Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8435/11.7TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
NULIDADE DA CLÁUSULA
Nº do Documento: RP201604198435/11.7TBVNG.P1
Data do Acordão: 04/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 712, FLS.226-234)
Área Temática: .
Sumário: I - Contrato de adesão é aquele em que um dos contraentes, não tendo participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, pré-elaborou e apresenta já impresso, em geral, à generalidade do público interessado.
II - O contrato em causa nos autos deve ser qualificado como um verdadeiro contrato de adesão, e o seu clausulado, designadamente o ponto “5.7.4” é tipicamente uma cláusula contratual geral e deve ser escrutinada à luz do respectivo regime jurídico.
III - A cláusula que, em contrato de adesão, estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos (…) no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente/cliente, devendo, como tal ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir.
IV - Tal cláusula conduz necessariamente a uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, atendendo ao quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, contrariando o princípio da boa-fé a que alude o art.º 15.º do DL n.º 446/85, de 25.10, sendo proibida nos termos previstos na al. c), do art.º 19.º do mesmo diploma e consequentemente nula.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 8435/11.7 TBVNG.P1
Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Cível – J4
Recorrente – B…, Ld.ª
Recorrido – Condomínio do Edifício …
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – B… Ld.ª, com sede em …, freguesia de … - …, Sintra, intentou na actual Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Cível a presente acção de condenação contra Condomínio do Edifício …, sito na Rua …, n.º ..., Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de €7.564,19, acrescida de juros vencidos e vincendos, ascendendo aqueles à data da propositura da presente acção a €722,85, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.
Para tanto, alegou, em síntese, que no âmbito da sua actividade de fornecimento, montagem e conservação de elevadores, celebrou com o réu, em 30.05.2001, um contrato de conservação de elevadores, contrato esse com uma duração inicial de três anos, renováveis por iguais períodos de tempo.
Mais alegou que um tal contrato foi rescindido pelo réu em 28.06.2010, justificando este a sua decisão com a circunstância de ter encontrado outra empresa do mesmo ramo que a autora e que propunha preços inferiores aos praticados por esta para a colocação de portas automáticas nos ascensores do condomínio réu, justificação que não pareceu adequada à referida autora quanto mais não fosse pela simples razão de em causa estar um contrato de manutenção simples, opinião que deu a conhecer ao réu, alertando-a para a rescisão a que o mesmo estava a proceder ser injustificada.
Alegou ainda, e por último, que não obstante tal alerta, o réu manteve a sua intenção de proceder à rescisão do contrato que o ligava à autora, razão pela qual esta, e ao abrigo daquilo que havia sido acordado entre as partes, emitiu a factura melhor identificado no artigo 7.º da petição inicial, referente à sanção relativa à quebra intempestiva do vínculo contratual existente, factura essa que enviou ao réu que a não pagou.
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O réu, pessoal e regularmente citado, veio contestar pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, começou por excecionar a sua ilegitimidade. Mais veio contrapor no sentido da rescisão do contrato em apreço ter tido justa causa, na medida em que, e com referência a outros condomínios em idênticas circunstâncias aos do réu, o índice das avarias e reparações levadas a cabo pela autora eram muito elevados, sendo que os preços por ela praticados nas reparações eram substancialmente superiores aos praticados por outras empresas no mercado, mais aduziu, a um tal respeito, que, tendo tido necessidade de proceder, por imposição legal, à colocação de portas de segurança nos dois ascensores do edifício, foi-lhe fornecido pela autora um orçamento de €16.800,00, acrescido de IVA, em contraponto com um que lhe foi fornecido por outra empresa, no montante de €7.840,00, mais IVA, situação para a qual alertou a autora, mormente para as consequências de não poder aceitar o seu orçamento e da inerente necessidade do contrato se ter por extinto, já que a referida autora não poderia manter as garantias do bom funcionamento dos equipamentos na eventualidade do serviço vir a ser prestado por outra empresa que não ela.
Mais alegou que a autora, não obstante as referidas advertências, não ter aceitado proceder à colocação das portas de segurança pelos preços da concorrência, recusa essa que determinou a rescisão a que procedeu do contrato. E ainda que a cláusula ao abrigo da qual lhe está a ser pedido o montante em referência nesta acção não ter sido objecto de negociação entre ele, réu, e a autora, pelo que a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 19.º alínea c) do Decreto-lei n.º 446/85 se tem que considerar nula, o mesmo acontecendo com aquela que prevê um prazo de renovação de três anos.
Finalmente, alegou ainda que, sempre uma tal cláusula dever ser reduzida, por manifestamente excessiva, ao abrigo do disposto no artigo 812.º do C.Civil e considerou que, no caso, o montante peticionado nunca seria devido em virtude do termo do prazo contratual ter ocorrido em 31.12.2010 e não em 31.12.2012 como defende a autora, podendo pois ser-lhe reclamados, em última análise, e a título de cláusula penal, apenas o valor de €1.250,28.
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A autora respondeu a autora, defendendo ser o réu parte legítima e reiterou inexistir, no caso, qualquer fundamento para a rescisão do contrato por parte do réu, impugnando a factualidade por este alegada para o justificar.
Defendeu ainda, e por outro lado, que ao caso não é de aplicar o regime do Decreto-lei n.º 446/85, por não se estar perante um contrato de adesão, uma vez que todas as cláusulas estão sujeitas a negociação e que no caso do cliente não se conformar com alguma delas pode sempre derrogá-la, coisa que, e todavia, não aconteceu no caso com o réu, já que tendo o mesmo tido conhecimento de todas as cláusulas do contrato com elas se conformou, aceitando-as.
Mais alegou que a cláusula penal estabelecida o foi tendo em vista evitar por parte dela, autora, saídas injustificadas e imponderadas da sua carteira de clientes, atendendo até a que, e tal como se refere na cláusula em análise, a natureza, o âmbito e duração dos serviços contratados é elemento conformante da dimensão e estrutura empresarial da B…, sendo que se todos os seus clientes decidissem extinguir os contratos que os vinculam a ela, autora, na mesma data, esta deixaria de obter quaisquer rendimentos, tendo de manter todos os compromissos a que se havia vinculado.
Por último, manteve ser o termo do contrato aquele que por ela foi referido e não outro, argumentando para o efeito estar o aqui réu a socorrer-se de um lapso de escrita, perfeitamente patente dos demais elementos do contrato.
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Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se decidiu pela improcedência da excepção de ilegitimidade arguida.
O Tribunal absteve-se de fixar o objecto da acção ou os temas de prova a submeter a julgamento,
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida a respectiva decisão que “…e em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, dela absolvendo o réu”.
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Não se conformando com tal decisão dela veio a autora recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção procedente.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Em síntese, a A. veio a juízo reclamar do R. o pagamento de uma sanção contratual, por quebra injustificada do Contrato dos Autos;
2. O R. defendeu-se, alegando que pôs termo ao Contrato com justa causa (o que, a provar-se, o eximiria do pagamento da factura respectiva), pondo em crise a cláusula e pedindo a redução da mesma para apenas €1.250,28, que até aceitava ter de pagar, como decorre da al. D) das conclusões da sua Contestação (veja-se que a alínea E) começa como “no mais (…)”;
3. Feito o julgamento, o R. não logrou provar a invocada justa causa (o ónus da prova era seu), colocando-se assim na previsão da Cl. “5.7.4” que aceitou ao contratar…;
4. O Julgador “a quo”, de facto afastou a invocada “justa causa”, e apesar do R. ficar assim automaticamente obrigado a pagar a sanção contratual que expressamente aceitou ao contratar, considerou nula a cláusula e olvidou – em absoluto – que o R., logo na Contestação, até confessou abertamente que desse valor concedia ter de pagar €1.250,28 (€208,38 x 6 meses);
5. Tenha-se presente toda a extensa defesa do R. (na sua maior parte dedilhada no “Doutor Google”), e a sua quase absoluta improcedência, para se perceber do “animus litigandi” do mesmo, que não pode passar incólume;
6. O R. assinou o Contrato dos Autos pela mão do seu Administrador Externo, o Sr. C… (da “E…”), pessoa experiente e calhada, que já assinou com a A. dezenas de contratos, que conhece de “trás para a frente”, e que confirmou ao Tribunal que todo o Contrato dos Autos era alterável e negociável, incluindo a Cl. “5.7.4”, assim o quisesse ter empreendido;
7. Afastado o cumprimento do “Dever de Informação” (arts. 5.º/6.º) que impendia sobre a A., e não se subsumindo o Contrato dos Autos ao RJCCG (art. 1.º), não era um mero contrato de adesão, ficava sujeito ao “Direito das Obrigações”, e, quando muito, a cláusula penal deveria ser reduzida segundo a equidade, facto no qual o R. concedeu expressamente;
8. É de facto uma vergonha que se assinem contratos de forma esclarecida e informada, e que depois se alegue que uma dada cláusula, que até podia ser alterada ou mesmo suprimida, é nula! (quando muito, haverá direito de regresso sobre o Administrador Externo, por não ter querido alterar o Contrato e negociá-lo);
9. Esta matéria, a A. deixou-a tratada na Resposta à Contestação, de forma exaustiva, e nos seus arts. 30.º e ss. (que aqui se dão por reproduzidos), pelo que mantem que a Cl. É válida, com as legais consequências;
10. Quanto à alegada desproporcionalidade, cabia ao R. invocar factos que a consubstanciassem, e, como não o fez, nem mesmo por aí se poderia abordar a questão, ficando prejudicada;
11. Se o R. não provou a justa causa, incorreu, em abstracto, na sanção que aceitou ao contratar, e, se até aceitou que deveria parte dela, não se percebe como possa ter sido absolvido “in totum”, como o foi;
12. Uma decisão judicial não pode sobrepor-se à vontade das partes, sobretudo quando o R., “in casu”, concede que do valor facturado no doc. n.º 5 da P.I., até aceitaria pagar uma parte dele…;
13. Não interessam os investimentos feitos no cliente para o servir pelo menos durante o prazo contratado; não interessa a expectativa da A. em termos de encaixe financeiro dentro do prazo contratado; não interessa a vinculação esclarecida e informada das partes; não interessa assinar contratos; ninguém é responsável no final…;
14. Finalmente, o Julgador “a quo” não compreendeu a Cl. “5.6” (para a qual remete a propósito de desproporcionalidade), pois a mesma: - não só não implica o termo do Contrato, podendo ser aplicada várias vezes na vigência do mesmo, como já aconteceu inúmeras vezes (por exemplo, o técnico de rota da A. entrou de férias, ninguém foi à instalação num dado mês, o cliente reclama e a A. credita o mês de conservação, sem o contrato terminar e continuando a servir o cliente); - não só o R. não deduziu pedido reconvencional; - como numa situação de incumprimento da A. (rara, mas que pode acontecer), o cliente, da manhã para a tarde, contrata outra EMA, e não tem quaisquer prejuízos;
15. Ao contrário, a A., ao “perder” um dado cliente, continua a ter os seus custos fixos, e a sanção visa acautelar “partidas” injustificadas (não é por acaso, que todas as outras EMA’s a operar no mercado têm nos seus contratos cláusulas absolutamente iguais, protegendo assim os “ataques” às suas carteiras); e,
16. Assim, e chegados aqui:
i) A A. tem prejuízos com a saída injustificada do Contrato dos Autos e a Cl. “5.7.4” não é nula, com as legais consequências;
ii) E, sem conceder, tendo o R. aceite, que até tem de pagar “alguma coisa” à A., deveria ter sido condenado, pelo menos, nessa verba, como confessado expressamente e desde o início.
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O réu/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação de decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial que tem como actividades principais o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.
2. A autora e o réu subscreveram o instrumento cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 11 a 16, inclusive, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, denominado contrato B1…,
3. Das condições contratuais específicas desse contrato, e no tocante ao respectivo prazo de duração, constam os seguintes dizeres: este contrato é válido por 03 anos, com início em 01.01.2001 e conclusão em 31.12.2004, sendo que quer o n.º 03, referente aos anos de duração do contrato, quer as datas nele apostas como sendo as do seu início e termo, não se encontram previamente impressas, como os demais dizeres, tendo sido apostas a posteriori.
4. Do mesmo modo, e também no âmbito das condições contratuais especificas consta, e no segmento referente ao preço, que o preço mensal inicial é de 27.667$00 mais IVA, com efeitos a partir de 01.01.2001, sendo que, também aqui, quer o montante do preço, quer a data do início da vigência, foram apostos nos espaços em branco existentes no instrumento em referência.
5. O autor foi prestando os serviços contratados e procedendo às reparações como e quando solicitado pelo réu e o contrato foi-se, sucessivamente, renovando.
6. O réu, remeteu à autora a carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 17, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todo os efeitos legais, na qual declarava a denúncia do contrato celebrado com a autora, melhor identificado no ponto 1 dos factos provados, com efeitos a partir do dia 01.07.2010, apresentando como justificação para a denúncia efectuada não terem sido objeto de acordo os valores propostos pela autora para a colocação de portas nos elevadores do réu, dada a diferença de montantes pedidos por esta e por uma outra empresa do ramo, sendo que a realização da obra por outra empresa que não a autora sempre teria como consequência a existência de um contrato de manutenção com essa mesma empresa.
7. A essa carta a autora respondeu com outra, dirigida ao réu, datada de 06.07.2010, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 18 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, na qual referia que, e relativamente à colocação de portas automáticas nos elevadores, confirmava a sua melhor proposta de 12.000,00€ + IVA, cujo pagamento poderia ser efectuado em 24 prestações mensais, consecutivas, mais alertando para o facto do contrato se encontrar em vigor até ao dia 31.12.2012.
8. Em resposta à carta a que se refere o ponto 7 dos factos provados, o réu remeteu à autora a carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 19, datada de 14.07.2010, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, mantendo a sua intenção de denunciar o contrato em referência em virtude das portas automáticas dos elevadores irem ser colocadas por uma outra empresa que não a autora, o que implicaria a existência de um novo contrato de manutenção.
9. A autora emitiu então a factura cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 20, no montante de 7.564,19€, com data de vencimento de 14.07.2010, que remeteu ao réu.
10. O réu, não pagou a factura em referência, que devolveu à autora.
11. O preço de 26.667$00 fixado aquando da celebração do contrato a que se refere o ponto 1 dos factos provados, encontrava-se actualizado, à data da denúncia do mesmo, para 327,20€.
12. A cláusula 5.7.4 inserida nas condições gerais do contrato a que se refere o ponto 1 dos factos provados refere que “uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da B…, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente, a B… terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente faturada, no valor da totalidade de das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”.
13. A cláusula 5.1.2 inserida nas condições gerais do contrato a que se refere o ponto 1 dos factos provados refere que “a B… não se responsabiliza pelo funcionamento dos elevadores, quando verificar que quaisquer estranhos intervieram (…) na resolução de avarias ou na reparação do equipamento. Sempre que tal aconteça a B… poderá cancelar de imediato as suas responsabilidades contratuais, ficando o cliente obrigado ao pagamento da totalidade das prestações do preço previstas até ao final do prazo contratado”.
14. Em reparações e manutenção o réu pagou à autora no ano de 2008 a quantia de 7.446,51€ e no ano de 2009 de 4.014,92€.
15. Em resultado de imposição legislativa o réu foi forçado a proceder à colocação de portas de segurança nos dois elevadores do edifício.
16. O réu, em vista disto, solicitou um pedido de orçamento à autora tendo em vista a referida colocação das portas, tendo-lhe esta apresentado um orçamento no valor de 16.800,00€, acrescido de IVA.
17. O réu, considerando excessivo o valor adiantado pela autora no referido orçamento, solicitou a uma empresa da concorrência pedido de orçamento tendo em vista a colocação das referidas portas de segurança.
18. A D… apresentou um orçamento para a colocação das referidas portas de 7.840,00€, acrescido de IVA.
19. A administração do condomínio réu alertou a autora para a diferença de valores existente entre os dois orçamentos e para o facto de não poder aceitar a colocação das portas pelo valor proposto por esta.
20. A autora não aceitou executar os trabalhos, pela mesma, orçamentados pelo valor de 7.840,00€ acrescido de IVA.
21. O serviço referente à colocação das duas portas automáticas nos dois ascensores do réu foi efetuado pela empresa D….
22. A fls. 69 dos autos consta, em papel timbrado da D…, um instrumento denominado contrato de manutenção (âmbito decreto-lei 320 (2002), onde, sob a epigrafe de condições particulares, consta na cláusula 3.ª, referente ao preço, assinalada com uma cruz onde se refere o seguinte “valor inicial mensal do serviço de manutenção simples será de 130,00€ acrescido de IVA à taxa legal. Confirmação” – documento citado cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Em 1.ª instância não se provaram os seguintes factos:
a) A administração do condomínio réu constatou ao longo dos anos a existência de um índice de avarias e de reparações da autora muito elevado quando comparado com outros condomínios em igualdade de circunstâncias.
b) As portas de segurança orçamentadas e colocadas pela empresa D… tivessem as mesmas características das portas orçamentadas pela autora.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do N.C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a decidir no presente recurso:
1.ª- Da natureza do contrato subjacente aos autos.
2.ª – Da cláusula penal inserta no mesmo.
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Por via da presente acção a autora/apelante veio reclamar do réu/apelado o pagamento de determinada quantia a título de sanção contratual, por quebra injustificada do contrato em apreço nos autos.
O réu defendeu-se, além do mais, e em síntese, alegando justa causa na denúncia do contrato de manutenção dos elevadores; a exclusão da cláusula que estabelece o período de vigência e de renovação mínimos de 3 anos, por ser nula, ou seja, por ser manifestamente excessivo, o prazo estabelecido para a duração do contrato e para cada uma das suas renovações, uma indemnização por denúncia antecipada, porque proibida, logo nula; também a nulidade da cláusula contratual penal, que estabelece uma sanção económica para o cliente que ponha termo antecipado ao contrato de manutenção de elevadores. Por fim, requere, a redução da cláusula penal prevista.
O tribunal de 1.ª instância decidiu considerar nula a cláusula penal ao abrigo da qual a autora se encontra a exigir do réu o montante peticionado nos autos, ficando prejudicadas as demais alegações do réu, julgando, em consequência a acção improcedente.
Vejamos.
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1.ªquestão - Da natureza do contrato subjacente aos autos.
Compulsados os autos, resulta assente que a autora, ora apelante, que tem como actividades, principais, o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores, no dia 30.05.2001, celebrou com o réu um contrato de conservação de elevadores, denominado “Contrato B1…”, nos termos do documento junto a fls.11 a 16 dos autos, designadamente com a duração inicial de 3 anos, renováveis por iguais períodos, com início em 1.01.2001 e termo inicial em 31.11.2004; obrigando-se a autora a conservar os dois elevadores, instalados no edifício do réu, sendo a facturação mensal, e o preço inicial de 27.667$00 mais IVA, com efeitos a partir de 01.01.2001
Trata-se, pois, de um contrato de prestação de serviços, que tinha por objecto a execução de trabalhos de assistência, manutenção e conservação dos elevadores do réu. Tais contratos subsumem-se à figura jurídica prevista no art.º 1154.º do C.Civil, aplicando-se-lhes o regime jurídico do contrato de mandato, “ex vi” do art.º 1156.º do C.Civil, e o que demais as partes contrataram.
Diz a apelante que a 1.ª instância, sem qualquer justificação, considerou que o contrato de manutenção “sub judice” era um contrato de adesão, todavia, nenhuma alegação das partes e nenhuma prova produzida permitia chegar a tal conclusão.
Desde já há que deixar consignado que a qualificação de certo contrato é matéria de Direito, logo não carece o juiz de alegação das partes neste ou naquele sentido no que toca a à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, bastando, no caso concreto, os factos alegados pelas partes no que concerne ao contrato celebrado, documentados pelo teor de fls. 11 a 16 dos autos.
Sobre o que deve entender por contrato de adesão, veja-se o Ac. do STJ de 17.02.2011, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que “os "contratos de adesão", instrumentos reguladores por excelência da massificação, tenham merecido a atenção dos Estados com vista a procurar minorar, tanto quanto possível, as desigualdades provocadas por abusos de regulamentação e capciosidades em consequência do modo como são por vezes intencionalmente redigidos pelos respectivos proponentes. Fruto desta tendência, o DL n.º 446/85 de 25 de Outubro, de inspiração germânica, surgiu entre nós como a primeira tentativa de disciplinar as cláusulas contratuais gerais insertas nos contratos – estatuindo que "as cláusulas gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respectivamente a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente Diploma" – cfr. artigo 1.º n.º 1”.
Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 265, defines contratos de adesão como sendo aqueles em que um dos contraentes (o cliente ou consumidor) “não tendo a menor participação ou preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”.O contrato de adesão é resultante da evolução económico-social que trouxe consigo o abalar dos quadros tradicionais do contrato concebido em termos quase exclusivos de um acordo celebrado entre vontades após prévia negociação.
A massificação do comércio jurídico e o fornecimento de bens e serviços em larga escala, tornados bens de primeira necessidade, não se compadece já com as morosas e personalizadas fases de negociação prévia moldadas à luz do figurino liberal. Assim, o crescimento desmesurado do comércio, tornou premente e necessária a criação de novos instrumentos jurídicos em ordem a dar resposta eficaz às necessidades surgidas com o eclodir na nova realidade socio-económica.
Consequentemente, as grandes empresas uniformizaram os seus contratos de molde a “acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar nos diferentes aspectos, as vantagens e as adscrições que lhes advêm do tráfico jurídico”.
Todavia, e a breve trecho se fez sentir a necessidade de regulamentar este tipo de contratação, muitas vezes agressiva e desequilibrada; como refere Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, Actualizado, pag. 334: “a homogeneização das relações económicas provoca sem dúvida um desequilíbrio entre as partes contratantes (…) que reclamam a intervenção tutelar do legislador para que o contrato não deixe de ser, como cumpre, um instrumento de justiça. É essa a função disciplinadora dos instrumentos normativos destinados a conformar o conteúdo dos contratos de adesão com determinados fins que o legislador tem em vista restringindo a sua aplicação e alcance, ao mesmo tempo que através delas visa proceder ao respectivo controlo em ordem a garantir a eticidade do seu conteúdo. Cabem neste último escopo além do mais as normas tendentes a proteger o contratante aderente, necessariamente mais débil, das disfunções provocadas pela desigualdade contratual das partes”.
Como bem evidencia o Prof. Oliveira Ascensão, in “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364, “O contrato de adesão é uma manifestação fatal da sociedade de massas.
O contrato de adesão oferece por outro lado grandes perigos.
A parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os do aderente. Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente”.
E, por isso, para que as cláusulas gerais e pré-estabelecidas se possam considerar parte integrante desses contratos é necessário que sejam aceites pela outra parte, o que só pode, evidentemente, ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial, pois que sem esse conhecimento não se pode falar de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, daí que o dever de comunicação, na íntegra, dos projectos negociais, seja uma simples decorrência do princípio da boa-fé contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil.
Entendendo-se, pois, por contrato de adesão aquele em que um dos contraentes, não tendo participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, pré-elaborou e apresenta já impresso, em geral, à generalidade do público interessado, sendo ainda certo que, por regra, tais contratos apresentam-se impregnados de uma defesa exaustiva do interesse da parte emitente ou pré-disponente em contraponto com uma flagrante alijamento dos direitos e expectativas da parte cliente/aderente.
Não nos restam dúvidas de que o contrato em apreço nos autos, em termos de formação e interpretação, é um contrato de adesão, ou seja, é um contrato cujas cláusulas contratuais gerais foram previamente elaboradas pela autora/apelante sem qualquer possibilidade de negociação com o réu, que se limitou a aceitá-las, sendo além disso, um documento que encerra uma disciplina contratual minuciosamente gizada, em bloco e em série, elaborada previamente pela proponente/autora/ apelante, destinando-se a uma generalidade de destinatários, e que, no seu essencial, perante um qualquer cliente, não é objecto de qualquer alteração ou modificação relevante. É, pois, um contrato-tipo, em que as condições gerais estão previamente elaboradas por um dos contraentes e o outro contratante se limita a elas aderir, o que já não ocorre com as condições particulares e específicas, aspectos que, total ou parcialmente, podem variar de contrato para contrato e, assim, implicam necessariamente negociação e acordo entre as partes.
Como tal, trata-se de um contrato sujeito ao regime jurídico constante do DL n.º 446/85, de 25.10, pois a parte substancial e relevante do mesmo é formado a partir de cláusulas contratuais gerais, trata-se, pois, de um contrato de adesão, como correctamente aquilatou a 1.ª instância.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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2.ªquestão – Da cláusula penal inserta no aludido contrato.
A cláusula 5.7.4 inserida nas condições gerais do contrato subjacente aos presentes autos prevê que “uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da B…, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente, a B… terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente faturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”.
Ora, está assente nos autos que o contrato em causa foi celebrado no dia 30.05.2001, e que segundo os seus termos, o mesmo tinha uma duração inicial de 3 anos, renováveis por iguais períodos, com início em 1.01.2001 e termo inicial em 31.12.2004, que a respectiva facturação era trimestral, sendo o preço mensal inicial de 27.667$00, acrescido de IVA.
A certa altura porque o réu entendeu que os serviços prestados pela autora tinham um custo elevado/excessivo, existindo no mercado empresas que faziam o serviço pretendido por preço muito inferior, remeteu à autora uma carta pela qual declarava
a denúncia do contrato celebrado com a autora, com efeitos a partir do dia 01-07-2010, apresentando como justificação para a denúncia efetuada não terem sido objecto de acordo os valores propostos pela autora para a colocação de portas nos elevadores do réu, dada a diferença de montantes pedidos por esta e por uma outra empresa do ramo, sendo que a realização da obra por outra empresa que não a autora sempre teria como consequência a existência de um contrato de manutenção com essa mesma empresa. A essa carta a autora respondeu com outra, dirigida ao réu, datada de 06.07.2010, na qual referia que, e relativamente à colocação de portas automáticas nos elevadores, confirmava a sua melhor proposta de 12.000,00€ + IVA, cujo pagamento poderia ser efetuado em 24 prestações mensais, consecutivas, mais alertando para o facto do contrato se encontrar em vigor até ao dia 31.12.2012. Em resposta a essa carta, o réu remeteu a à autora nova carta, datada de 14.07.2010, mantendo a sua intenção de denunciar o contrato em causa em virtude das portas automáticas dos elevadores irem ser colocadas por uma outra empresa que não a autora, o que implicaria a existência de um novo contrato de manutenção.
Posteriormente, e estribada na supra referida cláusula 5.7.4. a autora facturou, sob o n.º FCN…….., ao réu, o valor de €7.564,19, referente a tal sanção contratual por denúncia antecipada do contrato.
A 1.ª instância, por via da decisão recorrida, veio a julgar a cláusula “5.7.4”, em causa nula, por desproporcionada aos danos a ressarcir, por força do disposto na alínea c) do art.º 19.º do DL n.º 446/85, pelo que, sendo relativamente proibida, seria igualmente nula, ex vi do art.º12.º do mesmo diploma, tendo para tanto referido, correctamente e a propósito, que “(…) a cláusula cuja aplicação se revela como o cerne da questão a decidir, e na qual se prevê que em caso de denúncia antecipada do contrato pelo cliente, a B… terá direito a uma indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, é, como se referiu supra, efetivamente uma cláusula penal, fixada com o carácter de verdadeira penalidade, na medida em que, e também aqui creio que não se suscitarão dúvidas de maior, a mesma terá sido fixada como dissuasora do incumprimento por parte dos clientes da autora.
Aliás, e de modo evidente, a cláusula em questão obriga o cliente que pretenda denunciar o contrato antes do tempo previsto para a sua duração, em regra longo e que no caso concreto ficou previsto em três anos, renováveis por iguais períodos, ao pagamento da totalidade da retribuição prevista para todo o período de vigência do contrato, obrigando-o assim a uma fidelização imposta pelo receio de fazer face à pesada penalização estabelecida”.
Mais referindo que “De referir também que a desproporção ou desequilíbrio entre a cláusula penal e os danos a ressarcir não tem de ser manifestamente elevado ou excessivo, ao contrário do que é exigência do artigo 812 n.º 1 para a redução equitativa da cláusula penal - é preciso não esquecer que nestes casos a cláusula penal é fixada por negociação das partes - , bastando apenas que a pena estabelecida seja desrazoavelmente superior aos danos, para que possa falar-se de violação do principio da boa fé e, nessa medida, considerar tal cláusula como proibida (…)”
Considerando ainda que “Ainda de ter em atenção que a cláusula em questão dá à autora “o direito” a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja no entanto efetiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a autora fica desonerada da sua prestação.
Ou seja, é como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência do mesmo, criando-se desse modo um desequilíbrio entres as prestações contratuais, por comparação com o regime geral, ao ficcionar-se para a autora um prejuízo fora do comum e que se apresenta como contrário ao princípio da boa-fé”.
Concluindo, por fim, que “Tem pois que se concluir no caso pela existência de uma desproporção acentuada e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, pelo que uma tal cláusula se tem que ter por proibida, nos termos previstos na alínea c), do artigo 19.º do mesmo diploma, e, de modo consequente, como nula”.
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Insurge-se agora a autora apelante contra o assim decidido, mas sem qualquer razão, aliás como vem sendo recorrente a nível da nossa Jurisprudência, deixando-se desde já consignado que, no caso em apreço, nenhuma censura nos merece a decisão alcançada na sentença recorrida, nem a respectiva fundamentação.
Alega a autora/apelante que tem prejuízos com a saída injustificada do réu do contrato subjacente aos presentes autos e a cláusula. “5.7.4” não é nula.
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A estas alegações da autora/apelante já se respondeu cabalmente na decisão recorrida, designadamente pelos excertos que acima já deixamos consignados. Acrescentando-se ainda que “(…) e por outro lado, de ter em atenção que o investimento feito pela autora em meios humanos e técnicos que integram a sua empresa, se dirige a uma carteira de clientes alargada e não a este cliente em concreto, não sendo sequer concretizada a repercussão de cada um dos clientes na sua dimensão.
Ainda de ter em atenção que a cláusula em questão dá à autora “o direito” a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja no entanto efetiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a autora fica desonerada da sua prestação.
Ou seja, é como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência do mesmo, criando-se desse modo um desequilíbrio entres as prestações contratuais, por comparação com o regime geral, ao ficcionar-se para a autora um prejuízo fora do comum e que se apresenta como contrário ao princípio da boa-fé.
Aliás, e ainda para ilustrar aquilo que acaba de ser referido, veja-se a título de exemplo o manifesto desequilíbrio entre o preceituado na cláusula 5.6, que se refere ao incumprimento imputável à B…, e o preceituado na cláusula aqui em discussão, sendo que para o caso de denúncia antecipada por parte daquela nada está previsto e para o caso de incumprimento que lhe seja imputável, ela apenas responderá “(...) até à concorrência do valor de 3 meses de faturação (...) como máximo de indemnização a pagar ao cliente.
De igual modo, a perda de um cliente, como é o caso dos autos, não importa para a autora a necessidade de dispensa de pessoal ou a perda de utilidade de material, equipamentos ou qualquer logística.
Sem dúvida poderá exigir algum ajustamento à gestão, mas dentro da dinâmica do próprio comércio, à perda de um cliente seguir-se-á, normalmente, a angariação de um outro”.
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Mas vejamos, sem contudo nos alongarmos, já que, como se disse, sufragamos a posição e a fundamentação constante da decisão recorrida.
Como se sabe, a cláusula penal consiste, na definição constante do art.º 810.º nº 1 do C.Civil, na faculdade que as partes gozam de fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível, ou, na convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer, em caso de eventual inexecução do contrato, cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pág. 437.
A cláusula penal tem a natureza de uma cláusula acessória e quer pela sua localização sistemática, e, muito particularmente, pela sua articulação lógica com o n.º 1 do art.º 811.º, o art.º 810.º n.º 1, também, do C.Civil, ao referir-se à “indemnização exigível”, cujo montante pode ser, previamente definido, através de cláusula penal, tem em vista as situações de inadimplemento, cumprimento a destempo ou cumprimento defeituoso da obrigação.
A cláusula penal resulta de um acordo das partes e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes, quanto à determinação do montante da indemnização, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 75. Reveste uma função, fundamentalmente, ressarcitiva e tarifada, de natureza compulsória, agindo como meio de pressão sobre o devedor, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, com vista ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu, mesmo que se prove que do seu incumprimento ou mora não adveio qualquer dano, cfr. Ferrer Correia e Henrique Mesquita, in “A Obra Intelectual como Objecto do Contrato de Empreitada”, ROA, Ano 45.º, 129 e ss; que não importa averiguar, em consequência da inexecução da obrigação ou da violação do contrato, nem determinar o seu montante, na hipótese da sua verificação, e bem assim como, igualmente, o respectivo nexo causal.
A cláusula penal “destinando-se a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, é exigível nos mesmos casos em que essa indemnização poderia ser reclamada, supondo, portanto, em termos gerais, a inexecução da obrigação e a culpa do devedor, isto é, só pode ser efectivada se este, culposamente, não tiver cumprido o contrato”, cfr. Galvão Telles, in obra citada, pág. 439.
A cláusula penal (indemnizatória) como refere Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 457 constitui “uma liquidação convencional antecipada dos prejuízos em caso de inexecução do contrato. Na situação de incumprimento, se estipulada uma cláusula penal, a indemnização corresponderá ao valor pactuado, a não ser que haja lugar à sua redução, face ao disposto no art.º 812.º do C.Civil, ou seja, convencionado o ressarcimento do dano excedente, nos termos do art.º 811.º n.º 2, do C.Civil, e é para esta última situação que se limita o valor da indemnização, nos termos do n.º 3 deste preceito, que não tem a ver com o valor da pena, quando não é pactuada a indemnização pelo dano excedente.
Trata-se, pois, de uma cláusula indemnizatória. Esta, embora não tenha uma função coercitiva ou de compulsão ao cumprimento, acaba por produzir também esse efeito, na medida em que alerta o devedor para os riscos que corre em caso de inexecução do contrato e, por isso, estimula o cumprimento voluntário das obrigações assumidas.
Trata-se de uma indemnização fixada a forfait, invariável, só redutível por razões de equidade”.
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Insurge-se a apelante contra a aplicação em sede de sentença recorrida do regime das cláusulas contratuais gerais do DL n.º 446/85 de 25.10, com as alterações dos DL n.º 220/95 de 31.08, 249/99 de 7.07 e 323/2001 de 17.12, à cláusula “5.7.4” em apreço, dizendo que o contrato em causa foi efectiva e directamente negociado entre as partes, sendo que até tem aposta uma alteração do clausulado pré-elaborado, inscrito nas condições particulares (campo que no pré impresso se encontra em branco e se destina à inscrição das alterações e derrogações especificamente contratadas), no qual se estabelece o período de um ano de prestação de serviços de modo gratuito. Sendo ainda certo que o réu logrou negociar pelo menos uma das condições gerais, no que respeita ao pagamento do preço e início de facturação, o que segundo a apelante leva a crer que o réu tinha a possibilidade de negociar o restante clausulado geral, nomeadamente a relativa à cláusula penal.
Como é sabido o que sobressai do regime do DL n.º 446/85, de 25.10, não é a maior ou menor generalidade das cláusulas contratuais, mas antes o seu carácter não negociável ou não influenciável por parte de, pelo menos, um dos contraentes, dessas das cláusulas.
Preceitua o n.º1 do art.º 1.º do DL n.º 446/85 de 25.10 que “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”. E explicita o n.º 2 que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar”. Terminando o n.º3 estatuindo que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.
Pode-se definir as Cláusulas Contratuais Gerais (CCG) como sendo as normas minuciosamente elaboradas para serem inseridas, em bloco, num número massificado e padronizado de contratos em que intervém ou participa como contraente a entidade para esse efeito as pré-elaborou. Sendo formalmente apresentadas em documentos pré-impressos, pelo contraente que os elaborou a uma generalidade de contratantes, sem que estes tivessem tido qualquer possibilidade de contribuir para a sua formulação, ou de as alterar, modificar ou excluir do global do “pack” proposto.
E assim para se chamar à colação o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (CCG) há que primeiramente apurar se certa cláusula foi ou não objecto de negociação e discussão entre as partes, no sentido de poder ser modificada, excluída, ou aceite nos termos propostos. Pelo que, para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo de um contrato segundo o regime das CCG, não seja necessário estar-se perante um contrato de adesão propriamente dito, pois o que releva são as cláusulas em si e não a natureza do contrato, não obstante resultar da prática negocial que aquelas são, por regra, inseridas neste tipo de contratos.
Mas sempre se dirá, como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 20.11.2012, in www.dgsi.pt, que “a característica da inserção em formulário ou num modelo pré-elaborado e impresso do conjunto das cláusulas determinantes da vontade negocial das partes leva naturalmente a que o intérprete presuma a sua não negociabilidade, devendo essa configuração levar à qualificação do contrato como de adesão”.
Ora, vendo o teor do documento que contém o texto contratual em apreço nos autos, referente a uma prestação de serviço de assistência e manutenção de elevadores, dúvidas não temos de que as respectivas cláusulas aí foram pré-inseridas pela ora apelante, fazendo parte de um modelo contratual pré-elaborado, universal ou standardizado, admitindo apenas pequenas inserções pontuais relativas ao caso concreto, sem possibilidade de serem individualmente negociáveis, modificadas ou alteradas. Pelo que como acima já se deixou consignado, o contrato em causa deve ser qualificado como um verdadeiro contrato de adesão, ora individualizado, e o seu clausulado, designadamente o ponto “5.7.4” é tipicamente uma cláusula contratual geral e deve ser escrutinada à luz do respectivo regime jurídico, designadamente sob o prisma do dever de informação pré-contratual, do ónus de comunicação (art.º 5.º n.º3) e do dever de informação prévia (art.º 6.º) e, sobre o conteúdo das cláusulas, sendo aqui o dever de informação pré-contratual mais abrangente, incluindo também o esclarecimento do sentido das cláusula predispostas, independentemente de qualquer concreto juízo em função de critérios de boa-fé.
De harmonia com o disposto no DL n.º 446/85 de 25.10, de entre as cláusulas contratuais gerais proibidas, existem aquelas que são absolutamente proibidas e as que são só relativamente proibidas. As cláusulas relativamente proibidas, (que interessam ao presente recurso) quer nas relações entre empresários ou entidades equiparadas (art.º 19.º) quer nas relações com consumidores finais (art.º 22.º) são-no desde que integram as situações descritas na lei e “consoante o quadro negocial padronizado”.
Ao fixar os limites de conteúdo das cláusulas contratuais gerais, o DL. n.º 446/85, de 25.10, consagrou a boa-fé como o princípio geral de controlo, cfr. art.ºs 15.º e 16.º, enumerando-se nos art.ºs 18.º a 22.º um elenco de cláusulas absoluta ou relativamente proibidas. Preceitua o art.º 19.º al. c) do referido DL que são declaradas (relativamente) proibidas, consoante aquele quadro negocial padronizado, as “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.
Vejamos, pois, se a cláusula penal em análise viola o princípio da boa-fé, pela “desproporção” relativamente aos danos a ressarcir.
Como foi ponderado no Ac. do STJ de 12.06.2007, in www.dgsi.pt, o apelo ao quadro negocial padronizado, significa que a valoração a fazer deverá ter como referência, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto. Há assim que estabelecer uma relação entre o montante dos danos a ressarci e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores, para tanto atendendo-se não ao caso concreto, mas aos danos que “normal e tipicamente resultam, dentro do quadro negocial padronizado, em que o contrato se integra” segundo “critérios objectivos, numa avaliação prospectiva guiada por cálculos de proporcionalidade e valores médios e usuais, tendo em conta factores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos”.
Quanto ao que se deve entender por “desproporcionada”, na expressão da al. b), do art.º 19.º do DL 446/85, de 25.10, e sem entrarmos na discussão doutrinal e jurisprudencial pendente sobre tal questão, entendemos que, na esteira do supra referido Ac. do STJ de 12.06.2007 e dos Profs. Menezes Cordeiro e Almeida e Costa, in “Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, pág. 47 “(…)o qualificativo “desproporcionado” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível (…)”, (na acepção de notória, mas que não tem de ser excessiva, manifesta, grave).
No caso concreto, sem dúvidas que tem de se concluir que uma cláusula que, em contrato de adesão, estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos (…) no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente/cliente, devendo, como tal ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir. Na realidade tal cláusula ofende o princípio da boa fé contratual uma vez que patenteia um manifesto desequilíbrio contratual de interesses uma vez que a autora ora apelante se limita a acautelar os seus interesses negociais ao inserir cláusulas padronizadas insusceptíveis de negociação, conduzindo a uma fidelização forçada dos clientes ao longo dos anos sob pena de se verem obrigados ao pagamento de uma pesada penalização em caso de resolução negocial. Veja-se a título de exemplo o manifesto desequilíbrio entre o preceituado na cláusula 5.6 (incumprimento imputável à B…) e na cláusula em análise, sendo que para o caso de denúncia antecipada por parte da B…, nada está previsto, e para o caso de incumprimento que lhe seja imputável, ela apenas responderá “(...) até à concorrência do valor de 3 meses de facturação (...) como máximo de indemnização a pagar ao cliente.
Destarte, temos de concluir que o que pretende a autora/apelante com a cláusula em análise é a penalização do cliente, mais do que salvaguardar uma reparação proporcionada ao dano, que evidentemente teve com a denúncia do contrato por parte do réu. E assim sendo tal conduz necessariamente a uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, atendendo ao quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, contrariando o princípio da boa-fé a que alude o art.º 15.º do DL n.º 446/85, de 25.10, e sendo proibida nos termos previstos na al. c), do art.º 19.º do mesmo diploma, e consequentemente nula, pois que a perda de um cliente, como é o caso dos autos, não importa para a apelante a necessidade de dispensa de pessoal ou a perda de utilidade de material, equipamentos ou qualquer logística. Sem dúvidas poderá exigir algum ajustamento à gestão, mas dentro da dinâmica do próprio comércio, à perda de um cliente seguir-se-á, normalmente, a angariação de um outro.
Finalmente dir-se-á ainda que, no que se refere à justa causa invocada pelo réu em sede de contestação e mesmo a sua admissão de pagamento de um montante pecuniário inferior ao peticionado pela autora, é óbvio que tais questões ficaram precludidas quanto à sua apreciação por via da decisão de nulidade da cláusula contratual em que se estribava a causa de pedir dos autos.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.

Sumário – I - Contrato de adesão é aquele em que um dos contraentes, não tendo participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, pré-elaborou e apresenta já impresso, em geral, à generalidade do público interessado.
II - O contrato em causa nos autos deve ser qualificado como um verdadeiro contrato de adesão, e o seu clausulado, designadamente o ponto “5.7.4” é tipicamente uma cláusula contratual geral e deve ser escrutinada à luz do respectivo regime jurídico.
III - A cláusula que, em contrato de adesão, estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos (…) no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente/cliente, devendo, como tal ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir.
IV - Tal cláusula conduz necessariamente a uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, atendendo ao quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, contrariando o princípio da boa-fé a que alude o art.º 15.º do DL n.º 446/85, de 25.10, sendo proibida nos termos previstos na al. c), do art.º 19.º do mesmo diploma e consequentemente nula.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 2016.04.19
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues