Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE CONTRATO DE PERMUTA HIPOTECA REGISTO DA HIPOTECA | ||
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Nº do Documento: | RP20230601135/22.9T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/01/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Se o contrato de permuta tiver por objecto um terreno por uma fracção autónoma de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta, mas a transferência do direito de propriedade relativo à fracção autónomas do edifício a construir (bens futuros) só se produz após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que as individualiza e lhes confere autonomia jurídica. II - A hipoteca constituída para garantia de determinada dívida, sobre um terreno para construção ou sobre o edifico em construção, transfere-se para cada uma das fracções, depois de constituído o prédio em propriedade horizontal, por forma em que cada uma das fracções garante a totalidade do crédito. III - Sendo o registo da hipoteca anterior à constituição da propriedade horizontal e ao posterior registo do direito de propriedade, aquele direito real de garantia prevalece sobre este, incompatível, direito de propriedade. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 135/22.9T8PNF.P1 Apelação – Processo 135/22.9T8PNF - Acção de Processo Comum - Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 3 Relator – Ernesto Nascimento Adjunto – João Venade Adjunto – António Paulo de Vasconcelos Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório AA, viúvo, residente na Rua ..., ..., ..., ..., Felgueiras, BB, casado, residente na Av. ..., edifício ..., ..., 3.º C, ..., ..., Felgueiras CC, casada, residente na Rua ..., ..., ..., ..., Felgueiras intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, com pedido de intervenção principal provocada de DD, casada, residente na Rua ..., ..., ..., Felgueiras, contra A..., SARL, com sede em ..., Avenue ..., Luxemburgo, pedindo a condenação da ré, - a) ser declarado e reconhecido que a herança aberta por óbito de EE e o 1.º autor são donos e legítimos possuidores, desde pelo menos 16/10/1996, da fracção autónoma denominada pela letra “AC”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, frente e traseira, tipo T4, para habitação, com lugar de garagem no piso menos 3 com o n.º 11 e arrumos no piso menos 3 com o n.º 11, descrita na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ......; b) Ser ordenado o registo do direito de propriedade a favor da herança aberta por óbito de EE e do 1.º autor, com efeitos retroactivos à data do início da posse, pelo menos a 16/10/1996; c) Ser declarado nula e de nenhum efeito, no que concerne à fracção autónoma denominada pela letra “AC”, supra identificada em a), a hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13; e, d) Ser ordenado o cancelamento do registo da hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13, quanto à fracção AC, libertando-a daquele ónus. Regularmente citada, contestou a ré, excepcionando a ilegitimidade activa dos autores e peticionando o indeferimento da intervenção principal provocada de DD, aceitando alguns factos e impugnando, de forma motivada, a maior parte da factualidade alegada pelos autores, concluindo pela sua absolvição da instância e, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção. A autora respondeu à invocada excepção. Foi admitida a intervenção principal provocada nos moldes requeridos pelos autores, tendo a interveniente sido regularmente citada. Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, procedendo-se, de seguida, à fixação do objecto do litígio, dos factos assentes e dos temas da prova. Seguiu o processo para julgamento, o qua veio a ter lugar, com observância do formalismo legal e, que culminou com a prolação de sentença a julgar a acção parcialmente improcedente e a declarar e reconhecer que a herança aberta por óbito de EE e o 1º autor são proprietários da fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ......, absolvendo a ré dos restantes pedidos. Inconformados recorrem os autores, pugnando pela prolação de acórdão que, revogando a sentença, julgue a acção totalmente procedente, rematando as alegações com as conclusões que se passam a transcrever: 1. Com recurso à prova gravada, os AA. impugnam a decisão da matéria de facto do ponto 8 dos factos provados e dos pontos 2, 3, 4 e 5 dos factos não provados, por entenderem que a prova produzida impunha que todos fossem julgados provados, com a seguinte redacção: provado que: 8. Há mais de 25 e 20 anos que os autores, por si e antecessores, estão na posse uso e fruição da aludida fracção autónoma; 8-a. Quando o prédio mãe ainda era um prédio rústico, denominado «...», descrito na mencionada conservatória sob o n.º ..., nele cultivando milho, batatas, feijão, vinha, colhendo os respectivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes; 8-b. Depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., nele efectuando terraplanagens, construindo arruamentos, infra-estruturas e edificações; 8-c. Depois de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º ..., constituindo-o no regime da propriedade horizontal; 8-d. E depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, habitando a casa, nela confeccionando e tomando refeições, repousando e dormindo, recebendo familiares e amigos, estacionando veículos na garagem e guardando objectos nos arrumos; 2. Ou quando assim não se entenda, prevenindo a hipótese de este Venerando Tribunal ad quem entender, tal como a primeira instância, que não podem os autores provar posse anterior à autonomização jurídica da fracção autónoma identificada em 2. dos factos provados, pretendendo que a redacção do ponto 8 dos factos provados seja alterada em conformidade com a prova produzida, a saber: 8. provado que depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, o que ocorreu em data não concretamente apurada, mas seguramente, pelo menos, no ano de 2000 e sempre antes de 31/07/2000, os autores, por si, passaram a usar e fruir da fracção autónoma identificada no anterior ponto 2”. 3. Nos artigos 12.º a 19.º da petição inicial os autores não se limitaram a alegar, sobre a fracção autónoma objecto dos autos, a sua própria posse, mas igualmente invocaram a posse dos antecessores (artigo 12.º) em conformidade com o artigo 1256.º, designadamente a posse da antepossuidora construtora, “B...”; 4. Mesmo inexistindo título de constituição de propriedade horizontal, é possível a alegação e prova da posse – boa para a adquirir por usucapião – exercida por quem a invoca e pelos antecessores (designadamente a imobiliária/construtura), sobre uma determinada fracção autónoma; 5. A prova dos factos alegados na petição inicial sob os artigos 12.º a 19.º (pontos ponto 8 dos factos provados e 2, 3, 4 e 5 dos factos não provados), resultou inequívoca das declarações de parte de BB e dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, FF, GG, HH, II e JJ: a. BB (declarações de parte), em 22/11/2022, das 09:55:47 às 10:37:10, afirmou que a fracção autónoma objecto dos autos foi construída pela “B...” para os pais, tendo sido ele, filho, com autorização dos pais, a acompanhar a sua construção, que começou com o prédio em grosso em 1996 e, depois, com a fracção já delimitada das demais, também em grosso em 1998 ou 1999, e por fim com a escolher os acabamentos e materiais da dita fracção autónoma, por volta dos meses de Fevereiro ou Março de 2000; acrescentou ainda que tal bloco de apartamentos, onde se insere a fracção autónoma permutada, objecto dos autos, foi precisamente erigida no local do prédio rústico dado de permuta pelos seus pais; prédio esse que, à data da permuta, já era possuído pelos seus pais há mais de 20 anos. b. FF, cujo depoimento foi gravado em 22/11/2022, das 10:37:53 às 10:57:11, asseverou a posse dos autores sobre o prédio rústico que deram de permuta à B..., garantiu que foi precisamente nesse prédio rústico que foi erigido o bloco de apartamentos onde se insere a fracção autónoma dada de permuta aos autores (conhecimento que tem pelo facto de a sua família ter também dado de permuta terrenos com aquele confrontantes), bloco que foi construído pela “B...”, que realizou os movimentos de terras, a construção das infra-estruturas e arruamentos, assim como a construção da fracção autónoma em si, para os autores e de acordo com as instruções destes na fase de acabamentos (tal como sucedeu com a família da testemunha), tudo sempre à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém; c. GG, cujo depoimento foi gravado em 22/11/2022, das 11:00:39 às 11:09:32, ela própria cultivou, com a autorização dos autores, o prédio rústico dado de permuta à B... durante 40 anos, à vista de todos e sem oposição de ninguém, sendo de todos conhecido serem os autores os seus proprietários; mais asseverou os actos de posse praticados pela subsequente proprietária “B...”, na sequência da permuta, que realizou os movimentos de terras, a construção das infra-estruturas e arruamentos, assim como a construção da fracção autónoma em si; e ainda os actos de posse praticados pelos autores sobre a fracção autónoma construída naquele bloco de apartamentos, sendo do seu conhecimento que sempre foi o autor BB que lá viveu com o seu agregado familiar. d. HH, gravado em 22/11/2022, das 11:19:27 às 11:29:04, marido da testemunha GG, confirmou a facticidade por esta descrita; e. II, gravado em 22/11/2022, das 11:29:46 às 11:39:50, descreveu de forma clara a posse dos autores sobre o prédio rústico que deram de permuta à B..., prédio esse que deu origem ao bloco de apartamentos onde se insere a fracção autónoma dada de permuta aos autores, onde foram realizados movimentos de terras, a construção das infra-estruturas e arruamentos, assim como a construção da fracção autónoma em si, para os autores e de acordo com as instruções destes na fase de acabamentos, onde até hoje tem habitado o autor BB e agregado familiar, tudo sempre à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém; f. JJ, gravado em 22/11/2022, das 11:40:28 às 12:04:40, sócio-gerente da “B...” aquando da permuta e das obras de construção do prédio e da fracção autónoma dos autores, garantiu que, na data da escritura de permuta, as primeiras obras do prédio em causa nos autos (terraplanagens e arruamentos), onde se insere a fracção autónoma dos autores, já se encontravam em andamento, com a autorização destes (a permuta já se encontrava apalavrada); não estava previsto o recurso a crédito bancário e nem a realização de hipotecas, sendo certo que isso não foi sequer falado com os autores; o acordo foi a entrega, pelos autores, de um terreno (prédio rústico), recebendo estes em troca a fracção autónoma em causa nos autos, livre de ónus e encargos; mais referiu que em 1998, quando abandonou a gerência da “B...”, o Edifício ... já se encontrava em avançado estado. 6. Este acervo probatório, assente em depoimentos de pessoas que tiveram conhecimento directo dos factos que descreveram, não foi contraditado por quaisquer outros meios de prova; 7. A escritura pública de permutas e compra e venda, outorgada em 16/10/1996, junta na petição inicial como documento n.º 2, de onde emerge o 1.º autor e a autora da herança receberam, em permuta do prédio rústico denominado “...”, “o apartamento modelo T4, sito no terceiro andar do edifício que aquela tem em construção”. 8. Esta declaração negocial, assim expressa, corrobora o depoimento da testemunha JJ, quando esta afirma que as obras do lote n.º 2 do referido loteamento, ou seja, as obras de construção do Edifício ..., onde se insere a fracção autónoma dos autores, já se encontravam em execução quando o aludido prédio rústico ainda era propriedade destes (ou seja, antes da celebração da escritura de permuta); 9. Também da descrição predial n.º ..., demonstra que só em 08/07/1997 o referido prédio rústico dos autores, anexado com outros (n.os ...; ...; ...; ... e ...), deu origem a um prédio urbano, altura em que já há muito (mais de 1 anos) se encontravam obras a decorrer naquele prédio rústico; 10. Considerando os preditos meios de prova, sempre salvo melhor opinião, entendem os autores que produziram prova abundante de que: a. Já desde data anterior a 16/10/1996, há mais de 25 e 30 anos, que os autores, por si e antecessores, estão na posse uso e fruição da aludida fracção autónoma; b. Quando o prédio mãe ainda era um prédio rústico, denominado «...», descrito na mencionada conservatória sob o n.º ..., nele cultivando milho, batatas, feijão, vinha, colhendo os respectivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes; c. Depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., nele efectuando terraplanagens, construindo arruamentos, infra-estruturas e edificações; d. Depois de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º ..., constituindo-o no regime da propriedade horizontal; e. E depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, habitando a casa, nela confeccionando e tomando refeições, repousando e dormindo, recebendo familiares e amigos, estacionando veículos na garagem e guardando objectos nos arrumos; f. Fazendo obras e benfeitorias e suportando os custos; g. Pagando os impostos e contribuições; h. O que, por si e antecessores, sempre a aludida herança e o 1.º autor têm feito pacificamente, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre os aludidos prédios. 11. E daí a impugnação da decisão da matéria de facto dever proceder nos termos das conclusões 1 ou 2, supra; 12. Os autores pretendem, com a presente acção, o muito justo fim de, no confronto com a ré, ver declarado o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada nos autos, desde 16/10/1996, com a consequente anulação e cancelamento da hipoteca, por ter sido realizada a non domino; 13. Tratar-se de uma pretensão muito justa porque, no caso dos autos, o autor e a sua falecida esposa, deram em permuta um prédio rústico, recebendo em troca uma fracção autónoma de um prédio em construção, vendo-se agora, por actos de terceiros a que são completamente alheios (B... e a Banco 1...) na contingência de perder tudo: fracção autónoma e terreno. 14. Resultado que é injusto e nefasto, atentando contra os conceitos de justiça dominantes, pois nenhum prédio existiria e nem nenhuma hipoteca teria sido constituída sobre ele se não fosse os autores, de boa fé, terem celebrado a aludida permuta; 15. Significaria tal resultado, na prática, que os autores não tivessem recebido coisa alguma em troca do terreno, tudo se passando que se fosse uma doação; 16. A solução jurídica, quanto a nós, não poderá deixar de passar pela posse e pela usucapião; 17. Nos termos do artigo 939.º CCivil, as normas relativas à compra e venda também são supletivamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos contratos em que se estabeleçam encargos sobre bens, como é o caso da hipoteca, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas. 18. Constituída hipoteca sobre terreno destinado a construção, a extensão da hipoteca ao edifício nele construído ocorre ipso lege, por força do disposto no artigo 691.º/1 alínea c) CCivil, mas essa hipoteca só produz efeitos em relação às fracções autónomas do edifício, enquanto unidades prediais independentes, quando se opera a sua individualização e autonomização jurídica através da constituição do regime da propriedade horizontal; 19. Os proprietários da fracção autónoma e a credora hipotecária são adquirentes do mesmo autor comum (a B...) de direitos incompatíveis entre si (a hipoteca e o direito de propriedade), e, como tal, são ambos terceiros entre si para efeitos de registo, artigo 5.º/1 do Código do Registo Predial; 20. É certo que a credora hipotecária logrou obter, ipso lege, sem a prática de qualquer acto material nesse sentido, o registo da hipoteca em momento anterior ao registo da propriedade pelos autores, embora este registo se tenha fundado em título muito anterior à hipoteca (a escritura de permuta celebrada em 1996). 21. Mas também não é menos certo que os autores, por si e antecessores, estão na posse da fracção desde pelo menos a mesma data do registo da propriedade horizontal; 22. E, na verdade, acedendo à posse dos antecessores, desde pelo menos 16/10/1996, tanto mais que, a fracção autónoma foi sendo construída pela B... com a fiscalização e acompanhamento constante dos autores, que inclusive escolheram alguns dos materiais a aplicar, de uma forma mais activa na fase dos acabamentos. 23. Acresce que, decorreu com clarividência da prova, que o prédio urbano, denominado ..., onde se insere a fracção dada de permuta, se situa exactamente no local onde anteriormente existia o prédio rústico, certeza que foi manifestada por todas as testemunhas que conheciam o local muitos anos antes da construção, alguns delas desde a infância. E daí não terem qualquer dúvida que existe tal correspondência. 24. Por algumas das pessoas inquiridas foi dito até, de uma forma que para nós se revelou impressiva, que a fracção foi construída para os autores. 25. De facto, os autores comportaram-se em relação à sua fracção autónoma, ainda durante a sua construção, como se fossem donos da obra; 26. Embora juridicamente só em 31/07/2000 a aludida fracção tenha ganho autonomia, ela já tinha existência e autonomia material em momento anterior. Note-se, a este respeito, que a testemunha JJ, gerente da B... entre os anos de 1996 e 1998, afirmou que, neste ano, o prédio onde se insere a fracção autónoma dos autores já estava muito adiantado. E o autor BB esclareceu que foi para lá viver logo que se casou (12/08/2000) e que, em data muito anterior, já fiscalizavam os trabalhos e tinha sido ele, com a autorização do seu pai, a escolher alguns dos materiais, uma vez que já estava previsto que seria ele a ir para lá habitar. 27. Por isso, não há dúvida que era perfeitamente possível existir (como existiu) posse dos autores sobre a fracção autónoma, mesmo antes da sua autonomia jurídica, com plena convicção do exercício do direito de propriedade, que lhes advinha da celebração da escritura de permuta. 28. Em todo o caso, havendo um conflito entre registo e posse, e sendo autores e ré terceiros, a Lei consagra que prevalece esta última nos termos do artigo 5.º/2 alínea a) do Código do Registo Predial e do artigo 1268.º CCivil; 29. Em face do carácter meramente declarativo do registo e do princípio da prevalência da situação real dos bens, havendo colisão entre a presunção fundada no registo e a presunção decorrente da posse, com início em data anterior ou, pelo menos, na mesma data do registo, prevalece a presunção fundada na posse. 30. Tendo a ré hipoteca registada sobre a fracção autónoma desde a data da constituição da propriedade horizontal (31/07/2000) e estando os autores na posse da mesma fracção desde, pelo menos, a mesma data, prevalece a presunção fundada na posse sobre a fundada no registo; 31. E, consequentemente, deve a acção ser julgada totalmente procedente. 32. Porque assim não se decidiu, a douta sentença recorrida violou o artigo 5.º/2 alínea a) do Código do Registo Predial e o artigo 1268.º CCivil. Contra-alegou a ré, defendendo a improcedência do recurso, tendo formulado as conclusões seguintes: I. Por via do recurso em apreço, os apelantes, visam obter uma alteração da douta sentença a quo, no sentido de lhes ser declarado o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma melhor identificada nos autos, com efeitos desde 16/10/1996, com a consequente a anulação e cancelamento da hipoteca que sobre a mesma subsiste a favor da ora apelada. II. A alteração da matéria de facto provada e não provada impugnada pelos apelantes, não tem qualquer suporte probatório; não só não resulta das declarações de parte nem dos depoimentos das testemunhas inquiridas, como dos documentos juntos aos autos, resulta manifesto que a fracção autónoma em causa não tinha existência jurídica ou sequer física antes de 16/10/1996 (ano em que se iniciou a construção do edifício e que decorreu durante cerca de quatro anos, só terminando em 2000). III. A posse é, inevitavelmente, um poder de actuação de facto sobre uma coisa que existe – cfr. artigo 1251.º CCivil – e, se o imóvel não existe, não é possível haver apossamento ou qualquer actuação material sobre a coisa; ou seja, não é possível haver corpus sobre esse bem. IV. Resulta apenas comprovada a propriedade e posse do primeiro autor sobre o imóvel rústico denominado “...”, correspondente à descrição ... da CRP de Felgueiras, até, no máximo, 16/10/1996; V. Resulta ainda dos elementos carreados para os autos, que foi a sociedade B..., Lda., proprietária do imóvel, quem efectuou todas as obras no dito prédio rústico até à conclusão das construções nele edificadas. VI. Apenas resultou provado nos autos que autonomização jurídica da fracção autónoma sub judice ocorreu a partir da constituição da propriedade horizontal em 31/07/2000, tudo conforme o ponto 5 dos factos provados na douta sentença e, registo da constituição da propriedade horizontal, contantes da AP. ... da 2000/07/31 da CRP .... VII. A agora pretendida actuação do ora apelante como dono de obra, não foi alegada ou resultou de qualquer meio de prova, não se bastando para tal, a visita ao local da obra ou a escolha dos materiais de acabamentos e, mesmo estes, atente-se, só ocorreram, em data não concretamente apurada, durante o ano de 2000. VIII. A posse da fracção, conforme confessado pelo recorrente, apenas ocorre no Natal de 2020 – altura em que, juntamente com a sua mulher, passou a habitar a mesma. IX. Nenhuma prova foi realizada da correspondência exacta entre o terreno dado em permuta e a área onde veio a ser edificado o Lote 2, correspondente ao Edifício ... X. O julgamento da matéria dada como provada sob o ponto 8 e não provada sob os pontos 2, 3, 4 e 5 não merece assim qualquer reparo ou censura, por estar absolutamente conforme com a prova produzida. XI. Num contrato de permuta de um terreno por fracções autónomas de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta e, a transferência do direito de propriedade relativo às fracções autónomas do edifício a construir - bens futuros - também decorre do mesmo contrato de permuta, mas apenas produz efeitos quando estes se tornam presentes - após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal – cfr. artigos 408.º/2 e 1417.º CCivil. XII. A constituição de uma hipoteca enquadra-se nos poderes de disposição do proprietário – cfr. artigos 1305.º, 688.º/1 alínea a) e 715.º CCivil, pelo que assistia à Sociedade B..., Lda. o direito de onerar o prédio urbano adquirido em permuta – como fez. XIII. Perante a constituição de hipoteca sobre terreno destinado a construção, a extensão da mesma ao edifício nele construído, ocorre ipso lege, por força do disposto no artigo 691.º/1 alínea c) e 696.º CCivil e, XIV. O mesmo acontece quando é constituída a propriedade horizontal sobre o mesmo – mutatis mutandis. XV. Trata-se da mesma hipoteca a que abrange o prédio mãe e as fracções concretamente constituídas após constituição do mesmo em propriedade horizontal, a qual, devidamente constituída e registada, goza da inoponibilidade da nulidade/anulação prevista no artigo 291.º/1 CCivil. XVI. Não tendo os apelantes impugnado a factualidade provada vertida nos pontos 4 e 6 referente à hipoteca e o ponto 6 dos factos não provados, que considerou como não provado que os ora recorrentes desconheciam, até à data de 27/09/2021, a existência das dívidas e da garantia hipotecária, o prazo para arguir a nulidade/anulação da hipoteca sempre estaria, há muito, largamente ultrapassado – cfr. artigos 287.º/1 e 291.º/2 CCivil. XVII. A constituição da hipoteca, atualmente registada a favor da ora apelada, não viola “qualquer dever de lisura, probidade ou de lealdade em que se analisa a má fé” - ao contrário, o peticionado pelos recorrentes é que se apresenta flagrantemente abusivo. XVIII. Para se socorrerem da acessão na posse da antecessora B..., nos termos previstos no artigo 1256.º CCivil, os apelantes teriam sempre de a aceitar nos termos em que a mesma fora exercida pelo seu antecessor e, por conseguinte, aqui se incluindo a constituição, pela antecessora B..., da supra aludida hipoteca. XIX. Pretendendo a putativa anulação ou declaração da nulidade de uma hipoteca, constituída pela anterior proprietária, nunca os autores, ora Recorrentes podem beneficiar da acessão na posse da antecessora proprietária; nesse sentido a jurisprudência do Ac. do STJ de 08-02-2018, supra aludido onde sumariamente se retira que: “o possuidor actual apenas poderá recorrer à acessão da posse do seu transmitente caso a usucapião não venha a funcionar contra ele”. XX. Acresce que, não existe, no caso sub judice, uma posse homogénea, que permita conceber a junção de posses: quando estamos perante um terreno rústico que, por via de diversas anexações e desanexações, passa a urbano e do qual, por sua vez, se desanexam diversas parcelas de terrenos para construção de seis edifícios em propriedade horizontal entre os quais veio a ser constituída a fracção autónoma dos recorrentes, estamos, necessariamente, perante um bem materialmente distinto daquele sobre o qual foi exercida a posse dos autores: vide Ac. do STJ de 12-12-2014, supra citado, XXI. Pelo que, apenas se for mantida a douta sentença nos exactos termos e com a fundamentação em que foi proferida, se obterá o correcto, esperado e justo fim para a demanda: o eventual incumprimento do contrato de permuta por parte da “B...” e os danos que daí advieram para os apelantes não são, não podem ser, imputáveis à ré! O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 627.º, 629.º/1, 631.º, 637.º, 638.º, 644.º alínea a), 645.º/1 alínea a) e 647.º/1 e 2 – este “a contrario – CPCivil. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve os recursos por próprios tempestivamente interposto e admitidos com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta. II. Fundamentação II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são as seguintes: - erros de julgamento; - a violação dos artigos 5.º/2 alínea a) do Código de Registo Predial e 1268.º CCivil. II. 2. Recurso da matéria de facto. II. 2. 1. Vejamos primeiramente os fundamentos da decisão recorrida. Factos provados. 1. Em 26/12/2016 faleceu EE, no estado de casada no regime da comunhão de adquiridos com o 1.º autor, sucedendo-lhe como únicos herdeiros legitimários: o marido, aqui 1.º autor; os filhos: 2.º e 3.º autores; e a 4.ª autora, chamada mediante intervenção principal provocada. 2. Por escritura pública de permutas e compra e venda, outorgada em 16/10/1996, a fls. 53-verso a 56 do livro de novas para escrituras diversas n.º 29-B, do cartório notarial de Mesão Frio, em que a autora da herança e o 1.º autor figuram como terceiros outorgantes e “B..., Lda.” figura como quarta outorgante, foi entre estes celebrada a seguinte permuta: “Finalmente, pelos terceiros outorgantes e quartos, estes em nome da sociedade que representam, foi declarado: “Que, entre si, permutam os seguintes bens: “a-) Os terceiros cedem à sociedade representada o prédio rústico que lhes pertence, sito no mesmo Lugar ..., denominado «...», com a área de quinhentos e vinte metros quadrados, descrito na mencionada conservatória sob o n.º ... e nela registado a seu favor pela inscrição G-2, omisso na matriz, tendo já sido feita a competente participação; “b) Os mesmos receberão da sociedade permutante o apartamento modelo T4, sito no terceiro andar do edifício que aquela tem em construção no lote n.º 2 do referido loteamento.”, apartamento para habitação, com lugar de garagem no piso menos 3 com o n.º 11 e arrumos no piso menos 3 com o n.º 11, descrita na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ......, tudo nos moldes vertidos no documento junto com a petição inicial sob o n.º 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 3. Pela anexação dos n.os …, …, …, … (prédio da autora da herança e do 1.º autor, objecto da escritura de permuta) e …, surgiu então o seguinte prédio urbano, situado no ... ou Avenida ..., freguesia ..., do concelho de Felgueiras: - Prédio urbano, parcela de terreno para construção, com a área de 13300m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., omisso na matriz, tudo nos moldes vertidos no documento junto com a petição inicial sob o n.º 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. Por desanexação do n.º ..., surgiu o seguinte prédio urbano, situado na aludida freguesia ..., do concelho de Felgueiras: - Edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, a confrontar do Norte com lote n.º 3, do Sul com lote n.º 5, do nascente com a variante à Avenida ... e do Poente com arruamento, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... (que proveito do anterior 1463 da extinta freguesia ...), sobre o qual foi constituída, através do registo ali aposto pela AP ... de 13/05/1998, hipoteca voluntária a favor da Banco 1... para garantia de todas as operações bancárias assumidas ou a assumir por “B..., Lda.”, tudo nos moldes vertidos no documento de fls. 17 verso e 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. Que foi constituído no regime da propriedade pela AP. ..., de 2000/07/31, tudo nos moldes vertidos no documento junto com a petição inicial sob o n.º 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 6. A fracção autónoma referida em 2 está descrita na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ...... e aí definitivamente registados a favor da autora da herança e do 1.º autor, através da AP ... de 2008/02/01, tendo para aí transitado, pela AP ... de 13/05/1998, o registo da hipoteca voluntária a favor da Banco 1... referida no anterior ponto 4. 7. Os autores receberam uma carta datada de 27/09/2021, da autoria de ilustre mandatária da ré, com o seguinte teor: “Assunto: Dívida emergente dos contratos de empréstimo com hipoteca n.os ..., ... e ... celebrados entre a sociedade B..., Lda. e a Banco 1..., S.A. “(…) “Incumbiu-nos a n/constituinte A... Sarl, actual titular dos créditos emergentes dos contratos supra identificados, os quais beneficiam de garantia hipotecária sobre a Fracção AC do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras (...) sob o número ......, de o contactar previamente ao accionamento de V. Exa., na qualidade de actual proprietário do identificado imóvel. “Em face do incumprimento da sociedade mutuária nos contratos em epígrafe, encontra-se a mesma a ser executada pelo valor global de € 1.269.451,11 (…), onde se incluem capital acrescido de juros vincendos desde 01/10/2019 até integral pagamento, à taxa legal em vigor de 4%; valor que não se encontra pago até ao presente momento. “Mantendo-se o incumprimento não restará ao nosso constituinte outra alternativa que não seja a de accionar também V. Exa. na qualidade de actual proprietário do referido imóvel, e até ao valor deste, ao abrigo do disposto no art.º 54.º, n.º 2, do CPC. (…)”, tudo nos moldes vertidos no documento junto com a petição inicial sob o n.º 6, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. Depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, o que ocorreu em data em concreto não apurada, mas seguramente, pelo menos, no ano de 2000, os autores, por si, passaram a usar e fruir da fracção autónoma identificada no anterior ponto 2. 9. Passando, desde de 2000, o autor BB, com autorização dos restantes, a habitar a casa, nela confeccionando e tomando refeições, repousando e dormindo, recebendo familiares e amigos, estacionando veículos na garagem e guardando objectos nos arrumos. 10. Fazendo obras e benfeitorias e suportando os custos. 11. Pagando os impostos e contribuições. 12. O que os autores, em representação da aludida herança, têm feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e na firme convicção de que estão e sempre estiveram, pelo menos desde 2000, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre a aludida fracção. 13. Durante mais de 30 anos e até data em concreto não apurada, mas nunca depois de 16/10/1996, por si e ante possuidores, o 1º autor cultivou milho, batatas, feijão, vinha, no prédio rústico denominado «...», descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., colhendo os respectivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes. 14. O que fez à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e na firme convicção de que esteve sempre, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico. 15. Os autores não foram advertidos, aquando da escritura de permuta supra identificada, da existência de qualquer ónus ou encargos sobre a fracção autónoma que lhes foi permutada, sendo que, à data dessa escritura, não havia qualquer hipoteca constituída. 16. A Banco 1... não ignorava a AP. ... de 1996/10/21, e bem assim não ignorava os factos descritos nos anteriores pontos 3 a 5, inclusive. Factos não provados. 1. A EE não tivesse deixado testamento e nem qualquer outra disposição de última vontade (cfr. documentos juntos com o requerimento com a referência 43643703). 2. Desde data anterior a 16/10/1996, há mais de 25 e 30 anos que os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição da fracção autónoma identificada no ponto 2 dos factos provados, e bem assim que, desde data anterior a 13/05/1998, os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição dessa mesma fracção. 3. O prédio rústico denominado “...”, descrito na conservatória sob o n.º ... fosse o prédio “mãe” da fracção “AC” referida nos factos provados. 4. Os actos descritos em 8 a 12 dos factos provados se tivessem iniciado logo depois (dias seguintes) de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º .... 5. Depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., os Autores, por si e ante possuidores, tivessem efectuado nele terraplanagens, construindo arruamentos, infraestruturas e edificações ou praticado qualquer um dos actos descritos em 8 a 12 dos factos provados sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e na firme convicção de que estão e sempre estiveram bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre os aludidos prédios. 6. Até à recepção da carta referida nos factos provados, os autores desconhecessem em absoluto a existência das dívidas e garantia hipotecária referida nos factos provados. 7. A Banco 1... não ignorasse o teor da escritura de permuta referida nos factos provados, e bem assim não ignorasse o facto descrito em 9.º da petição inicial. 8. A Banco 1... soubesse que a hipoteca voluntária que se mostra registada sob o prédio n.º ... pela AP. ... de 1998/05/13, não podia incidir sobre a fracção AC, por esta ter advindo à posse e propriedade da autora da herança e o 1.º A. pela supra aludida permuta, celebrada 16/10/1996. Porque tal questão interessa igualmente à decisão do recurso, vejamos, igualmente, o que ali se deixou exarado em termos de fundamentação para suportar aquela decisão sobre a matéria de facto. No que se refere aos factos que permaneceram controvertidos após a prolação do despacho saneador, o tribunal formou a sua convicção na análise conjunta e crítica, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, das declarações de parte do autor BB, dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, e bem assim de todos os documentos juntos, todos devidamente examinados na audiência. Analisado este quadro probatório exposto, verifica-se que os factos apurados estão corroborados pelas declarações de parte do autor BB e pelos depoimentos das testemunhas KK, GG, HH, II e JJ, que, por serem vizinhos e amigos dos autores, revelaram um conhecimento sumário sobre os factos, mas suficiente no que toca aos factos provados, pois que, quanto a estes, não contrariado pelos documentos juntos aos autos e pelo depoimento da testemunha LL, funcionário da Banco 1..., antes com eles compatíveis. Sendo que a parte final e explicativa do facto apurado vertido em 15 dos factos provados resulta da certidão de fls. 16 e 17, p. 2. O apuramento do facto descrito em 16 dos factos provados resulta da circunstância de esses dados constarem da respectiva certidão predial, o que permite a ilação de que a Banco 1..., numa atitude diligente como é própria da sua actividade, não pode ter deixado de verificar os mesmos (presunção judicial, nos termos do art. 349º do CC). Já quanto aos factos não provados, importa reter o seguinte: A não prova do facto vertido em 1 dos factos não provados resulta da prova do seu contrário vertida nos documentos de fls. 77 a 89 dos autos. A não prova dos factos descritos em 2 a 5 dos factos não provados resulta da circunstância de os mesmos não terem qualquer suporte probatório, porquanto nem as declarações de parte nem as testemunhas o afirmaram e os documentos juntos aos autos revelam claramente que a fracção autónoma em causa não tinha nem existência física nem jurídica antes de 16/10/1996, pois que ainda era uma fracção a construir no futuro. Ademais os documentos juntos aos autos atestam que a fracção em causa só passou a ter autonomia jurídica em 31/07/2000, quando o edifício onde se integra foi constituído em propriedade horizontal. E, do quadro probatório exposto, não resulta a data a partir da qual a construção do edifício onde a fracção se integra ficou concluída ou, pelo menos, ficou com a as características necessárias, designadamente as previstas nos arts. 1414º e 1415º do CC, a conferir autonomia física àquela fracção antes mesmo da sua autonomização jurídica a partir da constituição da propriedade horizontal (o que sequer foi alegado pelos autores). A não prova do facto descrito em 6 dos factos não provados resulta de apenas o autor BB o ter declarado nas suas declarações de parte, as quais não foram corroboradas pelas testemunhas, e na circunstância de tal afirmação não ser credível, tendo presente as regras da experiência comum e o facto de a hipoteca já estar registada na respectiva certidão predial, quando os autores aí registaram a aquisição da fracção em causa por permuta (cfr. fl. 19 verso e 20). Quanto ao não apuramento dos factos descritos em 7 e 8 dos factos não provados, existe uma ausência total de prova. II. 2. 2. A isto que contrapõem os autores? Discordam da decisão recorrida, na parte em que absolveu a ré, dos pedidos, de, ii) Ser ordenado o registo do direito de propriedade a favor da herança aberta por óbito de EE e do 1.º autor, com efeitos retroactivos à data do início da posse, pelo menos a 16/10/1996; iii) Ser declarada nula e de nenhum efeito, no que concerne à fracção autónoma denominada pela letra “AC), a hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13; e, iv) Ser ordenado o cancelamento do registo da hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13, quanto à fracção AC, libertando-a daquele ónus. E, recorrem de facto e de direito, com vista a ver alterada a decisão, no sentido de: i) ver judicialmente declarado o seu direito de propriedade, sobre a fracção autónoma identificada nos autos, desde 16/10/1996; ii) ver judicialmente anulada e cancelada a hipoteca registada sobre a mesma, a favor da ora Apelada, por alegadamente ter sido realizada, no que qualificam de non domino. E, começam por defender que seja dado como provado que, por si e seus antecessores, estão na posse, uso e fruição da fracção autónoma, há mais de 25 anos, quando o prédio mãe ainda era constituído pelo prédio rústico, que vieram a permutar com B..., Lda. Isto é, pretendem ver reconhecida a posse anterior à autonomização jurídica da fracção autónoma E, se assim não for, pretendem que seja reconhecido que depois de definitivamente construída a fracção autónoma, sempre antes de 31/07/2000, por si, passaram a dela usar e fruir. E, impugnam a decisão da matéria de facto contida no ponto 8 dos factos provados e nos pontos 2, 3, 4 e 5 dos factos não provados, respectivamente do seguinte teor: 8 - depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, o que ocorreu em data não concretamente apurada, mas seguramente, pelo menos, no ano de 2000, os autores, por si, passaram a usar e fruir da fracção autónoma identificada no anterior ponto 2; 2 - desde data anterior a 16/10/1996, há mais de 25 e 30 anos que os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição da fracção autónoma identificada no ponto 2 dos factos provados, e bem assim que, desde data anterior a 13/05/1998, os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição dessa mesma fracção; 3 - o prédio rústico denominado “...”, descrito na conservatória sob o n.º ... fosse o prédio “mãe” da fracção “AC” referida nos factos provados; 4 - os actos descritos em 8 a 12 dos factos provados se tivessem iniciado logo depois (dias seguintes) de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º ...; 5 - depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., os Autores, por si e ante possuidores, tivessem efectuado nele terraplanagens, construindo arruamentos, infraestruturas e edificações ou praticado qualquer um dos actos descritos em 8 a 12 dos factos provados sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e na firme convicção de que estão e sempre estiveram bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre os aludidos prédios. Acerca do julgamento dos factos não provados, como vimos, expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte: “a não prova dos factos escritos em 2 a 5 dos factos não provados resulta da circunstância de os mesmos não terem qualquer suporte probatório, porquanto nem as declarações de parte nem as testemunhas o afirmaram e os documentos juntos aos autos revelam claramente que a fracção autónoma em causa não tinha existência física nem jurídica antes de 16/10/1996, pois que ainda era uma fracção a construir no futuro. Ademais os documentos juntos aos autos atestam que a fracção em causa só passou a ter autonomia jurídica em 31/07/2000, quando o edifício onde se integra foi constituído em propriedade horizontal. E, do quadro probatório exposto, não resulta a data a partir da qual a construção do edifício onde a fracção se integra ficou concluída ou, pelo menos, ficou com as características necessárias, designadamente as previstas nos artigos 1414.º e 1415.º CCivil, a conferir autonomia física àquela fracção antes mesmo da sua autonomização jurídica a partir da constituição da propriedade horizontal (o que sequer foi alegado pelos autores”. Entendem os autores que este julgamento não está conforme com a prova produzida, nem representa com fidelidade o por si alegado nos artigos 12.º a 19.º da petição inicial: 12.º Para além disso, já desde data anterior a 16/10/1996, há mais de 25 e 30 anos que os AA., por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição da aludida fracção autónoma; 13.º Quando o prédio mãe ainda era um prédio rústico, denominado «...», descrito na mencionada conservatória sob o n.º ..., nele cultivando milho, batatas, feijão, vinha, colhendo os respectivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes; 14.º Depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., nele efectuando terraplanagens, construindo arruamentos, infra-estruturas e edificações; 15.º Depois de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º ..., constituindo-o no regime da propriedade horizontal; 16.º E depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, habitando a casa, nelas confeccionando e tomando refeições, repousando e dormindo, recebendo familiares e amigos, estacionando veículos na garagem e guardando objectos nos arrumos; 17.º Fazendo obras e benfeitorias e suportando os custos; 18.º Pagando os impostos e contribuições; 19.º O que, por si e antecessores, sempre a aludida herança e o 1.º A. têm feito pacificamente, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre os aludidos prédios. E, por isso, defendem a alteração do decidido, para que fique a constar, - 8 - há mais de 25 e 20 anos que os autores, por si e antecessores, estão na posse uso e fruição da aludida fracção autónoma; - 8-a. quando o prédio mãe ainda era um prédio rústico, denominado «...», descrito na mencionada conservatória sob o n.º ..., nele cultivando milho, batatas, feijão, vinha, colhendo os respectivos frutos e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes; 8-b - depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., nele efectuando terraplanagens, construindo arruamentos, infra-estruturas e edificações; 8-c - depois de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, que passou a integrar o n.º ..., constituindo-o no regime da propriedade horizontal; 8-d - e depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, habitando a casa, nela confeccionando e tomando refeições, repousando e dormindo, recebendo familiares e amigos, estacionando veículos na garagem e guardando objectos nos arrumos; Subsidiariamente, para a eventualidade de se vir a entender – como na decisão recorrida - que não podem provar posse anterior à autonomização jurídica da fracção autónoma identificada em 2. dos factos provados, então, com base nos mesmos meios de prova decorre com clareza que acompanharam sempre as obras da aludida fracção, que foi construída para eles e cujos acabamentos foram também por eles escolhidos e, impõe-se a conclusão de que o ponto 8 não representa fielmente a prova produzida e o alegado no artigo 12.º da petição inicial. Isto porque, se não se consegue determinar com precisão a data em que definitivamente se concluiu a construção da fracção autónoma, sendo, pelo menos, seguro que tal ocorreu em data anterior a 31/07/2000, isto é, à constituição da propriedade horizontal, pelo que, deve a redacção do aludido ponto 8 ser alterada nos seguintes termos – provado que depois de definitivamente construída a fracção autónoma denominada pela letra AC, o que ocorreu em data não concretamente apurada, mas seguramente, pelo menos, no ano de 2000 e sempre antes de 31/07/2000, os autores, por si, passaram a usar e frui da fracção autónoma identificada no anterior ponto 2. II. 2. 3. Vejamos. Como cremos estar acertadamente delineado, quer na decisão recorrida, quer nos fundamentos em que assenta a razão da impugnação feita pelos autores, a questão aqui suscitada resume-se, afinal a uma questão de direito, que não de simples e singela matéria de facto – na noção comummente aceite de pedaços da vida real, apreensíveis pelos sentidos. Como, de resto, defende a ré, - estamos perante uma permuta de um prédio rústico por uma fracção autónoma de um prédio urbano ainda a construir, ou seja, uma permuta de um bem presente por um bem futuro, sem que tenha sido alegado ou sequer apurado o momento a partir do qual o imóvel foi edificado/construído e, adquiriu as características previstas nos artigos 1414.º e 1415.º CCivil, isto é, o edifício completamente edificado, com as unidades independentes, isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum ou para a via pública; - a decisão recorrida apenas deu como provado a data da constituição da propriedade horizontal, em 31/07/2000; - a posse é, inevitavelmente, um poder de actuação de facto sobre uma coisa, que existe, cfr. artigo 1251.º CCivil; - acompanhar a construção do edifício, visitando o local enquanto as obras decorrem, não é o mesmo que actuar de forma correspondente ao exercício do direito, de ter posse boa para efeitos de aquisição do direito de propriedade da fracção autónoma que nele veio a ser constituída, desde logo porque a referida fracção ainda não existia, nem física, nem juridicamente; - a alegação de os autores actuarem como se fossem o dono da obra, não só é nova, como não resulta da prova e, nem se diga que poderão ser considerados como actos de posse, para efeitos de usucapião do direito de propriedade, a mera participação dos autores na escolha de materiais de acabamentos - actos, que ainda assim, apenas terão ocorrido no ano de 2000, em data concreta não apurada e no qual foi constituída a propriedade horizontal do edifício; - se o imóvel não existe, não se vislumbra possível haver apossamento ou qualquer actuação material, de facto sobre a coisa; dito de outro modo, não é possível haver corpus sobre esse bem em causa; - e foi isto que resultou da prova produzida. E, por isso se julgou que os autores apenas passaram a usar e a fruir da fracção depois de definitivamente construída - o que ocorreu em data não concretamente apurada, mas seguramente, pelo menos, no ano de 2000; E como não provado que, desde data anterior a 16/10/1996, há mais de 25 e 30 anos que os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição da fracção - e bem assim que, desde data anterior a 13/05/1998, os autores, por si e antecessores, estivessem no uso e fruição dessa mesma fracção; o prédio rústico permutado fosse o prédio “mãe” da fracção; os actos descritos em 8 a 12 dos factos provados se tivessem iniciado logo depois (dias seguintes) de desanexado do n.º ... o edifício composto por nove pisos, onde se insere a fracção; depois de anexado a outros prédios rústicos e transformado em terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., os Autores, por si e ante possuidores, tivessem efectuado nele terraplanagens, construindo arruamentos, infraestruturas e edificações ou praticado qualquer um dos actos descritos em 8 a 12 dos factos provados sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ..., à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e na firme convicção de que estão e sempre estiveram bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre os aludidos prédios. Com fundamento a falta de suporte probatório dos factos cujo julgamento vem impugnado resulta apenas e tão só, da objectiva circunstância de que, - a fracção autónoma em causa não tinha existência física nem jurídica antes de 16.10.1996, pois que ainda era uma fracção a construir no futuro; - só passou a ter autonomia jurídica em 31.7.2000, quando o edifício onde se integra foi constituído em propriedade horizontal. Donde, não há margem para dúvida que a questão suscitada pelos autores terá que ser abordada, tratada e decidida, apenas e tão só, em sede de matéria de direito. II. 3. Recurso da matéria de direito. II. 3. 1. Os fundamentos da decisão recorrida. “Tendo em conta os factos apurados, verifica-se que, por escritura de 16/10/1996, entre a sociedade “B..., Lda.”, EE e o 1º Autor foi celebrado um contrato de permuta, mediante o qual aquela se obrigou a entregar-lhes, como contrapartida da aquisição do terreno referido em 2 dos factos provados, um apartamento T4, sito no terceiro andar do edifício que a referida sociedade tinha, à data, em construção no lote 2. Ora, a permuta é um contrato oneroso pelo qual se transmite uma coisa ou direito mediante a aquisição de uma outra coisa ou direito. Na permuta há, pois, uma transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos. A permuta é um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei. Aplicam-se a este negócio jurídico, por força do disposto no art. 939º do CC, as normas do contrato de compra e venda, desde que não sejam incompatíveis com o mesmo. Tratando-se, ainda, de um contrato com eficácia real, de acordo com o preceituado no art. 408º, n.º 1, do CC, a transferência da propriedade ocorre, em regra, por mero efeito do contrato, ou seja, no momento da sua celebração. No entanto, no caso em análise e no que respeita aos efeitos translativos das duas prestações, importa fazer uma distinção, uma vez que estamos perante um contrato de permuta de bens presentes por bens futuros: a alienação pelos 1º autor e pela EE, entretanto falecida, tendo-lhe sucedido os autores e interveniente, tem por objecto um bem presente, certo e determinado (o prédio rústico denominado “...” descrito na conservatória sob o n.º ...), enquanto que a alienação por parte da referida sociedade tem por base um apartamento ainda não construído e a edificar, tratando-se, por via disso, de bem futuro. Os efeitos translativos da propriedade ocorrem, por isso, em momentos diferentes. É aplicável à alienação daquele apartamento o disposto no nº 2 do citado art. 408º do CC que prevê que “Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.”. O que significa que, em relação ao apartamento, os respectivos efeitos translativos apenas se produziram em momento posterior à celebração do contrato de permuta, dado que nessa altura o apartamento ainda não existia (ao contrário do que sucedeu com o terreno, cujos efeitos ocorreram de imediato, aplicando-se à alienação deste o disposto no nº 1 do art. 408º do C C). Tratando-se de coisa futura, dado que não estava em poder daquela sociedade à data da celebração do contrato (art. 211º do CC), aqueles efeitos apenas se produziram no momento em que a fracção passou a existir enquanto tal, ou seja, após a construção do prédio e a correspondente constituição da propriedade horizontal (cuja escritura pública foi celebrada no dia 31/07/2000 – cfr. ponto 5 dos factos provados). Assim, com base na aquisição derivada “permuta” dúvidas não existem que a herança aberta por óbito de EE e o 1º autor se tornaram proprietários do referido apartamento, correspondente à fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ......, a partir daquela data, pelo que não existe nenhum obstáculo a que essa propriedade seja declarada e reconhecida nesta sentença. Isto apesar de os autores apenas terem registado a seu favor essa aquisição em 1/02/2008 (cfr. ponto 6 dos factos provados). De resto, a ré nunca pôs em causa essa realidade. Porém, os autores pretendem uma declaração e reconhecimento mais abrangente, ou seja, pretendem que seja declarado e reconhecido que a herança aberta por óbito de EE e o 1.º A. são donos e legítimos possuidores daquela fracção, desde pelo menos 16/10/1996, assentando este seu pedido no instituto da usucapião e na alegação dos factos que, na sua perspectiva, permitem afirmar que aquela herança e o 1º autor a adquiriram por usucapião desde aquela data. Sendo que é contra esta pretensão que a ré se insurge. Sem prejuízo de entendermos ser possível pedir o reconhecimento da propriedade por usucapião, quando claramente está demonstrada e não posta em causa a propriedade dos autores por via da aquisição derivada, pois que, na economia da acção, tal como os autores a configuram, há um interesse processual e substantivo nesse reconhecimento, o certo é que os autores não lograram demonstrar os factos que podiam levar àquela conclusão. Ora, o ónus desses factos era dos autores, porque constitutivos do concreto direito agora em análise (cfr. art. 342º, n.º 1, do CPC). Não tendo sido dado cumprimento a esse ónus, improcede claramente o remanescente do pedido mais abrangente de declaração e reconhecimento da propriedade da fracção desde 16/10/1996. Até porque, como acertadamente refere a ré: - pretendendo os autores beneficiar do instituto da acessão na posse, prevista no art. 1256º do CC, teriam sempre de aceitar os termos em que a mesma fora exercida pelo seu antecessor e, dentro daquela que tem menor âmbito, nomeadamente a constituição, pelos mesmos – os seus antecessores - da supra aludida hipoteca; e, - para aceder na posse é necessário que as posses sejam contínuas e homogéneas, o que não sucede, perante os factos apurados, quando temos um terreno rústico que depois, por via de diversas anexações e desanexações, passa a urbano e, finalmente, de onde se desanexam diversas parcelas de terrenos para construção de edifícios em propriedade horizontal, onde apenas está em causa a aquisição de uma das futuras fracções de um desses edifícios. Deste modo, aos actos de posse ocorridos em 2000 (cfr. pontos 8 e ss. dos factos provados) nunca poderia ser somada a posse descrita em em 13º e 14º dos factos provados. Nesta conformidade, falecem também os pressupostos, de facto e de direito, dos restantes pedidos, pois que toda a realidade acabada de expor era pressuposto lógico para a procedência dos demais pedidos. Na verdade, no momento em que foi constituída a hipoteca a favor da ré (13/05/1998 – cfr. ponto 4 dos factos provados), assistia à sua proprietária – a “B..., Lda.” - o direito de onerar prédio urbano, situado na aludida freguesia ..., do concelho de Felgueiras: - Edifício composto por nove pisos, denominado “Edifício ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., através da constituição daquela hipoteca. A constituição de uma hipoteca enquadra-se nos poderes de disposição do proprietário, conforme resulta dos artigos 1305º, 688º, n.º 1, alínea a), e 715.º do CC (neste sentido, relativamente a questões similares com as dos autos, cfr. os Acs. da R.P. de 07/09/2009, Proc. nº 2813/08.6TBPRD-A.P1 e de 09/02/2010, Proc. nº 4575/08.8TBMAI-A.P1, ambos publicados em www.dgsi.pt/jtrp) Relativamente à extensão da hipoteca à fracção autónoma dos autores, esta afigura-se-nos inequívoca perante o princípio da indivisibilidade da hipoteca aflorado no art. 696º do Cód. Civil (a hipoteca subsiste por inteiro sobre cada uma das partes que constituam ou em que se venha a dividir a coisa onerada), ainda que na escritura pública respectiva nenhuma menção tivesse sido feita a essa extensão. E estender-se-ia, também, por força do disposto no art. 691º nº 1 al. c) do Cód. Civil. Aliás, é jurisprudência pacífica (citada no do Ac. da R.P., de 07/09/2009, Proc. nº 2813/08.6TBPRD-A.P1) a que vem decidindo no sentido de que: “1 - Se há, para garantia de uma determinada dívida, uma hipoteca incidindo sobre um terreno para construção e se, sobre esse terreno, é construído um prédio em propriedade horizontal, há uma nova realidade predial que surge. 2 - Em tal caso, a hipoteca transfere-se para a nova realidade predial, e transfere-se por forma em que cada uma das fracções garante a totalidade do crédito.” - Ac. STJ, de 12.02.2004, proc. 03B2831. No mesmo sentido, vejam-se, Ac. STJ, de 12.07.2005, proc. 05B2012; Ac. RL, de 12.10.2006, proc. 4943/2006-8, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Ac. RE, de 15.04.1999, CJ, II, p. 270-272. Na doutrina, veja-se, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 3.ª ed., p.90 e Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, Almedina, 4.ª ed., p. 197. Conclui-se, assim, que, face aos factos apurados, não sendo possível concluir que a autora da herança e o 1º autor adquiriram por usucapião a fracção em causa desde 16/10/1996, mas apenas por aquisição derivada – permuta - a partir da respectiva constituição da propriedade horizontal, sempre depois da constituição da hipoteca, não estamos perante a oneração de bens alheios, não sendo por isso nula a hipoteca constituída, nem deve ser, consequentemente, cancelado o respectivo registo. Atento o disposto nos arts. 691º, nº 1, alínea c) e 696º, ambos do CC, a hipoteca em causa está constituída sobre a fração em causa desde a sua implantação física no terreno e antes da sua transformação legal em propriedade horizontal. Quando o terreno urbano primitivo se alterou na sua identificação legal passando a propriedade horizontal com a constituição desta, a hipoteca manteve-se a mesma, apenas se alterando a identificação do imóvel sobre que versa, sem necessidade de proceder a qualquer outro título de constituição da hipoteca. Ora, apenas se tendo provado que a aquisição da fração pelo autores ocorreu apenas com a constituição da propriedade horizontal, não se tendo apurado a sua aquisição reportada a 1996, nunca se poderia dizer que, quando a hipoteca foi constituída, o objeto da hipoteca era dos autores e não da sociedade que constituiu a hipoteca. Por fim, entende-se que a ré nunca poderia ser entendida como terceira para efeitos de registo nem se apurou que estivesse de má fé. Tal como é pacificamente aceite – cfr. ac. de Uniformização de Jurisprudência, nº 3/99 de 18/05, publicado no Diário da República I série A, de 10-07-1999 - terceiros para efeito do art. 5º do Cód. de Registo Civil, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa. Quando a ré recebeu como beneficiária a hipoteca sobre o terreno para construção em causa, este pertencia à sociedade “B...” ou, pelo menos, estava registado em nome da mesma e como tal se presumia. Por isso, esta sociedade tinha plena legitimidade para dar aquele em hipoteca em garantia à ré. Já o direito dos autores sobre a fracção em causa era, então, futuro e só com a constituição da propriedade horizontal é que a mesma passou a propriedade da herança aberta por óbito de EE e do 1º autor. Por outro lado, o direito de propriedade adquirido por estes sobre a referida fracção, não constitui direito incompatível com o direito de hipoteca da ré. Ambos os direitos reais são compatíveis. É certo que a existência da hipoteca impediu que aquela herança e o 1º autor adquirissem a fração livre de ónus ou encargos, mas esta realidade só poderá ter que ver com o eventual incumprimento contratual da sociedade “B...” e não torna aquela aquisição incompatível com a existência da hipoteca. Por fim, não está apurada qualquer má fé da ré. A ré ao ser constituída a hipoteca a seu favor incidente sobre terreno para construção, sabendo da existência do contrato de permuta em que os autores cederam o terreno, em nada violaram qualquer dever de lisura, probidade ou de lealdade em que se analisa a má fé. Na verdade, a hipoteca visou garantir um mútuo que aquela ré concedeu à sociedade “B...”. Como é próprio do financiamento bancário, a “B...” teria um prazo para reembolsar a ré do mútuo em causa e em seguida seria cancelada a hipoteca, antes de a propriedade da fração ser atribuída à autora da herança e o 1º autor com vista ao cabal cumprimento do contrato de permuta. A existência da hipoteca não impediria a “B...” de cumprir cabalmente este contrato, pois a construção financiada abrangia mais fracções de cujo produto de venda poderia resultar os meios bastantes para o pagamento do mútuo em causa. Porém, o eventual incumprimento parcial do contrato de permuta por parte da “B...”, não é imputável à ré que tem a hipoteca como garantia de um mútuo que concedeu, não podendo ser esta a reparar os danos que para os autores só poderá derivar do mesmo eventual incumprimento da referida sociedade. Pelo exposto, devem todos os restantes pedidos improceder totalmente”. II. 3. 2. As razões dos autores. Invocando a violação dos artigos 5.º/2 alínea a) do Código do Registo Predial e 1268.º CCivil, alegam que pretendem ver declarado o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada nos autos, desde 16.10.1996, com a consequente anulação e cancelamento da hipoteca, por ter sido realizada a non domino, dado que deram em permuta um prédio rústico, recebendo em troca uma fracção autónoma de um prédio em construção e que, agora, por actos de terceiros a que são completamente alheios, a B... – com quem celebraram o dito contrato - e a Banco 1..., se vêm na contingência de perder tudo – a fracção autónoma e o terreno. Resultado que é injusto e nefasto, atentando contra os conceitos de justiça dominantes, pois nenhum prédio existiria e nem nenhuma hipoteca teria sido constituída sobre ele se não fosse os autores, de boa fé, terem celebrado a aludida permuta. Significaria tal resultado, na prática, que os autores não tivessem recebido coisa alguma em troca do terreno, tudo se passando como se fosse uma doação. Para o que alinham o seguinte raciocínio: - a hipoteca que incidia sobre o prédio mãe abrangeu, ipso lege, sem a prática de qualquer acto material por parte da B... e da Banco 1..., a fracção autónoma dada de permuta aos autores aquando da constituição da propriedade horizontal; - enquanto estes, por não puderem adivinhar quando a propriedade horizontal seria constituída, só procederam ao registo da sua aquisição, com fundamento na escritura de permuta, alguns anos mais tarde, sempre de boa fé, longe de imaginar que por acto de terceiros aquela sua fracção autónoma seria onerada; - a solução jurídica não poderá deixar de passar pela posse e pela usucapião; - na permuta de um terreno por fracções autónomas de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta; - a transferência do direito de propriedade relativo às fracções autónomas do edifício a construir (bens futuros) para os permutantes adquirentes também se dá por efeito directo do mesmo contrato de permuta, mas esse efeito apenas se produz após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que individualiza e confere autonomia jurídica a essas fracções; - nos termos do artigo 939.º CCivil, as normas relativas à compra e venda também são supletivamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos contratos em que se estabeleçam encargos sobre bens, como é o caso da hipoteca, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas; - constituída hipoteca sobre terreno destinado a construção, a extensão da hipoteca ao edifício nele construído ocorre ipso lege, por força do disposto no artigo 691.º/1 alínea c) CCivil - mas essa hipoteca só produz efeitos em relação às fracções autónomas do edifício, enquanto unidades prediais independentes, quando se opera a sua individualização e autonomização jurídica através da constituição do regime da propriedade horizontal; - o registo, na ordem jurídica portuguesa, salvo casos excepcionais, destina-se apenas a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, sendo oponível a terceiros o facto dele constante, artigos 1.º, 5.º e 7.º do CRPredial; - no caso dos autos, os proprietários da fracção autónoma e a credora hipotecária são adquirentes do mesmo autor comum (a B...) de direitos incompatíveis entre si (a hipoteca e o direito de propriedade), e, como tal, são ambos terceiros entre si para efeitos de registo, artigo 5.º/1 CRPredial; - é certo que a credora hipotecária logrou obter, ipso lege, sem a prática de qualquer acto material nesse sentido, o registo da hipoteca em momento anterior ao registo da propriedade pelos autores, embora este registo se tenha fundado em título muito anterior à hipoteca; - mas não é menos certo que os autores, por si e antecessores, estão na posse da fracção desde pelo menos a mesma data do registo da propriedade horizontal, acedendo à posse dos antecessores, até desde 16.10.1996: - relativamente aos bens futuros, existe entre os bens móveis e os bens imóveis uma distinção fundamental: enquanto nos bens móveis futuros nada existe até à sua concretização, nos bens imóveis futuros existe sempre a sua componente fundamental: o solo e sobre o solo e obras que nele se venham a integrar, até à sua conclusão, existe sempre a possibilidade de posse, isto é, da prática dos actos materiais correspondentes ao direito de propriedade; - decorreu linear da prova que a fracção autónoma foi sendo construída pela B... com a fiscalização e acompanhamento constante dos autores, que inclusive escolheram alguns dos materiais a aplicar, de uma forma mais activa na fase dos acabamentos; - por algumas das pessoas inquiridas foi dito até, de uma forma que para nós se revelou impressiva, que a fracção foi construída para os autores; - os autores comportaram-se em relação à sua fracção autónoma, ainda durante a sua construção, como se fossem donos da obra; - havendo um conflito entre registo e posse, e sendo autores e a ré terceiros, a lei consagra que prevalece esta última nos termos dos artigos 5.º/2 alínea a) CRPredial e 1268.º CCivil; - em face do carácter meramente declarativo do registo e do princípio da prevalência da situação real dos bens, havendo colisão entre a presunção fundada no registo e a presunção decorrente da posse, com início em data anterior ou, pelo menos, na mesma data do registo, prevalece a presunção fundada na posse – e a tese avançada pela ré na contestação assenta fundamentalmente na presunção do registo; - na própria tese da ré, a posse dos autores e a hipoteca da ré são contemporâneas – a data da constituição da propriedade horizontal (31/07/2000). - embora juridicamente não existisse ainda a fracção autónoma em data anterior a 31.07.2000, o certo é que materialmente ela existia em data muito anterior - foi sendo construída pela B... com a fiscalização e acompanhamento constante dos autores, que inclusive escolheram alguns dos materiais a aplicar e de uma forma mais activa na fase dos acabamentos - por isso, não há dúvida que era perfeitamente possível existir (como existiu) posse dos autores sobre a fracção autónoma, mesmo antes da sua autonomia jurídica, com plena convicção do exercício do direito de propriedade, que lhes advinha da celebração da escritura de permuta; - mas, ainda que assim não se entendesse, sempre, pelo menos, desde a data da constituição da propriedade horizontal; - nem se diga, como faz a ré, que os autores não cuidaram de verter na escritura de permuta que a transmissão era realizada livre de ónus e encargos – o que constitui um argumento “frágil”, pois só no caso de algum ónus ou encargo existir é que teria de ser mencionado na escritura e, se nada é mencionado, a conclusão é precisamente a inversa, ou seja, de que os imóveis são permutados sem encargos; - assim, concluindo, verificando-se que autores e a ré são adquirentes do mesmo autor comum - a B... - de direitos incompatíveis entre si (a hipoteca e o direito de propriedade), são ambos terceiros entre si para efeitos de registo, artigo 5.º/1 CRPredial e, tendo a ré hipoteca registada sobre a fracção autónoma desde a data da constituição da propriedade horizontal, 31.7.2000 e, estando os autores na posse da mesma fracção desde pelo menos a mesma data, prevalece a presunção fundada na posse sobre a fundada no registo; - e, consequentemente, deve a acção ser julgada totalmente procedente. II. 3. 3. Vejamos. Por absolutamente elucidativo acerca da evolução histórica desta questão seguiremos de perto, mesmo com transcrição, o trabalho de mestrado, resenha jurisprudencial sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo, - o artigo 5.º do CRP – da autoria de Rita Sofia Duarte Nobre, edição da UCP, Faculdade de Direito, escola de Lisboa. “Consagra o actual artigo 5.º/1 do CRPredial, aprovado pelo Decreto Lei 224/84 de 6.7, a regra segundo a qual “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do mencionado preceito legal resulta que o mesmo não tem por escopo fazer depender a oponibilidade do direito real de prévia inscrição registal da aquisição, a favor do seu titular, tendo antes por objetivo proteger o terceiro que, confiando na aparência de uma situação registal, ainda que desconforme à realidade substantiva, celebra um negócio jurídico inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição. Até 1997, um largo setor da doutrina e jurisprudência adotou a conceção restrita de terceiros, também designada por conceção tradicional, defendida na doutrina por Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, V, II, Facto Jurídico em especial – Negócio Jurídico, 1974, 19, que afirmava que “terceiros para efeitos de registo predial são as pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiram direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio”, acrescentando que “a precedente definição do conceito de terceiros justifica-se pelo modo como está organizado entre nós o instituto do registo predial (…) O registo não pode (…) assegurar a existência efetiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado um prédio, mas só que, a ter ele existido, ainda se conserva” Desta conceção, resulta que a tutela de terceiros pressupõe uma dupla alienação/transmissão exigindo-se, consequentemente, uma identidade da origem do transmitente. Contudo, para além da exigência de autor comum, a conceção restrita caracteriza-se, tradicionalmente, por exigir que o ato jurídico que serve de fonte ao surgimento de direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio seja um ato negocial do alienante, isto é, praticado mediante a sua intervenção voluntária. No entanto, não é consensual que seja essa a posição defendida por Manuel de Andrade, usualmente invocado quando se fala da conceção restrita, considerando que, da frase acima transcrita, não parece resultar que o referido autor rejeitasse que à aquisição mediante alienação forçada, ou coerciva, fosse dado tratamento semelhante à aquisição resultante da alienação voluntária. A esta concepção, opõe-se uma outra que, propugnando pela concepção ampla de terceiros, defendida nos sistemas germânicos, afirma que, nos casos de dupla alienação, a segunda aquisição não tinha de ter origem na vontade do alienante, mas apenas num acto jurídico que o terceiro pudesse praticar por si ou através da actuação do poder público e que fosse oponível ao titular inscrito. Para Antunes Varela e Henrique Mesquita i RLJ, 127.º, 20, defensores desta concepção ampla, terceiros “são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca judicial, etc.) de que tais direitos resultam”. Ou seja, para a concepção ampla, terceiros são aqueles que adquirem do mesmo transmitente direitos incompatíveis sobre a mesma coisa, quer essa transmissão de direitos seja feita de forma voluntária quer seja ao abrigo da lei. Significa isto que, por exemplo, em sede de venda executiva, quer o adjudicante como o exequente, com penhora registada a seu favor, são considerados terceiros em relação ao comprador do mesmo imóvel em venda negocial anterior não registada, prevalecendo o registo da aquisição do bem em venda executiva, ou a penhora registada, em detrimento de anterior aquisição não registada. Em resultado da existência das duas conceções distintas sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo, supra referidas, começaram a surgir múltiplos acórdãos contraditórios entre si, fruto da indecisão sobre a “melhor” concepção a adoptar nesta matéria face às exigências da lei. E, assim, como era expectável e dada a possibilidade de recurso para o pleno das seções cíveis do STJ, foi proferido um primeiro acórdão uniformizador de jurisprudência sobre esta questão. O AUJ 15/97, que, aderindo à tese defendida por Antunes varela e Henrique Mesquita, decidiu que “terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente”, no que parece ter consagrado, aparentemente, o conceito amplo de terceiros, tal como anteriormente enunciado. No entanto, este acórdão defende duas ideias que parecem tornar ainda mais abrangente a interpretação dada ao conceito de terceiros pela, comummente designada, concepção ampla. Conforme se pode ler no referido acórdão, “o conceito de terceiros tem de ser mais amplo, de modo a abranger outras situações que não somente a dupla transmissão do mesmo direito”. Deste modo, este acórdão defende que, não só deve ser considerado terceiro quem adquire um direito de autor ou transmitente comum, mediante alienação voluntária (concepção restrita) ou coerciva (concepção ampla), mas também quem o adquire de um titular aparente. Em segundo lugar, fixou um conceito de terceiros segundo o qual “não importa apurar se o credor exequente agiu de boa ou má-fé ao nomear o bem à penhora”, atendendo a que a eficácia do registo é independente da boa ou má-fé de quem regista. Donde, julgamos ser evidente que a concepção de terceiros aqui propugnada é mais lata do que a tradicional concepção ampla, considerando terceiros aqueles que, à luz daquela concepção, não o seriam. Assim, podemos afirmar que este acórdão consagrou uma conceção amplíssima de terceiros. Surgiu depois o AUJ 3/99 no qual o STJ reviu o seu entendimento quanto à interpretação a dar ao conceito de terceiros para efeitos de registo, decidindo de forma praticamente oposta ao primeiro, tendo adoptado uma concepção restrita de terceiros, ao decidir que “terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”. Afirmou este acórdão que “o exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são “terceiros”, embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas (…) um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução”. Face ao que antecede, poderíamos afirmar que este AUJ adoptou a orientação tradicional tal como defendida por Manuel de Andrade, impondo a exigência da verificação do requisito da boa-fé, por parte do terceiro, para que o mesmo seja tutelado. No entanto, este acórdão parece trazer outra novidade face ao seu antecessor, ao afirmar que à alienação forçada (ou coerciva) deverá ter dado idêntico tratamento ao da alienação voluntária, não havendo motivo para diferenciar cada uma destas formas de aquisição. Aí se afirma que, quando esteja em causa um confronto de direitos reais da mesma natureza (v.g. direito de propriedade) o titular do direito que, de boa-fé, o tiver registado em primeiro lugar, verá a sua aquisição ser tutelada face a outras não registadas, sendo os direitos incompatíveis entre si. Diferentemente acontecerá quando o direito de propriedade esteja em confronto com um direito de crédito (embora sob a proteção de um direito real de garantia), pois, nesse caso, se o bem já tinha sido alienado antes do registo do direito de garantia, a execução não poderá prosseguir, porque, nessa situação o Estado estaria, mediante realização de venda judicial, a vender um bem alheio. Deste modo, parece resultar deste acórdão uniformizador que não existe um conflito de terceiros, para efeitos do artigo 5.º, sempre que haja a constituição de um direito real de garantia ocorrida ao abrigo da lei, pois, nesse caso, não existe incompatibilidade de direitos, já que tal apenas se verifica quando a segunda aquisição seja derivada translativa, como acontece com o adjudicatário na venda executiva. Ante o exposto, considera alguma doutrina que o AUJ 3/99 apesar de não ter adoptado a concepção ampla de terceiros também não adoptou a concepção restrita, contrariamente ao que afirmou, por equiparar, ainda que em certas circunstâncias, a alienação coerciva à alienação voluntária. Assim, julgamos poder afirmar que este acórdão defendeu uma concepção nunca antes apresentada, resultante da junção da concepção ampla e restrita, dando origem a uma concepção intermédia de terceiros. E, assim surge o actual n.º 4 do artigo 5.º, aditado pelo Decreto Lei 533/99, de 11/12, nos termos do qual “terceiros, para efeito de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Do preâmbulo do Decreto Lei 533/99, resulta que o legislador pretendeu consagrar no artigo 5.º/4, a concepção restrita de terceiros: “aproveita-se, tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5.º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens”. Analisando o artigo 5.º/4, ressalta, desde logo, que o legislador pretendeu afastar a concepção adoptada no AUJ 15/97, ao exigir que, para além dos direitos adquiridos terem de ser “incompatíveis entre si”, provenham de um “autor comum”. Por outro lado, comparando a formulação deste preceito legal com o AUJ 3/99, apercebemo-nos que, enquanto a lei fala em “autor comum”, o acórdão uniformizador refere-se a “transmitente comum”. Esta divergência linguística poderá ter grandes implicações práticas, ou não, dependendo da interpretação que dela façamos. Se considerarmos que a divergência é meramente linguística, não tendo qualquer consequência prática, nada se altera face à concepção formulada naquele acórdão. Contrariamente acontecerá se considerarmos que a expressão “autor” é mais abrangente do que o termo “transmitente”, “prevendo, ainda, as hipóteses em que o elemento pessoal de conexão aparece, simultaneamente, como transmitente e sujeito passivo (devedor numa penhora ou hipoteca legal ou judicial, por exemplo). O Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade material desta nova norma, quando interpretada de acordo com a concepção ampla de terceiros, por alegada violação dos artigos 20.º e 62.º da CRP, na medida em que dá prevalência à penhora registada em detrimento de um aquisição anterior não registada, apesar de aquela ser “a non domino”, decidiu no acórdão 215/2000, que do que se trata é da prevalência que a lei ordinária confere, por efeito do registo predial, à aquisição registada, em contraposição à aquisição anterior não registada, justificada através do primado dos princípios da segurança e confiança jurídicas, decorrentes do Estado de Direito Democrático. E, assim se pronunciou pela não inconstitucionalidade. Posteriormente, através do acórdão 345/2009, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade da mesma norma, quando interpretada no sentido de o adquirente de um imóvel em venda judicial não ser terceiro para efeitos de registo, por alegada violação dos artigos 2.º, 3.º e 9.º alíneas b) e d) da CRP, “princípios da estabilidade, certeza e segurança jurídicas”. E, apesar de se admitir que a concepção ampla é a que mais favorece o princípio da certeza e segurança jurídicas, reconhece-se que a adopção do conceito de terceiros em sentido restrito pelo legislador ordinário cabe na sua discricionariedade, “porque encontra justificação no referido princípio da consensualidade e na natureza declarativa do registo predial”, razão pela qual “não é possível retirar do artigo 2.º da Constituição, com os princípios e subprincípios que nele encontram arrimo, a imposição de um dado sistema de registo ou de regime de constituição e transferência dos direitos sobre imóveis, podendo o legislador optar por privilegiar a segurança do comércio jurídico, penalizando o adquirente anterior que tenha sido negligente quanto ao ónus de efectuar o registo ou, ao invés, dar prevalência à situação substantiva real”. E, assim, se decidiu, novamente, pela não inconstitucionalidade do artigo 5.º/4 do CRPredial, quando interpretado à luz da concepção restrita. E, assim, não obstante as díspares decisões jurisprudenciais neste âmbito, parece existir uma maior predisposição no sentido de considerar terceiros o titular de um direito de real garantia voluntariamente constituído pelo titular inscrito de determinado prédio e o aquirente que, anteriormente à constituição daquele direito de garantia, adquiriu do mesmo titular inscrito um direito com aquele incompatível, sem o ter inscrito no registo ou inscrevendo-o posteriormente ao registo do direito real de garantia. Isto é, afinal, a posição no sentido de que a hipoteca constituída sobre determinado imóvel prevalece sobre a transmissão anterior não registada sobre o mesmo bem - de que constituem exemplo os acórdãos deste tribunal de 7.10.2008, do STJ de 28.4.2009 e de 30.6.2011, da RL de 6.2.2014, da RC de 11.3.2014, de 2.12.2014 e de 12.9.2017 e da RG de 20.4.2017” II. 3. 4. Aproximação ao caso concreto. Como se refere no acórdão da RE de 24.9.2020 – que, por sua vez, remete para o acórdão do STJ, 8.10.2015 - consultado nesta data no site da dgsi, que doravante seguiremos de perto – mesmo com transcrição - por abordar questão absolutamente similar, “como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. III, Contratos em Especial, 4.ª edição, Almedina, 165, “A troca ou permuta consiste no contrato que tem por objeto a transmissão recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes”. E sendo um contrato atípico, é-lhe aplicável essencialmente o regime do contrato de compra e venda, por força do artigo 939.º CCivil, desde que não sejam incompatíveis com o mesmo. Como sublinha o autor in ob. cit., 166, trata-se de “um contrato consensual, uma vez que não se exige a tradição para que o contrato se constitua, antes pelo contrário, ambas as partes ficam obrigadas à entrega das coisas trocada, artigo 879.º alínea b, não se estando dessa forma perante um contrato real quoad constitutionem” E acrescenta que a troca é um contrato de natureza obrigacional “na medida em que faz surgir a obrigação de entrega para as duas partes e real quoad effectum, uma vez que se transmite, por mero efeito do contrato, a propriedade dos bens trocados, artigo 879.º alínea a) e 408.º/1 CCivil. Assim, com a celebração desse contrato é imediata a transferência da propriedade sobre ambos os bens, salvo nos casos de bens referidos no n.º 2 do artigo 408.º, como é o caso de bens futuros. Na verdade, se a permuta se referir a bens presentes e bens futuros, artigo 408.º/2 CCivil, a transmissão da propriedade da coisa permutada continue a ter como causa o próprio contrato (de permuta), mas os efeitos podem ficar dependentes de um facto futuro, como a aquisição da coisa pelo alienante - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil, Anotado”, II, 168. Flui, pois, deste regime, que em caso de alienação de bens futuros, seja mediante contrato de compra e venda, seja por permuta, a transferência do direito de propriedade para o adquirente dá-se por mero efeito do próprio contrato, mas a transferência para o adquirente não ocorre imediatamente, como sucede quanto aos bens presentes, antes só ocorre quando a coisa for adquirida pelo alienante ou for determinada com o conhecimento de ambas as partes – artigos 408.º/2, 879.º alínea a) e 939.º CCivil. Ora, se a permuta tiver por objeto um terreno por frações autónomas de edifício a construir nesse terreno, o direito de propriedade do terreno transfere-se imediatamente para o adquirente, por efeito do contrato de permuta, mas a transferência do direito de propriedade relativo às frações autónomas do edifício a construir (bens futuros) para os permutantes adquirentes, pese embora seja também um efeito desse contrato só se produz após a construção do edifício e com a constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que as individualiza e lhes confere autonomia jurídica, artigos 1417.º e 1418.º CCivil, neste sentido o Acórdão do STJ de 8.10.2015, proc. n.º 6998/13.1TBBRG.S1 (João Camilo), e Acórdãos do T. Rel. de Coimbra, de 11/03/2014, proc. n.º 1483/11.9TBVIS.C1 (Carvalho Martins) e de 12/03/2013, proc. n.º 2458/11.3TBVIS.C1 (Francisco Caetano), disponíveis em www.dgsi.pt, entre outros”. II. 3. 5. Baixando ao caso concreto. As normas jurídicas invocadas pelos autores em ssuporte da sua pretensão são as seguintes. O artigo 1268.º CCivil, que sob a epígrafe de “presunção da titularidade do direito”, dispõe que, “1 - O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse. 2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva”. Por sua vez, o artigo 5.º do CRPredial, sob a epígrafe de “oponibilidade a terceiros”, dispõe que, “1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo. 2 - Excetuam-se do disposto no número anterior: a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º; b) As servidões aparentes; c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados. 3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes. 4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. 5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado”. Como parece, medianamente evidente aqui não está em causa a possibilidade de aquisição por usucapião da fracção por parte dos autores. Fracção cuja existência jurídica remonta ao ano da constituição da propriedade horizontal, sendo que a posse dos autores não é questionada por ninguém. A definição e delimitação do tema decidindo está feita na petição inicial, secundada agora nesta sede, onde os autores pretendem, ii) seja ordenado o registo do direito de propriedade a favor da herança aberta por óbito de EE e do 1.º autor, com efeitos retroactivos à data do início da posse, pelo menos a 16/10/1996; iii) sejar declarada nula e de nenhum efeito, no que concerne à fracção autónoma denominada pela letra “AC), a hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13; e, iv) seja ordenado o cancelamento do registo da hipoteca voluntária que incide sob o prédio n.º ..., decorrente da AP. ... de 1998/05/13, quanto à fracção AC, libertando-a daquele ónus. A questão surge, então, do confronto entre o registo do direito real de garantia, que constitui a hipoteca, em nome da ré, por um lado e, o registo do direito real de gozo que constitui o direito de propriedade em nome doa autores. Resulta dos factos provados que entre o primeiro autor e a falecida mulher, por um lado e, por outro, “B..., Lda.”, foi celebrado um denominado contrato de permuta, através do qual, os primeiros cediam à segunda, um prédio rústico que lhes pertence e, dela receberiam um apartamento modelo T4, sito no terceiro andar do edifício que aquela tem em construção no lote n.º 2 de determinado loteamento. Ninguém coloca em causa a qualificação jurídica de tal contrato. Nesta conformidade, forçoso será concluir que a B... Lda., proprietária plena do dito lote de terreno, por via do contrato de permuta, celebrado a 16.10.1996, tinha todo o direito de a 13.5.1998, o onerar com a constituição de uma hipoteca, a favor da Banco 1..., para garantir o financiamento bancário destinado à construção no mesmo lote de terreno. Como se escreveu no citado acórdão do STJ, 8.10.2015, “ tais poderes se enquadram nos poderes de disposição do proprietário, conforme resulta dos artigos 1305.º, 688.º. n.º 1, alínea a) e 715.º do Cód. Civil (neste sentido, relativamente a questões similares com as dos autos, cfr. os Acs. da R.P. de 07/09/2009, Proc. nº 2813/08.6TBPRD-A.P1 e de 09/02/2010, Proc. nº 4575/08.8TBMAI-A.P1, ambos publicados em www.dgsi.pt/jtrp)”. Resta a questão da extensão da hipoteca à fracção autónoma, adquirida pelos autores – na sequência da constituição da propriedade horizontal em 31.7.2000. E, aqui voltamos aos referidos acórdãos: “relativamente à extensão da hipoteca às fracções autónomas, esta afigura-se-nos inequívoca perante o princípio da indivisibilidade da hipoteca aflorado no artigo 696.º CCivil (a hipoteca subsiste por inteiro sobre cada uma das partes que constituam ou em que se venha a dividir a coisa onerada), ainda que na escritura pública respetiva nenhuma menção tivesse sido feita a essa extensão. E estender-se-ia, também, por força do disposto no artigo 691.º/1 alínea c) CCivil. Aliás, é jurisprudência pacífica (citada no já mencionado Ac. da R.P., de 07/09/2009, Proc. nº 2813/08.6TBPRD-A.P1) a que vem decidindo no sentido de que: “1 - Se há, para garantia de uma determinada dívida, uma hipoteca incidindo sobre um terreno para construção e se, sobre esse terreno, é construído um prédio em propriedade horizontal, há uma nova realidade predial que surge. 2 - Em tal caso, a hipoteca transfere-se para a nova realidade predial, e transfere-se por forma em que cada uma das frações garante a totalidade do crédito.” - Ac. STJ, de 12.02.2004, proc. 03B2831. No mesmo sentido, vejam-se, Ac. STJ, de 12.07.2005, proc. 05B2012; Ac. RL, de 12.10.2006, proc. 4943/2006-8, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Ac. RE, de 15.04.1999, CJ, II, p. 270-272. Na doutrina, pugnando pelo mesmo entendimento, veja-se Salvador da Costa, “O Concurso de Credores”, Almedina, 3.ª Edição, pág. 90 e Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, in “Garantias de Cumprimento”, Almedina, 4.ª Edição, 197. Assim também ensina Menezes Leitão, in “Garantia das Obrigações”, Almedina, 2012, 4.ª Edição, 190/191, afirmando que “Em consequência da indivisibilidade da hipoteca, artigo 696.º CCivil, se por exemplo for constituída hipoteca sobre um prédio em ordem a permitir o funcionamento da construção e depois o referido prédio vier a ser construído em propriedade horizontal, cada fracção autónoma responde por toda a dívida em causa, pelo que, mesmo que seja satisfeita parte da dívida correspondente, só a renúncia do credor hipotecário permite que a fracção fique desonerada”. Assim, atento o disposto nos artigos 691.º/1 alínea c) e 696.º CCivil, no caso dos autos, a hipoteca está constituída sobre as fracções em causa desde a sua implantação física no terreno e antes da sua transformação legal em propriedade horizontal. Quando o terreno urbano primitivo se alterou na sua identificação legal passando a propriedade horizontal com a constituição desta, a hipoteca manteve-se a mesma, apenas se alterando a identificação do imóvel sobre que versa, sem necessidade de proceder a qualquer outro título de constituição da hipoteca. Ora, tendo a aquisição das fracções pelos recorrentes ocorrido temporalmente apenas com a constituição da propriedade horizontal, nunca se poderia dizer, com se faz na sentença recorrida, que quando a hipoteca foi constituída o objecto da hipoteca era dos recorrentes e não da sociedade que constituiu a hipoteca. O mesmo caminho seguiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.03.2014, processo n.º 1483/11.9TBVIS.C1 (Carvalho Martins), onde se pode ler: “Constituída hipoteca sobre terreno destinado a construção, a extensão da hipoteca ao edifício nele construído ocorre ipso lege, por força do disposto no artigo 691.º/1 alínea c) CCivil. Mas essa hipoteca só produz efeitos em relação às fracções autónomas do edifício, enquanto unidades prediais independentes, quando se opera a sua individualização e autonomização jurídica através da constituição do regime da propriedade horizontal. No caso, os proprietários das fracções e o credor hipotecário são adquirentes do mesmo autor comum de direitos incompatíveis entre si (o direito de propriedade e a hipoteca), e, como tal, são entre si terceiros para efeitos de registo, artigo 5.º/1 do Código do Registo Predial). Por isso, tendo sido registada em primeiro lugar a hipoteca validamente constituída a favor do credor hipotecário, este pode opor aos adquirentes das fracções o direito de prioridade que lhe confere o registo, artigo 6.º/1 do Código do Registo Predial”. Ora, a hipoteca foi constituída, em 21/10/2010, a favor da exequente/embargada, pela legítima proprietária do terreno, pelo que de acordo com o disposto nos artigos 691.º/1 alínea c) e 696.º CCivil, essa hipoteca incide sobre as fracções em causa desde a sua implantação física no terreno e antes da sua transformação legal em propriedade horizontal. Pois como se realça no citado Acórdão do STJ, “Quando o terreno urbano primitivo se alterou na sua identificação legal passando a propriedade horizontal com a constituição desta, a hipoteca manteve-se a mesma, apenas se alterando a identificação do imóvel sobre que versa, sem necessidade de proceder a qualquer outro título de constituição da hipoteca”. Assim sendo, e tendo a aquisição das fracções penhoradas nos autos, pelos embargantes, ocorrido em data posterior à constituição da hipoteca e apenas com a constituição da propriedade horizontal, a hipoteca, porque beneficia de registo anterior, prevalece sobre esse direito de propriedade, ou seja, tendo sido registada em primeiro lugar a hipoteca, validamente constituída a favor do credor hipotecário, no caso a recorrente/exequente, esta pode opor aos embargantes, adquirentes das frações penhoradas, o direito de prioridade que lhe advém do registo (art. 6.º, n.º 1, do C. R. Predial). Com efeito, a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por conferir ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis (ou equiparadas), pertencentes ao devedor ou terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, podendo ter a sua origem num contrato ou declaração unilateral – artigos 686.º/1 e 712.º CCivil. Citando Carvalho Fernandes, Direitos Reais, 4.ª Edição, 2005, 152, a propósito da proibição do “pacto comissório”, que “este regime não prejudica o credor hipotecário por os atos subsequentes de alienação ou oneração lhe serem inoponíveis. Nomeadamente, no caso de transmissão, isso significa que ele pode fazer executar a coisa hipotecada no património do adquirente, sendo esta uma manifestação da sequela do direito de hipoteca”. E adianta o Professor que no caso do adquirente dos bens hipotecados, este tem, em alternativa, a faculdade de optar entre: a) pagar aos credores hipotecários as dívidas garantidas pelo bem hipotecado; b) declarar-se disposto a entregar aos credores hipotecários o bem, para pagamento dos respectivos créditos, até à quantia pelo qual o adquiriu, artigo 721.º CCivil. Assim também ensina Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª Edição, 955, onde refere que “os bens hipotecados podem ser transmitidos, embora o respectivo ónus os acompanhe”, concedendo-se à pessoa que os adquire a faculdade de fazer extinguir esse ónus real, é o que na terminologia técnico-jurídica se chama expurgação da hipoteca. Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 4.ª Edição, 551 e ss., considera apropriado falar-se em “preferência”, como princípio característico dos direitos reais de garantia, no confronto com outros direitos legítimos, mas incompatíveis, considerando a “sequela” uma consequência necessária do direito real, nos termos da qual “uma coisa é funcionalmente afecta a um sujeito, que todos os outros, quando entram em contacto com a essa coisa, têm de se submeter à atribuição que já foi realizada”. E Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª Edição, afirmam que “o meio de o credor hipotecário tornar efectivo o seu direito em relação aos bens hipotecados é a execução, regulada no C. P. Civil”. Sendo que a “acção executiva por dívida provida de garantia real e, portanto, de hipoteca, pode seguir directamente contra o possuidor dos bens onerados (sequela)”. Portanto, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, a hipoteca mantém-se inerente, grudada ao imóvel, apesar de ele poder passar para a esfera jurídica de terceiro que não é o devedor. A hipoteca garante a obrigação enquanto esta se não extinguir, quem quer que seja o devedor ou o titular do imóvel onerado. E quanto à protecção dos direitos de terceiro decorrente do artigo 5.º/1 do C. R. Predial, “que visa proteger o terceiro que, confiando na aparência de uma situação registral desconforme à realidade substantiva, celebra um negócio jurídico inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição”, como se refere na sentença recorrida, transcreve-se, pela sua clareza, o que se exarou no citado Aresto do STJ de 8/10/2015: “Tal como é pacificamente aceite – cfr. ac. de Uniformização de Jurisprudência, nº 3/99 de 18/05, publicado no Diário da República I série A, de 10-07-1999 - terceiros para efeito do art. 5º do Cód. de Registo Civil, são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa. Ora como vimos, quando a ré II recebeu como beneficiária a hipoteca sobre o terreno para construção, este pertencia à sociedade JJ – ou pelo menos estava registado em nome da mesma e como tal se presumia. Por isso esta sociedade tinha plena legitimidade para dar aquele em hipoteca em garantia à ré II. Já o direito dos recorrentes sobre as frações era então futuro e, como dissemos, só com a constituição da propriedade horizontal é que as referidas fracções passaram para a propriedade dos recorrentes. Por outro lado, o direito de propriedade adquirido pelos recorrentes sobre as referidas fracções, não constitui direito incompatível com o direito de hipoteca da ré II. Ambos os direitos reais são compatíveis”. Ora vindo provado que, - a escritura de permuta é de 16.10.1996; - sobre o prédio urbano foi constituída hipoteca voluntária a favor da Banco 1..., registada a 13.5.1998, a favor da Banco 1... para garantia de todas as operações bancárias assumidas ou a assumir por “B..., Lda.”; - o prédio foi constituído no regime da propriedade pela AP. ..., de 2000/07/31; - a fracção autónoma em causa está registada a favor dos autores, através da AP ... de 2008/02/01, tendo para aí transitado, pela AP ... de 13/05/1998, o registo da hipoteca voluntária a favor da Banco 1... referida, não merece dúvida, em face do texto legal, que a apontada incompatibilidade de direitos, real de garantia e real de gozo, se decide a favor do primeiramente registado. Não podendo, como é evidente, perante o eventual incumprimento do contrato de permuta por parte da “B...”, os danos daí decorrentes para os autores serem imputados à ré. Isto por decorrência do princípio geral de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos pelos contraentes e, que em relação a terceiros o mesmo só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei, nos termos do artigo 406º/1 e 2 CCivil. E, finalizamos com uma derradeira invocação do mencionado acórdão da RE, onde, de resto e, da mesma forma, por absolutamente pertinente, se decidiu, ainda, que “o credor hipotecário não estava de má fé, porque, “para que se verifique abuso de direito é necessário que a pessoa a quem tal direito assiste, em termos formais, nas circunstâncias concretas do seu exercício, o exerça de modo que, face aos valores consagrados na lei, constitua manifesta injustiça. (…) Perante os factos assentes, não se vislumbra que (…) ao propor a presente execução para cobrança da dívida hipotecária, nomeadamente com a penhora das três frações prediais em causa, exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, ou seja, que seja abusivo o exercício do seu direito (art.º 334.º do C. Civil). Dito de outro modo, não se vê como se possa invocar abuso de direito relativamente à pretensão de pagamento do empréstimo bancário, com garantia de hipoteca do terreno onde foram construídas as frações prediais, visto não resultar da hipoteca qualquer evidente injustiça e não ofender o sentimento de justiça dominante na comunidade social”. E o facto de (…) ter conhecimento da permuta não permite concluir, sem mais, exercer abusivamente o seu direito ao executar a hipoteca. (…) não interveio no contrato de permuta, e não está alegado, nem demonstrado, que deu o seu consentimento, conhecia e concordou com os termos da permuta ou que tenha tomado comportamento contrário ao exercício do direito de penhorar todas as frações do prédio em causa. (…) não se pode sustentar que ocorre abuso de direito, posto que para tal importaria demonstrar outras circunstâncias que no caso não se demonstraram”. Improcede, pois, o recurso. III. Sumário – artigo 663.º/7 CPCivil. ……………………………… ……………………………… ……………………………… IV. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida, nos segmentos impugnados. Custas pelos autores, dado o seu total vencimento, nos termos do artigo 527.º/1 e 2 CPCivil. Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário. Porto, 1/06/2023 Ernesto Nascimento João Venade António Paulo de Vasconcelos |