Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2577/20.5T88AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: DESPACHO SANEADOR
SENTENÇA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP202112152577/20.5T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No caso de ser proferido saneador sentença que conheça do mérito da causa não pode ser dispensada a audiência prévia ao abrigo do disposto, nos artigos 591º nº 1, 593 nº 1 d) e) e f) e 595 nº 1 a) e b), todos do Código de Processo Civil, mesmo quando foi dada ao autor oportunidade de discutir as exceções e demais questões pertinentes ao mérito, nos articulados.
II - A omissão da audiência prévia no caso em que é obrigatória, constitui nulidade processual e simultaneamente nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ªparte, do CPC e 195º ambos do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2577/20.5T8AGD-A.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil):
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
B… deduziu os presentes embargos de executado contra C…, SA invocando, em síntese, a exceção perentória de prescrição do crédito exequendo, ao abrigo do disposto no artigo 310, alínea e) do Código Civil.
Impugnou o valor exequendo.
O exequente contestou os embargos FOI PROFERIDO SANEADOR SENTENÇA QUE JULGOU OS EMBARGOS PARCIALMENTE PROCEDENTES E DETERMINOU O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PARA A COBRANÇA DOS JUROS DE MORA VENCIDOS ENTRE 04.10.2012 E 04.10.2017 CONSTA DA SENTENÇA A SEGUINTE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A)
A D…, por contrato de crédito individual, celebrado em 5 de agosto de 2009, emprestou ao embargante B…, pelo prazo de 84 meses, a importância de €10.000,00, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do contrato, que constitui o título dado à execução.
B)
O Executado interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo acima referido em 04.10.2012.
C)
A execução a que os presentes autos correm por apenso entrou em juízo em 09.12.2020.

DESTA SENTENÇA APELOU A EXEQUENTE TENDO LAVRADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1. Como resulta da douta sentença ora em crise, e se cita: “Atendendo a que nos autos só estão em causa questões de direito, foram notificadas as partes para se pronunciarem quanto à dispensa da realização da audiência prévia e à prolação de saneador sentença, não se tendo oposto a tal tramitação.”
2. Ora, tal não corresponde à verdade, tendo em 02/07/2021 a ora Recorrente vindo informar que se opunha expressamente à dispensa de audiência prévia, requerendo o seu agendamento.
3. Assim sendo, violou o Meritíssimo Juiz “a quo” as formalidades da Audiência Prévia e prescrita na alínea a) do n.º 1 do artigo 591.º, 593.º do CPC, bem como o Princípio do Contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
4. Verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 d) do CPC, nulidade que ora se deixa invocada.
5. O Embargante invocou a prescrição do crédito exequendo, atento o disposto no artigo 310.º, alínea e) do CC.
6. Da leitura da P.I. de Embargos de Executado que deu origem a estes autos não resulta qualquer alegação, direta ou indireta, alusiva à pretensa verificação, in casu, da ausência de resolução contratual.
7. E, na própria sentença de que se recorre, nenhum facto (provado ou não provado) consta, do qual se depreenda que tal alegação foi feita pelo embargante, de forma direta ou indireta.
8. A Embargada, ora Recorrente, veio responder à exceção invocada, alegando a natureza da obrigação incumprida.
9.Ora, da sentença recorrida nenhuma alusão é feita à natureza da prestação incumprida.
(…)
13. Ora, não se discutiu em momento algum a ausência de resolução contratual.
14.Pelo que também aqui se verifica a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito suscitada oficiosamente, a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, nulidade que ora se deixa invocada.
(…)
16.(…) Tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e, nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital (e juros), ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 (vinte) anos, previsto no artigo 309.º do CC.
17.É este o entendimento presente na nossa Doutrina mais ilustre, vide Prof. Dr. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I- Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 175 a 176, e, bem assim, acompanhado pela nossa Jurisprudência, vide Ac. proferido no Processo n.º 638/19.2T8SNT-A. L1, de 13.10.2020, sendo Relatora Conceição Saavedra e 1.ª Adjunta Cristina Coelho, do Tribunal da Relação de Lisboa.
18.Na sequência da revogação por incumprimento e vencimento antecipado com a interpelação do devedor para o seu pagamento, a dívida total passa a assumir a natureza de obrigação única, sujeita ao prazo ordinário de prescrição estabelecido no artigo 309.º do CC.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.

O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil, doravante diploma a que pertencem as normas citadas sem qualquer outra referencia).

Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1. SABER SE O SANEADOR SENTENÇA É NULO POR TER SIDO PROFERIDO SEM AUDIÊNCIA PRÉVIA POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 591º Nº 1 ALÍNEA B) DO CPC E NOS TERMOS CONJUGADOS DOS ARTIGOS. 615.º, N.º 1, AL. D), 2.ª PARTE, DO C.P.C.;
2. IMPROCEDENDO A NULIDADE DE 1 SABER SE HÁ OMISSÃO DE PRONUNCIA E ERRO DE DIREITO NA DECISÃO QUANTO À PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO O SANEADOR SENTENÇA

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzido o teor da factualidade processual supra

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
A NULIDADE DO SANEADOR SENTENÇA POR PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA:
Esta questão foi tratada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 4952/17.3T8LSB.L1-8, de 30-05-2019, publicado na DGSI e relatado pela mesma Relatora deste processo, cujos fundamentos e entendimento por se manterem atuais se transcrevem, (na parte aplicável) por comodidade de escrita:
A “nulidade arguida, quando invocada em casos, como o dos autos, em que foi proferido saneador sentença, pode sê-lo, nas alegações de recurso, porquanto como se vem entendendo na jurisprudência e doutrina é uma “nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integra a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art.º. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.”
(..) “o que é nulo não é apenas o processo, mas o saneador-sentença que se pronunciou sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer (cfr. art.º. 615.º, n.º 1, al. d), CPC, Vd. Ac. do STJ de 23-06-2016, no processo 1937/15.8T8BCL.S1; Também no mesmo sentido Ac. do STJ de 17-03-2016, no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. e. Miguel Teixeira de Sousa (Jurisprudência 250) in https://blogippc.blogspot.pt/.
Posto isto, quanto ao regime legal da obrigatoriedade da audiência prévia nos casos em que o tribunal profere saneador sentença, vejamos.
Na economia do atual código de processo civil o artigo 591º veio estabelecer a regra da realização da audiência prévia.
Os preceitos seguintes ocupam-se das exceções: o artigo 592.º da definição dos casos em que pura e simplesmente a audiência prévia não tem lugar, o artigo 593.º da definição dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
A norma prescreve que, findos os articulados ou após as diligências ordenadas no despacho pré-saneador se a ele houver lugar, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.

São os artigos 592º e 593º que consagram as exceções àquele principio geral quer elencando os casos em que pura e simplesmente a audiência prévia não tem lugar, quer definindo os casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
O tribunal como as partes estão sujeitas ao principio da legalidade nos atos processuais, o que
vale por dizer, que a audiência prévia só pode ser dispensada nos casos em que a lei admite expressamente esta dispensa e no uso da faculdade da gestão processual, aqui, respeitado sempre, o princípio do contraditório (artigo 6º nº 1 e 547º).
Em todas as demais situações a lei prevê a audiência prévia, pelo que em regra a mesma deve ser realizada só podendo deixar de o ser nos casos em que a própria lei permite a sua dispensa (artigo 593.º).
O conhecimento do mérito da causa está incluído na alínea b) do artigo 591º, não podendo por isso ser a audiência prévia em tal caso dispensada ao abrigo das alíneas e), d) e f) do mesmo preceito como fez o tribunal recorrido.
A lei é expressa, taxativa e clara permitindo sem margem para duvidas concluir que quando a ação deva findar no saneador por outra causa que não seja a procedência de exceção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados, logo, quando o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.
Isto é assim, seja pelo que dispõem os artigos 592.º e 593.º, seja pela não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º.
Se o Tribunal entender que está habilitado para decidir de mérito de todo ou parte do pedido, já não funciona a norma do artigo 593º, antes funcionando a norma do artigo 591º, nº 1 b) norma esta que estabelece a regra ou princípio geral, de que é obrigatória em tal caso a audiência prévia.
A exceção do artº 592º nº 1 b) apenas tem lugar quando a ação finda pela procedência de exceção dilatória, isto é por razões de ordem formal. Neste caso não há conhecimento do mérito.

Nesta matéria há uma alteração legislativa relativamente ao anterior código. Efetivamente,
Como explica Lebre de Freitas in A Acão Declarativa Comum ”, 3ª edição, pág. 172 “, No cpc de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, excetuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No novo código esta exceção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes”.
O julgamento da prescrição é julgamento de mérito porquanto decide de uma exceção perentória que é extintiva do direito reclamado, pelo que, antes de proferir saneador sentença o tribunal está vinculado a realizar a audiência prévia conforme o artigo 591º nº 1 b) Em face do exposto reconhecemos a razão da apelante na invocação da nulidade processual e do saneador sentença a qual tem influencia na decisão da causa.
A jurisprudência é uniforme neste entendimento.
Cita-se a titulo de exemplo os Acórdãos deste TRL de: 09-10-2014 in ap 2164/12.1TVLSB.L1- Relator: Jorge Manuel Leitão Leal, de 05-05-2015 in ap 1386/13.2TBALQ.L1-7, Relator: Cristina Coelho, de 08-02-2018 in ap 3054-17.7T8LSB-A.L1-6 Relator: Cristina Neves, de 20-12-2018 in ap11749/17.9T8LSB.L1-7, Relator: Luís Espirito Santo; o Acórdão do TRE de 10-05-2018 in 239/15.5T8ENT-A.E1, Relator: Mata Ribeiro; Acórdão do TRG de 17-01-2019 in ap 4833/15.5T8GMR-A.G3, Relator José Cravo; Acórdãos do TRP: in ap 128/14.0T8PVZ.01,de 24-09-2015 Relatora Judite Pires de 27-09-2017 in ap 136/16.6T8MAI-A.P1 Relator: Aristides Rodrigues de Almeida; de 5.11.2018 in ap1425/17.8T8GDM.P1- Relator Jorge Seabra.
Estão por consequências prejudicadas a segunda questão suscitada no recurso

SEGUE DELIBERAÇÃO:

DECLARA-SE A NULIDADE DO SANEADOR SENTENÇA RECORRIDO POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 591º Nº 1 ALINEA B), NOS TERMOS CONJUGADOS DOS ARTIGOS. 615.º, N.º 1, AL. D), 2.ª PARTE, DO C.P.C.; E 195º, TODOS DO CPC, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO DESPACHO QUE DISPENSOU A AUDIÊNCIA PRÉVIA E TERMOS PROCESSUAIS SUBSEQUENTES, O QUAL

DEVERÁ SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DESIGNE DIA E HORA PARA REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA

EM CAUSA E COM OS FINS PREVISTOS.
Sem custas.

Porto, 15 de Dezembro de 2021
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela