Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1061/11.2PCMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: PAGAMENTO DE MULTA
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP201410291061/11.2pcmts-A.P1
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Não é fundamento para a redução ou isenta do pagamento da multa por pratica do acto fora de prazo, a que se refere o artº 145º8 CPC 1961 (actual artº 142º8 CPC 2013) ex vi artº 107º CPP, por grave carência de meios económicos, a concessão de apoio judiciário nem a simples alegação sem demonstração dos seus rendimentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1061/11.2PCMTS-A.P1
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 1061/11.2PCMTS, do 4º Juízo Criminal de Matosinhos, o assistente B… requereu o pagamento da multa relativa a prática de acto no 2º dia útil após o termo do prazo.
Por despacho, foi tal requerimento indeferido.
É dessa decisão que recorre agora o assistente.
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São estas as conclusões (sic) do recurso, que balizam e limitam o seu âmbito:
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Assistente apresentou, no segundo dia útil de multa, as suas alegações de recurso.
Referiu a impossibilidade manifesta de efetuar tal pagamento, resultante das suas extremas dificuldades económicas.
A Meritíssima Juiz a quo indeferiu tal pretensão fundamentando parcamente a mesma.
A questão essencial aqui colocada é a de saber se se encontra provada a alegada insuficiência económica.
No nosso modesto entendimento, está provada a alegada carência económica como se pode, desde logo, aferir pelo Requerimento de Pedido de Apoio Judiciário.
Adaptando os factos à norma (artº 145º nº 8 do CPC refere-se em concreto às condições económicas e não a qualquer outro tipo de considerações), concluiu-se vivendo o Assistente em manifesta carência económica, seria de aplicar ao caso concreto a norma supra referida.
Pelo que, o despacho de fls. 157 e 158, deve ser revogado, nos termos sobreditos, deferindo-se assim a dispensa de pagamento da multa, nos termos do artº 145° n.° 8, do Código de Processo Civil, ou pelo menos, a sua redução.
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A estas conclusões respondeu o Ministério Público, alegando que o art. 107.°-A, al. b) do Código de Processo Penal prevê o pagamento de uma multa equivalente a 1 UC quando um acto seja praticado no 2.° dia posterior ao do terminus do prazo, sendo que o art. 145.°, n.° 8 do Código de Processo Civil prevê que o juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado; a circunstância de ao assistente ter sido atribuído apoio judiciário não é determinante da dispensa ou da redução do montante da multa; o rendimento anual do condenado permite concluir que o mesmo não vive numa situação de grave situação de carência económica; como também não resulta dos autos que o montante em causa se revele desajustado; pelo que o despacho recorrido não merece censura.
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Já neste Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto acompanhou as alegações do Ministério Público na primeira Instância, concluindo também pela improcedência do recurso.
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É este o teor do despacho recorrido:
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Veio o Assistente requerer a dispensa do pagamento da multa relativa à prática do acto no segundo dia útil seguinte ao termo do prazo para interpor do recurso, com o fundamento na sua carência económica para o pagamento, embora não demonstrada na decisão que lhe concedeu apoio judiciário, a fls. 150.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 145.°, n.°5 do Código de Processo Civil ex vi art. l07.°, n.°5 do Código de Processo Penal: independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (...)."
Permite o artigo 145° do CPC a prática de actos processuais fora de prazo, mediante a imposição de uma multa.
Pretendeu o legislador, com a previsão do pagamento de uma multa, por um lado, garantir que os prazos sejam respeitados e, por outro, permitir pequenos atrasos, cujos actos podem ser praticados até ao 3.° dia útil subsequente ao termo do prazo, funcionando a previsão da multa como um incentivo ao cumprimento dos prazos legalmente impostos.
Dispõe o art. 145°, n.° 8 do CPC (na redacção introduzida pelo Dec. Lei 34/2008, de 26/02), que “o juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa (...) quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte”.
Pretende-se, assim, que o montante da multa não se transforme num obstáculo ao direito de defesa dos direitos processuais.
Ora, in casu, a multa relativa ao 2.° dia útil corresponde a € 51. Donde, mesmo considerando a situação económica do Assistente, cujo ónus de a demonstrar lhe cabia, não bastando a alusão genérica à sua carência económica, com a indicação dos valores indicados como rendimento anual bruto, e ao facto de beneficiar de apoio judiciário, não se vislumbra que estejamos perante um caso de manifesta desproporcionalidade entre o montante da multa e o fim visado, ou seja a utilidade pretendida com o acto praticado (recurso), qualquer que seja a situação económica do requerente.
Ademais, estando o requerente assistido por Advogado tem o mesmo de conhecer as regras estipuladas sobre prazos, a sua relevância processual e os respectivos ónus.
Donde, indefiro o requerido.
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Decidindo.
O recorrente pretende ser dispensado do pagamento da multa referente à entrega de um requerimento no segundo dia útil após o término do prazo.
Para tanto, alega que beneficia de Apoio Judiciário, o que lhe confere esse privilégio processual.
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De harmonia com o Art. 145.°, n.°5 do Código de Processo Civil (vigente à data da prática do acto, ou seja, o anterior), ex vi Art. l07.°, n.°5 do Código de Processo Penal, independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Isto é, em situações que não deveriam ser as correntes, o legislador quis permitir que o requerente use de mais 3 dias de prazo para apresentar o seu requerimento, mediante o pagamento de uma multa, quando por qualquer razão, nomeadamente negligência, não cumpriu o prazo legal.
O Art. 107º-A, alínea b), do Código de Processo Penal, impõe o pagamento de uma multa equivalente a 1 UC, quando um acto seja praticado no 2º dia posterior ao do término do prazo.
Nesta vertente, o Art. 145.°, n.° 8, do Código de Processo Civil, permite que o juiz excepcionalmente determine a redução ou dispensa da multa, nos casos de manifesta carência económica, ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado.
E é aqui que diverge o recorrente; mas sem razão:
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Não será pelo singelo facto de o assistente beneficiar de Apoio Judiciário que lhe deverá ser atribuída a dispensa ou redução da multa.
Tanto assim é, que os autos demonstram que o recorrente não se encontra em situação de grave carência económica.
Nem é isso que se conclui da atribuição do benefício do Apoio Judiciário…
Por outro lado, considerando o montante da multa – fixado em uma UC – não se pode daqui intuir que tal montante se revela gravemente pernicioso para a sustentabilidade da vida económica do assistente, presente ou futura.
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É esta, aliás, a jurisprudência maioritária; como exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 7.10.2013, processo nº 702/11.6JABRG-E.G1: “A possibilidade do juiz determinar a redução ou dispensa da multa devida pela prática do ato num dos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo, não pode ser entendida como meio de um prolongamento generalizado dos prazos peremptórios fixados na lei. Tal faculdade deve ser usada em situações extraordinárias, invulgares ou incomuns. Para tal, o juiz deve atender quer à gravidade da inobservância do prazo peremptório em causa (nos casos menos graves a multa pode revelar-se desproporcionada), quer à situação de insuficiência económica do requerente, que tem de ser manifesta, ou seja, mais rigorosa, evidente ou inequívoca do que a que normalmente justifica a concessão do benefício de protecção jurídica.
Também importará ler o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2006 (na mesma senda, o processo nº Processo n.º 204/09, para uma situação similar): “o que impede o requerente de praticar o acto processual não é a insuficiência de meios económicos, mas a circunstância de ter apresentado um requerimento fora de prazo e não ter demonstrado que a sua situação económica é tal, que não possa satisfazer a multa que foi liquidada. A Constituição ampara perante a insuficiência económica, não subverte os princípios processuais para proteger da negligência.
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Concluímos assim que a simples atribuição de Apoio Judiciário não é fundamental para considerar o requerente gravemente carente de meios económicos, nem a simples alegação dos rendimentos, por si só, habilita o Juiz a determinar a redução ou isenção da multa (que não é o “preço” da Justiça, nem se confunde com as custas judiciais).
E assim, o recurso do assistente não poderá ser provido.
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Decisão.
Pelo exposto, acordam em conferência nesta Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo o despacho sob censura.
Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça de 3 UC.
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Porto, 29 de Outubro de 2014.
Cravo Roxo
Álvaro Melo