Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4040/18.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL POR QUOTAS
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP202301104040/18.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não provando um gerente que a falta de oportuno pagamento de impostos e contribuições para a Segurança Social não se deveu a culpa sua, é o mesmo responsável pelas consequências danosas daí decorrentes para a sociedade comercial por si gerida.
II - A obrigação de restituição emergente do enriquecimento sem causa só existe quando alguém, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem.
III - A ausência de causa justificativa, enquanto requisito do enriquecimento sem causa, ocorre quando este não tem razão de ser no ordenamento jurídico em que se verifica, sendo contrário aos valores pelo mesmo tutelados.
IV - Não é esse o caso, quando o gerente de uma sociedade comercial aceitou desempenhar essas funções a título gratuito, realizar despesas com o objetivo de valorizar essa mesma sociedade e vir a adquirir parte da mesma, como fora convencionado com um dos sócios.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4040/18.5T8AVR.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- R..., Ldª., intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra, AA, pedindo que este último seja condenado a pagar-lhe:
I- A título principal, a quantia total de 81.560,55€, correspondente a:
1- 3.728,92€ de dinheiro que deveria existir em caixa ou nos bancos, correspondente à diferença entre os gastos e as receitas registadas entre 01/01/2017 e 09/07/2017;
2- 66.803,07€ + IVA de outra parcela de dinheiro que deveria existir, relativa a vendas não registadas de mercadorias “desaparecidas” adquiridas ao preço de custo de 12.463,26€;
3- 2.800€ de despesas com rendas;
4- 350,45€ de despesas com água, luz e gás;
5- 270,00€ de levantamentos de dinheiro;
6- 68,40 € de refeições;
7- 142,01€ de juros, coimas e custas relativas ao pagamento de IVA fora de prazo;
8- 6,60€ juros relativos ao pagamento de quotizações da Segurança Social fora de prazo;
9- 374,00€ de transferências indevidas para a conta do R.;
10- 7.017,10€ relativos ao lucro do exercício de 2016, que desapareceu.
II- A título subsidiário, caso não se entenda que ocorreu o desaparecimento de 66.803,07€ + IVA que consta de 2 do Pedido Principal, deverá pelo menos o R, ser condenado a pagar à A. a quantia total de 27.220,74€, correspondente:
1- Ao valor das mercadorias desaparecidas, no montante de 12.463,26€,
2- E ao valor de todas as restantes parcelas de 1 e de 3 a 10 do Pedido Principal.
III- Por fim, sempre e em qualquer dos casos, deverá o R. ser condenado no pagamento dos juros correspondentes ao valor que for condenado a entregar à A., à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, na circunstância do R. ter sido seu gerente até ao dia 10/07/2017 e de, no exercício dessas funções, ter praticado diversos atos e omissões que descreve, em violação das obrigações legais a que estava vinculado, causando-lhe com isso prejuízos pelos quais quer ser ressarcida.
2- Contestou o R. refutando os referidos pedidos, por não corresponderem à verdade os seus fundamentos, sendo, ao invés, ele credor da A., uma vez que para esta trabalhou e fez diversas deslocações no interesse da mesma, sem nunca por isso ter sido retribuído ou compensado.
Pede, por isso, em sede reconvencional, que a A. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 131.446,24€, acrescida de juros de mora, à taxa legal para as operações comerciais, desde a notificação do pedido reconvencional, até integral pagamento.
Mais pede que a A. seja condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, de valor a liquidar em execução de sentença.
3- A A. replicou por impugnação e exceção e pediu também a condenação do R. como litigante de má fé em multa e indemnização, a quantificar a final.
4- O R. respondeu à matéria das exceções, pugnando pela improcedência das mesmas.
5- Foi realizada audiência prévia e elaborado despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as exceções de incompetência material e ilegitimidade do R.
Procedeu-se, ainda, entre o mais, à fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
6- Realizada a audiência final, foi, depois, proferida sentença na qual:
a) Se julgou a ação parcialmente procedente, por provada, condenando o R. a pagar à A., a quantia de 644,00€, acrescida dos juros legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Se julgou parcialmente procedente, por provada, a reconvenção, condenando a Reconvinda a pagar ao Reconvinte a quantia de 28.800,00€, acrescida dos juros legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
7- Inconformada com esta sentença, dela recorre a A., terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1- Com o presente recurso a A. pretende impugnar não só a matéria de facto, como também a de decisão de direito, e ambas tanto no que respeita ao pedido deduzido na p.i., como no que respeita ao pedido reconvencional.
3- O Instituto do Enriquecimento sem Causa tem natureza subsidiária, não podendo ser utilizado quando a lei faculte ao alegado empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
4- O R. Reconvinte alega que, por ter sido destituído da gerência da empresa, perdeu a oportunidade de ser compensado por todo o trabalho desenvolvido na mesma, que na sua tese seriam os lucros da mesma, ou a mais valia que algum dia se obtivesse em caso de venda da mesma (ou do estabelecimento).
5- O R. Reconvinte alega (por exemplo em 24º, 25º, 26º, 27º, 30º, 99º, 100º, 101º da contestação-reconvenção) que ele era o verdadeiro sócio, apenas estando a “sua” quota em nome do sogro como garantia do reembolso do empréstimo de 6.000€ que este lhe fez para o investimento no negócio.
6- Assim, caso o R. se tivesse proposto a pagar o empréstimo ao seu sogro e este se tivesse recusado a receber e a transmitir-lhe a quota (o que o R. nem sequer alegou), tinha desde logo uma via principal/prévia/obrigatória para reclamar a indemnização ou restituição: punha uma acção contra o sogro com vista a que este cumprisse esse acordo (entregar a quota dada em garantia do empréstimo, contra o pagamento dos 6.000€).
7- Ou então, decidindo accionar a sociedade, o R. poderia fazê-lo alegando créditos emergentes de uma prestação de serviços ou de uma relação laboral.
8- Acresce que, em qualquer uma dessas soluções, a destituição da gerência como obstáculo às “expectativas frustradas” é uma falsa questão, pois a mesma não tem nada que ver com isso: a frustração das expectativas liga-se à suposta qualidade de sócio e não de gerente.
9- Porém, foi com base nesse facto alegado na contestação – destituição da gerência - que o R. sustentou que ocorreu a “frustração das suas expectativas.
10- Foram incorrectamente julgados como Não Provados os seguintes pontos da matéria de facto, que deveriam ter sido dados como Provados:
a) - No dia 10 de Julho de 2017, existissem em stock mercadorias no valor de 4.513,32 € (valor sem IVA),
b) - Quanto a dinheiro existissem 631,60 € assim distribuídos: a) - 581,60 € em bancos; b) - 50 € na caixa registadora (ou seja, no caixa) c) No dia 9 de Julho de 2017, estivessem registados em caixa, contabilisticamente, 6.611,31€. g) O contrato de arrendamento referido em 32 fosse feito à revelia e com o total desconhecimento dos sócios e do outro gerente da empresa, sendo que a Autora apenas tivesse conhecimento desta situação em finais de Junho de 2017. h) - A A. não tivesse necessidade absolutamente nenhuma de arrendar um apartamento, nem tal arrendamento trouxesse proveito algum àquela. i) Em finais de Junho de 2017 o sócio BB de contactasse a senhoria (D. CC) com vista tentar dar o contrato sem efeito.
s)- O Ré ficasse ainda com 7.017,10€, correspondentes ao lucro do exercício de 2016. xx) - Fosse o sogro que pagava a prestação e o condomínio do apartamento bbb) - O sogro do R., por diversas vezes, pagasse as prestações do carro que este conduzia, bem como o seguro automóvel e as despesas de oficina em reparações ccc) - Além disso, o seu sogro também ajudasse o casal com quantias diversas, para fazer face a despesas mensais ddd) - O sogro do R. chegasse a pagar a parte que cabia a este no casamento com a sua filha. fff) - Na altura em que o negócio do Z... se propiciou, o R. dissesse ao sogro que avançasse, que ele, AA, ajudaria no que fosse preciso.
11- Os Factos Provados 25, 54, 55 deveriam ter sido dados como Não Provados.
12- O Facto Provado 32 deveria ter outra redacção, na qual também constasse que esse apartamento igualmente se destinava ao uso pessoal do R., cfr, resulta do depoimento da testemunha DD e das declarações de BB e do R., ambos acima transcritos.
13- O Facto Provado 34 deveria ter outra redacção, na qual também constasse que esse pagamento apenas ocorreu em Outubro de 2017, cfr. resulta dos docs. 15 e 16 da p.i.
14- O Facto Provado 38 deveria ter outra redacção, na qual constasse que a culpa desse não pagamento e das coimas foi do R., pois era a ele que incumbia fazer o pagamento dos impostos e contribuições da segurança social, cfr. Facto Provado 15, al. g).
15- O Facto Provado 53 deveria ter outra redacção, na qual não constasse a expressão “a favor da requerida”, pois a mesma é conclusiva.
16- O Facto Provado 54 não poderia ter sido dado como provado, pois isso nunca foi prometido ao R., cfr, resulta dos depoimentos de EE e BB, acima transcritos.
17- O Facto Não Provado a) (No dia 10 de Julho de 2017, existissem em stock mercadorias no valor de 4.513,32 € (valor sem IVA))”, deveria ter sido dado como provado com base no documento nº3 da p.i. e no depoimento do gerente BB acima transcrito, que no dia 10 de Julho de 2017 procedeu à contagem da inventário das mercadorias existentes em stock, sendo que nenhuma prova foi produzida em sentido contrário.
18- O Facto Não Provado b) (“Quanto a dinheiro existissem 631,60 € assim distribuídos: a) -581,60 € em bancos; b) - 50 € na caixa registadora (ou seja, no caixa)), o mesmo resulta parcialmente da confissão que o R. faz em 42º da contestação, onde aceita que em bancos existiam (apenas) 581,60 €.
19 -Este Facto b) dado como não provado relaciona-se com o Facto igualmente dado como Não Provado c) (“No dia 9 de Julho de 2017, estivessem registados em caixa, contabilisticamente, 6.611,31€”), o qual igualmente deveria ter sido dado como provado, pois devendo existir pelos menos 6.611,31 € (na verdade até deveriam existir 8.798€, conforme explicou a Sra. Perita), apenas existiam 631,60€.
20- O R. apropriou-se desse dinheiro que não se encontrou pois era ele quem todos os dias fazia o fecho da caixa e ficava com o dinheiro do apuro, conforme resulta dos depoimentos de FF, DD e GG, declarações do próprio R., todos acima transcritos, sendo que isso também resulta dos Factos Provados 15, al. a) e sua segunda alínea b) nos quais se refere que o R. fazia o fecho do caixa e os depósitos do dinheiro apurado, o que implicava que ficasse com esses valores na sua posse (para depois poder ir ao banco depositá-los).
21- Ainda quanto ao Facto Não Provado c) (“No dia 9 de Julho de 2017, estivessem registados em caixa, contabilisticamente, 6.611,31€.”), que emerge de 25º da p.i., o mesmo, além de aceite pelo R. na sua contestação (pois não é impugnado, nem o documento 5 para onde se remete), é também confirmado pelas declarações da testemunha HH, que era o contabilista da empresa, bem como pelos esclarecimentos prestados em audiência pela Sra. Perita.
22- Dos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita II, gravados na sessão de julgamento do dia 6 de Janeiro de 2022 resulta que até tinham que existir 8.798€.
23- Assim, quanto ao Factos Não Provado c) o mesmo deveriam ter sido dado como provado e pelo valor de 8.798€.
24- E, da conjugação dos Factos Não Provados b) e c), que deveriam ter sido dados com provados nos termos acima referidos, deveria resultar que o R, se apoderou (pelo menos) do dinheiro em falta: 8.166,40€.
25- Ou seja, deveria ter-se dado como provado um Facto com o seguinte teor: “Sem contar com o lucro do exercício de 2016, o R apoderou-se de 8.166,40€, correspondentes ao dinheiro que deveria existir em 9 de Julho de 2017”
26- Quanto ao Facto Não Provado g) (“O contrato de arrendamento referido em 32 fosse feito à revelia e com o total desconhecimento dos sócios e do outro gerente da empresa, sendo que a Autora apenas tivesse conhecimento desta situação em finais de Junho de 2017”), a sua prova deveria resultar da conjugação dos documentos 13 e 14 com as regras da experiência e com dos depoimentos de CC, DD e FF e declarações do sócio-gerente BB (acima transcritos).
27- Quanto ao Facto Não Provado h) (“A A. não tivesse necessidade absolutamente nenhuma de arrendar um apartamento, nem tal arrendamento trouxesse proveito algum àquela.”), igualmente o mesmo deveria ter sido dado com provado com base no Facto Provado 33, documentos 13 e 14 da p.i. e declarações acima transcritas do gerente BB e do R. (este, quanto ao facto de confirmar que por essa altura estava a terminar o seu casamento, havendo dias em que já não dormia em casa.
28- Assim, quanto ao Facto Não Provado h), o mesmo deveria ter sido dado como provado, ou seja, que a A. não tinha necessidade de tomar esse arrendamento, nem tal lhe trouxe nenhum proveito, tendo tal sucedido por interesse pessoal do R.
29- Quanto Facto Não Provado i) “Em finais de Junho de 2017 o sócio BB contactasse a senhoria (D. CC) com vista tentar dar o contrato sem efeito”, o mesmo deveria ter sido dado como provado pela conjugação das declarações desse sócio gerente, acima transcritas e gravadas na sessão de julgamento de 2 de Fevereiro de 2022, com os documentos nº13 e14 juntos com a p.i. e também com base no Facto Provado 33.
30- O Facto Não Provado s) (“O Réu ficasse ainda com 7.017,10€, correspondentes ao lucro do exercício de 2016.”) deveria ter sido dado como provado, com base quer no documento nº21 da p.i. que refere ter sido esse o lucro, quer com base no depoimento de HH, o contabilista da empresa, quer com base nas palavras do próprio R., quer ainda com base nos depoimentos das testemunhas FF, DD e GG, estes 3 trabalhadores da empresa, que dizem que o R. ficava sempre com o dinheiro do caixa o que, por arrastamento, implica que tivesse ficado com o lucro do exercício.
31- Quanto aos Factos Não Provados xx) (Fosse o sogro que pagava a prestação e o condomínio do apartamento), bbb) (O sogro do R., por diversas vezes, pagasse as prestações do carro que este conduzia, bem como o seguro automóvel e as despesas de oficina em reparações), ccc) (Além disso, o seu sogro também ajudasse o casal com quantias diversas, para fazer face a despesas mensais) e ddd) (O sogro do R. chegasse a pagar a parte que cabia a este no casamento com a sua filha) a prova dos mesmos resulta quer de o R. parcialmente ter aceite (pagamento da prestação do apartamento e ajudas ao casal, cfr. suas declarações acima transcritas), quer do depoimento do seu ex-sogro (cfr. suas declarações acima transcritas).
32- Assim, da conjugação dos depoimentos do R. e do seu ex-sogro deveria ter dado como provado que este pagava/pagou pelo menos: a) a prestação do apartamento ao banco, vivendo lá o R. e a sua ex-mulher sem nada pagarem; b) despesas de oficina e até um resto de uma dívida destinada à aquisição de um automóvel; c) a parte que cabia ao R. no seu casamento; d) a lua de mel.
33- Quanto ao Facto não Provado fff) (“Na altura em que o negócio do Z... se propiciou, o R. dissesse ao sogro que avançasse, que ele, AA, ajudaria no que fosse preciso.”), o mesmo deveria ter sido dado como provado com base no depoimento da testemunha EE, acima transcrito.
34- Quanto ao Facto Provado 25 (as relações entre o R. e o BB se terem degradado devido ao facto de aquele ter chamado a atenção a este de que uma trabalhadora se queixara de que havia sido vítima de assédio sexual por parte deste), o mesmo não foi corroborado por qualquer prova a não ser pelas declarações vagas que o próprio R. (“testemunha” de ouvir dizer) e essa trabalhadora (que mentiu descaradamente, cfr. se expôs supra na motivação) prestaram em audiência.
35- Acresce que, o BB negou que tenha tido algum comportamento menos próprio com esta trabalhadora (art. 3º da Réplica).
36- Por isso, o Facto Provado 25 deveria ter sido dado como Não Provado.
37- Quanto aos Factos Provados 54 e 55, a sua prova parece resultar de o tribunal a quo ter considerado mais credível a versão do R. do que a da A.
38- Porém, isso não é suficiente para esses factos serem dados como provados, desde logo porque, além de as coisas efectivamente não se terem passado assim, a testemunha EE (no depoimento já acima transcrito) e o BB (na p.i e na réplica) terem negado isso.
39- Tendo-se presente a alteração dos factos não provados e provados por que acima se pugna, a d.sentença, além de condenar o R. a devolver os 644€ (tal como fez), deveria também tê-lo condenado a devolver à A, com juros de mora desde a citação:
a) o valor de 8.166,40€, correspondentes ao dinheiro desaparecido;
b) o valor de 7.017,10€, correspondentes ao lucro do exercício de 2016; c) 2.800€ de despesas com rendas;
d) 350,45€ de despesas com água luz e gás
e) o valor de 148,61€ de juros pagos à AT e SS devido ao facto de o IVA e as quotizações erem sido liquidados fora de prazo.
40 – Além disso, sendo o R. o gerente que lidava com os dinheiros da sociedade (cfr. factos provados 15 al. a) e segunda alínea b) e ainda depoimentos das testemunhas FF, DD e GG acima transcritos), a sua responsabilidade pelo dinheiro desaparecido presume-se (cfr. art. 72º, nº1 do Cód. Sociedades Comerciais).
41- Igualmente, com base na mesma norma se presume a culpa do R. no não pagamento atempado do IVA e das quotizações para a Seg. Social, até porque, reforça-se, cfr. o Facto Provado 15º al. g), essa tarefa estava-lhe atribuída.
42- Assim, ao não ter decidido (pelo menos nesta parte) em conformidade com o que acima se defende, o tribunal a quo violou o disposto no art. 72º, nº1 do Cód. Sociedades Comerciais.
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43- Quanto ao pedido reconvencional, a A. deveria dele ter sido completamente absolvida.
44- Além de o ter dito na contestação-reconvenção (arts. 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 30º, 99º, 100º e 101º), o próprio R. referiu nas suas declarações de parte, gravadas na sessão de julgamento do dia 6 de Janeiro de 2002, acima transcritas, que:
a) o seu sogro lhe emprestou 6.000€ para ele (R.) investir na sociedade;
b) por sua (do R.) insistência, a sua quota ficou em nome do sogro como garantia do pagamento dessa dívida;
c) ficou combinado com o seu sogro que quando lhe reembolsasse os 6.000€, este poria a quota em seu nome;
d) a dada altura, apesar de até ter dinheiro para o fazer, e até de ter conversado com o seu sogro acerca disso, não lhe reembolsou o empréstimo, nem pediu que a quota fosse nesse momento posta em seu nome.
45- Ou seja:
a) o R. alega insistentemente na contestação-reconvenção que ele é que era o verdadeiro sócio e que existia um acordo com o sogro (que apenas era sócio “formalmente”) quanto a este entregar-lhe a quota mediante o reembolso dos 6.000€ emprestados;
b) o R. nunca alega que o seu sogro, Sr. EE, se tenha recusado a receber o dinheiro e a entregar-lhe a quota, antes pelo contrário.
46- Por isso, e a propósito da impossibilidade da procedência do pedido reconvencional com base no Enriquecimento sem Causa, das próprias palavras do R. resulta que este apenas não ficou com quota em seu nome porque não quis/não tratou disso, o que nos termos do art. 475º, parte final do Cód. Civil também afasta a aplicação deste Instituto.
47- Por isso, sendo as coisas como o R. defende (e a sentença acolheu), e também porque em momento algum alega que mesmo posteriormente à sua destituição se tenha proposto pagar o que devia ao sogro para receber a quota, nunca o caminho para reclamar a indemnização ou empobrecimento poderia ser o escolhido na reconvenção e plasmado na d. decisão sob recurso.
48- Efectivamente, e em vez disso, o R. deveria ter solicitado ao sogro a entrega da quota, contra o pagamento dos 6.000€ emprestados, ou então, tê-lo accionado, caso este, voluntariamente não o fizesse.
49- Aliás, na d. sentença até se acolheu a tese do R. nos Factos Provados 6, 7, 8, 9 e 11 (empréstimo do dinheiro e quota apenas como garantia do pagamento), bem como a fls. 19 da motivação, pelo que se vê que existia uma boa margem de viabilidade numa eventual acção que o R. propusesse contra o seu sogro (caso este não aceitasse receber os 6.000€ que emprestara e entregar a quota dada como garantia disso ao seu genro).
50- Por isso, o acolhimento do Instituto do Enriquecimento sem causa para fundamentar a d. sentença na parte da condenação da A. no pedido reconvencional, é violador do princípio da subsidiariedade em que o mesmo assenta (art. 474º do Cód. Civil), além de que, devido ao disposto na parte final do art. 475º, tal também seria de afastar à mesma.
51- Acresce que, se foi o R. quem rompeu o acordo que tinha com o sogro, ou desistiu de pedir o seu cumprimento, manifesto é que não tem direito algum de, partindo dessa sua conduta incumpridora ou desistente (que se enquadra também a parte final do art. 475º do Cód. Civil), passar a pedir à A. um valor que sabe que não tem direito de reclamar (pois, de acordo com a sua versão, desde o início sendo ele o verdadeiro sócio, ficou combinado que a gerência, dele e do BB, seria não remunerada).
52- Aliás, essa conduta (não cumprir/desistir do que tinha combinado com o sogro e pedir indemnização à A.), é também de abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil).
53- A propósito de não cumprir com o pagamento ao sogro e desistir de receber a quota do Z..., note-se que o R., no ano de 2017, ainda antes de sair desse estabelecimento, teve dinheiro para montar um bar em Aveiro, pelo que é óbvio que tinha 6.000€ para entregar ao sogro, embora tenha optado por não o fazer.
54– Acresce ainda, de acordo com a tese do R., que sendo ele o BB os verdeiros sócios gerentes da empresa, e tendo sido deliberado por eles que a gerência não seria remunerada, o que foi materializado em acta, esta decisão/documento é uma “causa justificativa” para o “enriquecimento”, o que faz cair a situação fora do âmbito do art. 473º do Cód. Civil, pelo que também por aqui não há lugar a indemnização alguma por enriquecimento sem causa (o AA, tal como BB, aceitaram que o trabalho da gerência fosse não remunerado).
55- Por outro lado, vir no fim contra isto (ter aceite que o trabalho da gerência fosse não remunerado), e ainda por cima ao fim de cerca de ano e meio depois da saída do R. da empresa, é também agir em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (art. 334º do Cód. Civil).
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56- À semelhança do que alega em outros trechos da sua contestação-reconvenção, o R. diz no art. 128º da mesma que tudo o que fez foi na expectativa de vir a adquirir a quota da empresa que, apenas formalmente (art. 26º dessa peça), estava em nome do sogro.
57- E que, por ter sido destituído da gerência, se frustraram as suas legítimas expectativas.
58- Porém, a pessoa que lhe poderia entregar a quota era o seu sogro, e não a sociedade.
59- Por isso, quando o R. diz que a destituição da gerência é a razão da frustração das suas expectativas, mistura qualidades que não se confundem.
60- Com efeito, as suas supostas expectativas só poderiam advir da qualidade de sócio (que, na sua tese era o que ele era na verdade, embora no papel figurasse o sogro) e não de gerente (tout-court).
61- E, por isso, bastava que o R. cumprisse o pagamento ao seu sogro para este lhe entregar quota.
62- No entanto, como se disse acima, o R. desinteressou-se desse negócio (do Z...), impediu (nos termos e para os efeitos do art. 475º, parte final do Cód. Civil) a verificação do resultado previsto (ficar sócio da A.) e abriu um estabelecimento do mesmo ramo em Aveiro, quando, inclusivamente, ainda se mantinha como gerente da A. (o que mais uma vez mostra o desprezo que tinha pelos seus deveres como gerente).
63- Também por aqui se vê como o seu pedido, ao ser deduzido contra a sociedade, carece totalmente de fundamentos de facto e de direito, pois a destituição da gerência não tem nada que ver com isso.
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64- Por outro lado, e ainda quanto caminhos alternativos ao pedido com base no Enriquecimento sem causa, atenta a natureza subsidiária deste, caso o R. decidisse accionar a sociedade, poderia/deveria fazê-lo alegando créditos emergentes de uma prestação de serviços ou de uma relação laboral.
65- Por tudo quanto vai acima, o tribunal a quo violou os arts. 473º, 474º e 475º, parte final, todos do Cód. Civil não tendo aplicação na presente situação a base legal em que o R. sustenta o seu pedido (Enriquecimento Sem Causa).
66- Além disso, resulta também da postura do R., que este desistiu da combinação que tinha com o sogro, incumprindo inclusivamente com a sua obrigação de pagar o que lhe fora emprestado por este e de lhe pedir a quota.
67- Por isso, fazer-se o pedido de pagamento de tempo ou trabalho neste contexto, e ainda para mais a um terceiro (a A.), tal é configurador de abuso de direito.
68- Por isso, e agora pelo prisma do abuso de direito por parte do R., o tribunal a quo violou o art. 334º do Cód. Civil quando aceitou acolher o pedido formulado por este.
69- Em suma, e terminando-se esta parte, a A. deveria ter sido totalmente absolvida do pedido reconvencional, fosse por inaplicabilidade do Instituto do Enriquecimento sem Causa, fosse por abuso de direito do R.
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70- Ultrapassada que fosse essa questão, o que apenas se coloca por efeito de raciocínio, sem se conceder, o tribunal a quo não poderia ter decidido atribuir uma indemnização com base na equidade, porque aos casos de Enriquecimento sem Causa não são aplicáveis as normas relativas à Obrigação de Indemnização estabelecidas nos arts. 562º a 572º do Cód. Civil.
71- Além disso, nos termos do art. 566º, nº3 do Cód. Civil, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
72- Assim, pressuposto da indemnização a atribuir por equidade, é a existência de limites que tenham sido provados (566º, nº3 do Cód. Civil).
73- Sucede que, do elenco dos factos provados, não há um único que se refira a limites mínimos ou máximos, quer para o trabalho, quer para os “gastos”, ou seja, para o “dano”.
74- Por isso, atribuindo o Tribunal a quo uma indemnização de acordo com a equidade, violou o art. 566º, nº3 do Cód. Civil, aplicando uma norma que não podia aplicar.
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75- Mesmo que se ultrapassasse essa questão, ainda assim o valor da indemnização arbitrada ao R. é excessivo, desde logo porque os 95€ para compensação das “despesas”, que correspondem a 3.420€ nos 36 meses referidos na d. sentença, não têm qualquer razão de ser, nem base factual que o justifiquem.
76- Com efeito, o gasto com as idas às compras estava já praticamente consumado com a deslocação do R. para ir trabalhar e regressar.
77- No máximo, o R. gastaria 18 litros de gasóleo por mês, o que daria 22,32€, ou 25 € por mês, arredondando-se por excesso.
78- Acresce que, arbitrando-se já um valor para compensação do “trabalho”, é também excessivo pagar-se as deslocações à parte, pois isso não é dos usos nem está previsto no Código do Trabalho.
79- Por isso, não é justo atribuir-se ao R. qualquer compensação por “despesas”.
80- E quanto ao “trabalho” em si, tendo-se bem presente o contexto em que os factos se passaram e não tendo o R. feito a prova das horas despendidas (sendo que, grande parte do tempo que passava no bar era a confraternizar), o valor de 250€ por mês seria mais do que razoável, ou seja, um total de 9.000.
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81- Na sentença é utilizada a expressão “actividade desenvolvida pelo R.”, dizendo-se que “essa compensação terá que que corresponder ao valor do vencimento de um gerente”, sendo a mesma até expressamente “classificada” como “trabalho” nos Factos Provados 53 e 54)
82- Por isso, é indubitável, caso se entenda atribuir alguma compensação ao R. a este título (hipótese que apenas se coloca por efeito de raciocínio, sem se conceder), que tal não poderá deixar de ser considerado “produto do trabalho”, ao abrigo do disposto no art. 1724º, al. a) do Cód. Civil, e, como tal, integrado na comunhão (supondo-se que o regime de casamento seria o da comunhão de adquiridos ou geral).
83- E, mesmo que assim não fosse, ou seja, cair fora do âmbito do art. 1724º, al. a), sempre essa indemnização caberia no conceito de “bens adquiridos pelos cônjuges” a que se refere a al. b) da mesma norma.
84- Acresce que, não se verificou a ocorrência de um facto contra a pessoa do R., nos termos e para os efeitos do art. 1733, nº1 al. d) do Cód. Civil.
85- Por isso, seja por interpretação errada da al. a) do art. 1724º e do 1733, nº1 al. d) do Cód. Civil, seja por não aplicação da al. b) do art. 1724º do mesmo diploma, o Tribunal a quo errou também aqui na decisão jurídica”.
Termina, assim, pedindo que se conceda provimento ao presente recurso, condenando-se o R. e absolvendo-se a A., conforme defende.
8- O R. respondeu, especificando e detalhando as razões pelas quais, no seu entender, deve ser mantido integralmente o julgado.
9- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso em apreço, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações da recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)], cinge-se a saber se deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto e o R. condenado no pagamento dos valores indicados pela A., bem como esta última absolvida do pedido reconvencional.
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B- Fundamentação
B.1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas constituída em 2014 que tem com objeto social o seguinte: “Exploração de café, bar e snack bar. Organização de eventos gastronómicos, desportivos, culturais e musicais. Comércio a retalho de acessórios de moda, vestuário e artesanato”.
2- No âmbito da sua atividade, a R... explora um bar situado na Praia ..., junto à praia, denominado “Z...”.
3- Os sócios da R., no momento da propositura da ação, eram EE e BB.
4- Desde a data da sua constituição é até ao dia 10 de Julho de 2017, o R., que era genro do sócio EE, foi gerente de direito e de facto dessa sociedade,
5- A ideia de se constituir uma sociedade com vista à exploração comercial de um bar na Praia ... foi concebida, de comum acordo, pelo R. AA e pelo BB, que eram, então, bons amigos.
6- Como o R. não dispunha, na altura, do capital necessário para entrar no negócio (6200,00€) solicitou ao EE, seu sogro, que o financiasse.
7- Ao que o EE acedeu, pondo como condição assumir formalmente a posição de sócio da sociedade a constituir, até que o genro o pudesse reembolsar do dinheiro investido.
8- Comprometendo-se a passar a sua quota para nome do R., logo que este reunisse o dinheiro suficiente para proceder ao aludido reembolso.
9- Ou a entregar ao R. o valor que excedesse o desse investimento, no caso de, futuramente, virem a acordar na alienação da quota social ou do negócio.
10- Sempre ficou muito claro, entre todos, que, para além de controlo e vigilância, o EE não iria desenvolver qualquer atividade na empresa e que a sua qualidade de sócio era apenas uma forma de garantir o dinheiro de que ia dispor.
11- Seria o R. quem, juntamente com o outro sócio, BB, assumiria toda a gestão do empreendimento.
12- O sócio gerente BB, ao tempo da constituição da A., era, há vários anos, sócio gerente de uma empresa com atividade na área da remodelação, reconstrução e decoração de edifícios.
13- E o sócio EE era também sócio gerente de uma empresa de mediação e fora sócio e gerente de diversos estabelecimentos de restauração.
14- O R., ao tempo da constituição da A. era, como sempre foi, funcionário administrativo da Câmara Municipal ..., tendo de cumprir, diariamente, um horário das 09:00 horas às 12:30 e das 13:30 às 17:00.
15- Era o AA quem, normalmente, fazia a gestão diária do estabelecimento nomeadamente:
a) o fecho do caixa;
b) lidava com o pessoal e resolvia os problemas que iam surgindo;
c) tomava todas as decisões do dia-a-dia da empresa (organização de produtos, organização do espaço, armazenamento, etc), e nomeadamente as relacionadas com problemas operacionais (entupimentos, avarias, problemas de energia, etc).
b) fazia os depósitos do dinheiro apurado;
c) fazia as encomendas/compras dos produtos necessários;
d) preparava a documentação para entregar na contabilidade;
e) controlava os stocks das existências;
f) pagava aos fornecedores e aos empregados;
g) pagava os impostos e as contribuições da segurança social.
16- Sendo que, algumas dessas tarefas, ocasionalmente, poderiam ser feitas pelo gerente BB, como o fecho de caixa, os depósitos nos bancos, a gestão dos recursos humanos, o pagamento a fornecedores e empregados, encomendas e compras, controlo de stocks, pagamentos de impostos e contribuições para a segurança social.
17- O gerente BB acompanhava e controlava a gestão da empresa:
a)- fazia o controlo de contas da empresa, no estabelecimento e nos Bancos - tinha acesso ao homebanking, estava a par do volume de dinheiro existente na conta, tinha acesso ao sistema de facturação da empresa, podendo retirar do sistema resumos de caixa, o que fazia regularmente, recebia, no seu email, informação que lhe era prestada pela empresa de contabilidade, a quem solicitava esclarecimentos complementares.
b)- O R. e o BB iam juntos, pelo menos duas vezes por ano, à empresa J..., com sede em ..., encarregada da contabilidade da A. onde reuniam com o técnico ou técnicos responsáveis.
18 - Muitos dos pagamentos a fornecedores, empregados e de impostos e taxas eram feitos por transferências bancárias, o que exigia a assinatura dos dois gerentes;
19- As tarefas de gestão e agendamento de eventos, administração de redes sociais e gestão de publicidade e marketing estavam atribuídas o sócio gerente BB.
20- À aprovação do sócio EE eram submetidas as decisões sobre gestão diária da empresa, encomendas e compras, o controlo de contas da empresa, no estabelecimento e nos Bancos, a gestão de recursos humanos.
21- Especificamente, a cargo do R. estavam as seguintes tarefas operacionais que desenvolvia juntamente com os trabalhadores da empresa:
a) Limpeza das instalações, dos equipamentos e do espaço envolvente;
b) Serviço de bar;
c) Serviço de mesas;
d) Serviço de cozinha e copa;
e) Montagem e desmontagem de eventos;
f) Manutenção do espaço;
g) Contacto com clientes
22- Ocasionalmente, eram os próprios empregados da empresa que procediam ao encerramento da caixa, caso em que entregavam o saldo, umas vezes ao R., outras ao BB.
23- Em Junho de 2017, o Réu decidiu pôr fim ao seu casamento com a filha do sócio EE e gerente da A., ao tempo de propositura da acção, JJ.
24- A A, reunida em Assembleia Geral, deliberou a destituição do R. da gerência, o que aconteceu no dia 10 de Julho de 2017.
25- As relações entre o R. e o sócio-gerente BB haviam-se anteriormente degrado, porque uma das trabalhadoras da A. se queixou ao R. de estar a ser vítima de assédio sexual, por parte do BB, em face do que o R. interpelou o BB, coisa que este último não aceitou de bom grado.
26- No dia 9 de Julho de 2017, estavam registados os seguintes valores relativos à diferença entre entradas e saídas de disponibilidades
- valor de 7.473,37 € (considerando os valores inscritos na contabilidade da Autora) - valor de 9430,54 € (considerando os valores inscritos no e-factura
27- As vendas registadas desde o início do ano até ao dia 09/07/2017 foram no valor de 38.804,17€ (ou 45.959,01€ com IVA incluído).
28- Quanto a pagamentos ou gastos efetuados desde o início do ano e até ao dia 09/07/2017, o montante total era de 41.598,49€ assim distribuídos:
a)- Fornecedores: 31.696,88€, dos quais 20.380,62€ (IVA incluído) são compras de mercadorias, sendo o resto relativo a valores em débito que vinham de 2016 ou a outros fornecedores que não de mercadorias;
b) - Pessoal: 6.153,26€;
c) - Segurança social: 2.714,82€;
d) - Impostos e descontos: 695,13€ de IVA, 38,79€ de Fundos Compensação Salarial, 220,54 € de IRC/PEC e 1 € de Sobretaxa;
e) -Pagamentos de 3 jantares com cartão multibanco: 68,40 €;
f) - Levantamentos com multibanco: 270 €.
29 - Em 31/12/2017, contabilisticamente existiam 3.372,99 €.
30- No início do ano de 2017, as existências (o stock) registadas no inventário eram de 3.845,96€ (valor sem IVA).
31- As compras de mercadorias no valor de 20.380,62€ referidas em 28 a) foram feitas entre 1 de Janeiro de 2017 a 9 de Julho de 2017.
32- A partir de 1 de Março de 2017, o R. celebrou em nome da A. um contrato de arrendamento verbal de um apartamento na Praia ..., pelo valor de 400€ mensais, destinando-se ao alojamento de empregados do bar.
33- Tal contrato foi reduzido a escrito a 01 de Agosto de 2017 e foi revogado a 30 de Setembro de 2017.
34- A autora pagou à senhoria todas as rendas relativas aos meses em que o contrato vigorou (entre Março e Setembro de 2017) num total de 2.800 €,
35- A isso acresce o valor de 350,45€ de água, luz e gás do apartamento, relativos ao período de 1 de Março de 2017 a 30 de Setembro de 2017.
36- Em 17 de Maio de 2017 o R. levantou, usando o cartão multibanco da empresa:
a) 200 €, numa primeira operação,
b) e ainda mais 70 €, numa segunda operação.
37- O R. usou o cartão da empresa para pagar refeições nas seguintes ocasiões:
a) em 23/03/2017, no restaurante T..., tendo gasto 39,40€;
b) em 04/04/2017, no restaurante E..., tendo gasto 17€;
c) em 28/04/2017, no restaurante C..., tendo gasto 12 €;
38- A Autora não procedeu a pagamento atempado de impostos, o que deu lugar às seguintes coimas que a A. teve que suportar:
a) - Devido à Autora. não ter pago atempadamente (até ao dia 15/05/2017) o IVA do 1º trimestre, a A. teve que pagar, entre coimas e despesas processuais, o valor de 142,01€
b) - Devido à Autora. a não ter pago atempadamente a segurança social do mês de Maio, a A. pagou juros no valor 6,60 €.
39- Foram transferidos para a conta bancária do R as seguintes quantias:
a) 330 € em 01/05/2017, por lapso;
b) 44 € em 13/05/32017
40 - O BB, por diversas vezes, utilizou o bar para festas de família e também para outras festas noturnas, à porta fechada, sempre com consumos de bebidas alcoólicas diversas.
41- Foram adquiridos para a Autora diversos equipamentos em segunda mão, nomeadamente uma máquina de gelo, duas máquinas industriais de lavar loiça, uma vitrina, um balcão frigorífico, uma arca congeladora, bancadas inox.
42- Apenas o Reconvinte se deslocava quase todos os dias ao estabelecimento da ..., nos períodos em que este se encontrava em funcionamento.
43- O Reconvinte ocupava no “Z...” muito do tempo de que dispunha, após concluída a sua jornada de trabalho na Câmara Municipal ....
44- Assim, o Réu desde a altura de abertura do bar, em Julho de 2014 até abandonar a gerência, em Julho de 2017 que ia quase todos os dias ao bar e aí permanecia:
- Nos dias de semana entre as 18h00 e o fecho do bar;
- Aos fins de semana e férias pessoais aí passava grande parte das horas de funcionamento do bar, desde a sua abertura até ao seu fecho.
45- No Verão de 2014, desde Julho até Outubro, o bar esteve aberto, todos os dias desde as 09h horas até pelo menos às 02h00.
46- Desde Novembro até Março/abril de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017 o bar abriu, pelo menos, aos fins-de-semana entre as 10:00 e as 22:00/23:00 horas.
47- Desde Abril/Maio de 2015, 2016, 2017 até Outubro de 2015, 2016 e 2017, o bar esteve aberto todos os dias desde as 09 horas até pelo menos às 02h00.
48- Era o Reconvinte quem se encarregava da grande maioria das compras de produtos necessários à atividade da A. deslocando-se ao “X...”, ao “Y...”, ao W..., etc, para adquirir os produtos necessários à atividade da A. e também objetos e equipamentos diversos.
49- Quando essas deslocações aconteciam aos dias de semana (de segunda a sexta-feira inclusive), com exclusão do mês de Agosto, o percurso seguido pelo Reconvinte partia do ..., até ao estabelecimento de destino e daí ao Z....
50- Já aos sábados, domingos e durante o mês de Agosto, o percurso seguido pelo Reconvinte partia do Z..., para o estabelecimento de destino e daí para o Z....
51- Entre 2014 e 2017, o Reconvinte residiu em ..., que se situa a 11 Km do Z....
52- Em todas as referidas deslocações, o R. utilizou o seu carro pessoal.
53- A gerência da Autora não era remunerada pelo que o Reconvinte nunca recebeu qualquer retribuição por todo o trabalho que desenvolveu a favor da Reconvinda.
54 - O Reconvinte aceitou que a gerência fosse não remunerada e desenvolveu todo este trabalho e fez todas estas despesas com o objetivo de valorizar a sociedade Reconvinda, na expectativa de vir a adquirir a quota de metade na referida sociedade.
55- O que era do conhecimento de todos os intervenientes no negócio –BB, EE, o ora Reconvinte e a própria A./Reconvinda.
56- À época, o R. vivia, juntamente com a sua esposa gratuitamente, num apartamento pertencente à família desta
57 - O Réu, na altura em que assumiu a gerência da empresa, pediu na Câmara Municipal ... uma declaração destinada a entregar na Segurança Social a fim de evitar que tivesse que fazer descontos.
58- O Réu, na qualidade de gerente, redigiu, assinou e enviou para a Segurança Social de Aveiro uma carta, acompanhada daqueles documentos, a solicitar a dispensa do pagamento de contribuições e quotizações.
59 - Na sequência dessa sua solicitação, enquanto gerente não remunerado da R..., Ldª., a Segurança Social deferiu o pedido.
60- Logo após a destituição do R., a A. enviou-lhe em 21 de Julho de 2017 uma carta a pedir-lhe quantias e documentos.
61- Na carta de resposta que o R. enviou à A., em 26 desse mesmo mês, o R., além das explicações que deu quanto ao que lhe era solicitado, não refere que lhe estivesse algo em dívida,
62- No dia 16 de Agosto de 2017, o Réu enviou uma carta à A. a pedir-lhe 2 pranchas de surf, um fato de surf, uma toalha de praia, umas botas de surf e a alguns acessórios de surf.
63- Em 2016 a sociedade autora teve um lucro de exercício de 7.017,10€.
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B.2- Na sentença recorrida não se julgou provado que:
a)- No dia 10 de Julho de 2017, existissem em stock mercadorias no valor de 4.513,32€ (valor sem IVA),
b)- Quanto a dinheiro existissem 631,60€ assim distribuídos:
a) - 581,60€ em bancos;
b) - 50 € na caixa registadora (ou seja, no caixa)
c) No dia 9 de Julho de 2017, estivessem registados em caixa, contabilisticamente, 6.611,31€.
d) – Com as vendas se obtenha um lucro bruto de 436%.
e) O gerente BB se limitasse a assinar documentos, quando isso lhe era solicitado pelo R.
f) Este gerente – BB – devido à sua vida profissional não tivesse tempo para se dedicar à gestão da empresa, razão pela qual em nada acompanhasse o dia-a-dia da R..., Ldª.
g) O contrato de arrendamento referido em 32 fosse feito à revelia e com o total desconhecimento dos sócios e do outro gerente da empresa, sendo que a Autora apenas tivesse conhecimento desta situação em finais de Junho de 2017.
h)- A A. não tivesse necessidade absolutamente nenhuma de arrendar um apartamento, nem tal arrendamento trouxesse proveito algum àquela.
i) Em finais de Junho de 2017 o sócio BB de contactasse a senhoria (D. CC) com vista tentar dar o contrato sem efeito.
j) A senhoria alegasse que, caso fizessem cessar o contrato de imediato, isso lhe causaria um avultado prejuízo, pois deixaria de poder arrendar o imóvel no Verão a outras pessoas (na medida em que contratara o arrendamento a favor da A. com o Sr. AA).
l- Fosse por isso, que a A. assumisse o contrato até finais de Setembro de 2017,
m)- O arrendamento referido em 32 e ss fosse decidido por ambos os gerentes, aliás, com conhecimento e assentimento do sócio EE
n) - Entendessem, então, que esse alojamento e bem assim as despesas com água, luz e gaz seriam um bom complemento da retribuição devida, pela sociedade, aos empregados.
o) - Com a vantagem desse complemento poder ser lançado como custos da A., na sua contabilidade, e diminuía os encargos com as contribuições para a Segurança Social – como acontecesse
p)- A A. pagasse as aludidas rendas por transferência bancária, o que implicava a assinatura dos dois gerentes.
q) As refeições referidas em 37 fossem pessoais.
r)- A transferência referida em 39 a) ocorresse por um erro do BB e já tivesse sido devolvido e a transferência referida em 39 b) se tratasse de um reembolso de despesa feita pelo Réu, no interesse da Autora
s)- O Ré ficasse ainda com 7.017,10€, correspondentes ao lucro do exercício de 2016.
t)- O referido em 17 b) acontecesse 4 vezes por ano
u) A empresa de contabilidade remetesse, mensalmente para o email da A. um relatório de gestão,
v) O Réu BB se inteirasse, diariamente, dos resultados do negócio e conferisse todos os movimentos da caixa
x) - O BB tivesse sempre dinheiro da empresa A. em seu poder.
z) Por vezes os fornecedores de águas, cerveja, outras bebidas e café bem como os salários dos trabalhadores e dos nadadores salvadores fossem pagos com dinheiro da caixa.
aa) Até ao momento em que cessaram as funções de gerente do Réu, o BB nada houvesse pago à A., relativamente aos consumos referidos em 40.
bb) Os bens referidos em 41 fossem pagos com dinheiro da A., existente em caixa ou em poder do BB, para as quais não foram obtidos, nem constam da contabilidade da A. documentos justificativos.
cc)- Os levantamentos mencionados em 36 no valor global de 270,00€, fossem efetuados pelo R. para, de acordo com as instruções do sócio gerente BB, proceder ao pagamento, naquele exato valor, de uma licença da Sociedade Portuguesa de Autores, necessária à A., para a realização de um evento, sendo certo que a aludida Sociedade não aceitava pagamento por multibanco.
dd)- Quanto às refeições mencionadas 37:
- Em 23/03/2017 jantasse no restaurante “T...” com o próprio sócio gerente BB, para decidirem assuntos de gestão da A.
- No dia 04/04/2017, o R. almoçasse no restaurante O..., no próprio edifício onde estão instalados os serviços da Câmara Municipal ..., com o representante da empresa I..., Senhor KK, com quem negociou questões relativas ao fornecimento, à A., de bebidas diversas.
- No dia 28/04/ 2017, o R. almoçasse na C..., com a atual gerente JJ, filha do sócio EE, por ocasião de uma deslocação que ambos efetuaram a ..., à empresa K..., Unipessoal Limitada, para levantarem e transportarem, para a ..., uma máquina de gelo em segunda mão, adquirida à referida empresa, pela A.
ee)- Os sócios da A. aprovassem, sem reservas, as contas dos exercícios de 2014, 2015 e 2016.
ff)- Nas diversas vezes que o alarme do estabelecimento disparou, quase sempre de madrugada, sempre foi o Reconvinte que se deslocou, de ... à ..., para verificar o que se passava.
gg) - Entre 07.07.2014 e 31.10.2014, o Reconvinte trabalhasse no Bar em questão, todos os dias úteis desde as 18:00 às 04:00 do dia seguinte e todos os sábados e domingos, entre as 09:00 e as 04:00 horas do dia seguinte.
hh)- A partir de 1 de Novembro de 2014, até ao dia 1 de Maio de 2015, o “Z...” apenas abrisse com a colaboração exclusiva do Reconvinte,
ii)- A partir de Maio de 2015, até 31 de Outubro do mesmo ano, o Reconvinte estivesse no Bar, todos os dias entre as 18:00 e as 03:00 nos dias úteis e entre 10:00 e as 03:00 horas, aos sábados e aos domingos.
jj)- De Outubro de 2015 a Março de 2016, o “Z...” Reconvinte estivesse no bar todos os sábados e aos domingos entre as 10:00 e as 23:00 horas.
ll)- De Março de 2016 a final de Julho de 2017 o Reconvinte estivesse no Bar todos os dias entre as 18:00 e as 03:00 nos dias úteis e entre 10:00 e as 03:00 horas, aos sábados e aos domingos.
mm- Nos anos de 2014 e 2015, com exceção do período de Verão, o Reconvinte assegurou, sozinho, todo o funcionamento do “Z...”, porque o estabelecimento não gerou receita que permitisse, à A., contratar qualquer trabalhador.
nn)- Entre Junho de 2014 e 10 de Julho de 2017, o Reconvinte prestasse à Reconvinda mais de 8.765 (oito mil setecentas e sessenta e cinco) horas de trabalho.
oo) O referido em 48 acontecesse duas vezes por semana.
pp)- Com as deslocações referidas em 48, 49 e 50, o Reconvinte percorresse, por conta da A., mais do que 12.643Km, despendendo mais de 4.551,48€.
qq)- No interesse da A., o Reconvinte, durante os referidos anos de 2014 a 2017, percorresse mais 17.754 Km, considerando a deslocação de ... à Praia ... e o regresso.
rr)- O que corresponda a um acréscimo de despesas com deslocações de mais de 6.391,44€.
ss)- Em todas as referidas deslocações, o R. pagasse do seu bolso todas as despesas de combustível.
tt)- Não tendo sido, até agora, reembolsado pela A. das referidas despesas, que ascendem a um total de 10.942,92€.
uu)- A maior parte do tempo que o R. estivesse no estabelecimento confraternizasse com amigos à volta de uma mesa ou ao balcão e a comer e beber.
vv) O apartamento referido em 56 fosse propriedade de uma ex-cunhada do Réu, irmã da ex-mulher.
xx)- Fosse o sogro que pagava a prestação e o condomínio do apartamento.
zz) - Fosse igualmente o sogro do R. quem custeasse as obras que este e a ex-mulher quiseram fazer nos quartos-de-banho.
aaa)- O Réu fosse compensado pelos gastos de gasóleo ou deslocação.
bbb)- O sogro do R., por diversas vezes, pagasse as prestações do carro que este conduzia, bem como o seguro automóvel e as despesas de oficina em reparações.
ccc)- Além disso, o seu sogro também ajudasse o casal com quantias diversas, para fazer face a despesas mensais.
ddd) - O sogro do R. chegasse a pagar a parte que cabia a este no casamento com a sua filha.
eee)- O R., à altura agradecido por todas as ajudas que o sogro lhe dera e continuava a dar, entendesse retribuir as mesmas, o que fizesse representando-o na gerência do Z....
fff) - Na altura em que o negócio do Z... se propiciou, o R. dissesse ao sogro que avançasse, que ele, AA, ajudaria no que fosse preciso.
ggg) - Na constância do casamento, o Reconvinte e sua referida mulher acordassem dividir entre si as despesas domésticas, encarregando-se o primeiro de pagar água, luz, telefone, gás, internet, seguros e grande parte das despesas com alimentação do casal, ficando a renda a cargo da mulher.
hhh)- De modo que o Reconvinte sempre acreditasse que a mulher pagava efetivamente uma renda à irmã ou ao pai.
iii) - A referida ex-mulher do Reconvinte seja a atual gerente da A./Reconvinda.
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B.3- Análise dos fundamentos do recurso
Estão nele em causa duas grandes problemáticas: saber, por um lado, se o R. deve ser condenado a pagar à A., para além dos 644,00€ em que já foi condenado, também as outras quantias liquidadas por esta última (com os respetivos juros moratórios); ou seja, “a) o valor de 8.166,40€, correspondentes ao dinheiro desaparecido; b) o valor de 7.017,10€, correspondentes ao lucro do exercício de 2016; c) 2.800€ de despesas com rendas; d) 350,45€ de despesas com água luz e gás; e) o valor de 148,61€ de juros pagos à AT e SS devido ao facto de o IVA e as quotizações erem sido liquidados fora de prazo”; e, por outro lado, aquilatar se a A., ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, deve ser totalmente absolvida do pedido reconvencional.
Para obter o primeiro resultado, a A. começa por questionar alguma da factualidade fixada na sentença recorrida. Nuns casos, considera que essa matéria deveria ter o destino probatório oposto; noutros, defende que se deve alterar a respetiva redação; e noutro ainda, sustenta que se deve aditar uma outra afirmação.
Comecemos, então, por analisar a matéria de facto impugnada, tendo em conta cada uma das rubricas supra referidas.
E a que nos surge à cabeça é a que diz respeito ao dinheiro alegadamente desaparecido; ou seja, os referidos, 8.166,40€.
Na perspetiva da A., deveria julgar-se como provado este facto; isto é, que “[s]em contar com o lucro do exercício de 2016, o R. apoderou-se de 8.166,40€, correspondentes ao dinheiro que deveria existir em 9 de Julho de 2017”.
Esta afirmação tem, mesmo no método de exposição da A., um cariz nitidamente conclusivo. Como a mesma refere, ela resulta da diferença entre o valor que alegadamente devia existir (obtido pelo diferencial entre os valores registados no portal do e-fatura e a contagem física das disponibilidades, apurado pela perícia realizada nestes autos – 8.798,94€) e aquele que efetivamente existia (631,60€, correspondentes à soma de 581,60€, em depósitos bancários, com 50,00€, existentes na caixa registadora). Nesse pressuposto, o saldo existente, à data de 09/07/2017, seria, portanto, de 8.166,40€, de que o R. se teria apoderado.
Acontece que para a formação deste valor (8.166,40€), a A. leva em consideração, simultaneamente, dados contabilísticos e dados resultantes de existências físicas.
Ora, o que é desde logo questionável é que a contabilidade da A. refletisse, rigorosamente, aquilo que se passava no plano naturalístico. Por exemplo, no plano das mercadorias em stock, à data de 10/07/2017, a A. alegou que tinha armazenados bens no valor de 4.513,32€ (sem IVA). Todavia, para o comprovar apenas juntou aos autos uma relação de bens elaborada pelo seu sócio gerente, BB, e indicou o testemunho deste, prestado em julgamento. Ora, este sócio foi justamente aquele que entrou em conflito com o R. e quem, juntamente com o outro sócio, EE, o demitiu. Por conseguinte, mesmo depois de ouvir as suas declarações a este propósito, não podem deixar de nos ficar algumas reservas sobre a sua credibilidade. Até porque não soube sequer identificar a pessoa que o ajudou a elaborar aquela relação de bens. Isto, para além de se ignorar como chegou aos valores que nela indicou.
Consequentemente, e ao contrário do propugnado pela A. neste recurso, não se pode julgar comprovada a afirmação contida na al. a), dos Factos não Provados.
Por outro lado, se é verdade que nos depósitos bancários existiam, naquela data de 10/07/2017, 581,60€, como o R., de resto, reconhece (artigo 42.º da contestação, por referência ao artigo 23.º, al. a), da petição inicial e doc. de fls. 32), já não se pode julgar como certo que, na mesma data, estivessem apenas 50,00€, na caixa registadora. Podiam estar mais ou menos. A prova indicada pela A. neste recurso não o comprova. Repare-se que, como referiu a testemunha, HH, contabilista da A., a caixa registadora não se confunde com a rubrica da caixa contabilística, pois enquanto esta reflete um saldo teórico, aquela reflete liquidez, o que pode corresponder a um diferente conteúdo.
Daí que, em resumo, só se possa julgar comprovada a primeira realidade; isto é, que, no dia 10/07/2017, em depósitos bancários, existiam 581,60€. Afirmação que passará a integrar o elenco dos factos provados, sob o n.º 64, com esse mesmo teor; ou seja, que “no dia 10/07/2017, em depósitos bancários, existiam 581,60€”.
Já quanto à afirmação contida na al. c), dos Factos Provados, no sentido de que, no dia 09/07/2017, estavam registados em caixa, contabilisticamente, 6.611,31€, entendemos o contrário; ou seja, que não se pode julgar comprovada essa afirmação (como se concluiu também na sentença recorrida). Por um lado, porque no ponto 26 dos Factos Provados já consta o que de relevante há a dizer sobre a matéria. E, por outro, porque este valor se afigura erróneo em face das conclusões a que chegou a perita que analisou a contabilidade da A.
Resta, portanto, reafirmar que não há dados suficientes que nos permitam concluir que o R. se apropriou dos referidos 8.166,40€.
Não está em causa que o R., em muitos dos dias, era quem recolhia o resultado da caixa registadora do estabelecimento explorado pela A., como o referiram as testemunhas, DD, GG e FF. Mas, mais do que recolher o dinheiro, o que era importante saber é se a contabilidade da A. refletia, com rigor, a sua atividade económica, não havendo, por exemplo, despesas ou receitas realizadas de modo informal e à margem dessa contabilidade; ou se o registo das receitas e despesas era sempre atempado e realizado por todos os que nelas intervinham, em representação da A.. Só assim se poderia concluir se tinha havido, ou não, algum desvio e, havendo-o, quem era por ele responsável.
Ora, nada disto sucedeu. De modo que só se pode concluir, neste capítulo, que a referida apropriação se deve ter por indemonstrada.
Tal como indemonstrada se deve ter, no fundo por idênticas razões, a alegada apropriação pelo R. do montante que se diz ter correspondido ao lucro do exercício de 2016, no valor de 7.017,10€ [al. s), dos Factos não Provados]. É que não é a mera inscrição desta quantia na declaração fiscal entregue para efeitos de IRC (fls. 63) que nos dá a certeza de que o R. a fez sua. Além de se tratar de um valor bruto e não líquido (o que pressupõe, por exemplo, como resulta da leitura dessa declaração, que para sua formação tenham contribuído as “correções relativas a períodos de tributação anteriores”), também não se pode daí extrapolar para a referida apropriação sem uma outra prova mais sólida, que não se baste apenas, como parece pretender a A., com a circunstância do R. recolher em muitos dias o produto da caixa registadora do estabelecimento, pois, como vimos, isso pressuporia, para além do mais, que toda a atividade económica da A. fosse registada em documentos oficiais por todos aqueles que nela intervinham e isso não o sabemos com suficiente certeza.
Donde, só se pode concluir que não está comprovado, também neste domínio, qualquer erro de julgamento, da parte da instância recorrida.
Num outro plano, pretende ainda a A. que o R. seja condenado a reembolsá-la das rendas que pagou, no valor de 2.800,00€. Isto porque, alegadamente, o contrato de arrendamento, referido no ponto 32 dos Factos Provados, foi feito à revelia e com o total desconhecimento dos sócios e do outro gerente da empresa, sendo que a A. apenas teve conhecimento desta situação em finais de Junho de 2017. Aliás, a A., do seu ponto de vista, não tinha necessidade absolutamente nenhuma de arrendar um apartamento, nem tal arrendamento lhe trouxe nenhum proveito. Pelo contrário, só lhe trouxe custos, tendo o R. sido dele beneficiário, uma vez que destinou o apartamento em causa também ao seu uso pessoal. Daí que, em finais de Junho de 2017, o sócio, BB, tivesse contactado a senhoria (D. CC), para tentar dar esse contrato sem efeito.
Não foi esta, porém, a convicção formada pelo Tribunal recorrido, que julgou a maioria destes factos como não provados [als. g), h) e i)]. Nem nos parece que haja motivos para dela divergir.
Com efeito, se é certo que o representante da A., BB, sustentou a referida tese em julgamento, já o R., pelo contrário, referiu que tudo foi feito, neste âmbito, em concordância com aquele. E, não deixa de haver alguns elementos que apontam nesse sentido. Desde logo, o facto do referido apartamento ter sido destinado primacialmente à habitação da testemunha, DD, que, até então, habitava numa parte do prédio em que morava o referido, BB, não sendo verosímil, à luz das regras da experiência comum, que aquela testemunha deixasse de viver neste prédio, sem lhe dar qualquer explicação. Tanto mais que era em benefício também da sociedade da qual o mesmo era sócio.
Por outro lado, embora as testemunhas, DD e FF, tivessem dado a entender que o dito representante da Ré, BB, se mostrou surpreendido com a existência deste arrendamento, nenhuma delas referiu ter conhecimento de qualquer outro facto, contemporâneo da celebração do dito contrato, que permita sustentar a aludida ignorância, por parte de tal representante. Pelo contrário, a testemunha, DD, quando confrontada com a pergunta sobre se este apartamento tinha sido arrendado à revelia desse representante, disse expressamente não o saber. E as declarações da testemunha, FF, só por si, também não o ajudam a decifrar. Nem o testemunho da senhoria, CC, que, como se refere na sentença recorrida, se enovelou em explicações contraditórias, quanto ao valor das rendas, duração do contrato e pagamentos efetuados, que tornaram o seu depoimento pouco credível.
Assim, em resumo, não se pode concluir definitivamente que o contrato de arrendamento em questão tivesse sido celebrado à revelia e com o total desconhecimento dos sócios e do outro gerente da empresa. Nem que a A., não tivesse, de certeza, nenhuma necessidade de celebrar esse contrato, uma vez que o R. a explicou em julgamento com a circunstância daquela pretender manter ao seu serviço o indicado, DD, que até então vivia em condições precárias e não tinha outro local para habitar próximo do seu local de trabalho. E, se é verdade que o R. chegou a pernoitar nesse apartamento (não muitas vezes, mas algumas vezes, como referiu esta última testemunha), isso não é bastante para concluir que o seu arrendamento tenha sido contratado, à partida, para o seu uso pessoal, como defende a A. (no aditamento que pretende introduzir no ponto 32 dos Factos Provados). Não se ignora, com isto, que, por regra, uma pessoa singular não necessita de um T3 para habitar sozinho. Mas, a contratação de tal tipologia pode ser justificada por outros motivos, como por exemplo, o valor da renda e/ou o destino que se quer vir a dar, no futuro, ao arrendado. Por outro lado, se é certo que este contrato veio a ser ulteriormente terminado (tendo por referência a data em que o R. foi demitido), já daí não decorre, necessariamente, que o tenha sido pelas razões indicadas pela A.. Pode ter sido ou não, nunca podendo perder-se de vista que isso se deu numa fase do conflito entre duas pessoas que, antes, como se provou, eram bons amigos, mas que, depois, deixaram de o ser (pelo menos, em parte) devido a esta relação empresarial, e, por outro lado, que ocorreu também a rutura da relação conjugal que o R. mantinha com a filha do outro sócio da A., EE, em momento temporal próximo.
Daí que só se possa secundar o juízo que, a respeito das temáticas que temos estado a analisar, foi feito na instância recorrida. Inclusive, quanto às despesas com água, luz e gaz relativas ao dito apartamento, pois que a imposição do pagamento das mesmas ao R. estava absolutamente dependente da resposta afirmativa a essas temáticas, o que, como vimos, não sucedeu, sendo, assim, de manter inalterado o destino probatório que foi dado às als. g), h) e i), dos Factos não Provados e a redação do ponto 32, dos Factos Provados, bem como a consequente, improcedência dos pedidos de pagamento de rendas e despesas aos outros títulos que acabámos de mencionar.
Seguidamente, com referência aos factos descritos nas alíneas, xx), bbb), ccc) e ddd), dos Factos não Provados, pretende a A. que se julgue provado que o ex-sogro do R. pagou, pelo menos:
“a) a prestação do apartamento ao banco, vivendo lá o R. e a sua ex-mulher sem nada pagarem;
b) despesas de oficina e até um resto de uma dívida destinada à aquisição de um automóvel;
c) a parte que cabia ao R. no seu casamento;
d) a lua de mel”.
Ora, estes factos não têm qualquer interesse para a sorte desta ação ou do presente recurso. E quando assim é, a Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da matéria de facto, por se traduzir num exercício inútil.
Efetivamente, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, proferido no dia 13/07/2022 [1], “[a] Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.
O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.
Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes para qualquer das soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados”.
Ora, tendo presente este enquadramento, é para nós evidente, como já referimos, que os factos já indicados não são suscetíveis de, nesta fase, interferir de modo algum na sorte desta ação ou mesmo do recurso ora em apreço. Isto porque não integram o núcleo dos factos essenciais da causa de pedir, nem dele são complementares ou instrumentais, visto que não se destinam a comprovar nenhum dos valores que a A. reclama neste recurso. Aliás, a prova disso é que são factos que resultam do alegado pela A. na réplica, como mera impugnação do que o R. havia referido na contestação (artigos 48.º a 52.º). E o mesmo se diga da afirmação contida na al. fff) dos Factos não Provados, ou seja, que “na altura em que o negócio do Z... se propiciou, o R. dissesse ao sogro que avançasse, que ele, AA, ajudaria no que fosse preciso”. O que foi alegado (artigo 55.º da réplica) para justificar a razão pela qual a gerência do R. não era remunerada, facto que já se encontra provado (ponto 53 e 54 dos Factos Provados). É verdade que a A. impugna também estes pontos da matéria de facto. Mas, como veremos, não é nessa dimensão. De modo que se pode ter por líquido que não se justifica a reapreciação dos ditos factos.
Nem ainda de uma outra afirmação. Referimo-nos à que consta do ponto 25 dos Factos Provados, que a A. pretende ver no destino probatório oposto. Ora, essa afirmação foi produzida pelo R. para justificar a sua demissão (artigo 38.º da contestação). Acontece que, nesta ação não está em causa a legalidade dessa demissão. Nem o R. pede qualquer quantia a esse título. O que pede, diversamente, em sede reconvencional, é a “compensação pelo trabalho e pelas deslocações que realizou a favor da A.”. E essa não está dependente daquela legalidade. Está dependente, sim, da verificação dos pressupostos em que assenta aquele direito e, designadamente, da estipulação contratual a propósito da primeira, e, também, do efetivo custo suportado pelo R., em relação às segundas, matéria que analisaremos mais adiante. Por conseguinte, também não se reapreciará aquela afirmação.
Prosseguindo na nossa análise, verificamos que a A. também impugna os factos descritos nos pontos 34, 38, 53, 54 e 55, do capítulo dos Factos Provados.
Em relação ao primeiro (34), no qual consta que a A. “pagou à senhoria todas as rendas relativas aos meses em que o contrato vigorou (entre Março e Setembro de 2017) num total de 2.800€”, o que a mesma pretende é que se acrescente que esse pagamento ocorreu em outubro de 2017.
Ora, esta menção, para além de não ter sido alegada pela A., na altura própria (cfr. artigo 58.º da petição inicial), também nada acrescenta em relação ao pedido pela mesma formulado. Daí que não se adite.
Quanto ao ponto 38, no qual se refere que a A. não procedeu a pagamento atempado de impostos e que, por isso mesmo, sofreu as penalidades aí referenciadas, o que a mesma peticiona é que se faça constar que essa falta de pagamento ocorreu por culpa do R.
Esta referência, porém, corresponde a um juízo e não um facto e, como tal, não pode, neste contexto, fazer parte do elenco da factualidade provada. Até porque, a sê-lo, solucionaria, por si só, o pedido que é formulado pela A., a este propósito. De modo que também não se procederá, neste domínio, a qualquer aditamento.
Já quanto ao ponto 53, entendemos que a A. tem razão. Ou seja, a segunda parte da afirmação feita nesse ponto é manifestamente conclusiva, pelo que só pode ser eliminada. Assim, deste ponto só ficará a constar que “a gerência da A. não era remunerada”, sendo suprimida a conclusão de que foi por esse motivo que “o Reconvinte nunca recebeu qualquer retribuição por todo o trabalho que desenvolveu a favor da Reconvinda”.
Resta a análise dos pontos 54 e 55. Neles refere-se o seguinte:
“54 - O Reconvinte aceitou que a gerência fosse não remunerada e desenvolveu todo este trabalho e fez todas estas despesas com o objetivo de valorizar a sociedade Reconvinda, na expectativa de vir a adquirir a quota de metade na referida sociedade.
55- O que era do conhecimento de todos os intervenientes no negócio –BB, EE, o ora Reconvinte e a própria A./Reconvinda”.
O que a A. parece querer é que se elimine a alusão ao objetivo primeiramente referido, bem como o conhecimento mencionado em último lugar. Isto porque, como já vimos, a A. aceita que a gerência do R. não era remunerada. Ora, o seu grande fundamento para esta alteração é que, no fundo, o depoimento dos seus sócios (EE e BB), prestado a este propósito, é mais credível do que o depoimento do R., em que o Tribunal recorrido fez fé. Mas, esse seu critério não é o decisivo. Pelo contrário, como resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, não sendo caso de prova tarifada, o critério decisivo é o do tribunal, dentro da margem de liberdade que a lei lhe confere. Como tal, não se detetando qualquer erro grosseiro neste domínio, esse critério deve ser respeitado e, assim, mantida inalterada esta factualidade.
De tudo o que acaba de ser dito, só resta, pois, por analisar o pedido da A. para que o R. seja condenado a pagar-lhe 148,61€, a título de coimas e juros (e não apenas juros, como agora refere), e o pedido reconvencional.
Quanto ao primeiro, ao contrário do decidido na sentença recorrida, entendemos que a A. tem razão. Isto é, o R. deve ser, efetivamente, responsabilizado pelo pagamento da referida quantia, pois que competindo-lhe, também a ele, como se provou, o pagamento atempado dos impostos e obrigações contributivas da A., enquanto seu gerente, só podia ser eximido das consequências danosas decorrentes da violação dessas obrigações, demonstrando que esse incumprimento não resultou de culpa sua. O artigo 72.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) é bem claro, a esse propósito, quando estabelece que “[o]s gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”; isto é, salvo se ilidirem esta presunção[2].
Ora, o A. não o fez.
É verdade que, como se apurou, o gerente, BB, ocasionalmente, também poderia realizar o pagamento das ditas obrigações. Até porque acompanhava e controlava a gestão da empresa, fazendo o controlo das suas contas, “no estabelecimento e nos Bancos - tinha acesso ao homebanking, estava a par do volume de dinheiro existente na conta, tinha acesso ao sistema de facturação da empresa, podendo retirar do sistema resumos de caixa, o que fazia regularmente, recebia, no seu email, informação que lhe era prestada pela empresa de contabilidade, a quem solicitava esclarecimentos complementares”. Além disso, como também se provou, “muitos dos pagamentos a fornecedores, empregados e de impostos e taxas eram feitos por transferências bancárias, o que exigia a assinatura dos dois gerentes”.
Estas circunstâncias, todavia, não são suficientes para eximir o R. de qualquer responsabilidade. Enquanto gerente, como dissemos, competia-lhe, também a ele, o cumprimento das citadas obrigações e, assim, as consequências danosas do inadimplemento pontual e ilicito das mesmas, não podem deixar de lhe ser imputadas.
Ulteriormente, se assim entender, pode discutir a medida da respetiva culpa, no confronto com o outro gerente, uma vez que, como decorre do disposto no artigo 73.º do CSC, a responsabilidade entre ambos é solidária. Mas, por agora, não o pode fazer (artigo 518.º, do Código Civil). A A., enquanto credora, tem o direito de lhe exigir a totalidade daquelas prestações e o R. está obrigado a pagar-lhas, sem se poder escudar no eventual concurso da culpa alheia (artigo 519.º, n.º 1, do Código Civil).
Avancemos, agora, para a análise do pedido reconvencional.
Neste âmbito, a A. foi condenada a pagar ao R. a quantia de 28.800,00€, acrescida dos respetivos juros moratórios. Isto, porque se entendeu na sentença recorrida que a A. tinha enriquecido nessa medida, com a atividade por aquele desenvolvida, enquanto seu gerente, bem como com as despesas pelo mesmo realizadas em benefício dela. A fonte, da obrigação imposta à A. foi, pois, situada no instituto do enriquecimento sem causa.
Acontece que, do nosso ponto de vista, não estão reunidos os pressupostos para o recurso a este instituto.
Efetivamente, como decorre do disposto no artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil, a obrigação de restituição emergente do enriquecimento sem causa só existe quando alguém, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem. Ou seja, quando alguém vê incrementado o seu património à custa alheia, sem haver causa que juridicamente o justifique. E, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (n.º 2).
Essencial é que estejam presentes os três aludidos requisitos: a) enriquecimento de alguém; b) sem causa justificativa; e, c) à custa de quem requer a restituição[3].
Por outro lado, determina o artigo 474.º do Código Civil, que “[n]ão há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. O que tem sido comumente entendido, e a lei também assim intitula, como correspondendo à natureza subsidiária da obrigação de restituição. Natureza essa que, porém, é discutível. Efetivamente, como assinala Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[4], “se a lei determina a subsistência do enriquecimento é porque lhe reconhece causa jurídica e, se atribui algum direito ao empobrecido em consequência da situação ocorrida, fica excluída a obtenção de enriquecimento à custa de outrem”. Donde, não existe, segundo este Autor, uma verdadeira subsidiariedade do enriquecimento sem causa.
Seja como for, no entanto, certo é que a lei só confere o direito de restituição se, como vimos, o enriquecimento for obtido sem causa justificativa. O que tem sido considerado como o conceito mais indeterminado no âmbito do enriquecimento sem causa e difícil de precisar[5]. Ainda assim, quando estamos perante o enriquecimento por prestação, como sucede na situação em apreço, a ausência de causa justificativa tem sido identificada como correspondendo à falta de justificação jurídica para o enriquecimento; à “inexistência de uma norma permissiva ou de obrigação, que, incidindo sobre a deslocação, a torne elemento estatuído e não previsivo da obrigação de restituir’, tudo se reconduzindo a saber se ‘o ordenamento jurídico considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve’, pois o enriquecimento terá ou não causa justificativa ‘consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele’, cumprindo ver em cada hipótese se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei; o ‘enriquecimento carece de causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveite, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar’”[6].
Já as causas justificativas podem ser as mais diversas: por exemplo, o consentimento, por via contratual, daquele à custa de quem foi obtido o enriquecimento ou ainda a própria lei[7].
Ora, tendo isto presente, bem se vê que na situação em análise, o alegado enriquecimento da A., no que se refere à atividade do R. como seu gerente, teve uma causa perfeitamente justificada. E foi ela a circunstância do mesmo se ter disposto, por sua iniciativa, a exercer essa atividade de forma gratuita; isto é, não remunerada. É certo que o fez, como se provou, na expetativa de vir a adquirir uma quota societária na A., correspondente a metade do seu valor, e tal não veio a suceder, tendo sido, entretanto, demitido das referidas funções de gerência. Mas, o negócio jurídico que esteve na base da decisão do R. não consta que tivesse terminado. Ou seja, não consta que o acordo que o R. celebrou com o seu ex sogro, antes de constituir esta sociedade - nos termos do qual este último se comprometeu a ceder-lhe a referida quota logo que o R. reunisse o dinheiro suficiente para proceder ao reembolso do dinheiro pelo mesmo investido ou a entregar ao R. o valor que excedesse o desse investimento, no caso de, futuramente, virem a acordar na alienação da quota social ou do negócio-, já não esteja em vigor. Assim, o R. tem uma forma de obter a contrapartida por si esperada. Ou, então, no limite, tem o direito a ser ressarcido, naturalmente por quem frustrar essa sua expetativa, pelos danos que daí lhe advierem. O que não pode, nem tem direito, é a obter da A. a restituição de uma prestação que esta não lhe deve, já que o trabalho que para ela se comprometeu a realizar o foi de forma gratuita. Daí que, em suma, improceda a sua pretensão reconvencional, no sentido da A. ser condenada a pagar-lhe a compensação pelo trabalho que para ela desenvolveu, como seu gerente.
Mas, não só. Também deve improceder o pedido para que a A. seja condenada a pagar-lhe as despesas com deslocações ao seu serviço. Efetivamente, como se provou, também essas despesas foram realizadas na mesma expetativa, pelo que se aplica aqui igual solução à que antes perfilhámos. Aliás, mesmo que assim não fosse, certo é que nem ficou demonstrada a distância percorrida em todas essas deslocações (cujo número exato também se ignora), nem que o R. tivesse pago do seu bolso todas as despesas com o combustível nelas despendido. Por conseguinte, também este pedido deve improceder.
Ou seja, em resumo, o R. deve ser condenado a pagar à A., a quantia de 148,61€, acrescida do valor já antes sentenciado (644,00€), tudo somando o montante global de 792,62€ (644,00€ +148,61€) e a A. deve ser totalmente absolvida do pedido reconvencional, formulado pelo R.. No mais é de manter o decidido na sentença recorrida.
*
III- Dispositivo
Pelas razões expostas, acorda-se em:
a) Julgar parcialmente procedente o presente recurso e, revogando também parcialmente a sentença recorrida, condena-se o R. a pagar à A. a quantia global de 792, 62€ (setecentos e noventa e dois euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora já estabelecidos na mesma sentença, e absolve-se a A. do pedido reconvencional que contra ela foi formulado pelo R.
b) Quanto ao mais, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirma-se, nessa medida, o decidido na sentença recorrida.
*
- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão pagas por A. e R., na proporção do respetivo decaimento - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 10.1.2023
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda
Lina Baptista
______________
[1] Proferido no Processo n.º 1836/12.5TBMCN-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, Jorge M. Coutinho de Abreu/Maria Elisabete Ramos, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (Coord. Jorge M. Coutinho de Abreu), Vol. I, pág.842, em anotação ao artigo 72.º.
[3] Neste sentido, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª Edição, Almedina, pág.467.
[4] Direito das Obrigações, Vol.I, 15ª Edição, Almedina, pág. 411.
[5] João de Matos Antunes Varela, Ob cit. pág. 470 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob cit, pág. 457.
[6] Ac. RP de 04/05/2022, Processo n.º 13712/20.3T8PRT.P1 (ao que se julga, ainda não publicado), no qual se remete, nesta citação, para Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º, 2001, pág. 46, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição revista e actualizada, págs. 186/187 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 457.
No mesmo sentido, por exemplo, Ac. STJ de 04/07/2019, Processo n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1 e Ac. RC, de 02/11/2010, Processo n.º 1867/08.0TBVIS.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, Júlio Gomes, Comentário ao Código civil, Direito das Obrigações, UCP, pág. 251.