| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA CECÍLIA AGANTE | ||
| Descritores: | PENHORA DE VENCIMENTO REDUÇÃO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL | ||
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| Nº do Documento: | RP20110222978/06.0TBPRD-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 02/22/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Legislação Nacional: | ARTº 824º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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| Sumário: | Não há fundamento para reduzir a penhora do vencimento do executado quando lhe subsiste um rendimento disponível superior ao salário mínimo nacional. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Apelação 978/06.0TBPRD-B.P1 Oposição à Execução n.º 978/06.0TBPRD-B, 3º Juízo Cível de Paredes Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório 1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que B…, residente na Rua …, …, …, move a C…, residente na Rua …, .., Armação de Pêra, este deduz oposição à execução, defendendo que é inexigível a quantia exequenda e a ilegitimidade passiva do exequente, e oposição à penhora, pedindo a isenção ou redução da penhora do seu vencimento a um oitavo. Alega, para o efeito, que em 2006, quando entregou o locado, o exequente considerou-se pago do valor das rendas por as obras nele realizadas terem sido por si suportadas. Acresce que o artigo 28º-A do Código de Processo Civil impõe que a acção executiva seja instaurada pelo exequente e pela mulher, o que determina a sua ilegitimidade. E ainda, tendo sido ordenada a penhora de 1/3 do seu vencimento de 2.000,00 euros mensais, como a sua esposa se encontra desempregada e sem subsídio de desemprego, têm a seu cargo uma filha de tenra idade, encontram-se a liquidar ao fisco uma quantia mensal de 200,00 euros, a renda para a habitação no valor mensal de 400,00 euros e a pensão de alimentos ao seu filho do casamento anterior, que sofre de deficiência motora relevante, na quantia mensal de 350,00 euros, fica sem qualquer quantia para o sustento do agregado familiar. Junta documentos. 2. Em despacho liminar, como o título executivo é uma sentença e os fundamentos invocados se não ajustam ao disposto no artigo 814º do Código de Processo Civil, é indeferida a oposição à execução. 3. O exequente opõe-se à redução da penhora, invocando a ausência de prova documental para os factos invocados e a suficiência da quantia pecuniária disponível, no valor de cerca de 1.100,00 euros mensais, para garantir as despesas básicas do agregado familiar. 4. O opoente vem alegar ainda que sofreu um enfarte de miocárdio, e que, por esse motivo, está de baixa médica, sem condições de trabalhar e de auferir o rendimento anterior. Requerimento a que responde o exequente, alegando que uma incapacidade temporária de 30 dias não irá afectar a sua futura capacidade de ganho. 5. No prosseguimento da oposição à penhora, após produção da prova, é ditada decisão que julga improcedente a oposição à penhora. 6. Dela recorre o executado/opoente, finalizando a minuta alegatória do seguinte modo: 6.1. No âmbito do processo executivo para pagamento de quantia certa que B… e D… e que corre termos pela no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto, sob o nº 491/97, foi ordenada e concretizada a penhora de 1/3 do vencimento auferido pelo executado. 6.2. Após notificação, e no âmbito daquele referido processo executivo, veio o agravante requerer que lhe fosse doutamente concedido o levantamento da penhora, ou, em alternativa, a redução da penhora a 1/6 daquele mesmo vencimento. 6.3. Para tanto, alegou factos tendentes a demonstrar da necessidade de dispor de 5/6 do seu vencimento para fazer face às despesas prementes do seu quotidiano e, nomeadamente, às do seu agregado familiar e conforme requerimento de fls. 6.4. Após esse requerimento, não fosse bastante já a situação financeira do executado, sofreu este um acidente vascular-cerebral que o levou a entrar de baixa médica, com a consequente diminuição do vencimento auferido. 6.5. Da prova produzida em audiência ficou claramente demonstrado, que o oponente–executado auferia o apelante como rendimento de trabalho dependente cerca 2.000,00 euros com o qual tem de prover ao sustento do seu agregado familiar, composto por 03 (três) pessoas. 6.6. Uma vez que a sua esposa se encontra desempregada e sem subsídio de desemprego e uma filha de tenra idade, e ainda se encontra a liquidar uma quantia mensal de 200,00 euros ao fisco por conta de uma dívida anterior, para além disso, paga mensalmente de renda para a habitação 400,00 euros. 6.7. O executado entrega ainda por mês ao seu filho do casamento anterior, que sofre de deficiência motora relevante, e mensalmente, a quantia de 350,00 euros. 6.8. Que o executado-oponente se encontrava/encontra de baixa-médica por ter sofrido um acidente vascular-cerebral. 6.9. Procedeu no decurso da acção e até à audiência de julgamento ainda à junção de documentos comprovativos da factualidade alegada, designadamente recibos de vencimento e documentos demonstrativos das despesas efectuadas mensalmente. 6.10. Ainda que, em virtude de se encontrar efectivamente penhorado não 1/3 mas 1/6 do vencimento mensal do oponente, se considere que ficaria ainda disponível para penhora o restante 1/6 do referido salário sempre se deverá entender que a respectiva penhora se apresenta, igualmente, legalmente inadmissível porque justificada em face das circunstâncias inerentes à economia do agregado familiar do oponente. 6.11. Ora, por via da efectivação da penhora, nos presentes autos, da parte disponível do vencimento do oponente verifica-se uma insuficiência dos valores que compõem os vencimentos mensais daquele e da sua esposa para prover a todos os encargos fixos essenciais, e de forma a que possam manter uma existência condigna. 6.12. Por esta ordem de razão, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, deverá determinar-se o levantamento da penhora ora efectuada na presente instância executiva, e de acordo com o disposto no artigo 824º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil. 6.13. Prevê o artigo 824º do Cód. Proc. Civil que determinado tipo de bens possam ser parcialmente penhoráveis, prescrevendo a alínea a) do mesmo normativo que 2/3 dos vencimentos ou salários são impenhoráveis, por exclusão, 1/3 do vencimento auferido pela prestação de trabalho é penhorável. 6.14. Na referida decisão, é ponderada a situação económica e social do executado, a repercussão que aquela penhora determinará no estilo de vida e necessidades do mesmo ou do seu agregado familiar, atendendo a que tal tipo de rendimento é normalmente e substancialmente esgotado em cada período para fazer face às despesas de alimentação, habitação, vestuário, saúde e educação. 6.15. É ainda atendida a situação do exequente que, de resto, é chamado a pronunciar-se, i. é, tal decisão, ainda que discricionária, é fundamentada em critérios puramente objectivos. 6.16. Privilegiam-se formas de solver o crédito, mas procura-se também não onerar o rendimento do executado de forma a colocar em causa as suas condições de sobrevivência ou do seu agregado familiar, podendo mesmo esta prevalecer sobre os direitos dos credores e de acordo com a valorização dos direitos em causa. 6.17. No caso “sub judice” a agravante logrou demonstrar a necessidade de redução da penhora de 1/3 do vencimento por si auferido mesmo após a grave doença que por pouco lhe provocava a morte, não sensibilizando no entanto o Meritíssimo Tribunal da existência dos requisitos de que depende o deferimento daquela redução, os descontos efectuados de acordo com aquela percentagem deverão manter-se até à liquidação total da dívida. 6.18. Ora, salvo o devido respeito, não só tal interpretação não pode ser integrada no espírito ou letra da Lei como, e acima de tudo, se frustraria a clara intenção do legislador ao prever a possibilidade de tal redução em face das demonstradas dificuldades financeiras sentidas pelo executado. 6.19. Ao não conceder a redução do montante sobre o qual incidiria a penhora não foi atendida a natureza da dívida e as questões pessoais apresentadas pela executada, ter cargo uma filha menor (bebé) com todas as despesas inerentes à alimentação, vestuário, saúde, renda de habitação bem como as decorrentes dos consumos de água, electricidade, telefone e condomínio do lar, e as despesas que lhe são próprias, com a alimentação, vestuário, saúde e despesas de deslocação. 6.20. E os encargos mensais com uma execução fiscal que se encontra a regularizar sob a forma de pagamento prestacional. 6.21. A agravante juntou documentos e arrolou testemunhas para prova dos factos por si alegados. 6.22. Contudo, o Meritíssimo Juiz “a quo”, mesmo procedendo à inquirição das testemunhas arroladas, mas sem qualquer pronúncia sobre os documentos juntos, entendeu indeferir a pretensão do agravante. 6.23. Ora, com o devido respeito, e recorrendo à gíria popular, “nem só de pão vive o homem”. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao agravo, revogando-se a douta decisão que ordenou a manutenção da penhora de 1/3 do vencimento do oponente como é de plena e sã justiça! 7. Não consta dos autos a resposta do recorrido. II. Âmbito do recurso O thema decidendum do recurso, em função do delineado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, cinge-se a indagar se estão verificados os condicionalismos para isentar ou reduzir a penhora do vencimento do executado (artigos 660°, 661°, 664°, 684°, e 685º, todos do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto). III. Fundamentação de facto 1. No âmbito dos autos de execução aos quais estes seguem por apenso foi determinada a penhora no vencimento do executado no montante de 1/3. 2. O requerente tem como rendimento de trabalho dependente cerca 2.000,00 euros. 3. O agregado familiar do executado é composto por três pessoas. 4. O executado paga mensalmente de renda para a habitação, pelo menos, 350,00 euros. 5. O executado está de baixa médica desde 29.1.2010 a 11.3.2010. IV. Fundamentação de direito Consabido que, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, o credor tem direito a exigir judicialmente o seu cumprimento e executar o património do devedor (artigo 817° do Código Civil), tendo o exequente o seu direito de crédito judicialmente reconhecido, assiste-lhe a correspondente tutela coactiva, como expressão da tutela constitucional da garantia da propriedade privada (artigo 62°, 1, da Constituição da República Portuguesa). Assim, para satisfazer coactivamente o seu crédito, o exequente logrou alcançar a penhora de 1/3 do vencimento do executado/opoente, já que são impenhoráveis os 2/3 restantes (artigo 824°, 1, a), do Código de Processo Civil). Impenhorabilidade que tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional (n.º2 do predito artigo 824º). A razão desta impenhorabilidade parcial prende-se com a dignidade da pessoa humana[1]. A dignidade humana é um valor axial da nossa Constituição, reconhecida como eminente à própria pessoa, na sua autonomia, liberdade e responsabilidade social, dando azo a que o legislador ordinário, na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tenha preservado da penhora a quantia necessária à salvaguarda do princípio da sobrevivência condigna e do direito ao mínimo de sobrevivência. Outrossim o plasmado na norma em referência, na redacção dada pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, aplicável in casu, que mais não é do que o resultado da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da anterior redacção do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permitia a penhora até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado que não fosse titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, contido no princípio do Estado de Direito[2]. Portanto, a norma exara a prevalência do direito ao mínimo de existência condigna sobre o direito ao ressarcimento do crédito. Donde auferindo o executado um salário mensal de cerca de 2.000,00 euros tenha sido penhorado 1/3, correspondente a 667 euros aproximadamente. Prosseguindo na preservação do princípio nuclear da dignidade humana, à luz da consagração constitucional do direito à segurança social e solidariedade (artigo 63º), o legislador ordinário conferiu ao juiz a faculdade de, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, as necessidades do executado e do seu agregado familiar, a redução, por período que considere razoável, da parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora (citado artigo 824º, 3, do Código de Processo Civil). É neste enquadramento que o opoente pede a redução da penhora do vencimento a 1/8 ou a sua isenção. Com a penhora de 1/3 do seu vencimento o executado fica a dispor de cerca de 1.300,00 euros mensais para suportar as despesas fixas e sustentar o seu agregado familiar, composto pela esposa e por uma filha, e contribuir para o sustento do filho do anterior casamento. Como encargos fixos, está demonstrado suportar o executado a renda mensal relativa à casa de habitação ocupada pelo agregado familiar, no valor de 350,00 euros, o que lhe deixa disponível a quantia aproximada a 980,00 euros. Não obstante ter alegado outras despesas mensais fixas, designadamente o pagamento prestacional de uma dívida ao fisco e a prestação alimentícia a seu filho, no valor mensal de 350,00 euros, não logrou provar a sua verificação. Contrapõe no recurso que o tribunal não se ateve aos documentos por si juntos aos autos, o que não traduz a realidade. Foi valorizada a renda habitacional suportada, que foi dada por demonstrada no valor exibido pelo documento respectivo, e não obtiveram comprovação a prestação paga ao fisco e os alimentos a seu filho, porque não apresentou os respectivos documentos, sendo que, relativamente a esta, o próprio filho do executado referiu que o pai não lhe tem pago qualquer valor, antes o ajuda como pode (cfr. a motivação da decisão de facto). Logo, não demonstrou o executado/opoente, como lhe incumbia, um conjunto de dados factuais que, revelando menor rendimento disponível, poderia consolidar a sua pretensão. E a ausência de prova de tais factos a ele desfavorecem, pelo que não nos resta senão avaliar os seus rendimentos disponíveis e referenciá-los ao salário mínimo nacional para averiguar se o executado dispõe de meios para a sua subsistência básica e do seu agregado familiar. É que o salário mínimo nacional contém, em si, a ideia de uma remuneração básica, estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador, e que, por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos”, não pode ser, de todo em todo, reduzido, através da penhora[3]. Ora, o demonstrado valor disponível, a rondar os 980,00 euros mensais, excede latamente o valor do salário mínimo nacional, estabelecido no ano de 2010 em 475,00 euros[4] e neste início do ano de 2011 em 485,00 euros, embora a progredir gradualmente até ao fim do ano para os 500,00 euros[5]. Reputado este valor como o mínimo necessário a uma subsistência digna não é legítimo sacrificar os interesses do credor, reduzindo a penhora e diferindo a realização coactiva da quantia exequenda. Num quadro de conflito de direitos, o direito do credor à oportuna realização do seu crédito e o direito do devedor à retenção de uma quantia que lhe garanta o mínimo de subsistência adequada à sua dignidade de pessoa, o legislador sacrificou o direito do credor, fazendo prevalecer a tutela da dignidade humana mas, na hipótese em apreço, não chega a ocorrer esse conflito de direitos e os dois direitos surgem compatibilizados: o do credor com a penhora de 1/3 do vencimento e o do devedor com a retenção de uma parcela do vencimento susceptível de assegurar, com esforço e sacrifício, sem ser, no entanto, excessivo e desproporcionado, o seu nível de subsistência básico. Não ficou demonstrado que a sua esposa está desempregada e não aufere subsídio de desemprego mas, ainda que assim seja, o rendimento disponível garante ao agregado familiar uma verba de consumo médio individual de cerca de 320,00 euros. Valor que, ainda com algum esforço, pode auxiliar o sustento do filho do anterior casamento. Do que fica dito ajuizamos que a manutenção da penhora não redunda no esvaziamento da subsistência do devedor com um mínimo de dignidade, o que afasta qualquer censura à decisão impugnada. Em súmula: 1. Para efeitos de redução da penhora de vencimentos, o salário mínimo nacional é considerado como o padrão mínimo de subsistência, o qual não é legítimo sacrificar aos interesses do credor na realização coactiva do seu direito. 2. Não há fundamento para reduzir a penhora do vencimento do executado quando lhe subsiste um rendimento disponível superior ao salário mínimo nacional. V. Decisão Face ao explanado, acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente (artigo 446º do Código de Processo Civil). *Porto, 22 de Fevereiro de 2011 Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas José Bernardino de Carvalho Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires ____________________ [1] Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 7ª ed., pág. 180. [2] Acórdão n.º 177/2002, de 23 de Abril, in DR, I Série-A, n.º 150, de 2 de Julho de 2002. [3] Ac. R.C. de 30.04.2002, in CJ online, ref. 2569/2002. [4] Decreto-Lei 5/2010, de 15 de Janeiro. [5] Decreto-Lei 143/2010, de 31 de Dezembro. |