Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3817/19.9T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
PROVA PLENA
ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO
Nº do Documento: RP202305183817/19.9T8OAZ.P1
Data do Acordão: 05/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O documento particular, cujas assinaturas não foram impugnadas faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 376º nº 1 CC).
II - É uma declaração confessória, cujos factos declarados se devem considerar plenamente provados para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC (i) a declaração feita por uma das partes à contraparte; (ii) que envolve o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável; e (iii) favorece a parte contrária.
III - Em tais casos, decorre das correspondentes regras de direito probatório material que o beneficiário da declaração confessória é dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo, sendo que a prova da eventual inveracidade da declaração, ou seja, de que, apesar do teor do que ficou exarado, poderá ser feita pelo confitente no âmbito de uma ação em que seja invocada a nulidade ou anulabilidade da confissão.
IV - Estando em causa uma associação, pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos e utilidade pública, deve a mesma reger-se pelos respetivos estatutos e pelas disposições que resultam dos arts. 167 e ss. do C.C. referentes às associações e subsidiariamente pelas normas constantes do Código das Sociedades Comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3817/19.9T8OAZ.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA intentou a presente ação contra Clube ... e BB.
Formulou os pedidos de ver:
a) Declarado que o Autor e Réus outorgaram um contrato de mútuo particular;
b) Declarado resolvido o referido contrato de mútuo, celebrado por documento particular, entre Autor e Réus, referenciado como documento 1, por falta de cumprimento dos Réus e, consequentemente,
c) Ser restituída ao Autor a quantia de € 10.071,23, correspondente à quantia mutuada no montante de € 10.000,00, acrescida dos juros vencidos no montante de € 71,23 e os vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alega que entregou ao 1ª Réu a quantia de € 10.000,00, da qual o 2º Réu se confessou devedor, com a obrigação de restituir.
O Réu BB veio suscitar a exceção de ilegitimidade passiva, alegando que a quantia mutuada ingressou no património do “Clube ..., aqui Réu, através do depósito em numerário efetuado na conta bancária de que este é titular junto do Banco 1... Agência ..., O Réu Clube ... contestou, e pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, No despacho saneador, por decisão transitada em julgado, o 2º Réu foi absolvido da instância por ilegitimidade passiva.

A SENTENÇA DECIDIU:
“Declaro que o autor AA e o réu Clube ... outorgaram um contrato de mútuo particular;
Declaro resolvido o referido contrato de mútuo, celebrado por documento particular, entre autor e réu, referenciado como documento 1, por falta de cumprimento do réu e, consequentemente:
Condeno o réu Clube ... a restituir ao autor AA a quantia de € 10.071,23 (dez mil, setenta e um euros e vinte e três cêntimos), correspondente à quantia mutuada no montante de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida dos juros vencidos no montante de € 71,23 (setenta e um euros e vinte e três cêntimo) e os vincendos até efetivo e integral pagamento.

CONVOCOU OS SEGUINTES FACTOS

PROVADOS:

1. Por escrito particular intitulado “Confissão de Divida”, datado de 17 de agosto de 2018, o Clube ..., aqui Réu, representado pelo Presidente BB, pelo Presidente do Conselho Fiscal CC, pelo Vice Presidente DD e pelo Tesoureiro EE “declara e confessa-se devedor a AA, aqui Autor, da quantia de € 10.000,00 (Dez ml euros), entregue em numerário”.
2. Consta desse escrito ainda o seguinte: “A referida importância foi mutuada por BB, para que o mesmo obtenha a liquidez necessária para pagamento de vencimentos.
O montante de € 10.000,00 (Dez mil euros) terá de ser liquidado no prazo de um ano a contar da presente data, por transferência bancária para a conta de AA, com o IBAN ..., no Banco 1..., agência ...”.
3. O Autor remeteu ao Réu carta registada com AR, datada de 9 de agosto de 2019, rececionada em 14 de agosto de 2019, nos termos da qual consta o seguinte:
“No passado dia 17 de Agosto de 2018 emprestei a essa instituição a quantia de € 10.000,00 que a mesma utilizou para fazer face às suas despesas correntes.
Tal montante foi nessa data depositado na conta à ordem do clube, tendo por este sido utilizado da forma que achou conveniente.
Não obstante, serve o presente para solicitar a V.as Ex.as que procedam à devolução daquela quantia, para o que fixo um prazo de cinco dias para o efeito.
Solicito igualmente que procedam ao pagamento por envio de cheque para a minha morada (…)”. 4. Na data acordada, o Réu não restituiu tal montante.
NÃO PROVADOS Não há.

DESTA SENTENÇA APELOU O RÉU QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES: (…)

i. O Exmo. Senhor BB foi Presidente da Direção do recorrente nos mandatos dos biénios 2017/2018 e 2018/2019, conheceu, direta e pessoalmente, as constantes dificuldades financeiras que o recorrente atravessava, tendo nesse hiato, enquanto patrocinador e aficionado, injetado capital no clube, por diversas vezes, a título pessoal e através da sociedade “A..., LDA.”.
j. Acontece que, por indicação do Diretor Financeiro da sociedade “A..., LDA.”, o Exmo. Senhor CC, que à data dos factos também cumulava com aquelas funções as de Presidente do Conselho Fiscal do recorrente, foi informado que a empresa não dispunha de condições para continuar a aplicar dinheiro no clube e que, caso este o fizesse, colocaria em causa o pagamento dos vencimentos aos seus funcionários (…). k. O depoimento desta testemunha CC, vertida no ponto 40. das alegações, demonstra cabalmente os contornos circunstanciais e preparatórios à outorga da referida confissão de dívida e, sobretudo, o contexto laboral, entre sócio-gerente e funcionários da sociedade “A..., LDA., no qual os negócios objeto dos presentes autos se formalizaram.
l. Andou mal o Tribunal a quo ao não considerar claro e evidente, que mesmo que se tratasse (o que não se concede) tal contrato de um mútuo particular do recorrido ao recorrente, a prática de tal ato pelo Presidente da Direção carecia de prévia deliberação da Assembleia geral do recorrente que habilitasse e autorizasse o seu Presidente a contrair tal dívida e a vincular o recorrente ao seu pagamento.
m. Daqui se extrai que a confissão de dívida objeto dos presentes autos não foi outorgada pelo Presidente da Direção e restantes membros dos órgãos sociais do recorrente devidamente habilitados e estatutariamente legitimados para tal acto, pelo que, forçosamente terá que ser ineficaz quanto ao recorrente nos termos dos arts. 268.º e 269.º do Código Civil.
n. O exposto no antecedente ponto é corroborado pelo depoimento da Testemunha CC (…)
p. Portanto, e conforme resulta da conjugação do exposto nos capítulos B., C. e D. das alegações, a Confissão de Dívida outorgada no pretérito dia 18 de Agosto de 2018, pelos então Presidente da Direção, Presidente do Conselho Fiscal, Vice-Presidente e Tesoureiro, foi outorgada com manifesto abuso de poder destes e em violação do disposto na da alínea k) do n.º 1 do art. 58.º e do n.º 3 do art. 64.º dos Estatutos do recorrente.
q. A inobservância do aí estatuído entronca nos arts. 268.º e 269.º do Código Civil, na medida em que apesar do Presidente da Direção (e restantes membros que assinaram a Confissão de Dívida) terem competência para representar o recorrente, a outorga do referido documento, de forma consciente, e à revelia dos sócios e da Assembleia Geral, integra uma situação de abuso de representação, pelo que, tal ato é ineficaz e inoponível ao representado.
Face à prova produzida e ao enquadramento legal referido nos antecedentes pontos, atento o preenchimento e verificação dos pressupostos referidos ponto 73. das alegações, é indiscutível que a referida confissão de dívida é ineficaz e inoponível ao recorrente.
t. Não obstante o exposto supra e a relação material controvertida dos presentes autos ter sido dubiamente configurada pelo recorrido entre este e o recorrente e entre este e o Exmo. Senhor BB, a verdade é que a referida Confissão de Dívida consubstancia-se num empréstimo do recorrido ao Exmo. Senhor BB, da quantia de EUR. 10 000,00 (dez mil euros), tendo tal facto passado ao lado do Tribunal a quo, isto porque, foi este que, a título pessoal, constituiu tal empréstimo depois de ter recebido do recorrido a referida quantia em numerário, tendo sido aquele quem depositou tal quantia na conta bancária do recorrente e outorgou a referida Confissão de Dívida, vinculando o recorrente à restituição de tal quantia a que ele próprio, no prazo de um ano.
u. O exposto no antecedente ponto é corroborado pelo próprio BB que, tanto no contrato de Confissão de Dívida (cfr. Doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial) no qual se assume e confessa mutuante da referida quantia como, na declaração de proveniência de fundos que assinou aquando do depósito na conta bancária do recorrente, o mesmo confessa que figura naquela relação enquanto mutuário do recorrido.
v.O exposto no antecedente ponto encontra respaldo na referida Confissão de Dívida, na qual o Exmo. Senhor BB se assume e confessa mutuante da referida quantia, designadamente, no segundo parágrafo do documento, bem como na “DECLARAÇÃO DE PROVENIÊNCIA DE FUNDOS” junta aos autos pelo “DEPARTAMENTO DE MEIOS OPERACIONAIS – GESTÃO DE OFÍCIOS E ENTIDADES DO Banco 1...” em 19.05.2022 com a referência Citius n.º 130274050.
w. A prova documental referida no antecedente ponto comprova cabalmente o supra alegado, pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao não entender, que a relação material controvertida no documento particular intitulado Confissão de Dívida, ocorreu e ocorre entre o recorrido e o Exmo. Senhor BB e não entre o recorrido e o recorrente, face à clara ilegitimidade material do recorrente na presente acção.
Existindo lugar a uma eventual restituição da referida quantia ao recorrido será o Exmo. Senhor BB a proceder à sua restituição e não o aqui recorrente, o que desde já se requer.
y.Face aos depoimentos das Testemunhas CC (,,,), bem como face à demais prova documental junta aos presentes autos, designadamente, a confissão de dívida, o extrato bancário, a declaração de proveniência de fundos e o comprovativo de depósito emitidos pelo “Banco 1...”,
Os factos dados como provados devem ser dados como não provados e com a seguinte redação:

“I. Por escrito particular intitulado “Confissão de Dívida”, datado de 17 de agosto de 2018, Clube ..., aqui Réu, representado pelo Presidente BB, pelo Presidente do Conselho Fiscal CC, pelo Vice Presidente DD e pelo Tesoureiro EE declarou que confessa-se devedor a AA, aqui Autor, da quantia de € 10.000,00 (Dez mil euros), entregue em numerário.”
z. Por via disto, considerar-se prejudicado o facto de que “IV. Na data acordada, BB não restituiu tal montante” e, como tal, eliminando dos factos dados como provados.
aa. Por sua vez e face aos depoimentos das Testemunhas CC e DD, bem como face à demais prova documental junta aos presentes autos, designadamente, a confissão de dívida, o extracto bancário, a declaração de proveniência de fundos e o comprovativo de depósito emitidos pelo “Banco 1...”, deverão ser dados como provados os seguintes factos:

Não provado que “I – Por escrito particular intitulado “Confissão de Dívida”, datado de 17 de agosto de 2018, BB, confessou-se devedor a AA, aqui Autor, da quantia de € 10.000,00 (Dez mil euros), entregue em numerário, mutuado por este aquele”

bb. Foram violados, entre outros, a alínea k) do n.º 1 do art. 58.º e do n.º 3 do art. 64.º dos Estatutos do Clube ... e os artigos 268.º e 269.º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores do direito deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência deve ser alterada a matéria de facto nos termos e com os fundamentos alegados e concluídos e por via disso ser revogada a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra em que:
a) Seja reconhecida e declarada a sua ilegitimidade material do recorrente no que concerne à relação jurídica ajuizada na presente ação;
b) a confissão de dívida objeto dos presentes autos ser declarada ineficaz e inoponível ao recorrente.

Não foi apresentada resposta.

Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente, as questões a decidir são as seguintes: 1-Saber se deve ser alterada a matéria de facto nos termos propostos pelo Recorrente.
2. Saber se a declaração de dívida constante dos autos foi produzida com falta de poderes dos outorgantes para vincular o Recorrente e, nesse caso, se não lhe é oponível.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Pretende o apelante que seja dado como não provado que:
“I. Por escrito particular intitulado “Confissão de Dívida”, datado de 17 de agosto de 2018, Clube ..., aqui Réu, representado pelo Presidente BB, pelo Presidente do Conselho Fiscal CC, pelo Vice Presidente DD e pelo Tesoureiro EE declarou que confessa-se devedor a AA, aqui Autor, da quantia de € 10.000,00 (Dez mil euros), entregue em numerário.”
e, se tenha por prejudicado o facto de que “IV. Na data acordada, BB não restituiu tal montante”, eliminando-se este dos factos dados como provados.
ainda, que seja dado como provado que: “I – Por escrito particular intitulado “Confissão de Dívida”, datado de 17 de agosto de 2018, BB, confessou-se devedor a AA, aqui Autor, da quantia de € 10.000,00 (Dez mil euros), entregue em numerário, mutuado por este aquele”.
Invoca o testemunho de CC, cuja transcrição consta do corpo das alegações (aqui dada por reproduzida), o extrato bancário junto aos autos e o teor da própria declaração confessória de dívida. Por sua vez, a sentença fundamenta a sua convicção na prova global produzida e como refere: - no teor dos documentos juntos aos autos, designadamente confissão de dívida, carta, Estatutos do Réu, extrato bancário emitido pelo “Banco 1...”, informação bancária, depósito em numerário, todos devidamente analisados.
Consta ainda da motivação da sentença que: “Em conjugação com tais elementos documentais, valorou-se ainda os depoimentos das testemunhas CC, FF, GG e HH e as declarações de parte do Autor. A testemunha CC, amigo do Autor há 15 anos e Presidente do Conselho Fiscal à data da celebração do escrito intitulado “Confissão de Dívida, de forma espontânea e natural, confirmou o empréstimo da quantia de € 10.000,00 em numerário, notando que presenciou à entrega do numerário e que tal quantia serviu para pagar salários dos jogadores em atraso. Por fim, referiu que tal quantia em dinheiro foi depositada no “Banco 1...” no dia 17 de agosto de 2018.”
DECIDINDO: I
Como questão prévia à análise dos meios probatórios complementares da declaração confessória trazida ao processo, importa ter presente que:
Estamos na presença de um documento particular, cujas assinaturas não foram impugnadas. As assinaturas que constam do referido documento foram apostas pelos seus outorgantes na qualidade que desempenhavam à data no Réu, atestada pelo correspondente carimbo ou firma societária, sendo como tal representativas desta qualidade.
Ora, o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 376º nº 1 CC), norma que vem prever no nº 2 que “os factos compreendidos na declaração consideram-se confessados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível nos termos prescritos pata a confissão”.
Donde que a declaração que está em causa é uma declaração confessória, para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC, já que se trata de (i) declaração feita por uma das partes à contraparte; (ii) que envolve o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável; e (iii) favorece a parte contrária.
Em tais casos, decorre das correspondentes regras de direito probatório material que o beneficiário da declaração confessória é dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo, sendo que a prova da eventual inveracidade da declaração, ou seja, de que, apesar do teor do que ficou exarado, não teria ocorrido a entrega de dinheiro à Ré, poderia ser feita pelo confitente no âmbito de uma ação em que seja invocada a nulidade ou anulabilidade da confissão.
Como refere Fernando Pereira Rodrigues, “Os Meios de Prova em Processo Civil”, Almedina, 3ª ed., p. 94: “(…) apenas as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas e não as que sejam favoráveis de harmonia com o princípio nemo idoneus testis in re sua (…)”
I-A
Na verdade, verifica-se em tais situações uma importantíssima restrição probatória, sobressaindo, com efeitos na resolução do caso concreto, a limitação quanto ao uso de prova testemunhal (e também ao uso de presunções judiciais), nos termos dos arts. 347º, 2ª parte, 393º, nº 2, e 351º do CC (cfr. Lebre de Freitas, in A confissão no Direito Probatório, pág. 758), onde atesta, com toda a clareza, que “uma vez assente, por confissão não impugnada, a realidade de determinado facto”, é vedado que “esta prova possa ser posta em causa por testemunhas ou presunções judiciais, deixando intacto o problema da colisão da confissão com outros meios de prova legal plena”.
Ou seja, em tais circunstâncias, a confissão extrajudicial inserida em documento autêntico ou particular (cuja falsidade não seja invocada): (i) goza de força probatória plena, nos termos do art. 358º, nº 2, do CC; (ii) apenas pode ser contrariada mediante a produção de meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que foi objeto da confissão (art. 347º, 1ª parte do CC) e (iii) para este efeito, o confitente enfrenta as restrições legais quanto ao uso de certos meios de prova (art. 347º do CC). Não é difícil compreender os motivos pelos quais o sistema foi assim moldado. Nos casos em que não seja assacado à declaração qualquer vício que infirme o valor intrínseco do respetivo conteúdo, é natural que sejam limitados os meios de prova suscetíveis de a infirmar, evitando os riscos da volatilidade e da subjetividade inerentes à prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais. Representando a confissão extrajudicial o reconhecimento de um facto – in casu, o direito de crédito do Autor correspondente ao montante entregue ao Réu – o beneficiário de tal declaração não poderia evidentemente ser colocado no mesmo plano em que ficaria se acaso não houvesse qualquer declaração confessória. Neste sentido, veja-se ainda o acórdão do TRL de 16.12.2009 (MARIA CATARINA), 1282/06.0TVPRT.P, in dgsi.
Isto para concluir que, não tendo a impugnação deduzida à factualidade assente concordância com o teor da declaração que é expresso no reconhecimento da dívida a AA, da quantia de € 10.000,00 (Dez mil euros), entregue em numerário e no prazo de pagamento da mesma, e tendo tal declaração o valor probatório supra evidenciado, é, desde logo, inatendível este segmento do recurso, por força das limitações probatórias aludidas, que impõem por consequência que se dê como provados os factos declarados no documento.
I-B
Ainda que assim não fosse, sempre se diria que em qualquer caso a pretensão impugnatória do Recorrente, não tem apoio (i) quer nos documentos juntos, já que conforme consta da declaração bancária emitida pelo Banco 1... a 19-05-2022, no dia 18-08-2018, foi depositado na conta de d/o ... do Réu o montante de 10.000,00 euros em numerário, (ii) quer das próprias declarações da testemunha CC (aliás, ao tempo diretor financeiro do Réu, funções que cumulava com as de tesoureiro) e que, nessa qualidade de tesoureiro, também assinou a declaração.
Na verdade, esta testemunha esclareceu que foi o AA quem entregou o dinheiro mais concretamente disse que: “o sr. AA quanto ao dinheiro, eu não sei, ele apresentou o dinheiro eu contei e o dinheiro ficou lá para ser depositado”.
Portanto, desatende-se este segmento da impugnação da sentença, não sendo para aqui relevante a declaração referente ao BB, dado o disposto no artigo 236º do CC.

DA ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ESTATUTOS DA RÉ, CONSISTENTE NA FALTA DE DELIBERAÇÃO PARA A PRÁTICA DO ATO:
II
A fundamentação de facto é totalmente omissa quanto à matéria da autorização da Assembleia Geral, sendo certo que na contestação o que se articula é que “os estatutos da Ré impõem no artigo 58º que os empréstimos do Clube têm de ser previamente autorizados pela Assembleia Geral suportados num parecer anterior do Conselho Fiscal” (& artigo 5º e 6º).
Não se articula, porém, o facto que in casu seria concretamente o de que o Presidente da Direção do Clube e demais outorgantes no contrato agiram sem a prévia autorização da Assembleia Geral, cujo ónus de alegação e da prova sempre competiriam ao réu uma vez que não é constitutivo do direito. Daí que seja inócuo ao desfecho da causa o regimento estatutário, e careça até de utilidade a análise deste ponto do recurso, uma vez que não há matéria de facto que o sustente.
Sem prejuízo dir-se-á que, em qualquer caso, nenhuma consequência para o negócio advém da alegada falta de poderes.
É que, estando em causa uma associação, pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos e utilidade pública, deve a mesma reger-se pelos respetivos estatutos e pelas disposições que resultam dos arts. 167 e ss. do C.C. referentes às associações. Mas tal não impede que se recorra às normas aplicáveis às sociedades comerciais. Conforme defendido no Acórdão do TRL de 17.12.2009 (TERESA ALBUQUERQUE) 1541/08-2, www.dgsi.pt), citando-se Menezes Cordeiro a propósito do regime das associações: “«(...) Nestas condições, não há obstáculos de princípio à aplicação analógica, no campo civil, das regras relativas a sociedades comerciais. O recurso ao Direito Comercial implica, todavia, a presença dos diversos requisitos de que depende a analogia: o caso omisso; o facto de esse caso dever ter, à luz do sistema, uma solução jurídico normativa; a analogia de situações; a presença de uma norma comercial aplicável ao caso análogo. Verificadas as condições, as pessoas coletivas civis podem recorrer ao inesgotável manancial representado pelo Direito das sociedades comerciais. E como estas, a título subsidiário, também podem recorrer às sociedades civis e ao Direito das pessoas coletivas, fecha-se o círculo: mais uma vez, reforçada fica a unidade do Direito privado português»”. Neste entendimento e convocando, então, as normas aplicáveis às sociedades comerciais, temos que os arts. 56 e 58 do C.S.C. se referem às deliberações dos sócios nulas e anuláveis, respetivamente, estabelecendo, quanto aos atos contrários à lei ou aos estatutos societários no art. 61º nº 2 que: “A declaração de nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa-fé por terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação; o conhecimento da nulidade ou da anulabilidade exclui a boa-fé.” Este preceito é, de resto, semelhante ao que se estabelece no art. 179 do C.C. quanto à proteção dos direitos de terceiro em caso de anulação das deliberações da assembleia geral duma associação.
Daí que um tal vício, mesmo que concretizado em factos (que não está), a existir, jamais seria oponível ao Autor, estando este de boa fé, ou seja, na ignorância de qualquer vício subjacente à deliberação.
Não é, por consequência, de acolher também este segmento do recurso.

SEGUE DELIBERAÇÃO:
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA Custas pelo Recorrente.

Porto, 18 de maio de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela