Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
463/10.6TBGDM.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO
LEGADOS POR CONTA DE LEGÍTIMA
QUOTA DISPONÍVEL
VALOR EXCEDENTE
IMPUTAÇÃO
Nº do Documento: RP20210415463/10.6TBGDM.P2
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Existindo testamento o mesmo deve ser interpretado de acordo com aquilo que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
II - A interpretação do testamento deverá também ser efectuada em conformidade com o espirito da lei e a vontade do legislador, expressa nas normas substantivas (e de natureza imperativa) da lei aplicável ao caso.
III - Os legados podem ser feitos por força da quota disponível, por conta da legítima ou em substituição da legítima.
IV - No legado por conta da quota disponível, há da parte do testador a manifestação de vontade no sentido de beneficiar o herdeiro contemplado com o legado e este nada confere, isto, claro está, sem prejuízo de a doação poder vir a ser reduzida por inoficiosidade, caso o seu valor ofenda a legítima dos restantes herdeiros legitimários.
IV - O valor que excede a legítima do herdeiro contemplado com o legado, deve ser imputado na sua quota disponível (no quinhão desse herdeiro nessa quota), conciliando-se assim o espírito de igualação dos herdeiros com o respeito pela vontade do testador de que o bem legado fosse transmitido àquele herdeiro.
V - Se o valor do bem legado ultrapassar a legítima e o quinhão do herdeiro beneficiado com o legado na quota disponível, deve imputar-se a parte restante do legado na parte restante da quota disponível do “de cujus”, constituindo o sobrante desta o total dos quinhões hereditários dos restantes herdeiros, a dividir apenas entre eles.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 463/10.6 TBGDM.P2
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
Instância Local – Secção Cível
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, viúva, residente na Rua…, nº.., …, veio requerer inventário por óbito de seu marido C…, falecida em 6 de Outubro de 2008 em …, África do Sul, e D…, sua primeira mulher, falecida em 2 de Novembro de 1991.
Para tanto alegou que casou como o falecido em 22.07.2002, em primeiras núpcias suas e segundas núpcias dele, sob o regime imperativo da separação de bens.
Mais alegou que o referido C… foi casado, no regime de comunhão geral de bens, com a identificada D…, entretanto falecida.
Referiu existirem três filhos do primeiro casamento do inventariado:
E…, casado com F…, G…, casada com H… e I…, casada com J….
Disse ainda que existe uma filha do segundo casamento do inventariado com a requerente, a menor K…, nascida a 4 de Maio de 1966.
Afirmou também que existem bens adquiridos após o falecimento da primeira mulher do inventariado e que não há acordo manifestado por parte dos interessados quanto á partilha.
Conclui afirmando que deve ser seu o cargo de cabeça de casal.
Os autos prosseguiram os seus termos, procedendo-se ao juramento da requerente como cabeça de casal e às suas declarações.
No prazo que lhe foi concedido, veio a cabeça de casal apresentar a relação de bens (do primeiro e do segundo casamento do inventariado C…).
Posteriormente foi junta certidão do testamento outorgado pelo inventariado C… na África do Sul.
Citados para os termos do processo vieram os três filhos do primeiro casamento do inventariado, os identificados E…, G… e I… apresentar um requerimento onde alegam o seguinte:
1º) Invocam a ilegitimidade da cabeça de casal quanto ao inventário por óbito da sua mãe D…;
2º) Impugnam as declarações prestadas pela requerente, arguindo a sua inexactidão quanto à relação de bens quer os referentes ao 1º casamento quer os referentes ao 2º casamento;
3º) Afirmam que quanto ao testamento foi escrupulosamente cumprida a vontade do seu pai, partilhando-se nos seus estritos termos, os bens existentes na África do Sul, na qual a ora requerente foi a principal beneficiária, não existindo por isso razão para interpretar de outra forma a vontade do testador.
A propósito de tal requerimento veio a requerente B… apresentar um articulado seu onde em suma defende o seguinte:
A sua legitimidade já que se trata de uma situação de cumulação de inventários, uma vez que por morte de D… não houve partilha.
A improcedência das reclamações apresentadas pelos identificados filhos do inventariado.
Quanto ao testamento reitera o entendimento de que o inventariado C… tem uma única herança ainda que com bens em dois países diferentes: Portugal e a África do Sul e chama à colação o seu ponto 4.4. na sequência do que defende a eventual redução da partilha, por inoficiosidade, no que toca aos bens existentes em Portugal.
Mais adiante foi proferido despacho no qual e entre o mais, se decidiu pela legitimidade da requerente B… para exercer o cargo de cabeça de casal, indeferindo-se a pretensão dos requeridos para a nomeação de um outro cabeça de casal.
Produzida que foi a prova (documental e testemunhal) tida por conveniente, foi decidida nos seguintes termos a reclamação à relação de bens apresentada pelos interessados E…, G… e I…:
Julgou-se a mesma parcialmente procedente e determinou-se o seguinte:
1º) Que se eliminassem da relação de bens as verbas nºs 3 e 17.
2º) Que se eliminassem da relação de bens do 2º casamento as verbas nºs 7, 8, 9, 10, 11, 14, 18, 19, 20, 21, 22 e 23.
3º) Que se acrescentem à relação de bens do 1º casamento as verbas nºs 7, 8, 9, 10, 11, 14, 18, 19, 20, 21, 22 e 23.
4º) Que se relacionasse a conta nº ……… do Banco L…, aberta em 25/07/1985, titulada por C… e D… na relação de bens referente ao 1º casamento.
5º) Que se mantivessem relacionada na relação de bens do 2º casamento a conta nº…….. do L… (verba nº5 da relação de bens) com os valores melhor descritos a fls. 426 (informação bancária).
6º) Que se eliminasse da relação de bens do 2º casamento a verba nº24 e se relacionasse a mesma na relação de bens do 1º casamento.
Notificada para juntar relação de bens de acordo com o decidido, veio a cabeça de casal apresentar um requerimento no qual solicita vários esclarecimentos ao decidido.
Responderam os três interessados sobejamente identificados, propondo o indeferimento do requerido e o desentranhamento do articulado apresentado.
Proferiu-se despacho no qual se atendeu parcialmente ao requerido, mantendo nomeadamente o decidido no que toca à verba nº24.
Manifestando a sua vontade de recorrer relativamente ao decidido sobre a verba nº24, veio a cabeça de casal cumprir o ordenado juntando aos autos a relação de bens.
Logo a seguir a cabeça de casal veio apresentar um novo requerimento no qual diz apresentar as verbas do passivo, que se consubstanciam em débitos fiscais.
Realizou-se então a conferência de interessados na qual e a requerimento dos mesmos, foi concedido prazo aos interessados E…, G… e I… para se pronunciaram sobre o passivo apresentado.
Foi também concedido prazo à cabeça de casal para se pronunciar sobre o pedido de prestação de contas respeitante ao exercício das suas funções apresentado pelos referidos interessados.
Por fim, foi ordenado que a secção indicasse pessoa idónea para proceder à avaliação das verbas nºs 16 e 17.
Após novos articulados das partes, foi proferido despacho no qual se decidiu o seguinte:
Determinou-se a eliminação na relação de bens de toda a parte constante das verbas nºs 17 e 18 a seguir à indicação do valor;
Considerou-se judicialmente reconhecida a quota-parte da cabeça de casal nas dívidas relacionadas a fls. 685, por as ter aprovado;
Não se conheceu da existência da quota-parte dos demais interessados nas dívidas relacionadas a fls.685;
Porque não tendo as dívidas sido aprovadas por todos os interessados nem reconhecidas pelo tribunal, determinou-se que o passivo relacionado a fls.685 não devia ser tido em conta neste inventário – art.º 1360º do Código de processo Civil;
Indeferiu-se o requerido pelos interessados quanto à notificação da cabeça de casal para prestar contas;
Indeferiu-se o requerido pelos interessados no que toca aos valores alegadamente levantados pela cabeça de casal da conta no L…;
Indeferiu-se o requerido pelos interessados no ponto 15 do requerimento de fls. 710, no que toca à imputação à cabeça de casal das desvalorizações do imóvel da verba 16;
Julgou-se provisoriamente improcedente o requerido pelos interessados quanto à não consideração na partilha a levar a cabo nos presentes autos do testamento junto a fls. 90 e seguintes, ressalvando-se o direito dos interessados às acções competentes, nos termos do disposto no art.º 1336º do Código de Processo Civil.
Foi junto o relatório pericial da avaliação aos imóveis das verbas nºs 16 e 17.
Realizou-se a conferência de interessados a qual deu o seguinte resultado:
Por unanimidade foi deliberado adjudicar os bens descritos na relação de bens de fls. 651 a 656 da seguinte forma:
- À cabeça de casal os bens móveis das verbas nºs 2 a 15 e 19 a 23 pelos valores aí indicados;
- À cabeça de casal os imóveis descritos, agora pelos valores da avaliação, sendo a verba nº16 no valor de 145.200,00€ e a verba nº17, no valor de 58.000,00€;
Quanto às verbas nºs 1 e 18 (dinheiro) foram adjudicadas a todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões.
Na mesma diligência e pela ilustre mandatária dos interessados E…, G… e I… foi dito que os seus constituintes não prescindiam do pagamento das tornas e caso estas não fossem pagas no prazo legal, requereu desde logo a venda dos bens adjudicados à cabeça de casal suficientes para o seu pagamento, nos termos do disposto no art.º 1378º do CPC, antigo.
Após novos requerimentos dos interessados foi proferido despacho (cf. fls. 833 e seguintes) no qual se considerou ser válido, na ordem jurídica portuguesa, o testamento do inventariado C… e se apresentou a forma à partilha fazendo a divisão da mesma em duas heranças distintas: a herança pela morte da 1ª mulher do de cujus e a segunda da herança do de cujus.
Nestes termos fez-se consignar o seguinte com data de 28.01.2016:
“Da forma à partilha:
No presente inventário procede-se à cumulação de inventários de dois inventariados:
- D…
- C…
Procede-se, assim, a inventário por óbito de D…, casada que foi com o inventariado C… no regime de comunhão geral de bens.
A inventariada D… faleceu em 1 de Novembro de 1991, no estado de casada, com o referido C…, em primeiras núpcias de ambos. Não fez a inventariada testamento ou disposição de última vontade.
Deste matrimónio existem três filhos: os interessados: E…, I… e G…, sendo assim herdeiros desta herança: o cônjuge viúvo C… e os três filhos.
Do casamento do viúvo C… e interessada B…, no regime da separação de bens, em primeiras núpcias desta e segundas dele, existindo deste casamento uma filha de nome K….
O inventariado faleceu a 6 de Outubro de 2008 no estado de casado com B… que assumiu a função de cabeça de casal no âmbito do presente inventário.
Na conferência de interessados as partes por unanimidade adjudicaram as verbas da relação de bens junta aos autos a fls. 651 e seguintes nos moldes aí consignados.
Não existe passivo a ser considerado neste inventário (conforme acima se consignou).
Assim deve proceder-se à partilha, nos moldes sugeridos pelo ilustre mandatário da Cabeça de Casal e que aqui se reitera da seguinte forma:
Uma vez que existem dois inventários cumulados e que as heranças a partilhar não são dos mesmos herdeiros ou seja, as duas heranças não pertencem na totalidade a todos os interessados impõe-se proceder à partilha diferenciada dos dois inventários nos moldes apresentados pela cabeça de casal – e não de modo indiferenciado como o fizeram os requeridos/interessados.
Assim e quanto à herança da D…
Somam-se os valores das verbas relacionadas como pertencendo ao primeiro casamento, nos termos e valores definidos na conferência de interessados.
O total divide-se em quatro partes iguais, sendo uma a meação do cônjuge sobrevido C… e outra, a meação da falecida D…, consubstanciando a sua herança.
A herança divide-se em quatro partes (uma para o viúvo e uma para cada um dos filhos -3- do primeiro casamento).
O preenchimento dos quinhões é de acordo com o definido na conferência de interessados.
Quanto à herança do C…
Ao valor da meação e herança do C… resultante do 1º casamento com a D…, somam-se o valor das verbas relacionadas como sendo do 2º casamento do falecido C…, obtendo-se o valor da sua herança.
Subtrai-se o valor de 1/3 da herança do C…, em ordem a determinar o somatório das legítimas dos 5 herdeiros (viúva B…, fila K… e três filhos do 1º casamento).
O somatório das legítimas divide-se por quatro obtendo-se a legítima do cônjuge/viúva B….
Ao somatório das legítimas subtrai-se a legítima da viúva B… e divide-se o resto por 4, apurando-se a legítima de cada filho.
A definição dos quinhões é feita nos seguintes moldes: à B… 1/3 em função do testamento mais ¼ como herdeiro legitimário art.º 2139º, nº1, 2ª parte do C.C., perfazendo 7/12 da herança; 5/12 avos da herança a dividir pelos 4 filhos, assim se respeitando as normas imperativas jurídicas.
O preenchimento dos quinhões é conforme o definido na conferência de interessados, impondo-se contudo que os interessados apresentem o valor dos bens partilhados na África do Sul.
Nas tornas a apurar para efeitos de pagamento, deve ser descontado o valor das transferências em dinheiro que os interessados do 1º casamento para si próprios fizeram (considerando a decisão proferida a fls. 616 e seguintes).
Notifique, sendo os interessados para no prazo de dez dias informarem o valor atribuído aos bens a que se reporta o testamento, bens esses que já foram partilhados e como tal as partes a eles têm que ter atribuído uma valor, ficando o cumprimento do estatuído no art.º 1375º dependente dessa informação.”
Os interessados, em obediência ao anteriormente decidido vieram juntar aos autos os documentos que sustentaram as partilhas decorrentes do testamento proferido por C…, designadamente o teor do mesmo testamento, acompanhado das contas de liquidação e distribuição do património do falecido, descriminando os valores adjudicados aos herdeiros provenientes dos bens que haviam sido legados por força do referido testamento.
Na sequência deste procedimento e em 27.05.2016 foi proferido o seguinte despacho:
Melhor analisados os autos, designadamente a conta final e distribuição do património do falecido, feita em África do Sul no âmbito do processo que aí decorreu sob o nº 2547/08, verifica-se que existiu um processo de inventário dos bens deixados em África do Sul, que nesse País foram partilhados os bens aí deixados pelo de cujus e que nesse inventário foi considerada a vontade do testador quanto a legar os restantes bens da sua herança a B… – cfr. cálculos efectuados e constantes de fls.925.
Assim, e não obstante se ter referido que o mapa de partilha a efectuar no processo de inventário que corre termos em Portugal se teria que atender, na fixação dos quinhões, aos valores já pagos no processo ocorrido em África o certo é que tal conclusão deve-se a verdadeiro lapso, do qual a aqui signatária se penitencia, pois que ao se pretender atender a esses valores alterar-se-iam, na elaboração do presente mapa à partilha, os montantes já repartidos na África do Sul no âmbito de um inventário que correu termos noutro pais e em relação ao qual os tribunais portugueses não têm eficácia jurisdicional, como é referido pelos requerimentos da cabeça de casal a fls.851 e a fls.956.
Na verdade, só com a junção dos documentos demonstrativos da liquidação dos bens feita em África do Sul se percebeu que nesse país foi concluso e está findo um inventário para partilha dos bens existentes nesse local não tendo este Tribunal eficácia para alterar os montantes aí adjudicados, o que se imporia caso fossem atendidos tais valores.
Assim sendo, e em obediência à decisão proferida a fls. 731 ter-se-ia que considerar o testamento junto aos autos a fls.90, designadamente para efeitos de quota disponível, contudo, a mesma terá que ser limitada ao presente inventário e aos bens sitos em Portugal pois que não é possível alterar a partilha ocorrida em África do Sul.
Por todo o exposto, consigna-se existir erro, devido a manifesto lapso só perceptível com a junção aos autos do processo de partilha efectuado em África do Sul, e em consequência rectifica-se o nosso despacho proferido a fls.833 e seguintes na parte em que entendeu que o preenchimento dos quinhões estava dependente do apuramento do valor dos bens partilhados na África do Sul, segmento este que não deverá ser tido em consideração.
Nessa medida, determina-se que se proceda à elaboração do mapa à partilha nos moldes já decididos a fls. 840 a 843 consignando-se existir erro por manifesto lapso quando se consignou que se deveria atender aos valores dos bens a que se reportava o testamento (por já estrem partilhados e em pais estrangeiro), devendo o preenchimento dos quinhões ser limitado aos valores dos bens existentes em Portugal.”.
Notificados deste despacho vieram os interessados E… e outros arguir a nulidade do mesmo por, em seu entender, se revestir na prática de um acto não previsto e proibido por lei, por força das disposições conjugadas dos artigos 195º, nº1, 613º, nº1 e 3 e 620º do CPC, mais requerendo que se mantenha na íntegra o despacho anteriormente proferido sobre a mesma questão.
Em resposta veio a cabeça de casal, afastar a nulidade do despacho apontada pelos referidos interessados e defender que se a mesma existir, o que não aceita, só pode apreciada em sede de recurso atento o disposto no art.º 615º, nº4 do CPC.
Foi então proferido despacho no qual se julgou improcedente a apontada nulidade e se reiteram os argumentos contidos no despacho impugnado.
Na sequência do decidido vieram os interessados E… e outros interpor recurso.
Quanto ao objecto do mesmo recurso foi proferida decisão desta Relação na qual se considerou que nos termos do disposto no nº2 do art.º 1396º do CPC, a decisão impugnada apenas o podia ser com o recurso da decisão final da sentença homologatória das partilhas, concluindo-se pela extemporaneidade na admissão do recurso.
Os autos prosseguiram então com a elaboração do mapa informativo (cf. fls. 994).
Dado cumprimento ao disposto no art.º 1377º do CPC vieram reclamar os interessados E… e outros e a cabeça de casal.
Perante tais reclamações ordenou-se que a Sr.ª Escrivã de Direito informasse os cálculos obtidos e se pronunciasse sobre as mesmas o que se cumpriu a fls. 1012 e seguintes.
Notificados do exposto, vieram os interessados E… e outros reiterar a posição que já antes tinham assumido quanto à composição dos seus quinhões e quanto ao pagamento de tornas por parte da cabeça de casal.
Proferiu-se despacho onde se ordenou que fosse elaborado novo mapa informativo onde se procedesse à correcção de valores no que toca à adjudicação da verba nº18.
Como se mostra de fls. 1033 e seguintes foi dado cumprimento ao ordenado com a elaboração de nono mapa informativo.
Notificados do mesmo voltaram os interessados E… e outros a reclamar do mesmo.
Quanto à cabeça de casal veio esta dizer que não merece provimento a reclamação apresentada, devendo por isso manter-se o mapa informativo objecto da mesma.
Foi então proferido despacho (cf. fls.1048/1049) no qual se considerou que face ao disposto no art.º 1373º, nº3 do CPC, o mapa de partilha só pode ser impugnado no recurso interposto da sentença homologatória da partilha.
Por ser assim, decidiu-se que o mesmo requerimento dos interessados E… e outros era extemporâneo e impertinente, e, em consequência indeferiu-se o mesmo.
Em requerimento próprio veio a cabeça de casal comprovar o depósito das tornas devidas (cf. fls.1053).
Como foi então ordenado, elaborou-se o mapa definitivo de partilha (cf. fls. 1161 e seguintes).
Notificados deste voltaram os interessados E…, G… e I… a reclamar do mesmo.
Respondeu a cabeça de casal afirmando que não elaboração do mesmo não existe qualquer irregularidade.
Foi proferido despacho onde se julgou improcedente a reclamação ao mapa definitivo apresentada nos autos.
Proferiu-se então sentença com o seguinte teor:
“Nos presentes autos de inventário que se procede por óbito de C… e de D… falecidos respectivamente a 6 de Outubro de 2008 e a 1 de Novembro de 1991 e em que exerceu funções de cabeça de casal B…, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls.1161 a 1153 inclusive.
Custas conforme dispõe o art.º 1383º do CPC.
Registe e notifique.”
Desta decisão e do despacho proferido nos autos com data de 27/05/2016 vieram interpor recurso os interessados E… e outros.
Sobre tal recurso foi proferido acórdão desta Relação no qual se decidiu julgar a apelação procedente e se declarou a nulidade do despacho proferido a 27.05.2016, na parte em que alterou o despacho proferido em 28.01.2016 e o processado subsequente incluindo o mapa de partilha e a sentença homologatória, ordenando-se que fosse alterado o despacho determinativo da partilha e se procedesse à elaboração de novo mapa, atendendo-se para cálculo da quota disponível do inventariado e da legítima, bem como para a composição dos quinhões ao que resulta, quanto aos valores dos bens e adjudicação dos interessados, da certidão junta aos autos do inventário por óbito de C… que correu termos na África do Sul.
Após a realização de diligências tendentes ao cumprimento do ordenado no mesmo acórdão foi ordenado o cumprimento do disposto no art.º 1373º, nº1 do CPC (cf. fls.1305).
Os interessados E… e outros vieram dar cumprimento ao ordenado (cf. fls. 1306 e seguintes).
Quanto à cabeça de casal veio esta e nos termos do disposto no art.º 1348º, nº6 do CPC, deduzir reclamação à relação de bens antes apresentada (cf. fls. 1311 e 1312).
Responderam os outros interessados classificando a mesma reclamação de ilegal, infundamentada e extemporânea (cf. fls. 1315 e seguintes).
Após várias vicissitudes processuais acabou por ser proferido o despacho de fls.1333 e seguintes no qual se admitiu a reclamação à relação de bens apresentada
Por não concordarem com o mesmo, dele vieram interpor recurso os interessados E… e outros.
Tramitado este recurso acabou por ser proferido acórdão desta Relação no qual e como se comprova de fls.1500 e seguintes, se julgou o mesmo procedente e se revogou o despacho recorrido.
No prosseguimento dos autos foi proferido despacho de forma à partilha (cf. fls.1515 e seguintes).
A fls.1518 elaborou-se mapa informativo.
Foi então proferido o seguinte despacho (cf. fls.1519):
“Fls.1518: Cumpra o disposto no artigo 1377º do Código de Processo Civil, apenas no que toca ao montante de tornas ainda não depositadas em €50.639.91.
Com efeito, de acordo com o mapa informativo de fls.1518 à cabeça de casal impõe-se depositar a título de tornas a quantia de €54.313, 45 (cf. fls.1054/1055), logo, a notificação dos Credores de Tornas ora efectuada nos termos do citado artigo 1377º, apenas se reporta à diferença entre as tornas devidas € 104.953,36 e as tornas já depositadas €54.313.45, ou seja, €50.639,91.
Notifique.”
Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1377º do CPC, vieram os interessados E… e outros arguir nulidades processuais e apresentar reclamação, concluindo a requerer que a cabeça de casal seja notificada para pagar tornas no valor global de 197.624,43€ assim repartidas: 41.458,13€ á interessada G…, 27.713.04€ ao interessado E…, 60.518,66€ á interessada I… e 67.953,19€ á interessada K….
Também a cabeça de casal veio reclamar do mapa informativo chamando novamente á colação a cláusula 4.4 do testamento do de cujus C….
A fls.1530 e seguintes proferiu-se despacho no qual se considerou que a forma à partilha já dada só pode ser alterada em sede de recurso a apresentar à sentença homologatória a proferir.
Por ser assim, concluiu-se alertando a cabeça de casal para o prazo que tem ao seu dispor para querendo depositar a referida quantia de €50.639,91.
Alegando não terem sido depositadas as tornas devidas, vieram os interessados E… e outros, requerer que após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha se proceda para o seu pagamento à venda dos bens adjudicados à cabeça de casal.
Elaborou-se então o mapa de partilha definitivo (cf. fls. 1357 e seguintes).
Deste reclamou a cabeça de casal.
Sobre tal reclamação incidiu desde logo um despacho de indeferimento de fls.1547/1548.
No entanto no mesmo conclui-se também o seguinte:
Que perante a informação antes prestada pela Secretaria a fls.1518, a interessada e cabeça de casal, B… deve a título de tornas aos interessados E… (€4.545,08), G… (€18.290,17) e I… (€44.767,37), o montante global de €60.185,95.
Que a ser assim e porque apenas estes interessados requereram o depósito das tornas e como já se encontra depositada à ordem dos autos a quantia de €54.313,45 (para entregar a estes interessados), a interessada B… apenas tem de depositar a quantia de €5.872,50.
De seguida foi proferida a seguinte decisão:
“Nestes autos de inventário cumulado instaurado por óbito de C…, residente que foi em …, …. …, África do Sul e D…, no qual desempenhou as funções de cabeça de casal B…, residente na rua…, nº.., …. …, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls. 1537 a fls. 1543, que aqui se dá por integralmente reproduzido, adjudicando aos interessados os respectivos quinhões.
Custas com observância do disposto no artigo 1383º do Código de Processo Civil.
Valor do inventário - €577.591,30 (artigo 302º, nº3 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”
Notificados dos supra identificados despachos vieram os interessados G…, I… e E… ao abrigo do disposto nos artigos 613º, nºs 2 e 3 e 614º do actual CPC (artigos 666º, nºs 2 e 3 e 667º do anterior CPC), pedir a rectificação de erro de cálculo de que os mesmos em seu entender enfermam.
Respondeu a cabeça de casal dizendo que não existe qualquer erro de cálculo.
Logo a seguir, vieram os interessados E…, G… e I… interpor recurso da sentença homologatória da partilha e apresentar as suas alegações.
A propósito do mesmo contra alegou a cabeça de casal.
Foi então proferido o despacho de fls. 1583 no qual se decidiu o seguinte:
Considerou-se existir um erro de cálculo no último parágrafo do despacho de fls.1548, razão pela qual se corrigiu o mesmo determinando que dele passe a constar o valor de €67.602,62 em lugar de €60.185,95.
Entendeu-se não existir qualquer erro quanto à fixação do valor da causa.
Admitiu-se o recurso entretanto interposto, recebendo o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Tramitado o recurso e recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Como é sabido, o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos interessados/apelantes nas suas alegações de recurso.
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1.Ao abrigo dos artigos 295º do C. Civil e 613º e 614º do CPC (anteriores 666º e 667º), notificados da douta sentença de homologação da partilha proferida nestes autos, bem assim dos despachos que a antecederam, em tempo e à cautela, os Recorrentes apresentaram a reclamação do despacho que antecedeu a sentença homologatória, arguindo e requerendo a rectificação de erro material de que o mesma enferma, sob a forma de erro de cálculo.
2.Não tendo sido, ainda, proferido o competente despacho sobre a rectificação requerida, à cautela, e considerando o decurso do prazo para apresentação do presente recurso, este versa também aquela rectificação de erro material, que tem por objecto o douto despacho que, antecedendo a sentença de homologação de partilha, consignou o seguinte: “Em face do exposto, da informação prestada pela Secretaria a fls. 1518, a Interessada B… deve a título de tornas aos Interessados E… (€4.545,08), G… (€18.290,17) e I… (€44.767,37) o montante global de €60.185,95. Apenas estes Interessados requereram o depósito das tornas, como já se encontra depositada à ordem dos autos a quantia de € 54.313,45 (para entregar a estes Interessados), a Interessada B… apenas tem de depositar a quantia de €5.872,50€. Nesta conformidade assistindo razão à Interessada B…, apenas tem de depositar a quantia de €5.872,50”. – nosso sublinhado.
3.O douto despacho enferma de manifesto erro de cálculo, na parte em que dele consta que Interessada B… a deve a título de tornas a quantia global de €60.185,95, porquanto AS TORNAS DEVIDAS AOS INTERESSADOS E…, G… E I…, nos valores referidos no despacho em crise e que constam do mapa de partilha, SOMAM O VALOR GLOBAL DE €67.602,62 (€4.545,08 + €18.290,17 + €44.767,37.
4.Assim, e caso se mantenha, a final, a partilha já homologada nestes autos, o valor de 60.185,95€, que consta do despacho que antecedeu a sentença, deve ser rectificado pelo valor de 67.602,62€, que corresponde ao somatório das tornas devidas aos Requerentes de acordo com o mapa já homologado.
5. E, reformulando-se os cálculos subsequentes daquele despacho, tendo já a Interessada B… procedido ao depósito do valor de 54.313,45€ tem, ainda, de depositar a quantia de 13.289,17€ (67.602,62€ - 54.313,45€), e não 5.872,50€ como se fez constar do douto despacho em crise, para assegurar o pagamento das tornas aos Interessados E…, G… e I…, o que expressamente se requer de VOSSAS EXCELÊNCIAS, devendo ser admitida a rectificação requerida e, assim, julgada procedente, com as devidas e legais consequências.
6. PARALELAMENTE, foi ainda requerida a rectificação do erro material de que enferma o cálculo do valor do processo de 577.591,30€, atribuído ao presente inventário pelo Tribunal recorrido, atendendo ao critério do art.º 302º, n.º 3 do CPC, já que, a soma dos bens que integram o presente inventário (critério a que manda atender aquele normativo) ascende ao valor global de 448.274,87€ (= Inventário de D…/Bens no valor de 206.906,30€ + Inventário de C…/ Bens no valor de 241.368,57€).
7. Assim, REQUER-SE a VOSSAS EXCELÊNCIAS que seja atribuído ao presente inventário o valor de 448.274,87€, que respeita à soma dos bens inventariados, rectificando-se o valor de 577.591,30€ anteriormente atribuído pelo douto despacho em crise, que enferma de notório erro de cálculo, face ao somatório do valor dos bens a que se há-de atender, de acordo com o art.º 302º, n.º3 do CPC.
SEM PRESCINDIR:
8.De acordo com o regime processual aplicável aos presentes autos, em particular como decorre do art.º 1396º, n.º 1 do CPC na sua redacção anterior, considerando que, nestes autos, ainda não transitou em julgado a sentença homologatória de partilha, são ainda e também recorríveis as decisões interlocutórias que influenciem ou determinem a forma da partilha – cfr. Ac. do STJ, de 20-02-1992, Proc. 080397, in www.dgsi.pt.
9.É o caso dos despachos determinativos da forma a dar à partilha, de 11-06-2019 (fls. 1514 e ss) e de 28/01/2016 (fls. 833 e ss), na parte em que, sobre a forma dar à partilha do inventariado C…, se decidiu que, da interpretação do testamento, afere-se que o de cujus dispôs da sua quota disponível a favor da cônjuge sobreviva, o que foi reflectido na forma que seguiu o mapa de partilha e composição dos quinhões dos Interessados.
10.Por força do despacho proferido em 27/05/2016, que revogou o despacho anterior de 28/01/2016, “na parte em que entendeu que o preenchimento dos quinhões estava dependente do apuramento do valor dos bens partilhados na África do Sul, segmento este que não deverá ser tido em consideração”, no mapa de partilha, inicialmente elaborado nos autos (fls. 1161 a 1163), os valores dos bens legados em testamento pelo inventariado não foram considerados, para efeitos de cálculo do valor da herança e, consequentemente, da atribuição e cálculo da quota disponível, das legítimas e respectivos quinhões de cada um dos Interessados.
10.Só com o mapa agora elaborado, e do qual se recorre, é que tal questão se coloca, porquanto, o douto acórdão desta Relação, proferido em 07/12/2017, declarou a nulidade do despacho de 27/05/2016 e ordenou “a elaboração de novo mapa, atendendo para cálculo da quota disponível do inventariado, da legítima, bem como para a composição dos quinhões ao que resulta, quanto ao valor dos bens e adjudicação aos interessados, da certidão junta aos autos de inventário por óbito de C… que correu na África do Sul”. – cfr. acórdão fls. 1243 a fls. 1253.
11.Pelo que só agora, ao considerar o valor dos bens legados e já partilhados na África do Sul, se impõe questionar SE, a cláusula 4ª do testamento pode ser interpretada no sentido de atribuir a quota disponível na íntegra à viúva B… [como se fez no mapa de que se recorre, em cumprimento dos despachos de fls. 833 e ss e 1514 e ss],
12.OU, se a referida cláusula, deve ser interpretada no sentido de, a quota disponível, ser imputada aos herdeiros, beneficiados pelo testamento, na proporção dos respectivos legados.
13.À sucessão do inventariado C… aplica-se a lei portuguesa, da sua nacionalidade, por força do art.º 62º do C. Civil, sendo necessário atender ao art.º 2187º, n.º 1 do mesmo diploma, do qual resulta que, existindo testamento, como no caso em apreço, o mesmo deverá ser interpretado de acordo com “o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.”
14.Paralelamente, a interpretação do testamento deverá ser também efectuada em conformidade com o espírito da lei e a vontade do legislador, expressa nas normas substantivas (e de natureza imperativa) da lei nacional aplicável – no caso a portuguesa – garantindo-se, assim, que a partilha, que atende à vontade do testador expressa nas disposições testamentárias, não ofende normas imperativas em matéria de sucessão, e que visam salvaguardar os interesses de todos os herdeiros legitimários.
15.Face ao disposto no art.º 2157º do C.C., o inventariado C… deixou 5 (cinco) herdeiros legitimários: a viúva, B…, e 4 (quatro) filhos: E…, G…, I… e K….
16.Todavia, no seu testamento, o inventariado C… apenas instituiu legados a favor de 3 (três) destes herdeiros legitimários [da viúva B… e dos filhos E… e G…], atribuindo a cada um deles, bens e depósitos bancários.
17.Além dos legados concretos e específicos instituídos a favor dos filhos, E… e G…, e do cônjuge B…, o testador fez, ainda, a favor desta, a disposição constante da cláusula 4ª que se transcreve: “ A parte restante da minha herança deverá ser transferida para B… (nascida a 24 de Setembro de 1969) ou para os seus descendentes per stirpes.” – nosso sublinhado.
18.Salvo sempre melhor e mais douta opinião em contrário, a expressão “parte restante da herança” – no contexto do testamento e dos legados instituídos a favor de 3 herdeiros legitimários – não pode ser interpretada no sentido de significar que, o testador quis atribuir, na íntegra a quota-disponível à interessada B…, como decorre dos despachos em crise!
19.Desde logo porque, não é esse sentido que resultada do elemento literal do testamento pois, da leitura da referida cláusula, interpretada de acordo com o art.º 236º do C. Civil e como bem se explicita no Acórdão do STJ de 1 1-05-1994, Proc. 085127, disponível in www.dgsi.pt, resulta apenas que “a disposição do remanescente traduz-se pura e simplesmente, numa forma indirecta e disfarçada de fazer a disposição da totalidade dos bens”,
20.que, no caso em apreço, seriam aqueles que sobrassem da herança, depois de deduzidos os legados instituídos no testamento.
21. Ora, a assim se manter tal interpretação, na prática significaria que a partilha da herança, é violadora das normas imperativas portuguesas, em particular os art.ºs 2133º, n.º1, al.ª a), 2142º, n.º 1, 2156º e 2157º do C. C., na medida em que o “remanescente” dos bens da herança, excluídos os legados, iriam na sua totalidade para a cônjuge B…, ficando de fora da herança as duas filhas (I… e K…) não contempladas no testamento!
21.A interpretação desta cláusula e a definição da vontade do testador que lhe foi implícita, terá de ser realizada de harmonia com o seu elemento literal e os limites legais (imperativos) à liberdade de disposição dos bens pelo testador, no sentido de que este, na obrigatoriedade de a sua sucessão contemplar todos os herdeiros legitimários, incluindo as duas filhas (I… e K…) não beneficiadas pelo testamento, usou a parte da sua herança de que podia dispor livremente para favorecer os herdeiros contemplados no testamento, instituindo os legados por cinta da quota disponível.
22.Considerando que “no legado por conta da quota disponível há, da parte do testador, a manifestação de vontade no sentido de beneficiar o herdeiro contemplado com o legado” – cfr. acórdão da Relação de Guimarães, de 22-03-2011, Proc. 574/09.0TBGMR.G1, in www.dgsi.pt –,
23.impõem-se interpretar e, assim, concluir que, os legados, foram instituídos com a intenção de beneficiar os (três) herdeiros contemplados no testamento, dispondo o testador da quota disponível na íntegra para tal efeito,
24.pelo que, a quota-disponível tem de ser atribuída aos beneficiários do testamento (B…, G… e E…), na proporção dos respectivos legados.
25.Os despachos aqui colocados em crise, que determinaram a interpretação da cláusula 4ª e a forma a dar à partilha e, consequentemente, o mapa de partilha elaborado, devem ser revogados, na parte em que atribuíram à interessada B… a quota disponível da herança do inventariado C… (1/3),
26.devendo ser substituídos por outra decisão que, em cumprimento da interpretação que resulta do testamento – segundo a vontade do testador ali expressa, validada pelos limites das normas imperativas que regulam a sucessão legitimária – atribua a quota disponível aos beneficiários do testamento, na proporção dos legados instituídos.
27.Assim, a partilhada herança do inventariado C…, deve atender ao valor dos legados instituídos (no valor global de 117.316,19€), por conta da QUOTA DISPONÍVEL da herança do inventariado C… (123.561,66€), a qual deve ser ATRIBUÍDA, NA PROPORÇÃO DOS LEGADOS, AOS BENEFICIÁRIOS DO TESTAMENTO:
- E…:19.060,53€; G…:19.060,53€; B…:79.195,14€/legado], cabendo ainda à interessada B… o valor de 6.245,46€, referente ao remanescente dessa quota da herança [123.561,66/Quota Disponível - 117.316,19€/Legados], de que o testador podia dispor livremente.
28.Já a quota indisponível da herança do inventariado C… (247.123,33€) servirá para garantir as legítimas dos herdeiros: subtrai-se o valor de ¼, referente ao valor da legítima da viúva; sendo os restantes ¾ são a dividir pelos 4 (quatro) filhos.
29.Atento o exposto, deve ser elaborado novo mapa de partilha, tendo em conta as seguintes operações:
-1 º CASAMENTO:
1) VALOR HERANÇA -- 206.906,30€
2) Meação D… - 103.453,15€
a) Legítima C… - 25.863,28€
b) Legitima Filhos -25.863,28€
3) Meação C… - 103.453,15€
- 2 º CASAMENTO:
1) VALOR HERANÇA - 370.685,00€:
- Bens 1º Casamento
a) Meação 1º Casamento - 103.453,15€;
b) Legítima 1º Casamento - 25.863,28€;
- Bens 2º Casamento
a) Bens em Portugal - 124.052,38€,
b) Bens na A.S. - 117.316,19€;
2) Q. Indisponível (= 2/3) -- 247.123,33€
a) Legítima C.C. - 61.780,83€
b) Legítima Filhos - 46.335,62€
3) Q. Disponível (=1/3) - 123.561,66€
4) Legados/Testamento - 117.316,19€
5) Remanescente Q.D. - 6.245,46€
30.Os quinhões de cada um dos Interessados hão-de ser compostos da seguinte forma, começando pela cabeça de casal B…:
a) Legítima - 61.780,83€
b) Q.D.- 85.440,60€
c) Tem a receber (legítima + Q.D.) - 147.221,43€
d) Recebeu o valor de 290.295,86, logo
e) Recebeu a mais 143.074,43, que repõe em tornas.
31. Quanto ao interessado E…:
a) Total Legítimas - 72.198,90€
b) Q.D. 2º Casamento/legado - 19.060,53€
c) Tem a receber -91.452,93€
d) Já Recebeu - 65.805,62€
(Verba n.º18/ 46.745,09€ + Legado/19.060,53€)
e) Falta-lhe receber, que recebe em tornas da C.C., 25.647,31€.
32.Quanto à Interessada G…:
a) Total Legítimas- 72.198,90€;
b) Q.D. 2º Casamento/Legado -- 19.060,53€
c) Tem a receber - 91.452,93€;
d) Já Recebeu - 52.06053€:
(Verba n.º18/33.000,00€ + Legado/19.060,53€)
e) Falta-lhe receber, que recebe em tornas da C.C., 39.392,40€;
33. Quanto à Interessada I…:
a) Total Legítimas - 72.198,90€;
b) Tem a receber - 72.198,90€,
c) Já recebeu (Verba n.º18)) - 34.848,20€;
d) Falta-lhe receber, que recebe em tornas da C.C., 37.350,70€.
34. Face ao supra exposto, assim elaborado o mapa de partilha, e de forma a compor os quinhões dos Interessados Recorrentes, tem a Cabeça de Casal, B…, a pagar-lhes, a título de tornas, o valor global de 102.390,41€ (cento e dois, trezentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos), correspondendo ao Interessado E…/25.647,31€; à Interessada G…/39.392,40€ e à Interessada I…/37.350,70€.
35. Uma vez que a C.C. já depositou à ordem destes autos, a título de tornas, o valor de 54.313,45€, falta-lhe, ainda, depositar o valor de 48.076,96€, o que se requer a VOSSAS EXCELÊNCIAS seja ordenado, por via de douto acórdão que venha a ser proferido, devendo mandar revogar as decisões interlocutórias objecto do presente recurso, e mandar homologar a forma a dar à partilha nos termos supra requeridos, com a consequente elaboração do respectivo mapa, nos termos supra expostos.
TERMOS EM QUE, no cumprimento das norma supra citadas e no melhor de direito aplicáveis, com o douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS, deve o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, as decisões interlocutórias recorridas revogadas e substituídas por douto acórdão a proferir por V Exas, no sentido de a partilha a homologar nos presentes autos adoptar a forma supra alegada, assim se fazendo JUSTIÇA!
SEM PRESCINDIR:
Caso se mantenha, a final, a partilha já homologada nestes autos, deve o valor de 85,95€, que consta do despacho que antecedeu a sentença, ser rectificado para o valor de 67.602,62€, que corresponde ao somatório das tornas devidas aos Requerentes de acordo com o mapa já homologado. E, reformulando-se os cálculos subsequentes daquele despacho, tendo já a Interessada B… procedido ao depósito do valor de 54.313,45€ tem, ainda, de depositar a quantia de 13.289,17€ (67.602,62€ - 54.313,45€), e não 5.872,50€ como se fez constar do douto despacho em crise, para assegurar o pagamento das tornas aos Interessados E…, G… e I…, o que expressamente se requer de VOSSAS EXCELÊNCIAS, devendo ser admitida a rectificação requerida e, assim, julgada procedente, com as devidas e legais consequências.
POR ÚLTIMO:
REQUER-SE a VOSSAS EXCELÊNCIAS que seja atribuído ao presente inventário o valor de 448.274,87€, que respeita à soma dos bens inventariados, rectificando-se o valor de 577.591,30€ anteriormente atribuído pelo douto despacho em crise, que enferma de notório erro de cálculo, face ao somatório do valor dos bens a que se há-de atender, de acordo com o art.º 302º, n.º3 do CPC.
*
Por seu turno a cabeça de casal B… nas suas contra alegações defende em suma o seguinte:
Que não se verifica qualquer erro de cálculo relativamente ao valor das tornas atribuídas à interessada I… e que é de €37.350,00;
Que se afigura correcto o valor dos dois acervos a partilhar nas heranças de C… e de D… e que é de €474.138,15 (€370.685,00 + €103.453,15);
Que foi correcta a forma como no despacho determinativo da forma à partilha e do respectivo mapa de partilha foi interpretada a cláusula 4ª do testamento que teve por objecto os bens do inventariado C… na África do Sul.
*
Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) O erro material ou de cálculo cometido no despacho de fls.1547 e 1548 relativamente ao valor das tornas devidas aos interessados E…, G… e I…;
2ª) Qual o valor correcto do inventário;
3ª) Qual a forma correcta de interpretar o ponto 4.4 do testamento de fls. 1384 e seguintes.
*
Para apreciar e decidir as questões suscitadas importa ter em conta o que já consta do ponto I. Relatório deste acórdão.
Iniciando a nossa análise pela primeira das questões suscitadas, cabe desde já dizer que a análise da mesma se encontra já ultrapassada pelo que ficou decidido no despacho proferido a fls. 1583.
Assim no mesmo e como já vimos, o Tribunal “a quo” considerou que de facto no despacho de fls.1548 se verificava um erro de cálculo e decidiu ao abrigo do disposto no art.º 614º, nºs 1 e 2 do CPC, rectificar tal erro de cálculo, determinando que o montante global de tornas a cargo da interessada e cabeça de casal B… é de €67.602,62 e não de €60.185,95.
A ser deste modo e mostrando-se corrigido tal lapso, resulta claramente desnecessária qualquer decisão nesta instância a propósito de tal questão.
Cabe agora apreciar e decidir a questão do valor do inventário.
Sabemos que na sentença homologatória da partilha (cf. fls.1548) ficou consignado o seguinte:
“Valor do inventário - €577.591,30 (artigo 302º, nº3, do Código de Processo Civil).”
É pois contra este entendimento que agora se insurgem os interessados E…, G… e I….
Vejamos, pois, se com fundamento.
Desde logo importa não esquecer que no momento em que foi instaurado o presente inventário vigorava o Código de Processo Civil na versão anterior àquela que foi introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06.
Cabe por isso apreciar a questão do valor do inventário primeiro à luz da legislação anterior e depois de acordo com o regime do NCPC, sendo claro que ao caso não se aplica, manifestamente, o Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº23/2013, de 05 de Março.
É consabido que o inventário tem, efectivamente, vários valores, sendo de considerar tal processo, um processo em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, devendo por isso ser aplicado o regime previsto no art.º 308º, nº3, do anterior CPC (neste sentido cf. Gama Prazeres, Manual do Processo de Inventário Obrigatório (ou Orfanológico) e Facultativo (ou de Maiores), 1965, pág.61).
No entanto, todos aceitam que para se considerarem esses diversos valores, não é mostra necessário que se vão proferindo sucessivos despachos a fixar cada um desses mesmos valores.
A ser assim o entendimento que deve ser seguido é o consignado por Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, volume III, Almedina, 1980, 3ª edição, pág. 214 e seguintes, onde afirma o seguinte: «…enquanto nas causas em geral o valor se considera fixado no que as partes acordaram ou no que o juiz considerou conforme à realidade nos precisos termos do art.º 315-2 do Cód. Proc. Civil, relativamente ao processo de inventário não é assim que as coisas se processam.
Desde sempre se teve como idóneo que o valor do inventário, para respeito da regra que manda determiná-lo «pela utilidade económica imediata» (art.º 305.°-l), haverá de coincidir com o dos bens a partilhar (…). Ora, este valor só a sequência do processo consentirá surpreendê-lo, pois o mecanismo do inventário (avaliações, licitações, etc.) está justamente orientado no sentido da valorização rigorosa deles, pressuposto necessário da igualação de lotes e repartição equitativa do património hereditário.
Fruto de meros conceitos doutrinários (…) e jurisprudenciais (…) este princípio foi proposto para ser objecto de regra de direito positivo no momento em que, por alturas de 1961, se procedeu à reforma processual (…). E hoje decorre líquido do art. 308.°-3 do Cód. Proc. Civil vigente, preceito que só não reproduz ipsis verbis o texto proposto pela Comissão Revisora pelas razões sucintamente alinhadas na revisão ministerial (…).
Temos, pois, que nos inventários «o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários» (…).
Esta regra suscita três considerações: - a primeira implica que o valor inicialmente aceite é meramente provisório; a segunda que, contra o que pode surpreender-se da sua gramática, não é forçoso proferir qualquer despacho para corrigir tal valor, mercê da sequência do processo; e a última que esses elementos atendíveis os irá fornecendo sucessivamente o processo consoante as várias fases que vão ocorrendo no decurso da sua tramitação.».
E pois de acordo com este entendimento que se deve considerar, que o valor do inventário, estando apresentadas as relações de bens, “…será o expresso pelos documentos que as acompanharam e pela indicação que competia fazer ao cabeça-de-casal…». (cf. Lopes Cardoso, obra e volume citados, pág.216).
A ser assim, resulta indiscutível que em regra, o valor resultante da relação de bens deve compreender os bens que, embora não hajam sido relacionados de início, tenham sido aditados posteriormente pelo cabeça-de-casal quer por iniciativa sua quer por efeito do reconhecimento parcial ou total de reclamação de um outro interessado.
Ora o entendimento que acabamos de explanar é de adoptar também, com as necessárias adaptações, no âmbito do NCPC, mormente por força do disposto no seu art.º 299º, nº4.
Concretizando:
No Mapa de Partilha (cf.1537 e seguintes), constam como valores dos bens a partilhar os seguintes:
- Dos bens comuns do casal composto pelos inventariados D… e C… o seguinte valor total dos bens a partilhar - 206.906,30€;
- Dos bens do inventariado C… o seguinte valor total dos bens a partilhar- 370.685,00€.
Sendo assim e perante o critério antes melhor explicado, bem andou pois o Tribunal “a quo” quando considerou que o valor do inventário deve corresponder à soma destes dois valores (206.906,30€ + 370.685,00€ = 577.591,30€).
Ou seja, nenhuma razão existe para censurar o que a tal propósito, ficou decido.
Nesta parte, improcede pois o recurso aqui interposto.
Cabe agora apreciar a última das questões suscitadas.
Para decidir tal questão, temos desde logo como fundamental recordar aqui o que ficou consignado no Acórdão proferido por esta Relação no dia 07.12.2017 (cf. fls. 1243 e seguintes) e que foi em súmula o seguinte:
Assim ficou definido que atento o disposto nas regras conjugadas dos artigos 25º e 62º do Código Civil, no caso dos autos a sucessão deve ser regulada pela lei portuguesa.
Fez-se notar que por via do exposto e em bom rigor, todos os bens do inventariado C…, incluindo os situados na África do Sul, deviam ser relacionados e partilhados no presente inventário.
Salientou-se que no entanto, por ter já havido partilha na África do Sul, dos bens localizados nesse país, devia ser indicado no presente inventário, o valor dos bens situados no estrangeiro para ser encontrado o valor total da herança.
Realçou-se que a parte já partilhada não pode aqui ser objecto de outra partilha.
Conclui-se que tinha de ser considerado no presente inventário para cálculo da quota disponível e da legítima do inventariado C…, bem como para a composição dos quinhões o que quanto aos valores dos bens e sua partilha, resulta do inventário que correu termos na África do Sul.
Como já todos vimos foi em cumprimento do então decidido que se proferiu o despacho determinativo da forma à partilha de fls. 1515 e se elaborou o Mapa de Partilha de fls.1537 e seguintes.
E precisamente quanto ao conteúdo destes dois actos processuais que os interessados E…, G… e I… se vêm agora insurgir.
Para tanto defendem que ao interpretar-se como ali se interpretou, a cláusula 4ª.4 do testamento do inventariado C…, se procedeu à partilha em violação das regras previstas nos artigos 2133º, nº1, alínea a), 2142º, nº1, 2156º e 2157º todos do Código Civil.
Vejamos se é de facto assim, recordando antes do mais qual o conteúdo de cada uma das normas pretensamente violadas:
“Artigo 2133º- Classes de sucessíveis
1.A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte:
a) Cônjuge e descendentes;
Artigo 2142º - Regras gerais
1.Se não houver descendentes e o autor da sucessão deixar cônjuge e ascendentes, ao cônjuge pertencerão duas terças partes e aos ascendentes uma terça parte da herança;
Artigo 2156º - Legítima
Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários.
Artigo 2157º - Herdeiros legitimários
São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima.”
Quanto à cláusula 4 do Testamento é o seguinte todo o seu teor:
“4. Nomeação de Herdeiros
4.1 A minha propriedade imóvel, nomeadamente:
.. … Road,
Southhills
….
(Talhão … - …)
Deverá ser transferida para B… (nascida a 24 de Setembro de 1969) ou para os seus descendentes per stirpes.
4.2. A minha conta bancária no M… Bank (sucursal de …) deverá ser transferida para B… (nascida a 24 de Setembro de 1969), ou para os seus descendentes per stirpes.
4.3. A minha participação de 50% (cinquenta por cento) em N… CC (.. …./……/..) deverá ser transferida em partes iguais para os meus filhos E… (nascido a 2 de Maio de 1966) e G… (nascida a 16 de Agosto de 1967) ou para os seus descendentes per stirpes.
4.4. A parte restante da minha herança deverá ser transferida para B… (nascida a 24 de Setembro de 1969), ou para os seus descendentes per stirpes.”
Por outro lado no despacho determinativo da forma à partilha e com relevo para a questão em análise, ficou consignado o seguinte:
“Por instrumento lavrado a 15 de Agosto de 2007, em Joanesburgo, o Inventariado legou à Cabeça-de-casal um prédio situado na África do Sul e a conta bancária sediada na África do Sul, legou aos Interessados E… e G… a participação de 50% num empreendimento sito na África do Sul e; instituiu a Cabeça-de-casal herdeira do restante património, que de acordo com o despacho proferido a fls. 833 e 843, significa à luz do ordenamento jurídico português dispor da quota disponível a favor da Cabeça-de-casal.
(…)
Posto isto, procede-se à partilha pela seguinte forma:
Da herança de D…:
a) Somam-se os valores dos bens relacionados desde a verba nº1 à verba nº15, da relação de bens de fls.651 a fls.654 e, ainda, o valor fixado pela avaliação de fls. 743 a fls.761 às verbas nº17 da relação de bens de fls.654 e, ao total obtido divide-se em duas partes iguais sendo que uma delas constitui a meação da Inventariada e a sua herança e, outra a meação do Inventariado C…, a qual lhe é adjudicada, artigos 1732º, 1688º e 1699º, todos do Código Civil.
(…)
c) Herança de C…
d) Esta herança é constituída pelo resultado da soma da meação, referida em a), como o que lhe tocou na herança da Inventariada, mencionada em b), pela soma do valor das verbas nº18 à verba nº23 e, ainda pelo valor total dos bens já partilhados na África do Sul que é de €117.316,19, resultado este que se divide em três partes iguais, constituindo uma delas a parte disponível da herança e as restantes a parte indisponível – artigos 2156º, 2157º e 2159º, nº2, todos do Código Civil.
e) As duas terças partes que constituem a parte indisponível da herança dividir-se-á em 4 partes iguais, ficando uma a caber à Cabeça-de-casal, na qualidade de cônjuge sobreviva: e a restante parte (3/4) divide-se por quatro partes iguais, por tantos serem os filhos do Inventariado, atribuindo-se um parte a cada um dos filhos – artigos 2131º e seguintes do Código Civil, nomeadamente artigo 2133º, nº1, alínea a) e nº2 e 2139º, nº1.
f) A terça parte que corresponde à quota disponível do Inventariado é atribuída à Cabeça-de-casal instituída herdeira desta parte.
***
Preenchimentos conforme o acordado em sede de conferência de interessados documentado a fls.783.
Importa ter em consideração duas questões:
- Os bens que o Inventariado era titular na África do sul já foram partilhados e, não serão agora partilhados, apenas se tem em consideração o valor total de tais bens para efeitos de valor total da herança e do preenchimento dos quinhões pelos herdeiros testamentários e legatários.
Assim o valor total da herança do Inventariado nos termos sobreditos, há-de resultar em sede de mapa de partilha na identificação da quota disponível e no valor da legítima de cada um dos filhos e da cônjuge supérstite, no que toca á quota indisponível.
No que toca ao quinhão de cada um, impõe-se preencher o quinhão da Cabeça-de-casal quanto aos legados: - no montante de €38.968,19 (prédio situado na África do Sul) + €43.346,79 (conta bancária M… Bank) e;
- quanto aos restantes bens da África do Sul - €3.303,82 (três veículos automóveis) + €277,01 (obrigações O… PLC – 600 pagáveis na íntegra).
É, ainda com os bens adjudicados por acordo à Cabeça-de-casal situados em Portugal e que agora se partilham.
Aos interessados E… e G… foi legada a proporção de 50% na N… no valor de €38.121,04.
O que significa que o quinhão de cada um destes Interessados é preenchido no montante de €10.060, 52 para cada um no que toca aos bens da África do Sul.”
Posteriormente (cf. fls. 1536) e por força da conclusão com informação aberta pelo Sr. Escrivão de Direito, proferiu-se o seguinte despacho:
“Fls.1535:
O valor total dos bens já partilhados na África do Sul identificados no despacho de fls. 1515 a fls. 1517 corresponde a €124.016,87, todavia, como se mostra reconhecido o passivo da herança no montante de €6.700,00, o valor total líquido dos bens já partilhados na África do Sul é de €117.316,19, tal como consignado no despacho de forma à partilha.
A única referência que não foi feita em tal despacho radica no passivo considerado nessa partilha que é - €6.700,68.
Este despacho faz parte integrante do despacho proferido de fls.1515 a fls.1517.”
Foi então elaborado o Mapa de Partilha “definitivo”, este também objecto de reparo neste recurso, no qual se deu cumprimento ao determinado pela Sr.ª Juiz “a quo”.
Perante tais dados o que cabe apurar é pois e considerando o valor dos bens legados e já partilhados na África do Sul, se a cláusula 4ª do testamento pode ser interpretada no sentido de atribuir a quota disponível na íntegra à viúva B… ou se a referida cláusula, deve ser interpretada no sentido de a mesma quota disponível ser imputada aos herdeiros, beneficiados pelo testamento, na proporção dos respectivos legados.
Para responder a tal questão importa referir que à sucessão do inventariado C… deve ser aplicada a lei Portuguesa por ser a da sua nacionalidade (cf. art.º 62º do C. Civil).
Por outro lado, cabe não esquecer que segundo o disposto no art.º 2026º do C.C. a sucessão pode ser deferida por lei, testamento ou contrato.
É igualmente sabido que por força do disposto no art.º 2187º, nº1 do CC, quando como no caso, exista testamento, na interpretação das disposições testamentárias deve ser seguido o entendimento que conforme o seu contexto, se revelar mais ajustado com a vontade do testador.
Não se questionando tal posição o certo é que a interpretação do testamento deverá ser, também, efectuada em conformidade com o espírito da lei e a vontade do legislador, expressa nas normas substantivas (e de natureza imperativa) da lei nacional aplicável, que é no caso a Lei Portuguesa.
Ou seja, deve garantir-se que a partilha a que se procede respeitando a vontade do inventariado expressa nas disposições testamentárias, não ofende normas imperativas em matéria de sucessão, nomeadamente as que visam salvaguardar os interesses de todos os herdeiros legitimários.
No caso concreto o que importa saber é se na cláusula 4ª.4. do seu testamento o inventariado C… dispôs do seu património pondo em causa as regras que nos artigos 2156º e seguintes Código Civil, regulam a sucessão legitimária.
Todos sabemos que por força do disposto no art.º 2157º do C.C., são herdeiros legitimários do inventariado C… os seguintes: a viúva, B… e os seus 4 (quatro) filhos, E…, G…, I… e K….
Como já vimos, no seu testamento, o inventariado C… apenas instituiu legados a favor de 3 (três) destes herdeiros legitimários, a saber da viúva B… e dos filhos E… e G…, atribuindo a cada um deles bens e depósitos bancários, todos eles domiciliados na África do Sul.
Mas para além disso, também sabemos que para além dos legados concretos e específicos instituídos a favor dos filhos, E… e G…, e do cônjuge B…, o testador fez ainda constar a favor desta última a disposição da cláusula 4ª, cujo conteúdo já todos conhecemos e onde dispõe que a parte restante da sua herança seja transferida para a sua mulher B… ou para os seus descendentes “per stirpes”.
Perante tal declaração expressa, resulta para nós evidente que a vontade do testador era claramente a de que a sua quota disponível fosse atribuída à sua mulher B….
No legado por conta da quota disponível, há da parte do testador a manifestação de vontade no sentido de beneficiar o herdeiro contemplado com o legado e este nada confere, isto, claro está, sem prejuízo de a doação poder vir a ser reduzida por inoficiosidade, caso o seu valor ofenda a legítima dos restantes herdeiros legitimários.
Assim, se o valor do bem legado a um dos herdeiros legitimários exceder a sua legítima, deve o excesso imputar-se na sua quota disponível, só havendo inoficiosidade para lá da soma do valor da legítima do herdeiro, acrescentado do valor da quota disponível. Só aí haverá verdadeira inoficiosidade, ou seja, prejuízo para os outros herdeiros legitimários (neste sentido cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. VI, 1998, pág.281).
Deste modo, o valor que pode exceder a legítima do herdeiro contemplado com o legado tem que ser imputado na sua quota disponível (no quinhão desse herdeiro nessa quota), conciliando-se assim o espírito de igualação dos herdeiros com o respeito pela vontade do testador de que o bem legado fosse transmitido àquele herdeiro.
Finalmente, se o valor do bem legado ultrapassar a legítima e o quinhão do herdeiro beneficiado com o legado na quota disponível, deve imputar-se a parte restante do legado na parte restante da quota disponível do “de cujus”, constituindo o sobrante desta o total dos quinhões hereditários dos restantes herdeiros, a dividir apenas entre eles.
Ora, nos autos o que se verifica é que no despacho que deu a forma à partilha e, subsequentemente, no mapa da partilha, foram entre o mais efectuadas as operações necessárias para que fossem cumpridas a regras imperativas que ao caso eram e são aplicáveis (cf. alíneas c), d), e) e f) a fls. 1516 v).
Não pode por isso dizer-se como fazem os interessados E…, G… e I…, que a forma à partilha aí apontada e concretizada no Mapa de fls.1537 e seguintes viola as normas invocadas na conclusão 21ª das suas alegações de recurso.
Por ser assim não existe qualquer fundamento para conceder provimento ao recurso aqui interposto.
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Sumário (da responsabilidade do Relator):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência confirmam-se integralmente os despachos determinativos da forma à partilha de fls. 833 e seguintes e de fls.1515 e seguintes, o mapa de partilha de fls.1537 e seguintes e a sentença homologatória de fls. 1548 v.
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Custas do presente recurso pelos interessados/apelantes E…, G… e I….
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Notifique.

Porto, 15 de Abril de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos