Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1457/13.5TTVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CTT
PROCESSAMENTO DE VENCIMENTO
ACTO ADMINISTRATIVO
CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP201504131457/13.5ttvng-A.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Os actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos.
II – À prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período aplica-se, por analogia, o regime prescricional do direito laboral comum.
III – Os juros de mora relativos a crédito laboral, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicáveis o regime especial de prescrição previsto na lei laboral e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
IV – O início da contagem de tais juros coincide com o vencimento de cada uma das prestações sobre que incidem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1457/13.5TTVNG-A.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
B… intentou em 16 de Dezembro de 2013 a presente acção declarativa comum contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 3.563,06 (cinco mil quinhentos e sessenta e três euros e seis cêntimos) relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar, trabalho noturno, compensação horário descontinuo, subsídio de condução, subsídio de divisão, compensação especial, subsidio redução horário de trabalho, transporte pessoal vencimento e subsídio de turno, média que não foi paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1986 a 2003, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 2.929,75 e vincendos à taxa legal desde as datas em que tais quantias deveriam ter sido postas à disposição do trabalhador.
Para tanto alega, em síntese: que trabalha para a ré desde 1985 com a categoria profissional de CRT e que a sua retribuição mensal é composta por diversas prestações de abonos complementares, designadamente trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação por horário incómodo e descontínuo, subsídio de condução, compensação por redução de horário de trabalho, compensação especial, transporte pessoal, subsídio de divisão e subsídio de turno, que lhe foram pagas ao longo dos anos, regular e periodicamente, conforme discrimina nos “Quadros” relativos aos anos de 1986 a 2003 que inscreveu na petição inicial; que a média de tais valores deveria ter sido incluída no pagamento das férias, subsídio de férias e de Natal dos respectivos anos e que a R. se limitou a pagar as férias e os subsídios de férias e de Natal, atendendo apenas à parte fixa da retribuição; que a partir de 2004 a R. admitiu que tais parcelas faziam parte da retribuição tendo passado a pagá-las para o futuro nas férias, no respectivo subsídio e no subsídio de Natal e que o A. é sócio do C….
A R. apresentou a contestação documentada a fls. 182 e ss., invocando, em suma: que os actos de processamento de vencimentos praticados até à data da transformação da R. em sociedade de capitais exclusivamente públicos em Maio de 1992 são actos administrativos que não podem ser agora objecto de apreciação judicial; que a tais créditos laborais anteriores a Maio de 1992 não se aplica a LCT mas as regras gerais de prescrição dos artigos 306.º e 310.º, alínea g) do Código Civil, pelo que os mesmos se mostram prescritos em 5 anos, o mesmo sucedendo com os juros relativos a esse período; que constitui abuso do direito na forma de supressio peticionar juros de mora desde o vencimento das prestações; que não há mora antes do trânsito em julgado da decisão ou, ao menos, da citação da R. para contestar a acção e que se verifica a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, em virtude do decurso do prazo a que alude o artigo 310º, al. d) do Código Civil. Alega, ainda, que as prestações em análise não fazem parte do conceito legal de retribuição, pelo que não são devidas ao autor na remuneração das férias e nos subsídios de férias e de Natal, que a entender-se que os subsídios alegados integram o conceito de retribuição, só assim deverá acontecer quando o seu pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano (11 meses) e que, sem conceder, caso se julgue provada a acção, deve ter-se em consideração que a média de pagamento dos complementos de um ano dever-se-á repercutir no ano seguinte, devendo ser relegada a liquidação do pedido em conformidade, para execução de sentença.
O A. respondeu à contestação nos termos documentados a fls. 201 e ss., pugnando pela improcedência das excepções.
Foi proferido despacho saneador em 2 de Maio de 2014 em que se julgou improcedente a excepção suscitada quanto aos juros de mora relativos aos últimos 5 anos, se negou a existência de abuso do direito na reclamação de tais juros, se determinou ser o termo inicial para a sua contagem a data do vencimento da obrigação de capital respectiva e se julgou improcedente a prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, no mais se determinando o prosseguimento da acção. Fixou-se à causa o valor de € 6.492,12.
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. destes autos, na parte em que, conhecendo das excepções peremptórias de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e de prescriçao dos juros relativos aos créditos que o Autor reclama, decidiu pela sua improcedência.
II. São três as questões a resolver:
1. A natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992;
2. Se o Autor litiga em Abuso de Direito – a Supressio
3. Se há constituição em mora antes da citação da ré para contestar;
4. Se estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos ao abrigo do art. 310.º, al. d) do C.Civ.;
III. Importa na análise da primeira questão, e desde logo, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente a Maio de 1992, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.
IV. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais:
- D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969
- Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro;
- Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977;
- AE de 81
- Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril
V. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.
VI. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).
VII. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.
VIII. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.
IX. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.
X. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.
XI. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).
XII. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.
XIII. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.
XIV. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.
Conclui-se assim, eu estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter-administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.
XV. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que os mesmos são “inimpugnáveis e, como tal, definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas”.
XVI. Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados quase de 30 anos, ser objecto de apreciação judicial.
XVII. Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até àquela data de 19 de Maio de 1992 sido determinadas por actos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não se mostram devidas, por já se encontrarem prescritas.
XVIII. Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, pública-privada.
XIX. Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios garantísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso, expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.
XX. Tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que aos trabalhadores dos CTT e após a entrada em vigor do D.L. n.º 87/92, ou seja, após a transformação de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, se passou a aplicar o regime da LCT, ou seja, acolheu o entendimento segundo o qual, até àquela data, os trabalhadores da Recorrente se regiam por um regime privativo, de natureza pública, ao abrigo do D.L. n.º 49368 – veja-se, a título de exemplo, os Acs. do STJ de 19-02-2013, em que é relator Gonçalves Rocha e de 22-05-2013, em que é relator Maria Clara Sottomayor, ambos disponíveis em dgsi.pt.
XXI. Não deixaremos de referir, porém, que esse Venerando Tribunal, no processo 1138/09.4TTVNG, defendeu e bem esta solução mesmo após a transformação dos CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, isto é, que os trabalhadores que nessa data se encontravam ao serviço continuaram e continuam a reger-se por esse regime jurídico privativo, de natureza pública, baseando esta posição no art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei 87/92, segundo o qual está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, dos Códigos do Trabalho, e do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, entre outros.
XXII. Assim, e ao contrário da tese defendida no despacho ora recorrido, pelo menos até Maio de 1992, está excluída a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente, da LCT, entre outros.
XXIII. Por via disso, e não existindo – como não existe – no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais e não sendo, como vimos, aplicável à relação o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT) impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional).
XXIV. Assim, no que o direito público não dispusesse de outro modo, as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do art. 310.º, g), do C.Civ., iniciando-se a prescrição nos termos gerais do art. 306.º, n.º 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.
XXV. Pelo que aos créditos laborais reclamados nas circunstâncias dos presentes autos não se aplica o art. 38.º da LCT.
XXVI. É esta também a tese defendida pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, no seu parecer onde refere que “…antes de 18 de Maio de 1992, a prescrição laboral não se aplica: o regime em vigor na empresa, próximo do da função pública, não prevê uma prescrição laboral, antes de caindo no Código Civil; além do Direito aplicável, jogam os valores em jogo, segundo os quais tal tipo de prescrição é desnecessário, no Direito público, dadas as garantias dos trabalhadores” – doc. n.º 2
XXVII. Pelo que não tendo aplicação o art. 38.º da LCT mas sim a conjugação dos arts. 310.º, g), e 306.º do C.Civ., tal significa que o Autor teria o prazo de cinco anos a contar da data de vencimento de cada prestação para exercer o seu direito (isto é, para peticionar os créditos laborais alegados na presente acção).
XXVIII. Assim, dúvidas não podem restar nada ser devido pela Ré ao Autor, a título das diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre 1984 e 1992 uma vez que os mesmos se encontram prescritos, bem como os juros reclamados relativos a este período.
XXIX. Na verdade, estando prescritos os créditos, e nada sendo devido pela Ré ao Autor nos anos supra referidos, por maioria de razão nada será devido a título de juros no que àquele período concerne.
XXX. No que respeita à segunda questão, nunca o Autor antes da propositura da presente acção deu a entender à sua empregadora, aqui Recorrente, que não concordava com a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados, pelo que a Ré continuou a proceder ao seu pagamento como vinha fazendo há anos.
XXXI. Os subsídios alegados pelo Autor até 2003 não integravam o conceito de retribuição, e este entendimento sempre foi aceite por aquele, e pelos restantes trabalhadores da Apelante, pelo que não pode ter criado qualquer expectativa ou convicção de recebimento das prestações ora peticionadas, uma vez que esta nunca até à presente data na vigência da LCT, as considerou como retribuição para efeitos de média a assegurar nos subsídios de férias de Natal, pois só lhe eram pagos quando se verificassem os requisitos para a sua atribuição, nos termos do AE/CTT.
XXXII. E tal facto era do conhecimento do Autor, dado que nunca anteriormente reclamou o recebimento de tais quantias fora das situações que dão direito à sua percepção.
XXXIII. Analisando os sucessivos AE/CTT, verificamos que as partes tiveram o cuidado de, divergindo da Lei, classificar a retribuição em férias como aquela que o trabalhador receberia se estivesse em “serviço normal”, cabendo ao trabalhador, em acréscimo, subsídio de igual montante, tudo conforme se preceituava e preceitua, hoje, na cláusula 162.ª do AE publicado no BTE n. º 30 de 15 de Agosto de 2000.
XXXIV. Já a cláusula 143.ª, que respeita ao subsídio de Natal estipula que: “Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro.”
XXXV. Parece de facto que, tanto num como noutro caso, as partes pretendem fazer corresponder os referidos subsídios a um valor, comummente definido como retribuição mensal.
XXXVI. Ora, tal conceito pode encontrar-se na vontade expressa pelas partes no âmbito da cláusula 133ª, onde, a respeito das remunerações mínimas mensais se refere que a remuneração horária normal é determinada pelo produto da multiplicação da remuneração mensal normal por 12 (meses) e consecutiva divisão pelo produto da multiplicação do período normal de trabalho semanal por 52.
XXXVII. Ou seja, a retribuição “normal” corresponde à contrapartida paga pela Ré pela prestação de trabalho durante o período “normal” de trabalho.
XXXVIII. Tal intenção das partes pode ainda ser retirada da análise da cláusula 134ª do mesmo AE, onde, propositadamente e no seguimento das definições até aí realizadas, se distinguem claramente, até nos próprios documentos comprovativos, a remuneração “fixa”, ou se quisermos normal, e as restantes “prestações complementares”, sendo uma delas o próprio trabalho suplementar.
XXXIX. Dificilmente se pode admitir que as partes outorgantes do presente acordo tenham estado tão desatentas que ao mencionarem a retribuição “normal” deixaram “escapar” desse conceito prestações que, eles próprios consideram como complementares – caso da retribuição por trabalho suplementar, entre outras.
XL. Pelo que tais prestações não eram (nem devem agora ser consideradas) devidas aquando do pagamento ao Autor de férias, subsídios de férias e de Natal. Acresce que,
XLI. A postura do Autor – e dos demais trabalhadores da Ré – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
XLII. Pelo que no caso em apreço, ainda mais do que abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, estaremos perante a figura da suppressio.
XLIII. A suppressio mais não é que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela.
XLIV. Assim, esta figura baseia-se na tutela da confiança aliada à boa fé.
XLV. Ou seja, a suppressio acaba por ser uma forma de tutela da confiança do beneficiário (ora Ré) perante a inacção do titular do direito (o Autor).
XLVI. Transpondo para a situação subjacente aos presentes autos, a Ré julgava proceder bem numa situação que foi sancionada, durante anos a fio, por milhares de trabalhadores.
XLVII. Efectivamente, a posição dos seus trabalhadores ao longo dos anos – designadamente, o não exercício de qualquer direito até recentemente - fez com que a Ré perpetuasse no tempo o mesmo método de cálculo na convicção de que o mesmo era satisfatório para todos.
XLVIII. Como bem refere o Prof. Menezes Cordeiro no citado parecer, “esse retardamento conduziu a que, hoje, o volume envolvido seja descomunal, com grande dano para a empresa”, sendo certo que “o exercício, pelos interessados, dos direitos envolvidos é paralisado ex bona fide, por exigência do sistema”.
XLIX. Face a tudo quanto se cuidou expor, dúvidas não podem restar que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como é pretensão do Autor.
L. No que à questão da mora concerne, salvo melhor opinião, não se pode considerar haver mora antes da citação da ré para contestar a presente acção; na verdade, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido (cfr. artº 805º do C.Civ.).
LI. É que, embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, aquilo que está aqui em causa não é o seu não pagamento, mas antes a discussão sobre a natureza de complementos de modo a saber se integram ou não o conceito de retribuição.
LII. E sendo a questão controvertida, não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento dessas retribuições e subsídios, ou seja, que a ré sabendo o valor a pagar se atrasasse a pagar.
LIII. Apenas pela procedência da presente acção, e nos seus precisos termos de condenação, é que se apurará o montante em dívida, ou seja, quais são as prestações que o Autor tem vindo a auferir ao longo do contrato com a Ré que se considerarem retribuição; mais, Não é razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber qual o montante e o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.
LIV. Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar à Ré a mora geradora de condenação em juros, sendo estes devidos tão só a partir do momento do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes Autos, ou seja, a contar do dia da constituição em mora, cfr. art. 806.º do C.Civ..
LV. Ou, o que por mera cautela de patrocínio se concede, pela interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior será de considerar a data da citação, cfr. art. 805.º do C.Civ.. Consequentemente, a serem devidos juros moratórios estes contar-se-ão apenas a partir daquela data.
LVI. Porém, e caso assim não se entenda, ao contrário do que vem defendido no douto despacho em crise, entende a Recorrente que não se aplicam aos juros de mora o regime previsto no art. 38.º da LCT nem, por maioria de razão, os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009.
LVII. Desde logo, porque o que aqui se discute tem subjacente uma relação entre a Recorrente e a Recorrida decorrente da celebração, entre elas, de um contrato pelo qual esta última se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual à primeira, sob a autoridade e direcção desta.
LVIII. Ou seja, entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato concretamente definido e tipificado na Lei e regulado em legislação especial, nos termos do disposto nos arts. 1152º e 1153º do C.Civ., denominado “Contrato de Trabalho”.
LIX. À semelhança do referido contrato de trabalho previsto e tipificado no Código Civil, também aqui estão previstos tantos outros contratos de natureza e tipologia diversa, tais como o contrato de prestação de serviços, o contrato de compra e venda, o contrato de aluguer, o comodato, o mandato, etc., cada um com o seu regime especial, mas todos eles sujeitos às regras da caducidade e da prescrição previstas no Código Civil.
LX. O que acontece, também, com o contrato de trabalho, já que em lado algum se prevê, no Código Civil ou na LCT e no Código do Trabalho (a tal legislação especial referida no art. 1153.º do C.Civ.), que o facto de o contrato de trabalho, enquanto tal, se encontrar sujeito a legislação especial, afasta automaticamente o regime do Código Civil a ele aplicável, nomeadamente no que respeita a matéria de juros de mora.
LXI. Relativamente aos contratos previstos no Código Civil, entre os quais, como vimos, o contrato de trabalho, estão previstos prazos de caducidade e de prescrição diferentes, variando esses prazos entre os poucos meses e os vinte anos, mas nem por isso as regras dos juros se alteram de acordo com tais prazos, aplicando-se sempre a regra geral de que os juros vencidos há mais de cinco anos prescrevem, se entretanto não se fizer valer o direito aos mesmos.
LXII. Ora, o facto de o contrato de trabalho estar sujeito a legislação especial não afasta a aplicação do regime dos juros previstos no Código Civil a tal contrato, nem tal entendimento poderá ter acolhimento em qualquer normativo aplicável ao contrato de trabalho.
LXIII. Tanto mais que na legislação especial em causa, isto é, nem na LCT nem no Código do Trabalho, se prevê o afastamento do regime geral dos juros consagrado no normativo legal que, à semelhança de tantos outros contratos, prevê e define este tipo de contrato em especial – o contrato de trabalho.
LXIV. Nem tão pouco se pode sustentar que o facto de, no Código do Trabalho de 2003 se prever que todos os créditos prescrevem no prazo de ano após a cessação do contrato de trabalho, significa que também os juros estão aí incluídos por se tratar de obrigação acessória à obrigação principal de pagamento das prestações em causa.
LXV. Pois, se assim fosse, dada a importância que tal matéria reveste, certamente que o legislador a teria expressamente previsto.
LXVI. Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que determinar a razão de, no Código do Trabalho presentemente em vigor, se ter retirado a expressão “todos os créditos”, passando a prever-se, no n.º 1 do art. 337.º que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decor rido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. – sublinado nosso.
LXVII. Para assim se concluir que o legislador mais não quis do que reforçar a ratio original, ou seja, o contrato de trabalho é um tipo contratual previsto no Código Civil, sujeito ao regime nele consagrado na parte em tudo o que não é expressamente afastado por qualquer legislação, geral ou especial, como acontece com os juros vencidos.
LXVIII. Tal regime não colide com o aplicável aos créditos laborais, entendendo-se como tais as prestações retributivas reclamadas pelo trabalhador, decorrentes de contrato de trabalho, os quais só prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (art. 337.º do C.Trab.).
LXIX. Por outro lado, pressupondo a obrigação dos juros uma obrigação de capital, que não assume natureza laboral, apenas porque a obrigação principal reveste essa natureza, tanto mais que o regime da prescrição dos créditos laborais é especial.
LXX. Integrar aí os juros é forçar a letra da lei na medida em que os juros têm a sua causa imediata no incumprimento ou cumprimento tardio, pelo que, e na senda do Acórdão da RC de 02/03/2011, não é dogmaticamente correcto defender que eles resultam do contrato de trabalho ou estão abrangidos na “violação do contrato”.
LXXI. O fundamento subjacente à suspensão do prazo prescricional dos créditos laborais, ainda que analisada do ponto de vista dos créditos do trabalhador, não nos permite concluir dever-se alargar o âmbito da norma ao regime de prescrição de juros.
LXXII. Os juros nascem do incumprimento e visam punir apenas a mora pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias. Assim, não podem considerar-se como um crédito resultante do contrato de trabalho, devendo os juros ficar sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do art. 310.º do C.Civ..
LXXIII. Justificar a aplicação de uma norma excepcional pela origem mediata da causa também não nos parece adequado. Desde logo, e repetimo-nos, porque há uma norma específica que prevê a prescrição dos juros, ainda que ilíquidos - al. d) do art. 310.º do C.Civ., sendo certo que se estaria a alargar o âmbito aplicativo de uma norma excepcional a casos que a letra do preceito não prevê.
LXXIV. Não nos parece que o legislador tenha criado um regime de protecção tal que quissesse incluir os juros nos sucessivos preceitos da prescrição dos créditos laborais, sendo certo que é sim, um absurdo, que o Autor após 30 anos, como sucede in casu, sobre um vencimento de um crédito que não lhe foi pago atempadamente, possa vir reclamar juros desde o vencimento.
LXXV. Se o devedor paga juros é porque, durante determinado período e tempo, deteve na sua esfera capital que deveria encontrar-se na esfera do credor; Ora, como supra referimos, a Ré não podia liquidar a prestação por não saber quais os complementos remuneratórios que integrariam o conceito de retribuição, e apenas o saberá aquando do trânsito em julgado da decisão a proferir, pelo que, constitui, de facto, uma vantagem para o credor que a suspensão da prescrição dos créditos laborais se estenda também aos juros devidos pela mora.
LXXVI. Tanto mais que a permanência de capital na esfera da Ré não resulta do incumprimento culposo da obrigação de pagar.
LXXVII. Pelo conjunto de razões que ficam ditas, entende a Apelante ser aplicável aos juros o disposto na al. d) do art. 310.º do C.Civ., ou seja, considera que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos e que esse prazo não se suspende por mero efeito de estar (ainda) em execução o contrato de trabalho.
LXXVIII. O que significa que, a haver diferenças retributivas devidas, aquelas quantias só começam a vencer juros 5 anos antes da citação da Ré e não desde a data do respectivo vencimento.
LXXIX. O M.mo Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, arts. 9.º, 310.º, 561.º, 805.º e 806.º do C.Civ., art. 38.º da LCT e os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009.»
Juntou doutos Pareceres, um do Professor Sérvulo Correia e Mestre Rui Cardona Ferreira[1] e outro do Professor Menezes Cordeiro.
1.3. O A. não apresentou contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido por despacho documentado a fls. 362.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto parecer a que as partes não responderam, no sentido de que o acórdão a proferir “deve ser no sentido da rejeição do conhecimento imediato do recurso” por entender que a retenção do recurso não o torna absolutamente inútil nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC, não deixando de dizer que, a ser conhecido, o recurso deve improceder.
Colhidos os vistos legais, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Questão prévia
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Comecemos por abordar a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer e que consiste em saber se a decisão sob censura – sobre a não ocorrência da prescrição de diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, da prescrição de juros, da fixação do termo inicial para a sua contagem e do abuso do direito na sua exigência –, é impugnável apenas com o recurso que vier a ser interposto (e se o for) da decisão final e deve, por isso, rejeitar-se a presente apelação.
Ao recurso é aplicável o Código de Processo do Trabalho com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro.
E, porque a acção foi instaurada após 1 de Setembro de 2013, é aplicável como lei adjectiva subsidiária o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho [cfr. o artigo 8.° deste diploma].
No despacho saneador sob censura, o Mmo. Julgador da 1.ª instância debruçou-se sobre as questões da excepção da prescrição de diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, da prescrição de juros e da inerente fixação do termo inicial para a sua contagem, bem como do abuso do direito na exigência de juros e julgou estas excepções improcedentes.
Defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que no caso não se verifica a hipótese do artigo 644.º, n.º 2, alínea h) do Código de Processo Civil, que admite o recurso imediato das “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”, uma vez que o tema do recurso, se não conhecido de imediato, apenas pode conduzir à inutilização dos actos processuais e nunca à invalidade substancial da decisão que (ulteriormente) venha a ser tomada. Sustenta, a final, que se sobreste no conhecimento imediato do recurso.
Não se questiona o acerto destas considerações no que diz respeito à sua conformidade com o que vem defendendo a doutrina e jurisprudência a propósito do conceito de “absoluta inutilidade”, doutrina que se sedimentou já quando se discutia a subida imediata dos agravos à luz da regime recursório anterior à reforma de 2007.
Simplesmente, entendemos que a decisão questionada no recurso ora em análise se subsume a uma outra hipótese em que é admitida a recorribilidade imediata, pelo que, tratando-se de uma mera questão de subsunção jurídica em hipótese processual, cabe proceder a tal subsunção.
O artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho, elencando as decisões de que cabe recurso de apelação, dispõe que cabe recurso de apelação da “decisão do tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo” (nº 1 do art. 79º-A) e das decisões a que se reportam as alíneas a) a i) do n.º 2 do mesmo art. 79.º-A do Código de Processo do Trabalho.
Na alínea i) do nº 2 do art. 79º-A do Código de Processo do Trabalho, a lei adjectiva laboral enuncia os casos ali contemplados em que cabe recurso autónomo de apelação remetendo expressamente para preceitos da lei processual civil geral ao dispor que cabe recurso de apelação “nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i) e j) do nº 2 do art. 691º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei”.
Estas normas dos artigos 79.º-A e 80.º foram introduzidas no Código de Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro, sendo o Código de Processo Civil a que se reporta o que foi revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[2].
Então, e no que ao caso interessa, a alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, estabelecia que cabe recurso de apelação do “despacho saneador que, sem por termo ao processo, decida do mérito da causa”.
À luz deste preceito, na eventualidade de o despacho saneador incidir sobre o mérito da causa, ainda que não determine a extinção total da instância, “a parte deve reagir imediatamente sob pena de a decisão transitar em julgado, precludindo o direito de suscitar tais questões no recurso que eventualmente venha a interpor da decisão final”[3].
A revisão do Código de Processo Civil levada a cabo pela Lei 41/2013 de 26/06 entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2013, mas o Código de Processo do Trabalho não foi objecto de atenção do legislador no sentido da sua adaptação aquele novo regime.
Ora, o Código de Processo do Trabalho não regulava (e continua, hoje, a não regular) exaustivamente o regime do processo laboral e, designadamente ao nível dos recursos, tem como pressuposto o regime recursório do Código de Processo Civil que era (e continua a ser) o quadro normativo de referência em matéria de recursos laborais e funciona como lei subsidiária.
Não obstante, à semelhança do que sucedeu em 2007 com a reforma dos recursos operada pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto, apesar das alterações que introduziu na lei processual civil, o legislador não revogou expressamente o Código de Processo do Trabalho, não o modificou de imediato, não o revogou tacitamente (cfr. o art. 7.º, n.º 3 do Código Civil, que impede a revogação tácita da lei especial) e não incluiu uma norma de adaptação do novo regime processual civil ao processo de trabalho, o que traz dificuldades acrescidas na compatibilização das previsões normativas das leis adjectivas civil e laboral.
Aplicando-se ao caso vertente o regime adjectivo emergente do Código de Processo do Trabalho e aplicando-se, do mesmo passo, o novo regime processual civil comum emergente da reforma de 2013, suscitam-se algumas dificuldades de compatibilização da lei processual laboral com a lei adjectiva comum, atenta a natureza subsidiária desta e a desarmonia que se criou entre o que antes se harmonizava, mormente nas situações em que o CPT remetia para concretos preceitos do CPC.
Seja como for, a lei processual fundamental a atender e aplicar prioritariamente para os processos de natureza laboral é o Código de Processo do Trabalho, que continua a aplicar-se como lei especial [art. 1.º, n.º 1 do CPT].
Nas situações em que o Código de Processo do Trabalho não contém a regulação exaustiva de determinada matéria ou remete expressamente para o Código de Processo Civil, sempre que haja “lacuna legis”, deve recorrer-se à legislação adjectiva comum vigente que directamente previna o omisso e se mostre compatível com a índole do processo de trabalho, à regulamentação de casos análogos previstos no CPT e naquela legislação comum, aos princípios gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum [art. 1.º, nºs 2 e 3 do CPT].
Neste sentido se pronunciou António Abrantes Geraldes quando surgiram as dificuldades de compatibilização dos regimes recursórios laboral e comum após a vigência da reforma adjectiva de 2007 (tendo em consideração, essencialmente, a impossibilidade de o intérprete limitar o âmbito objectivo da revogação do art. 9.º do DL n.º 303/2007) e defendeu que qualquer aplicação do CPC por via de remissão do CPT, “não pode deixar de ser dirigida unicamente à legislação processual civil que estiver em vigor à data em que se mostre necessária a aplicação subsidiária”, suportando o foro laboral as alterações a que for sujeito o sistema processual comum naquilo que directamente não regule[4].
Assim, havendo – como há – disposições processuais laborais que remetem para preceitos revogados do processo civil, cremos que a remissão deverá considerar-se feita de forma dinâmica para os preceitos actuais que prevêem as situações materiais contempladas nos preceitos revogados, aplicando-se, agora, as novas soluções da lei adjectiva subsidiária, mas apenas nos casos em que o Código de Processo do Trabalho não contenha um regime especial para aquelas situações materiais[5].
No Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a abrangência material das apelações autónomas passou a estar prevista no artigo 644.º, que corresponde, com alterações, ao artigo 691.º do VCPC.
O diploma continua a permitir o recurso autónomo de apelação “[d]o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa (…)” – artigo 644.º, n.º 1, alínea b) do NCPC.
Deste modo, a remissão a que procede o art. 79º-A, n.º 2, alínea i) do C.P.T para o art. 691º, nº 2 al. h) do VCPC, que contempla o saneador que decide parcialmente de mérito, deverá ter-se por efectuada agora, no que aos presentes autos interessa, para o artigo 644.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, preceito que continua a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões[6].
Seja como for, tem-se como certo que o legislador laboral de 2009 pretendeu, com a remissão para o art. 691º, nº 2, al. h), que as decisões deste cariz coubessem nas situações contempladas no nº 2 do art. 79º-A (recorribilidade imediata, com o regime de prazo e modo de subida a este associado) e não nas previstas nos nºs 1 ou 3 desse preceito, e qualquer uma das formas de compatibilização das normas – seja por via da remissão dinâmica para o correspondente preceito actualmente em vigor [art. 644º, nº 1, al. b)], seja por via da “incorporação” dessa situação no n.º 2 do art. 79º-A, como defende José Eduardo Sapateiro[7], seja através da “criação”, pelo intérprete, de norma dentro do espírito do regime processual laboral – leva ao mesmo resultado, qual seja o de que o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa estava, e continua a estar, contemplada no nº 2 do art. 79º-A e não no seu nº 1 (ou no nº 3)[8].
No caso, o despacho saneador proferido apreciou a excepção peremptória da prescrição suscitada pela R., quer quanto às diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, quer quanto aos juros, com a inerente fixação do termo inicial para a sua contagem, considerando ainda não haver abuso do direito na exigência de juros e, nessa medida, embora parcialmente, constituiu uma decisão final de mérito quanto a tais matérias, sem contudo pôr termo ao processo.
Assim, não concordando o R. com a decisão proferida a tal título no despacho saneador, procedeu correctamente ao interpor desde já (em 20 de Maio de 2014) recurso da mesma para obstar a que sobre ela se formasse caso julgado formal – cfr. o artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Deve notar-se que a partir desta reforma de 2009 do Código de Processo do Trabalho (em conformidade com o regime de recursos da lei processual civil aprovado pelo Decreto-Lei n.° 303/2007 de 24 de Agosto) deixaram de existir os recursos com subida diferida em processo laboral. À data em que foi interposto o recurso em causa, já todo e qualquer recurso interposto e admitido tinha subida imediata (fosse ou não a decisão imediatamente recorrível), por ter sido abolida a modalidade de recursos que, conquanto fossem imediatamente admitidos, ficavam a aguardar momento oportuno para subir[9].
Improcede a questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nada obstando, por isso, ao conhecimento do mérito do recurso.
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3. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[10], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1.ª – da inexigibilidade e prescrição das diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e dos inerentes juros;
2.ª – da prescrição dos juros moratórios sobre as quantias peticionadas, vencidos há mais de cinco anos.
3.ª – do dies a quo para a contagem dos juros de mora;
4.ª – da existência de abuso do direito na exigência de juros de mora.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório antecedente.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Nas conclusões das alegações que apresentou, a recorrente invoca desde logo a inexigibilidade e prescrição das diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e dos inerentes juros.
4.1.1. Começa por alegar que, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados no âmbito do regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos – concretizada pelo Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de Maio –, porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, entendem-se como actos administrativos que são inimpugnáveis e definitivamente conformadores das situações jurídicas individuais concretamente abrangidas.
Sustenta, ainda, que a não se entender assim se verifica a prescrição de tais créditos laborais do autor anteriores a 19 de Maio de 1992, porquanto a tais créditos, atenta a natureza pública da recorrente e a relação que firmou com os seus funcionários, regida por um regime jurídico privativo de natureza pública, não era aplicável o artigo 38.º da L.C.T., quanto à questão da prescrição, mas sim o disposto pelos artigos 306° n.º 1 e 310.° alínea g) do Código Civil.
Na decisão da 1.ª instância exarou-se, a propósito desta questão, o seguinte:
«[…]
Foi ainda pela R. suscitada a excepção de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, altura em que a empresa pública CTT foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos pelo Dec.-Lei nº 87/92, de 14 de Maio.
Ora, não podemos deixar de reconhecer esta excepção com inovadora no âmbito destes processos, havendo que entrar na fundamentação jurídica invocada pela R. para avaliar da sua pertinência, designadamente no caso do A.
É facto assente que Autor é trabalhador do quadro permanente da Ré desde 1985 e que, nessa altura, a relação entre as partes estava conformada pelo pelos seguintes normativos legais:
- DL nº 49368, de 10 de Novembro de 1969
- Portaria nº 706/71, de 18 de Dezembro;
- Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977;
- AE de 81.
- Portaria nº 348/87, de 26 de Abril;
Com o DL 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, os CTT assumiram um estatuto de empresa pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades (vd. arts. 26º e 28º). Estava então afastado o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus privatística deste último.
Contudo, a Portaria 706/71, de 18 de Dezembro veio regular o estatuto do pessoal dos CTT, afastando-o do estatuto do funcionalismo público – vd. art. 1º, nº 1, segundo o qual “O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estauto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando em consequência de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público”.
É duvidoso avaliar até que ponto os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, bem como o quadro legal posteriormente fixado pelo DL 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público que existia anteriormente, mas a verdade é que a opção legislativa foi no sentido do afastamento de normas de direito publico ou administrativo e de uma progressiva ou tendencial aproximação ao regime do contrato individual de trabalho.
Não vemos pois que, ao contrário do sustentado pela R. se tenha mantido uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, o que aliás seria contrário ou pouco compativel com a natureza empresarial dos CTT.
Em conformidade, não vemos também que se possa afirmar, como afirma a R., que os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data de 19 de Maio de 1992 eram actos administrativos, sujeitos a impugnação nos termos e prazos previstos na lei. Aliás, ainda que assim fosse, o que está em causa são créditos que existem ou não, independentemente da validade ou invalidade do acto de processamento dos vencimentos.
Por idênticas razões, não vemos ainda como se possa sustentar que as prestações vencidas até Maio de 1992 não estavam sujeitas à aplicação da LCT, designadamente ao regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho. Aliás, ainda que o não estivessem, a convolação da relação jurídica para uma relação tipicamente laboral desde a transformação da R. numa sociedade comercial anónima sempre implicaria a sujeição das prestações devidas ou não devidas ao regime da Lei Laboral, designadamente ao prazo de prescrição que apenas começa a correr desde a cessação do contrato de trabalho – vd. art. 337º do Cód. Trabalho actual, antes deste o art. 381º do Cód. Trabalho de 2003 e, antes deste, art. 38º da L.C.T..
Apenas se o contrato dos trabalhadores em causa tivesse ficado clara e totalmente afastado do regime do contrato individual é que se poderia aceitar que, como pretende a R., a ausência de normas próprias sobre prescrição implicaria o recurso às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional), designadamente a regras como a do citado artigo 310º, g), do Código Civil – que prevê um prazo de prescrição de 5 anos para prestações periodicamente renováveis -, iniciando-se a prescrição nos termos gerais do artigos 306º, nº 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.
Não sendo esse o caso, não podemos dar por prescritas as diferenças retributivas reclamadas pelo A. em relação às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre 1986 e 1992.
Termos em que se julga improcedente também esta excepção de prescrição.
[…]»
Como resulta da alegação da recorrente, esta faz radicar a inimpugnabilidade dos actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias anteriores a Maio de 1992 na natureza administrativa dos vínculos estabelecidos até então com os seus trabalhadores – a determinar a qualificação do acto de processamento de vencimentos como um acto administrativo –, o mesmo sucedendo com a defendida inaplicabilidade do regime do artigo 38.º da L.C.T. aos créditos até então vencidos, que fundamenta na natureza pública do regime jurídico que disciplinava tais vínculos.
Vejamos.
4.1.2. Deve desde logo dizer-se que não é pacífico ao nível da jurisprudência administrativa que os actos de processamento de vencimentos dos próprios funcionários públicos sejam, em qualquer caso, verdadeiros actos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta.
Depois de alguma controvérsia, o Supremo Tribunal Administrativo estabilizou o seu entendimento no sentido de que os actos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros actos administrativos (artigo 120º do CPA) quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória (vide, entre outros, os acórdãos do STA de 2007.12.19, recurso nº 899/07, de 2007.11.28, recurso nº 414/07, de 2006.01.17, recurso nº 857/05, de 2004.03.16, recurso nº 1682/02 e de 2001.12.11, recurso nº 47.140) e de que, por sua vez, são actos de mera execução “os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de outros actos administrativos anteriores” e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas nos primeiros (vide os acórdãos do STA de 2003.07.08, recurso nº 44411, de 2003.12.16, recurso nº 1272/03 e de 2004.10.10, recurso nº 719/03)[11].
4.1.3. Independentemente, contudo, da questão de saber se os actos de processamento dos vencimentos percebidos pelo A. entre 1985 e 19 Maio de 1992 contêm a definição inovatória da sua situação jurídica retributiva ou se, ao contrário, não geram qualquer efeito jurídico novo, é essencial para que tais actos possam qualificar-se como actos administrativos que a relação jurídica estabelecida naquele período entre as partes possa qualificar-se como uma relação jurídica materialmente administrativa, afirmação esta em que a apelante sustenta a sua conclusão de que os actos de processamento dos vencimentos e demais prestações remuneratórias constituem actos administrativos (vide a conclusão XIII).
É por isso relevante uma incursão breve no percurso trilhado pelos «CTT»:
● Decreto-Lei n.° 49.638, de 10 de Novembro de 1969 - determinou que a "partir de 1 de Janeiro de 1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passa a constituir uma empresa pública do Estado, denominada «Correios e Telecomunicações de Portugal», regida pelo Estatuto constante do anexo ao presente decreto-lei (...)", a qual mantém a abreviatura tradicional de CTT (artigo 1.° do mesmo Decreto-Lei e n° 1 do artigo 1° do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal a ele anexo, onde se consagra, ainda, no seu n.º 2 que "os Correios e Telecomunicações de Portugal são dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem autonomia administrativa e financeira e têm a sua sede em Lisboa";
● Decreto-Lei n.° 87/92, de 14 de Maio – estabeleceu que a "empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT) criada pelo Decreto-Lei n. ° 49 368, de 10 de Novembro de 1969, é transformada pelo presente diploma em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S. A, abreviadamente designada por CTT, S.A" (artigo 1.º, n.º 1).
Quando em 1969 foi criada a empresa pública dos CTT pelo Decreto-Lei n.° 49.368 – que aprovou o Estatuto dos CTT –, para ela transitou o pessoal da anterior Administração Geral dos CTT com fixação do seu regime jurídico em regulamentos especiais.
O Estatuto dos CTT de 1969, aprovado por este Decreto-Lei n.º 49.368, era antecedido de um extenso preâmbulo no qual se dizia, com relevo para perceber o regime jurídico aplicável aos seus trabalhadores, o seguinte:
«(…) agrupou-se o pessoal dos CTT em três escalões: escalão I, correspondente aos actuais serventuários dos quadros permanentes, os quais manterão todos os direitos e deveres do Estatuto do Funcionalismo Público, mas passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão seguinte, ficando, em correspondência, sujeitos aos mesmos horários e regime fiscal; escalão II, constituído por servidores a admitir por tempo indeterminado, que ocuparão posição intermédia entre o regime dos funcionários do Estado e o dos empregados das empresas privadas; escalão III, formado por servidores a admitir por prazo limitado, cujo regime deverá inspirar-se no dos assalariados.»
Em consonância, o art. 26.º do Estatuto dos CTT, inserido no Capítulo III (“Do Pessoal”) dispunha o seguinte:
«Art. 26.º
1. O pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei 23548, de 23 de Setembro de 1933) e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais.
2. Os referidos regulamentos serão elaborados pelo conselho de administração e estabelecerão para o pessoal um regime jurídico que se adapte às actividades específicas dos CTT e tenha em conta a diversidade de tarefas a que tais actividades obrigam. A aprovação desses regulamentos será dada em portaria conjunta dos Ministros das Comunicações e das Corporações e Previdência Social.
3. O pessoal dos CTT será integrado nos escalões seguintes:
a) Escalão I - Constituído pelos funcionários admitidos até 31 de Dezembro de 1969 nos quadros permanentes. Estes servidores manterão todos os direitos e deveres e passarão a auferir vencimentos iguais aos das categorias correspondentes do escalão II, com idênticos horários de trabalho e regime fiscal;
b) Escalão II - Constituído por servidores admitidos por tempo indeterminado, mas susceptíveis de despedimento, não só por motivos disciplinares, como por conveniência de serviço. Ingressará neste escalão o pessoal existente em 31 de Dezembro de 1969 das modalidades seguintes: o do quadro de reserva; o admitido ao abrigo do artigo 6.º do Decreto-Lei 36155, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 47488; e o do artigo 7.º daquele mesmo Decreto-Lei 36155, quando possua carácter de continuidade e esteja sujeito a qualquer dos horários semanais especificados nas alíneas a), b) e c) do artigo 26.º deste último diploma;
c) Escalão III - Constituído pelos servidores temporários, admitidos por prazo limitado, ainda que prorrogável. Ingressará neste escalão o pessoal dos CTT existente em 31 de Dezembro de 1969 não considerado nos escalões anteriores.
4. Os servidores dos CTT permanecem sujeitos ao poder disciplinar da empresa, nos termos do regulamento respectivo. (…)»
Por seu turno o artigo 66.º estabeleceu que:
«66.º - O conselho de administração apresentará ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao presente Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando: a) A evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações; (…)» [sublinhado nosso]
Analisando os escalões do pessoal dos CTT que foram definidos no transcrito artigo 26.º do Estatuto dos CTT, aprovado em 1969 pelo Decreto-Lei n.° 49.368, em conformidade com o respectivo preâmbulo, verifica-se que o A. apenas é susceptível de se enquadrar no seu escalão II, não se enquadrando manifestamente nos seus escalões I e III.
Com efeito, o A. Rui Humberto Magalhães Gonçalves foi admitido pelo menos em 1985 e está desde então ao serviço da R. como carteiro, aceitando esta que o mesmo é trabalhador do seu quadro permanente (vide os artigos 1.º da petição inicial e 1.º da contestação), assim pertencendo ao referido escalão II.
Ora, salvo o devido respeito, cremos que ressalta destes textos uma nítida intenção do legislador de subtrair ao regime jurídico do funcionalismo público as relações estabelecidas entre os CTT, EP e os seus trabalhadores do escalão II, mantendo ligados ao funcionalismo público apenas os do escalão I, admitidos até 31 de Dezembro de 1969.
Como se nota no Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2015[12], há vários aspectos do regime plasmado no Estatuto dos CTT de 1969 que constituem indício desta intenção legislativa:
- nos termos do art. 26°, n.º 3, alínea b), os trabalhadores do escalão II poderiam ser despedidos não só por motivos disciplinares, mas também por conveniência de serviço, ao invés do que poderia suceder com os trabalhadores do escalão I, que continuaram sujeitos ao Estatuto da Função Pública, sendo devida àqueles uma indemnização calculada em função das regras do cômputo da indemnização, por despedimento pela entidade patronal, sem justa causa, nos termos da legislação do trabalho (art. 26°, n.º 5);
- a consagração explícita, em normas especiais, em relação a esses trabalhadores do escalão II, de determinadas prerrogativas típicas dos funcionários públicos (vg. art. 28°), que já lhes assistiriam se estivessem submetidos ao mencionado regime sem necessidade daquela consagração;
- a fixação da remuneração dos trabalhadores dos CTT pelo respectivo conselho de administração, levando necessariamente em conta o nível de remunerações na indústria privada (art. 27°, n.º 1, alínea d));
- a sujeição dos trabalhadores dos CTT a um regime de tributação distinto dos funcionários do Estado (art. 27°, n.º 3);
- a preconização de uma evolução do regime jurídico do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho, sem prejuízo das características do serviço público de correios (art. 66.°, alínea a)).
Em conformidade com as indicações legais do Estatuto dos CTT de 1969, e na sequência do anunciado no seu artigo 26.º, n.º 1 acima transcrito quanto à elaboração de regulamentos especiais para definir o regime jurídico do pessoal dos CTT, veio a ser publicado o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro, o qual passou a constituir a base do regime jurídico dos trabalhadores da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal a partir de 1 de Janeiro de 1972 (data da sua entrada em vigor nos termos do artigo 100.º) do qual decorre, a nosso ver, um regime próprio que o diferencia do regime aplicável à relação de emprego público.
É o que resulta, designadamente, do seu Preâmbulo, quando neste se indica que:
«(…)De todo o exposto resultou a necessidade de combinar o Estatuto Geral da Função Pública, sob cuja tutela se encontrava o funcionalismo dos CTT - e à sombra do qual se constituíram direitos do pessoal do escalão I - com o direito comum do trabalho (…)
A participação do pessoal nos lucros da empresa; a integração, em princípio, de todos os profissionais em carreiras, conferindo-lhes direito de acesso; os benefícios de obras sociais em crescente desenvolvimento; a admissão de indivíduos com deformidades físicas, contanto que estas não sejam impeditivas do bom desempenho da função e a preferência, até, de que gozam os mutilados em determinadas circunstâncias; a garantia de promoção, dentro de certos períodos, que em alguns casos se verifica; o regime de trabalho a meio tempo, permitido em certos casos, no sentido de conjugar o binómio vida funcional-vida privada ou ainda a permitir a realização de legítimas aspirações; a limitação do tempo diário e semanal do serviço, mesmo no capítulo do trabalho extraordinário; a extensão muito sensível do período de doença remunerada - e na medida em que o é -, bem como da duração da situação de maternidade e as facilidades concedidas às servidoras mães em matéria de amamentação; a licença para casamento; o sistema de cálculo da licença para férias; os abonos aos aposentados desligados do serviço, e o regime de despedimento do pessoal dos escalões II e III - na medida em que pode ser da iniciativa do empregado ou dá direito, em certos casos, a indemnização - constituem, porventura, os aspectos socialmente mais salientes deste Regulamento, e muitos deles traduzem aproximação ao direito comum do trabalho (…)
Deste modo se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, uma vez que o mesmo continua, por força do estatuto da empresa, sujeito ao regime de direito público, tal como sucede, aliás, com outras empresas públicas, designadamente a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e a Imprensa Nacional. Mas a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º E bem pode afirmar-se, analisando-se este Regulamento, que tais princípios só não foram recebidos quando tal se revelou de todo inviável; e, que, por outro lado, também, por vezes, foram largamente ultrapassados.
(…)» [sublinhados nosso]
Passando para as normas do articulado deste Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971, é importante atentar no conteúdo dos artigos 1.º e 2.º inseridos nas disposições preliminares e que estabelecem o seguinte:
«ARTIGO 1.º
(Regime jurídico do pessoal)
1. O pessoal dos CTT passa a reger-se por um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público.
2. O presente Regulamento será completado por regulamentos especiais, designadamente o disciplinar e o da aposentação.
3. Os princípios consignados no estatuto privativo do pessoal serão desenvolvidos e executados por normas a ele subordinadas, contidas em ordens de serviço do conselho de administração.
ARTIGO 2.º
(Espécies de pessoal)
1. Os servidores dos escalões I e II, a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 26.º do estatuto da empresa, abrangem os profissionais CTT com carácter de permanência.
2. Os profissionais CTT com carácter temporário, admitidos por tempo limitado, ainda que prorrogável, a que alude a alínea c) do n.º 3 do citado artigo 26.º do estatuto, constituem o escalão III, que abrange, designadamente:
a) Os artífices assalariados por certo tempo;
b) Os indivíduos de outras qualificações profissionais eventualmente admitidos por determinado período.
3. Por não serem profissionais CTT, não são abrangidos pelas disposições deste Regulamento, mas sim pelo seu anexo que dele faz parte integrante, os assalariados acidentalmente e os indivíduos em regime de contrato de prestação de serviço, compreendendo o mandato, o depósito, a empreitada e outras modalidades a que são extensivas as regras do mandato. Ficam subordinados, assim, ao regime constante do anexo os indivíduos que prestem serviço:
a) Acidentalmente, como assalariados;
b) Encarregados de postos dos CTT;
c) Em sistema de avença;
d) Por tarefa;
e) Como arrematantes de conduções de malas.»
Perante o disposto no artigo 1.º, n.º 1 deste Regulamento de 1971, ficou patente que o legislador excluiu expressamente do preceituado no estatuto do funcionalismo público o regime do pessoal dos CTT, referenciando estar o mesmo sujeito a um estatuto privativo constituído pelas normas legais e regulamentares que disponham especialmente sobre o seu regime jurídico, “deixando, em consequência, de estar sujeito ao preceituado no estatuto do funcionalismo público”.
O que manifestamente nos impede de acolher as afirmações constantes das conclusões das alegações de que, antes da transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos concretizada pelo Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio da 1992, os trabalhadores da apelante tinham um estatuto típico de funcionalismo público, ainda que com especificidades e de que, atentos os fortes traços de direito público de que se revestia esse regime, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos que agora são inimpugnáveis[14].
Aliás, é de notar que os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citados pela recorrente[15] - reportando-se justamente ao período em que foi conferido à Ré o estatuto de empresa pública nos termos do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 49.368, de 10 de Novembro de 1969 e em que o seu pessoal se regia por um regime jurídico privativo que passou a constar da Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro -, se é certo que afirmam não se aplicar então aos trabalhadores dos CTT o regime da LCT, não deixam também de dizer que nesse período os trabalhadores “deixaram de estar sujeitos ao estatuto do funcionalismo público”.
É pois evidente o afastamento, nesta época, dos trabalhadores dos CTT (com excepção dos que integravam o escalão I) do regime do funcionalismo público.
Há ainda que ponderar – agora no sentido da aproximação do regime do pessoal dos CTT ao regime de direito comum – que o Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho a ele anexo (LCT) e começou a vigorar em 1 de Janeiro de 1970 (art. 2.º), dispôs no seu art. 11.º o seguinte:
«1. Ressalvada a legislação em vigor, o regime do contrato individual de trabalho aplica-se às empresas concessionárias do serviço público, mas poderá vir a sofrer as adaptações exigidas pelas características destes serviços mediante decretos regulamentares referendados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social e pelos Ministros competente.
2. O disposto no número anterior é aplicável às empresas públicas.»
Na mesma senda, o Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril – que veio estabelecer as bases gerais das empresas públicas, como o eram à data os CTT, EP –, veio dispor no seu artigo 30.º que "[o] estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvo quanto ao pessoal das empresas que explorem serviços públicos, para o qual, de acordo com o 2 do artigo 3, pode ser definido, em certos aspectos, um regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade de cada empresa” (n.º 1) e que “[a] matéria relativa à contratação colectiva que envolva as empresas públicas será regulada pela lei geral sobre contratação colectiva”.
E no seu artigo 3.º, n.º 2, dispôs que "[o]s estatutos das empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional ou exerçam a sua actividade em situação de monopólio podem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público bem como conceder-lhes especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade", denotando assim que esta aproximação que admite ao regime do funcionalismo público é excepcional e deve ser expressamente regulada.
Entretanto, não pode deixar de se ter presente que, ainda antes de ser o A. admitido ao serviço dos CTT, foi publicada a Portaria de Regulamentação de Trabalho (PRT) para os CTT no B.T.E. n.º 28 de 29 de Julho de 1977 e, posteriormente, os Acordos de Empresa (AE) publicados no B.T.E. n.º 24 de 1981 e nos BTE nºs 35 e 39 de 1981, outorgados pela empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal «CTT», que passaram a obrigar a empresa e os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes. Desde então (ou seja, bem antes de transformação da empresa em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o Decreto-Lei n.º 87/92), as relações de trabalho entre a ré e os seus trabalhadores têm sido reguladas por sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva nos quais se encontra especifica e minuciosamente regulamentada a matéria respeitante a remunerações, abonos e subsídios (cláusulas 141.ª e ss. do AE de 1981), incluindo tempo e local de pagamentos (cláusula 142.ª, n.º 2 e 3 do mesmo AE) e respectivos documentos comprovativos (cláusula 142.ª, n.º 1 do mesmo AE).
Ora, como vem dito no já aludido Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.01.29, “sendo os acordos de empresa instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, regulados pela lei civil e emergentes do encontro de vontades entre sindicados privados e a ré, mal se conceberia que os actos de processamentos salariais levados a efeito ao abrigo e cumprimento do estatuído naqueles instrumentos de regulamentação colectiva pudessem I revestir-se da natureza de actos administrativos”. Citando J. Acácio Lourenço (in As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137), o mesmo aresto salienta que o Regulamento Geral de Pessoal foi alterado pela Portaria de Regulamentação de Trabalho (PRT) publicada no B.T.E. nº. 28 de 1977, que "aplicou ao pessoal dos C. T. T. a maioria dos aspectos que consubstanciam a disciplina do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho. Aliás, o processo adoptado para a fixação das condições colectivas de trabalho tem sido o da negociação entre o conselho de administração e os sindicatos representativos do pessoal"[16].
Tudo concorrendo assim para alicerçar a conclusão que as prestações reclamadas nos presentes autos até àquela data de 19 de Maio de 1992 não foram determinadas por actos administrativos já inimpugnáveis.
4.1.4. Especificamente no que diz respeito ao regime prescricional, é certo que o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971 nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais e que o anexo a este Regulamento estabelece no seu artigo 2.º que “[o]s casos omissos neste anexo serão integrados pelas disposições do Código Civil, salvo quanto aos servidores abrangidos pela secção II”, o que, não se enquadrando o A. nesta Secção II (referente aos assalariados com carácter acidental), poderia levar numa primeira análise à conclusão de que os créditos laborais reclamados que se reportam aos anos de 1986 até Maio de 1992 estão submetidos ao prazo de prescrição de cinco anos fixado no art. 310.º, alínea g) do Código Civil, referente a “outras prescrições periodicamente renováveis” e não ao prazo de um ano previsto no art. 38.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.).
Simplesmente, não pode perder-se de vista que, como decorre do artigo 2.º, n.º 3, do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT (acima transcrito), o respectivo anexo se reporta apenas, além dos assalariados com carácter acidental (a), aos indivíduos não considerados profissionais dos CTT que prestem serviço como encarregados de postos dos CTT (b), em sistema de avença (c), por tarefa (d) e como arrematantes de conduções de malas (e).
No caso, o autor foi admitido em 1985 com a categoria profissional de CRT, como alega sem contestação da R., pelo que não se enquadra em qualquer destas categorias de indivíduos.
E, assim, não se lhe aplica a norma remissiva para o Código Civil constante do anexo ao Regulamento Geral do Pessoal dos CTT.
É certo que o Regulamento Geral do Pessoal dos CTT de 1971 nada previa sobre a prescrição dos créditos laborais, o mesmo acontecendo com a PRT de 1977, o que nos leva a constatar a existência de uma lacuna na lei, a integrar segundo os critérios emergentes do artigo 10.º do Código Civil.
Sobre esta questão, debruçou-se já o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de Outubro de 2014[17], e fê-lo em termos que merecem a nossa adesão.
Aí se escreveu:
«[…] não contendo a lei qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, a lacuna da lei tem, necessariamente que ser integrada através da analogia.
E nesta integração jurídica, temos o caminho da analogia legis ou analogia juris, devendo fazer-se chamamento ao que dispõe o art. 10.º do Cód. Civil, com a previsão legal que melhor se adapte às razões justificativas de aplicação concreta.
E assim, a situação legalmente prevista que melhor se adapta à situação presente é a da que prevê a prescrição de créditos laborais, ou seja o disposto no art. 38.º da LCT, pois é disso que se trata (vide com interesse o Ac. da 1.ª secção do STA de 12.06.80 nº convencional JSTA00008949, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se lê que “[a] decisão sobre redução do subsidio de residencia do pessoal dos CTT, matéria incluida no ponto 3 da base XCII da respectiva portaria de regulamentação do trabalho, não assume a natureza de acto administrativo definitivo e executorio e antes se integra no âmbito das relações laborais entre recorrente e recorrida).”
De resto, o legislador, no preâmbulo do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT que transcrevemos supra nas partes que nos pareceram relevantes para a resolução desta questão, reconhece que o regulamento abrange, fundamentalmente, a relação jurídica de emprego e que se observou o espírito do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, que manda aplicar às empresas públicas o regime do contrato individual de trabalho com as adaptações exigidas pelas características destes serviços, não obstante tal diploma não ser aplicável ao pessoal da empresa pública CTT, mas que a recepção dos princípios informadores do diploma fundamental do direito comum do trabalho é tão desejável que o próprio estatuto CTT - lei específica da empresa - a preconiza, de certo modo, na alínea a) do seu artigo 66.º.
Como se viu, esta alínea comete ao conselho de administração a tarefa de apresentar ao Governo, por intermédio do Ministro das Comunicações, propostas fundamentadas de alterações ao Estatuto, decorridos no máximo três anos após a sua entrada em vigor, contemplando designadamente “[a] evolução do regime jurídico do pessoal do escalão II no sentido de o aproximar da regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho sem prejuízo das características do serviço público de correios e telecomunicações.”
Com efeito, o referido art. 38.º tem por fundamento e considera iniciado o prazo de prescrição logo que cessa a situação de subordinação jurídica e económica, implicando o receio do trabalhador limitativo do exercício dos seus direitos
Trata-se de um regime em que o início do prazo prescricional só ocorre após a cessação, de facto, da relação laboral, o que se justifica por razões de pacificação social, dando-se assim a possibilidade às partes, durante a vigência do contrato, de não instaurarem ações com vista à reclamação dos seus direitos, para não se envenenar o bom relacionamento entre elas.
Por outro lado, com o protelamento do seu início para o dia seguinte ao do termo do contrato, visou-se essencialmente proteger o trabalhador, dados os naturais constrangimentos que este pode ter para exigir os seus direitos durante a sua vigência, nomeadamente por receio de retaliações do empregador caso ousasse acioná-lo durante a vigência da relação laboral, e que poderiam atingir o risco do seu próprio despedimento.
Por estas razões, avisadamente estabeleceu o legislador que o prazo da prescrição dos créditos laborais só começa a correr depois do contrato se extinguir, verificando-se portanto uma suspensão do início do seu curso até esta altura.
[…]»
4.1.5. Em suma, nem se pode afirmar a inexigibilidade dos créditos anteriores a Maio de 1992 reclamados pelo A. (inexigibilidade que a recorrente fundou na asserção indemonstrada de que os trabalhadores tinham um estatuto típico de funcionalismo público e, por isso, os actos de processamento de vencimentos do autor levados a efeito pela ré até então eram actos administrativos que se tornaram inimpugnáveis), nem se pode afirmar a aplicabilidade do regime prescricional previsto nos arts. 306°, n.º 1 e 310º, alínea g) do Código Civil (igualmente fundada na indemonstrada natureza público-administrativa da relação de trabalho, que a subtraía ao regime laboral comum, designadamente em matéria de prescrição), devendo aplicar-se, por analogia, o regime prescrito no artigo 38.º da L.C.T. aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969.
Improcede, neste aspecto, o recurso.
*
4.2. Quanto à questão da prescrição dos juros moratórios sobre as quantias peticionadas, vencidos há mais de cinco anos, a recorrente sustenta não ser aplicável aos juros o regime dos créditos laborais, mas o disposto no artigo 310.º, alínea d) do CC, considerando que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos, o qual não se suspende por mero efeito de estar em execução o contrato de trabalho
A decisão da 1.ª instância não acolheu a perspectiva da recorrente essencialmente por considerar que a obrigação de juros não deixa de ser uma obrigação acessória da obrigação principal que é a obrigação de capital, sendo as mesmas as razões que estiveram na base do regime especial de prescrição da obrigação principal, pelo que não teria sentido cindir a obrigação nascida do contrato de trabalho em duas – uma de capital e outra de juros – aplicando um prazo de prescrição diferente a cada uma delas.
Ponderando as razões subjacentes ao regime especial estabelecido para os créditos “resultantes” (artigo 38.º da L.C.T. e art. 381.º do Código do Trabalho de 2003) ou “emergente[s]” (artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009) do contrato de trabalho, sua violação ou cessação, inexiste efectivamente justificação para excluir de tal regime especial de prescrição os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal. Se a lei entendeu não ser exigível ao trabalhador-credor, atenta a sua posição de dependência no contrato, que promova a efectivação do seu direito demandando judicialmente o empregador na pendência do contrato do vínculo, e apenas sanciona o não exercício expedito do direito depois de cessado o mesmo[18], não se justifica que não tenha esta mesma perspectiva no que diz respeito aos juros dos créditos laborais, obrigando o, trabalhador a reclamá-lo na pendência do contrato para que se não extinga o respectivo direito, ainda que não reclame o crédito principal.
Como sustenta o Prof. Júlio Gomes, o regime especial de prescrição dos créditos laborais, previsto no art. 381º do CT/2003, deve-se aplicar também aos juros de retribuições em mora. Escreve este autor que “[n]o passado, invocando-se a natureza autónoma da obrigação de juros, pretendeu-se que esta obrigação estaria sujeita às regras do direito civil em matéria de prescrição e não ao regime especial dos créditos laborais. Tal entendimento não só não é hoje confortado pela letra da lei, como confrontaria com a teleologia do preceito já que forçaria o trabalhador a recorrer aos tribunais na vigência do contrato ou, em alternativa, a resignar-se com a extinção do seu direito”[19].
Com efeito, constituindo os juros de mora em causa um crédito indemnizatório decorrente do incumprimento da obrigação que pagamento da retribuição, é manifesto que o mesmo decorre também da violação do contrato de trabalho e, nesse medida, está igualmente sujeito ao regime especial de prescrição consagrado nos sucessivamente previstos nos arts. 38º, nº 1, da LCT, 381º, nº 1, do CT/2003 e 337º, nº 1, do CT/2009 e não ao disposto no art. 310º, nº 1, al. d), do Código Civil.
Por outro lado, entendendo-se, como se entende, que na base deste regime prescricional especial se encontram razões ligadas à subordinação jurídica do trabalhador ao empregador, à eventual inibição deste de demandar o empregador na pendência do contrato de trabalho atenta a sua maior debilidade e à pacificação do desenvolvimento da relação laboral enquanto esta perdura, não se vislumbra justificação para que esta ratio apenas ocorra apenas quanto à dívida de capital, não se nos afigurando de todo razoável que se imponha ao trabalhador o ónus de accionar judicialmente o empregador na pendência do contrato para fazer valer a obrigação acessória de juros (sob pena de prescrição)[20].
Invoca ainda a recorrente que no Código do Trabalho presentemente em vigor se retirou a expressão “todos os créditos”, passando a prever-se, no n.º 1 do art. 337.º que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” e conclui que o legislador mais não quis do que reforçar a ratio original, ou seja, que o contrato de trabalho é um tipo contratual previsto no Código Civil, sujeito ao regime nele consagrado na parte em tudo o que não é expressamente afastado por qualquer legislação, geral ou especial, como acontece com os juros vencidos.
Ora não cremos que esta alteração da letra do preceito que estabelece o regime especial da prescrição do crédito laboral – que deixou de referir “todos os créditos” do empregador ou do trabalhador resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, como o faziam os seus antecessores, passando a referir-se apenas ao “crédito de empregador ou de trabalhador resultante do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação” – tenha o significado que lhe pretende atribuir a recorrente.
A referência ao “crédito” reporta-se a qualquer crédito, naturalmente, desde que tenha um dos sujeitos indicados no artigo 337.º e a fonte indicada no mesmo preceito.
O crédito de juros de mora proveniente de uma obrigação retributiva laboral não cumprida pelo empregador, tem como sujeito o trabalhador e como fonte o não cumprimento atempado da obrigação de pagamento pontual da retribuição que constitui a obrigação principal do contrato de trabalho a cargo do empregador. Trata-se pois de um crédito indemnizatório que resulta directamente do incumprimento do contrato de trabalho.
Entendemos, assim, que da supressão da expressão plural não pode inferir-se que deixaram os juros de estar contemplados pelo regime prescricional especial da lei laboral, nem pode intuir-se que haja sido intenção do legislador excluir daquele regime os juros de mora.
Apesar de a jurisprudência não ser pacífica sobre esta matéria[21], não podemos deixar de notar que ao nível do Supremo Tribunal de Justiça desconhecemos que nos últimos anos tenha sido emitido algum aresto no sentido de que seja aplicável aos juros dos créditos laborais o prazo prescricional previsto na lei civil para os juros moratórios. Pelo contrário, a jurisprudência provinda daquele mais alto Tribunal tem sido constante na afirmação de que os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicável o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) – que coincide com o ulteriormente plasmado nos artigos 381.º do Código do Trabalho de 2003 e 337.º do Código do Trabalho de 2009 –, o que afasta o regime geral estabelecido na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil[22].
Não vendo razões para nos afastarmos da posição reiterada e unânime do Supremo Tribunal de Justiça desde, pelo menos, há mais de uma década e que tem sido sufragada por esta Relação[23], bem como pela Relação de Lisboa[24], reiteramos a nossa adesão à mesma.
Improcedem, nesta parte, as conclusões das alegações da recorrente.
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4.3. A recorrente discorda também da decisão sob censura na parte em que a mesma diz serem os juros de mora devidos desde a data dos vencimentos das prestações retributivas, defendendo que o são apenas desde o trânsito em julgado da decisão ou, pelo menos, desde a interpelação para o pagamento com a citação, uma vez que o devedor só fica constituído em mora desde a interpelação e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido, pelo que, sendo controvertida a questão da natureza retributiva dos complementos, não se pode considerar a quantia liquidada na data do pagamento das retribuições e subsídios, não havendo culpa do devedor.
A decisão da 1.ª instância, em fundamento da sua decisão no sentido de que os juros de mora são devidos desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida, referiu que “estando em causa o pagamento de retribuições de férias, subsídios de férias e de natal devidos em cada ano, se nos afigura óbvio obvio que os juros são contabilizáves desde a data de vencimento destas prestações ou, pelo menos, desde o fim de cada ano a que respeitam, posto que se trata de obrigações com prazo de vencimento não dependentes de interpelação – cfr. art. 805º, nº 2, al. a), do Cód. Civil.”
Também aqui sufragamos o juízo expresso pelo Mmo. Julgador a quo.
Com efeito, a obrigação do pagamento da retribuição no período de férias, bem como dos subsídios de férias e de Natal consubstanciam obrigações com prazo certo de pagamento, pelo que, nos termos do disposto no art. 805º, nº 2, al. a), do Cód. Civil, existe mora desde a data em que deveriam ter sido pagas, independentemente de interpelação – cfr. os artigos 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 874/86, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, as cláusulas 142.ª e 143.ª do AE e o artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18 de Março, segundo o qual a entidade patronal fica constituída em mora se o trabalhador, por facto que lhe não seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento. À luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 (artigos 364.º e 323.º, n.º 2, respectivamente), o empregador que falta culposamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros de mora.
Nos termos do preceituado nos artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil, a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os prejuízos causados ao credor, correspondendo a indemnização, na obrigação pecuniária, aos juros legais a contar da constituição em mora.
Além disso, não está em causa uma obrigação ilíquida que apenas se torne líquida com a decisão judicial, uma vez que o empregador tinha obrigação de saber o montante em dívida, que resulta da lei e do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, não contrariando esta afirmação que haja controvérsia entre as partes (e até na jurisprudência) quanto à natureza retributiva das prestações complementares, bem como quanto à obrigação de as mesmas integrarem o pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
Como ficou a constar do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2006[25], numa situação similar à vertente:
“Não tendo a ré pago ao autor diferenças devidas nas retribuições das férias e dos subsídios de férias e de Natal a título de trabalho suplementar e de trabalho nocturno e outros subsídios que deveriam integrar estas prestações, são devidos juros de mora (relativamente às parcelas em dívida) desde a data em que tais retribuições e subsídios deviam ser pagos (arts. 805.º, n.º 2. al. a) e 806.º, n.º 1 do CC). […] Tais situações configuram uma iliquidez aparente, uma vez que o devedor sabe, ou pode saber, quanto deve pagar (tendo em seu poder todos os elementos para chegar ao seu exacto montante), e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do art. 805 do CC.”
Na palavra de refere João Leal Amado, “a obrigação retributiva, em particular, enquanto principal obrigação a cargo do empregador, insere-se na categoria das chamadas obrigações duradouras, mais concretamente na sua modalidade das obrigações periódicas ou reiteradas”. Precisa ainda este autor que “a obrigação retributiva vence-se automaticamente, isto é, sem necessidade de prévia interpelação pelo credor-trabalhador, solução que, aliás, decorre logicamente da existência de uma data predeterminada para o respectivo cumprimento”[26].
Assim, se a recorrente não procedeu ao pagamento integral das retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal nas datas dos seus vencimentos, sendo certo que a mesma dispunha de todos os elementos para proceder ao seu pagamento, é de considerar que se constituiu em mora na data dos respectivos vencimentos, coincidindo o início da contagem dos juros de mora com o vencimento de cada uma das prestações.
E deve, também neste aspecto, confirmar-se a decisão da 1.ª instância.
*
4.4. A recorrente invoca ainda que no caso em apreço se verifica a abuso de direito na exigência de juros de mora, na forma de venire contra factum proprium e mais ainda a figura da suppressio, ou seja, pois estamos perante o exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que a recorrente, de todo, já não contasse com ela, face à inacção da titular do direito.
Fundamenta esta invocação com a alegação de que nunca antes da data da propositura da presente acção o recorrido reclamou quaisquer diferenças retributivas a título de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal, sempre aceitando que os subsídios alegados não integravam o conceito de retribuição, pelo que se verifica o exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que a recorrente já não contava com ela.
A este propósito a decisão recorrida exarou o seguinte: “(…) não vemos que se possa considerar – como pretende a R. - haver qualquer abuso de direito, por parte do A., ao reclamar juros de mora, pois que foi o próprio legislador que quis que o trabalhador só ficasse sujeito a qualquer preclusão de direitos depois de cessar o contrato de trabalho. Aliás, a figura do abuso de direito é residual e excepcional na nossa ordem jurídica, não podendo dizer-se que as pretensões do A. excedem “manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico” do(s) direito(s) do autor – cfr. art. 334º do Cód. Civil.”
Apesar dos termos amplos em que é feita a alegação da recorrente, devemos ater-nos neste aresto – atento o objecto do recurso interposto do despacho saneador que julgou improcedente a excepção suscitada – ao eventual abuso do direito de reclamar a dívida de juros sem os limites prescricionais traçados no direito substantivo civil para uma dívida com tal natureza.
Ora, como se decidiu designadamente no Acórdão da Relação do Porto de 2014.12.17[27], não pode fundamentar-se a aplicabilidade do prazo prescricional do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, em detrimento do prazo prescricional laboral, na circunstância de o trabalhador abusar do seu direito.
A razão que preside ao regime especial da prescrição dos créditos laborais e que justifica que o trabalhador não tenha que os reclamar durante a vigência do contrato de trabalho de trabalho justifica, do mesmo modo, que não tenha que reclamar – apenas – a dívida acessória dos juros de mora sob pena de sofrer a penalização em que se consubstancia a prescrição do seu crédito.
Questão diferente é a de saber se, em cada caso concreto, se pode verificar o abuso do direito no pedido de pagamento dos juros de mora (direito que tem subentendido o regime jurídico conferido pela lei a tais juros, vg. no que diz respeito ao seu prazo prescricional). Bem vistas as coisas, é neste sentido – mais amplo –, que a recorrente invocou o abuso do direito ao alegar o exercício tardio de uma posição jurídica, de tal modo que já não contava com ela face à inacção da titular do direito, mas a apreciação do abuso do direito em tal perspectiva mais ampla, não só excede a estrita questão prescricional decidida no despacho saneador sob recurso, como ainda carece, nesta fase processual, da necessária base fáctica (por não poderem ainda ter-se como verificados os factos que a recorrente invocou em fundamento desta vertente da sua defesa).
Improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações da recorrente.
4.5. As custas do recurso deverão ser suportadas pela R. recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 13 de Abril de 2015
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Não podendo deixar de se salientar quanto a este primeiro Parecer a péssima qualidade da cópia junta pela recorrente, que dificulta, em muito, a sua legibilidade.
[2] Estava em vigor em 2009 o anterior Código de Processo Civil, na redacção constante da republicação em anexo ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: DL 180/96, de 25-9; DL 125/98, de 12-5; L 59/98, de 25-8; DL 269/98, de 1-9; DL 315/98, de 20-10; L 3/99, de 13-1; DL 375-A/99, de 20-9; DL 183/2000, de 10-8; L 30-D/2000, de 20-12; DL 272/2001, de 13-10; DL 323/2001, de 17-12; L 13/2000, de19-2; DL 38/2003, de 8-3; DL 199/2003, de 10-9; DL 324/2003, de 27-12; DL 53/2004, de 18-3; L 6/2006, de 27-2; DL 76-A/2006, de 29-3; L 14/2006, de 26-4; L 53-A/2006, de 29-12; DL 8/2007, de 17-1; DL 303/2007, de 24-8; DL 34/2008, de 26-2; DL 116/2008, de 4-7; L 52/2008, de 28-8; L 61/2008, de 31-10; DL 226/2008, de 20-11; L 29/2009, de 29-6. Por comodidade denominamos este diploma de VCPC e o actualmente em vigor de NCPC.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, p. 203.
[4] “A reforma dos recursos introduzida pelo Dec. - Lei n.º 303/2007 e os seus reflexos no Código de Processo do Trabalho” in Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 74-75 Maio/Agosto-Setembro/Dezembro 2006, Coimbra, 2008, pp. 166 e ss..
[5] Neste sentido se pronunciou já este colectivo no Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2014, Processo n.º 1365/13.0TTBCL.P1, in www.dgsi.pt.
[6] O Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09, Proc. n.º 936/12.6TTMTS.P1, que a ora relatora também subscreveu como primeira adjunta, e inédito, ao que supomos, enfrentou idêntica questão, relativamente ao recurso interposto de despacho saneador que conhecendo do mérito da causa, não pôs, contudo termo ao processo, e decidiu que a remissão do artigo art. 79º-A , n.º 2, alínea i) do C.P.T. para o art. 691º, nº 2 al. h) do VCPC se deverá efectuar para o art. 644º, nº 1, al. b) do NCPC, bem como que o prazo de interposição de recurso é, nos termos do disposto pelo art. 80º, nº 2 do C.P.T., de 10 dias e não de 20 dias.
[7] “O Regime de Recursos do Código do Processo de Trabalho e o Novo Código de Processo Civil”, in Caderno IV, O Novo Processo Civil, Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, CEJ, 2013, consultável in http://www.cej.mj.pt.
[8] Assim se considerou, também, no já citado Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09. Numa perspectiva um tanto distinta, mas chegando ao mesmo resultado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2014-04-24, Processo n.º 513/13.4TTCBR.C1, entendeu que em sede de processo laboral, e dado que a redacção do artº 79º-A do CPT não foi objecto de alteração, o artº 691º do anterior CPC mantém-se em vigor, em detrimento do artº 644º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e concluiu que, não concordando a Ré com o decidido, a respeito da prescrição, no despacho saneador, deveria deste ter interposto desde logo o competente recurso autónomo, nos termos das disposições conjugadas da al. i) do nº 2 do artº 79º-A do CPT e da al. h) do nº 2 do artº 691º do VCPC.
[9] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, p. 230. Este regime manteve-se no Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[10] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[11] Vide com muito interesse, e fazendo uma resenha jurisprudencial, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2008, processo n.º 0544/06, in www.dgsi.pt.
[12] Processo n.º 20/14.8TTFIG.C1, inédito, ao que supomos, citando uma decisão sumária do mesmo Tribunal da Relação de 17 de Dezembro de 2014, proferida no processo n.º 275/13.5TIFIG.C1.
[13] Alterada pelas Portarias nºs 311/72, de 30/05, n.º 921/73, de 28/12 e n.º 351/75, de 07/06.
[14] Veja-se com interesse o Ac. do STA de 12 de Junho de 1980, processo n.º 014329, in www.dgsi.pt, segundo o qual a decisão sobre redução do subsidio de residência do pessoal dos CTT, matéria incluida no ponto 3 da base XCII da respectiva portaria de regulamentação do trabalho, não assume a natureza de acto administrativo definitivo e executório e antes se integra no âmbito das relações laborais entre recorrente e recorrida.
[15] Arestos de 19 de Fevereiro de 2013 e de 22 de Maio de 2013, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[16] Veja-se o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2015, que também alude a este autor (in As Relações de Trabalho nas Empresas Públicas, Coimbra Editora, p. 137).
[17] Processo n.º 1115/13.0TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt.
[18] Vide sobre a ratio deste regime João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 331 e ss.
[19] In Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 905. Na doutrina, vide ainda Milena Silva Rouxinol, O Regime de Prescrição dos Juros Laborais – Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Março de 2011, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, n.º 2, pp. 230 e ss.
[20] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.02.21 e de 2006.12.14, in www.dgsi.pt.
[21] Pois que designadamente ao nível da Relação de Coimbra tem prevalecido o entendimento de que o artigo 310.º, al. d), do Código Civil é norma específica que abrange expressamente no seu âmbito todos e quaisquer juros e o prazo de prescrição nele previsto é aplicável aos juros de créditos laborais, atenta a sua autonomia em relação ao capital - vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 2011.03.02, proferido no processo 1191/09.0TTCBR, in www.dgsi.pt e, entre outros, o de 2013.04.18, in www.colectaneadejurisprudencia.pt.
[22] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.03.06, Revista n.º 599/01 - 4.ª Secção, de 2004.09.30, Recurso n.º 1761/04 - 4.ª Secção e também publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2004, Tomo III, p. 260, de 2006.02.21, Recurso n.º 3141/05 - 4.ª Secção, de 2006.03.14, Recurso n.º 3825/05 - 4.ª Secção, de 2006.12.14, Recurso n.º 2448/06 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[23] Vide os Acórdãos da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 2014, processo n.º 1156/12.5TTPRT.P1, de 10 de Março de 2014, processo n.º161/13.9TTMTS.P1, e de 08 de Setembro de 2014, Processo 732/13.3TTPRT.P1, ao que supomos inéditos, mas todos subscritos pela ora relatora como adjunta, respectivamente. Vide, também, o Acórdão da Relação do Porto de 2013.12.18, processo n.º1260/12.0TTPRT-A.P1, relatado pelo aqui 2.º adjunto.
[24] Vide os Acórdãos da Relação de Lisboa 2012.07.04 (processo n.º 2581/11.0TTLSB-A.L1-4), este subscrito também pela ora relatora como adjunta, de 2012.12.19 2534/08.0TTLSB.L2-4 e de 2014.10.08, Processo: 1115/13.0TTLSB.L1-4, todos in www.dgsi.pt.
[25] Revista n.º 2840/2005 da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[26] No estudo “O incumprimento da obrigação retributiva e o art. 364º/2 do CT” in Temas Laborais, Coimbra, p. 86.
[27] Processo n.º 893/13.1TTVNG-A.P1, subscrito pelo colectivo que subscreve o presente aresto.
______________
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Os actos de processamento dos vencimentos dos trabalhadores dos CTT vencidos entre 1985 e 19 de Maio de 1992 não constituem actos administrativos.
II – À prescrição dos créditos dos trabalhadores dos CTT vencidos nesse período aplica-se, por analogia, o regime prescricional do direito laboral comum.
III – Os juros de mora relativos a crédito laboral, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicáveis o regime especial de prescrição previsto na lei laboral e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
IV – O início da contagem de tais juros coincide com o vencimento de cada uma das prestações sobre que incidem.

Maria José Costa Pinto