na apreciação da prova;
O recorrente imputa à sentença recorrida o vício formal de erro notório na apreciação da prova, que consubstancia nos seguintes termos:
Apenas deveriam ter sido consideradas provadas as condutas do arguido que este confessou: ter empurrado, no dia 10/08/2015, a porta do carro contra a ofendida; ter partido o telemóvel da ofendida a 05/09/2016 e, ter partido a fechadura da porta da habitação da ofendida em 06/09/2016.
Não o tendo feito, a sentença incorreu num erro notório na apreciação da prova.
Apreciando.
De jure
§ 1º O erro notório na apreciação da prova integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal), que só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum.
§ 2º Deve assim tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Trata-se de um vício de decisão e não de julgamento que, enquanto subsistir, não permite que a causa seja decidida.
§ 3º Analisada a motivação do recurso, conclui-se que o recorrente funda as razões da sua discordância em relação à decisão da matéria de facto na sua análise pessoal de meios concretos de prova produzidos em julgamento e não, apenas, no texto da decisão, o que gera a improcedência da pretensão recursória em apreço.
Lamenta-se que décadas após a entrada em vigor do Código de Processo Penal em vigor ainda haja quem confunda o erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal com uma mera discordância no tocante à decisão da matéria de facto, susceptível de impugnação nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, a pretensão recursória em apreço improcede manifestamente.

B - Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
O recorrente suscita, formalmente, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
No entender do recorrente, o vício resulta, em suma, da circunstância da matéria de facto dado como provada ser insuficiente para condenar o arguido pelo crime de violência doméstica – artigo 410°, n° 2, al. a) do Código de Processo Penal -.
Apreciando.
De jure
§ 1º A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. Se tal sucedeu, então o tribunal de julgamento terá deixado de considerar um facto essencial postulado pelo objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema probandum.
§ 2º Este – o thema probandum – é consubstanciado pela acusação ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos, bem como da responsabilidade – quando existir enxerto cível ou for de arbitrar, oficiosamente, uma indemnização -.
§ 3º Concretizado o exposto, conclui-se, imediatamente, que a tese de defesa do arguido, no que diz respeito ao aludido vício formal, não integra uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mas, a ter fundamento no plano do direito substantivo, tal alegação poderá integrar um erro em matéria de direito – v.g. os factos provados não integrarem o tipo legal de crime pelo qual o ora recorrente foi condenado -.
Por conseguinte, improcede, também manifestamente, o segundo argumento da motivação de recurso.

C - Da impugnação ampla da decisão da matéria de facto
O arguido impugnou os factos provados 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 23, 24 e 26 e os não provados identificados sob os pontos IV e VII.
De jure
Para a devida apreciação do mérito da impugnação em apreço, julga-se útil recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
§ 1º A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo -.
Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. Tal impossibilita que o julgador possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
§ 2º Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. Como decorre claramente da fundamentação da decisão da matéria de facto, acima reproduzida, a sentença recorrida satisfez plenamente tais exigências, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do Tribunal a quo em relação às provas produzidas em julgamento.
A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser confundida com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso – que a decisão recorrida evidencia -.
O princípio da livre apreciação da prova não equivale ao livre arbítrio.
§ 3º Tendo o tribunal a quo procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção do julgador e este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando tal convicção não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
§ 4º Constitui uma noção consolidada na doutrina e jurisprudência que “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”.
§ 5º A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto:
a) não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo; ou
b) se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto.
No recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida.
Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
a) os pontos sob censura na decisão recorrida; e
b) as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Do exposto conclui-se que o objeto do recurso em apreço exige que se apure se os probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção do tribunal ad quem assente na apreciação da globalidade da prova produzida.
Assentes estes pressupostos genéricos cumpre, pois, descer ao caso concreto.

§ 6º Das impugnações concretas:
O recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, nas passagens assinaladas (factos provados 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 23, 24 e 26), procurando, através da análise de meios concretos de prova que identifica, contrariar o entendimento do tribunal a quo.
Apreciando.
a) Quanto ao facto provado 7:
Segundo o recorrente, o depoimento da ofendida (C...) foi demasiado impreciso, incoerente e com evidentes contradições relativamente ao facto provado 7, apresentando uma explicação do empurrão considerado provado que, segundo as regras da experiência, é pouco plausível de ter acontecido daquela forma, porquanto, é na prática impossível que um homem de estatura vulgar (como o é o arguido) conseguisse empurrar a ofendida sem que para tal empurrasse a porta do carro que estava aberta entre os dois, principalmente, porque a ofendida alegou estar debruçada para retirar os seus pertences do carro. Ainda sobre o depoimento da ofendida, "o mesmo foi, em certas ocasiões, ao encontro do alegado pelo aqui recorrente, no entanto, posteriormente acabava por desmentir e apresentar outra versão sobre os mesmos factos."
Porém, analisada a fundamentação da convicção do tribunal, constata-se que, contrariamente ao que se induz da motivação do recurso, foram as próprias declarações do arguido, ora recorrente, que permitiram apurar o facto provado 7, uma vez que confessou a veracidade do mesmo.
Não tendo o recorrente posto em causa essa confissão na motivação de recurso, improcede a impugnação do facto provado 7.
Além disso, importa também sublinhar que o depoimento da testemunha C... corroborou a factualidade provada, tendo explicado e exemplificado o sucedido com gestos e usando para esse efeito uma cadeira que estava disponível na sala de audiências.

b) Quanto ao facto provado 10:
Relativamente a este facto, o recorrente alega que o depoimento da ofendida não o corroborou na totalidade, uma vez que a mesma negou que o arguido lhe tenho dito que a ia matar e que a tenha ameaçado de furar os pneus.
Por seu turno, o tribunal considerou esse facto provado com base, precisamente, no "depoimento inequívoco" de C... e no depoimento da testemunha H... (filho daquela, "que ouviu o arguido dirigir a C... insultos e ameaças como os mencionados em 2, 10 (…)".
Tendo-se procedido à audição integral destes dois depoimentos, constata-se o seguinte:
Do depoimento da testemunha H...:
a) segundo o seu teor, este não presenciou o sucedido no dia 12 de Agosto de 2015, pelas 12:40 horas, na Avenida ..., na ...; a fundamentação da decisão da matéria de facto também não afirma o contrário, mas baseou-se no seu depoimento, uma vez que a testemunha terá referido que o arguido dirigia à ofendida insultos e ameaças como os mencionados no facto 10.
b) no entanto, contrariamente ao referido na sentença, o seu depoimento não revela que o arguido tenha ameaçado C..., dizendo que a iria matar e "furar os pneus do carro" (como resultou provado).
Do depoimento da testemunha C...:
a) ao minuto 35m50s, afirmou que o arguido não lhe dirigiu as ameaças consideradas provadas no facto 10 nessa ocasião, tendo, anteriormente, corroborado os insultos que resultaram provados, de um modo inequívoco e claro;
Pelo exposto, procede apenas parcialmente a impugnação do facto provado 10, que passa a ter a seguinte redação:
"No dia 12 de Agosto de 2015, pelas 12:40 horas, na Avenida ..., ..., quando C... se encontrava a trabalhar no contexto referido em 3, o arguido abordou-a, indignando-se por vê-la com roupa de praia e perto de outros homens, chamando-lhe "rota, vaca, puta, ladra", dizendo-lhe que "andava metida na cama com o pai dele" (dele, arguido)."
Em consequência, passa a integrar a factualidade considerada não provada o seguinte:
"Na ocasião descrita no facto provado 10, o arguido também disse à B... que a "ia matar" que lhe "ia furar os pneus do carro".

c) Quanto ao facto provado 11:
Segundo o recorrente, resulta do depoimento da testemunha D..., da testemunha E... e ainda da testemunha F... o oposto do facto provado, ou seja, que a ofendida e o aqui recorrente ainda mantinham uma relação amorosa após 12 de Agosto de 2015, pelo que, tal facto não poderia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
Porém, sem razão.
A audição dos aludidos depoimentos não permite concluir que após o sucedido em 12 de Agosto de 2015 tivesse cessado a relação amorosa entre o arguido e a ofendida.
Pelo contrário.
Resultou da globalidade da prova produzida que o arguido agiu com muita animosidade (violência verbal e, inclusivamente, alguma violência física) contra a ofendida naquela ocasião, ao ponto da própria mãe do arguido ter chamado a G.N.R., de modo a prevenir algum acontecimento mais trágico. O arguido estava tão exaltado naquela ocasião, ao ponto de ter reagido com animosidade contra os militares, que tiveram de o advertir para não prosseguir com essa atitude, senão teria de ser algemado (v.g., por exemplo, o depoimento da testemunha C...).
Constitui assim um corolário lógico de acordo com as regas da experiência comum e resulta expressamente do próprio depoimento da testemunha C..., que o episódio descrito abalou emocional e compreensivelmente a ofendida, comprometendo, decisivamente, a relação que esta mantinha com o arguido. Isso resultou de forma clara do seu depoimento e não foi contrariado, expressamente ou implicitamente, por qualquer outro depoimento, designadamente os indicados pelo recorrente.
A circunstância de se terem voltado a cruzar fortuitamente e a falar (factos evidenciados nos aludidos depoimentos) não tem o significado de terem mantido uma relação amorosa após a altura provada da sua cessação.
Nestes termos, improcede a aludida impugnação.

d) Quanto ao facto provado 12;
Segundo o recorrente, o facto foi apurado, unicamente, com base em afirmações genéricas e vagas produzidas pela ofendida, sem indicação de tempo, modo e lugar, o que não podia fazer por tais factos vagos impedirem um eficaz direito de defesa, bem como o exercício do contraditório.
Mais alega que não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo dar tal facto como provado, apenas baseando-se no depoimento da ofendida, do qual resultou somente a alegação de tais factos, sem precisar datas, locais, e prova documental que sustentasse o alegado por aquela.
Apreciando.
O facto provado questionado pelo recorrente é o seguinte:
"O arguido passou então a tentar insistentemente manter contacto com C..., tocando à campainha da sua residência a meio da noite, fazendo perguntas nos locais públicos que C... frequentava e permanecendo em tais locais, enviando-lhe, quotidianamente, numerosas mensagens, com afirmações como "tens aí outro cavaleiro, já arranjaste outro"; "a vida já não me diz nada, nada tenho a temer nem a perder, qualquer dia passo-te a ferro com o carro ou atravesso-te o carro à frente"."
Contrariamente à tese do recorrente, não é pela circunstância do depoimento da testemunha C... não ter concretizado as condutas do arguido acima descritas de forma precisa no tempo, que a factualidade acima descrita não pode ser considerada provada.
O que sucede é que ao descrever algumas dessas condutas do arguido (aquelas que estão elencadas nas primeiras três linhas da citação acima concretizada) sem as situar no tempo e sem concretizar pelo menos algumas das vezes em que o arguido tocou à campainha da residência da ofendida a meio da noite e sem referir as perguntas que o arguido fazia nos locais públicos e a quem as dirigia, identificando ainda o local, a data e a hora em que tal sucedeu, o tribunal a quo incorreu numa insuficiência da matéria de facto para a decisão.
A este respeito existe jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, da qual se desataca a seguinte:
«Não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição. Por isso, essas imputações genéricas não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal.»
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Novembro de 2007 (processo nº 07P3236), relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho;
«Resultando da matéria de facto apurada apenas que (…) o arguido, que havia estado preso e voltara a viver com a mulher e as filhas, «continuou a consumir bebidas alcoólicas e, por algumas ocasiões, em datas não apuradas», agrediu aquela «com bofetadas» e que com «frequência era chamada a Polícia àquela residência», impõe-se concluir que a descrição da conduta do arguido considerada provada se mostra algo indefinida, vaga e genérica, tanto em relação ao tempo e ao lugar da prática dos factos, como relativamente aos próprios factos integradores das agressões e respectivas motivação e consequências, não se encontrando esclarecido o número de ocasiões em que tal ocorreu, a quantidade de bofetadas em causa ou qualquer elemento relativo à forma e intensidade como foram desferidas, ao local do corpo da ofendida atingido e às suas consequências, em termos de lesões corporais ou de efeitos psíquicos, também se desconhecendo, além do contexto de consumo de álcool, a motivação da conduta em causa, sendo certo que não se encontra assente qualquer facto integrador do elemento subjectivo constitutivo do tipo legal.
Esta imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido ser insusceptível de sustentar uma condenação penal – acórdãos de 06-05-2004, Proc. N.º 908/04 - 5.ª, de 04-05-2005, Proc. N.º 889/05, de 07-12-2005, Proc. N.º 2945/05, de 06-07-2006, Proc. N.º 1924/06 - 5.ª, de 14-09-2006, Proc. N.º 2421/06 - 5.ª, de 24-01-2007, Proc. N.º 3647/06 - 3.ª, de 21-02-2007, Procs. N.ºs 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª, de 16-05-2007, Proc. N.º 1239/07 - 3.ª, de 15-11-2007, Proc. N.º 3236/07 - 5.ª, e de 02-04-2008, Proc. N.º 4197/07 - 3.ª.»
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2008 (processo nº 07P3861) relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.

Pelo exposto – e uma vez que o adjetivo quotidianamente significa diariamente, o que resulta também da prova produzida, estando assim concretizadas no tempo as condutas do arguido a seguir identificadas -, o facto provado 12 passa a ter a seguinte redação:
O arguido enviou à ofendida, quotidianamente, numerosas mensagens, com afirmações como "tens aí outro cavaleiro, já arranjaste outro"; "a vida já não me diz nada, nada tenho a temer nem a perder, qualquer dia passo-te a ferro com o carro ou atravesso-te o carro à frente".
Por seu turno, os restantes factos descritos no facto 12 passam a ser considerados não escritos, tendo em conta a excessiva imprecisão da sua descrição:
"O arguido passou então a tentar insistentemente manter contacto com C..., tocando à campainha da sua residência a meio da noite, fazendo perguntas nos locais públicos que C... frequentava e permanecendo em tais locais."

e) Quanto aos factos provados número 13, 14, 15 e 16:

Para motivar o recurso na impugnação dos factos provados acima identificados, o recorrente invoca o teor das suas próprias declarações e do depoimento da testemunha H..., que contrariam a versão manifestada em audiência pela ofendida.
No entanto, conforme bem assinalado na fundamentação da sentença recorrida, o arguido admitiu a veracidade do facto provado 14 e a testemunha C... depôs, confirmando a veracidade da factualidade provada sob os números 13, 14, 15 e 16.
Recordando essa factualidade:
13. No dia 05 de Setembro de 2016, cerca das 20:00 horas, o arguido abordou C... à entrada do edifício onde a mesma habita, sita na ..., n.° .. 1.° esq.°, em Aveiro, e retirou-lhe o telemóvel, afastando-se de seguida para o interior do seu automóvel.
14. O arguido esteve então cerca de duas ou três horas a ver os "contactos" que C... tinha no telemóvel e a "visitar" a página de "facebook" de C..., bem como a eliminar comunicações da sua autoria.
15. Entretanto, C... dirigira-se para o interior do seu apartamento, onde contou o sucedido ao seu filho, a quem o arguido foi dirigindo numerosas chamadas telefónicas.
16. O arguido acabou por colocar o aparelho de telemóvel, destruído, bem como o respectivo cartão, na caixa de correio de C....

A contradição verificada entre os depoimentos de C... e de H..., ambos escutados na íntegra nesta segunda instância, resume-se, essencialmente, à circunstância deste último apenas ter chegado a casa, após o trabalho, pouco após a 1 hora da noite (vide depoimento da testemunha H...), enquanto a testemunha C... referiu que o mesmo já se encontrava em casa quando o arguido chegou cerca das 20h.
Porém, trata-se de uma discrepância com relevância limitada a essa circunstância, uma vez que a testemunha H... referiu no seu depoimento seguro e convincente que se recordava da sua mãe lhe ter contado o sucedido nessa noite e de ter visto o arguido sentado no seu carro, de frente para uma janela da residência do depoente. Acrescentou, ainda, que solicitou ao arguido que devolvesse, ao menos, o cartão SIM do telemóvel da sua mãe, por conter os contactos telefónicos. Finalmente, descreveu como acabou por recuperar o telemóvel destruído, bem como o respetivo cartão SIM, após terem sido colocados na caixa de correio de C....
Nestes termos, a prova indicada pelo recorrente não impõe decisão diversa, com exceção do facto provado 15, que passa a ter a seguinte redação:
"Entretanto, C... dirigira-se para o interior do seu apartamento, onde acabou por contar o sucedido ao seu filho, quando este chegou a casa pouco após a 1h e a quem o arguido dirigiu nessa noite numerosas chamadas telefónicas.

f) Quanto aos factos provados números 23, 24 e 26:
O recorrente ainda impugna tal factualidade provada, alegando que do depoimento da testemunha F... - o qual mereceu toda a credibilidade e isenção por parte do Tribunal a quo - resultou que a ofendida era vista com o aqui recorrente e que não demonstrava qualquer medo por aquele, angústia ou revolta, e que "iam normalmente como um casal", pelo que, face a tal depoimento, o Tribunal a quo nunca poderia dar como provado tal facto.
Apreciando.
Os factos impugnados são os seguintes:
23. Nesse mesmo dia 06, o arguido telefonou à mãe de C... e disse-lhe que C... andava a vender-se em Aveiro e que o filho tinha comissão.
24. Por causa das descritas condutas do arguido, C... sentiu e sente medo, angústia e revolta.
26. Quis humilhar e maltratar física e psicologicamente C..., quando esta era ou fora sua namorada, atingindo-a na sua integridade física e bem-estar emocional, assustando-a com ameaças e insultando-a.

Basta ler a factualidade impugnada e considerar o teor do meio concreto de prova invocado pelo recorrente para contrariar aquela, para se concluir não ter o recorrente a menor razão, uma vez que o meio concreto de prova não impõe decisão diversa.
Concretizando.
Tendo-se, inclusivamente, procedido à audição integral do depoimento citado, importa valorar não só o seu teor, mas também o seu devido enquadramento: a Exma. defensora perguntou à testemunha C... se a mesma se tinha cruzado no prédio com o arguido e a ofendida, ao que a mesma respondeu afirmativamente. Seguidamente foi-lhe perguntado se deu para perceber a natureza da relação que aqueles dois tinham. A depoente respondeu, então, que não fazia a mínima ideia, achando, no entanto, que deviam ser namorados. À pergunta se iam a discutir, a testemunha respondeu negativamente, acrescentando que iam como se fossem um casal.
Trata-se de um depoimento que não permite infirmar a factualidade provada acima identificada, por ser referente a factos, forçosamente, diferentes, tendo a testemunha apenas referido qual era a sua impressão do que observou em breves instantes, num contexto situacional distinto dos factos impugnados.
Nestes termos, improcede a última impugnação de factos provados na sentença recorrida.
g) Quanto aos factos considerados não provados sob os pontos IV e VII:
Finalmente, o recorrente impugna a factualidade não provada acima identificada que tem o seguinte teor:
IV.
Nos dias 03 e 04 de Setembro de 2016, arguido e C... passaram o fim-de-semana juntos, na ....
VII.
No dia 23 de Março do corrente ano de 2017, C... enviou ao arguido mensagem dizendo que queria fugir com ele.

O tribunal a quo considerou tais factos não provados, essencialmente, com base na negação peremptória e convincente dos mesmos no depoimento prestado pela ofendida em julgamento.
Por outro lado, o tribunal também teve em consideração as declarações do arguido, bem como o depoimento do seu filho E... (relativamente a IV), que não foram suficientes para contraditar o depoimento da testemunha C....
Finalmente, quanto ao facto não provado VII, o tribunal foi sensível à sua negação pela testemunha C... (que em audiência, além do mais, reconhecendo o seu número de telefone na fotografia de fls. 302, não reconheceu no entanto o conteúdo do que aparentam ser SMS, negando ter enviado qualquer uma como a que aparece como datada de 23.03 - sendo que já anteriormente viera aos autos declarar que nessa data foi o arguido quem procurou contactá-la, contra a sua vontade.
Para motivar esta passagem do recurso e impugnar aqueles factos não provados, o arguido invoca as suas próprias declarações e o depoimento prestado pelas testemunhas D... e E....
No tocante ao facto VII, o recorrente alega que o Tribunal a quo desconsiderou por completo a prova documental junta aos autos, mesmo após a ofendida ter confirmado aquele número como sendo o seu, não podendo desvalorar por completo um documento junto de teor imprescindível para a descoberta da verdade material, sem qualquer justificação ou contraprova.
Apreciando.
Tendo-se procedido à audição integral da prova oral gravada na audiência de julgamento, constata-se que não resulta de modo algum evidente dos depoimentos das testemunhas H... e E..., que nos dias 3 e 4 de Setembro de 2016, o arguido e C... tenham passado o fim-de-semana juntos, na ....
Apenas o arguido referiu esse facto nas suas declarações, mas fê-lo de forma algo atabalhoada.
Por seu turno, apenas resulta, inequivocamente, da conjugação dos depoimentos das testemunhas H... e C... que apenas mãe e filho foram passar o fim-de-semana, juntos, à ....
Finalmente, quanto ao facto considerado não provado VII, além da fundamentação da decisão plasmada na sentença - que explica o motivo pelo qual a prova documental junta aos autos não permite comprovar o facto ora impugnado (não obstante a ofendida ter reconhecido o seu número de telefone na fotografia de fls. 302, não reconheceu no entanto o conteúdo do que aparentam ser SMS aí ilustradas) – acrescenta-se outro motivo que resulta das regras da experiência comum: tendo em conta os factos considerados provados e a agressividade manifestada pelo arguido na sua relação com a ofendida, ao ponto de justificar a chamada da GNR pela mãe do próprio arguido, de modo a proteger a ofendida, a mensagem alegada pelo recorrente – supostamente enviada pela ofendida e dizendo que a mesma queria fugir com ele – não faz qualquer sentido.
Resulta ainda dos factos provados (e estes não foram impugnados pelo recorrente) que foi o arguido – violando, inclusivamente, uma injunção que lhe foi imposta para poder beneficiar da suspensão provisória do processo -, quem tentou ou forçou novos contactos com a ofendida, já em Setembro de 2016 (factos provados 28 e 29).
Não foi a ofendida que tentou restabelecer o contacto com o arguido.
Pelo exposto, o recorrente não indicou quaisquer meios concretos de prova que imponham uma alteração da matéria de facto não provada, acima referida.
*
D) Do alegado erro em matéria de direito
O recorrente termina a motivação de recurso, suscitando um alegado erro em matéria de direito na fundamentação jurídica da sentença recorrida: segundo alega, as condutas do arguido não integram a prática de um crime de violência doméstica, por não ter atentado à saúde - física, psíquica e moral - da ofendida, mas antes um crime de ofensa à integridade física por negligência e dois crimes de dano, p. e p. nos arts. 148° e 212° do Código Penal.
De jure:
O artigo 152.º do Código Penal prevê e estatui o seguinte:
«1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
(…);
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
(…)

A factualidade provada revela o seguinte:
a) que o arguido manteve uma relação de namoro com a ofendida, com quem chegou a partilhar habitação;
b) durante tal relacionamento, o arguido acusava a ofendida, repetidamente, de andar a manter relações sexuais com outros homens, incluindo o próprio filho da ofendida e o pai do arguido, bastando para tal;
a. que a ofendida atendesse alguma chamada telefónica;
b. trocasse algumas palavras com outras pessoas;
c. alguns homens estivessem a trabalhar ou a frequentar o local (público) onde a ofendida trabalhava;
c) numa ocasião, quando a ofendida estava a retirar os seus pertences do interior do carro, o arguido empurrou a porta do carro contra aquela, fazendo-a cair, causando-lhe duas escoriações que demandaram oito dias para a sua cura, sem afetação da capacidade de trabalho;
d) Noutra ocasião, ao vê-la trabalhar numa zona de praia, em Agosto, estando vestida com roupa de praia, numa zona pública, estando homens nas proximidades, o arguido abordou-a, chamando-lhe "rota, puta, vaca, ladra", dizendo-lhe ainda que "andava metida com o pai" dele;
e) Após o sucedido, a ofendida terminou o relacionamento com o arguido;
e, não obstante,
f) O arguido enviou à ofendida, quotidianamente, numerosas mensagens, com afirmações como "tens aí outro cavaleiro, já arranjaste outro", "a vida já não me diz nada, nada tenho a temer nem a perder, qualquer dia passo-te a ferro com o carro ou atravesso-te o carro à frente";
g) Em certo dia, o arguido abordou a ofendida à entrada do edifício onde esta habitava e retirou-lhe o telemóvel, levando-o para o interior do seu automóvel, onde esteve cerca de duas ou três horas a ver a lista de contactos, a eliminar comunicações da sua autoria e a visitar a página de "Facebook" da ofendida, após o que acabou por deixar o telemóvel, destruído, na caixa de correio daquela;
h) Antes de se afastar do local e de tocar à porta do apartamento onde a ofendida se encontrava, o arguido ainda arremessou pedras contra as janelas do quarto da ofendida;
i) Posteriormente, noutra ocasião, o arguido bateu insistentemente na porta daquele apartamento, que a ofendida não abriu, por se ter apercebido que era o arguido quem lá se encontrava;
j) Por isso, o arguido partiu a fechadura dessa porta, entrou e dirigiu-se à ofendida, dizendo que esta "estava com outro" após o que fugiu a correr;
k) Ainda no mesmo dia telefonou à mãe da ofendida e disse-lhe que a sua filha andava a vender-se em Aveiro e que o filho tinha comissão;
l) Por causa das condutas do arguido, a ofendida sentiu e sente medo, angústia e revolta;
m) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, querendo humilhar e maltratar a ofendida, quando esta era e foi a sua namorada, atingindo-a na sua integridade física e bem-estar emocional, assustando-a com ameaças e insultando-a; e
n) Fê-lo, apesar de bem saber que não a podia tratar do modo descrito e estando bem consciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
A factualidade provada evidencia, pacificamente, que o arguido manteve, deliberada, livre e conscientemente - apesar de bem saber que as mesmas eram proibidas e punidas por lei - algumas condutas que ofenderam o direito à integridade física, a honra e o bem-estar psíquico de uma pessoa de outro sexo, a ofendida, com a qual o arguido manteve uma relação de namoro.
O arguido foi, por isso, condenado pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152°, n.° 1, al. b), n.°s 2, 4 e 5, do Código Penal.
Inconformado com a sua condenação por esse tipo legal de crime, o arguido sustenta na motivação do seu recurso, designadamente, que os factos por si praticados não revelam qualquer especial gravidade ou crueldade, de modo a violar os bens jurídicos tutelados pelo tipo legal de crime (artigo 66 da motivação de recurso).
Tanto a fundamentação jurídica da sentença recorrida, como o parecer do Ministério Público sustentam posição diametralmente inversa.
Apreciando.
A integração dos factos na lei foi corretamente realizada na sentença recorrida.
Importa, no entanto, acrescentar alguns fundamentos que se consideram relevantes para compreender a incriminação decidida.
O objetivo da previsão legal do crime de violência doméstica é a de prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis, quão perniciosas, formas de violência no âmbito da família, ou de relações de namoro, quer para a saúde física e psíquica e ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar dos seus membros.
Perante a factualidade provada, não deve restar a mínima dúvida a qualquer pessoa, nem para o próprio arguido – tanto que resultou provado que o mesmo quis humilhar e maltratar a ofendida quando esta foi a sua namorada e, mesmo depois disso, atingindo-a na sua integridade física e bem-estar emocional, assustando-a também com ameaças e insultando-a, reiterando tais condutas apesar de bem saber que não a podia tratar do modo descrito e estando bem consciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei -.
Tais comportamentos ilícitos foram praticados pelo arguido no contexto de uma relação de namoro existente ou pré-existente, colocando a vítima, inquestionavelmente, na situação de sofrer um tratamento reiterado incompatível com a sua dignidade e liberdade, de modo a preencher os elementos objetivos do tipo legal de crime.
Uma situação de "ciúme patológico" entre namorados ou ex-namorados, manifestada nas condutas a seguir descritas que atingiram a ofendida na sua integridade física e de uma forma grave, também, o seu bem-estar emocional, preenche os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica:
a) insultos soezes dirigidos à namorada ou ex-namorada, também publicamente e por SMS, que afetaram a dignidade da vítima;
b) ameaça à vida e/ou à integridade física da ofendida;
c) agressão física à vítima,
d) subtração de telemóvel;
e) violação da privacidade das comunicações e acesso ilegítimo à conta de Facebook;
f) destruição de telemóvel;
g) arrombamento de porta de entrada de residência da ofendida; e
h) difamação torpe da ofendida junto da mãe desta.
Os elementos subjetivos do tipo legal de crime também se mostram preenchidos, uma vez que o arguido agiu com dolo direto – e, tratando-se de um crime de mera atividade, bastaria o dolo de perigo de afetação da saúde, do bem-estar psíquico e da dignidade humana do sujeito passivo -.
A ratio legis da criminalização da violência doméstica abrange a conduta provada do arguido, uma vez que os seus comportamentos ilícitos e típicos provados, justificam a sua autonomização dos crimes singulares que o recorrente identificou na sua motivação de recurso.
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Das custas
Sendo o recurso do arguido julgado parcialmente procedente, não há lugar ao pagamento de custas (artigos 513º, 1 a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes ora subscritores, do Tribunal da Relação do Porto, por unanimidade, em julgar o recurso do arguido parcialmente provido e, em consequência:
a) Alteram parcialmente os factos provados 10, 12 e 15, que passam a ter a seguinte redação:
10. "No dia 12 de Agosto de 2015, pelas 12:40 horas, na Avenida ..., ..., quando C... se encontrava a trabalhar no contexto referido em 3, o arguido abordou-a, indignando-se por vê-la com roupa de praia e perto de outros homens, chamando-lhe "rota, vaca, puta, ladra", dizendo-lhe que "andava metida na cama com o pai dele" (dele, arguido)."
12. "O arguido enviou à ofendida, quotidianamente, numerosas mensagens, com afirmações como "tens aí outro cavaleiro, já arranjaste outro"; "a vida já não me diz nada, nada tenho a temer nem a perder, qualquer dia passo-te a ferro com o carro ou atravesso-te o carro à frente".
15. "Entretanto, C... dirigira-se para o interior do seu apartamento, onde acabou por contar o sucedido ao seu filho, quando este chegou a casa pouco após a 1h e a quem o arguido dirigiu nessa noite numerosas chamadas telefónicas."
b) Passa a integrar factualidade considerada não provada o seguinte:
"Na ocasião descrita no facto provado 10, o arguido também disse à C... que a "ia matar" que lhe "ia furar os pneus do carro".
c) Passa a ser eliminado do elenco dos factos descritos na decisão da matéria de facto o seguinte, respeitante ao facto provado 12.:
"O arguido passou então a tentar insistentemente manter contacto com C..., tocando à campainha da sua residência a meio da noite, fazendo perguntas nos locais públicos que C... frequentava e permanecendo em tais locais."
d) No demais, o recurso improcede.
e) Sem custas.
-.Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 22 de Novembro de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Transcrição das conclusões aperfeiçoadas, após convite nesse sentido dirigido ao recorrente.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº 30/09.7GCCLD.L1.S1.