Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/21.3GAOAZ-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO DE DECISÕES CONDENATÓRIAS
Nº do Documento: RP2025102916/21.3GAOAZ.P1
Data do Acordão: 10/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não existe uma correspondência direta entre o juízo favorável feito quanto à suspensão da execução da pena e o feito quanto à não transcrição da sentença no registo criminal nos termos do art.13 nº1 da Lei 37/2015.
II - A regra é a transcrição das condenações no registo criminal.
III - Só deve ser deferida a não transcrição quando das circunstâncias que acompanharam o crime se possa inferir que não existe perigo da prática de novos crimes.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 16/21.3GAOAZ-B.P1

1. Relatório
Por Acórdão depositado em 16/07/2024 proferido no processo nº16/21.3GAOAZ do Tribunal da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 8 foi o arguido AA, de alcunha BB, - (como consta do Acórdão condenatório), - nascido a ../../1997, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente, p.p. pelo art. 25 n.º1, al. a), do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova.
Subsequentemente veio o arguido AA requerer, ao abrigo do disposto no 13 nº1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, que a condenação que lhe foi cominada nos autos não fosse transcrita no registo criminal para efeitos profissionais, uma vez que a condenação não é privativa da liberdade e o arguido nunca foi condenado anteriormente por crime da mesma natureza, nem de qualquer outra.
Ouvido o MP, este com base na gravidade do crime praticado e na sua forma de execução, promoveu o indeferimento do pedido de não transcrição.
Foi em 13/01/2025 proferido o seguinte despacho:
«AA foi nestes autos condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente, p.p. pelo art.º 25º, n.º1, al. a), do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova.
Requer a não transcrição do acórdão proferido nestes autos no seu certificado de registo criminal, para fins de emprego, nos termos do disposto no artigo 13º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015. Para o efeito alega ter sido condenado em pena de prisão suspensa e não possuir outros antecedentes criminais.
A Digna Magistrada do M.ºP.º promoveu pelo indeferimento do requerido por entender que a natureza do crime e a gravidade dos factos praticados são circunstâncias que, por si só, não permitem concluir que não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.
O artigo 13º da Lei n.º 37/2015 de 5.05 estabelece - Decisões de não transcrição:
1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º
2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.
Assim, para que seja ordenada a não transcrição da decisão condenatória nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º e 13º da Lei n.º 37/2015, de 05-05, ou seja, para fins de emprego, é necessário que tenha sido aplicada a pessoa singular pena de prisão até 1 ano ou pena não privativa da liberdade, que o arguido não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, tal como resulta da mencionada disposição legal.
A aplicação do regime da não transcrição pressupõe a coexistência de dois requisitos formais e de um requisito material. Os dois primeiros, relacionam-se com a natureza da condenação e com os antecedentes criminais do arguido: a pena aplicada tem de ser não privativa da liberdade ou, sendo de prisão, terá de se fixar até 1 ano; por outro lado, o arguido não pode ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza. O requisito material, traduz-se em não decorrer das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos crimes.
Os primeiros dois requisitos mostram-se verificados.
Nestes autos o arguido AA foi condenado por se ter dedicado à aquisição, armazenamento e distribuição de cocaína em pó entre Março de 2023 e Abril de 2023. Não tem antecedentes criminais. Entendeu-se poder formular um juízo de prognose positivo no sentido de que o mesmo se deixará influenciar pela ameaça de execução da pena determinada, afastando-se da prática de condutas futuras da mesma natureza, razão pela qual lhe foi suspensa a execução da pena de prisão.
Face a tal quadro factual, à reduzida duração da conduta, ao número de vendas realizadas - 7 - e ao facto de se ter entendido ser possível efetuar um juízo de prognose positivo, não se vislumbra perigo de prática de novos crimes.
Pelo exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, defere-se a não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05.»
Inconformado com o despacho veio o MP interpor o presente recurso.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso:
«1) Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p.p. pelo art.º 25º, n.º1, al. a), do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova;
2) Requereu o condenado a não transcrição da mesma no seu certificado de registo criminal nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05.
2) O Tribunal deferiu o requerido aplicando mutatis mutandis o juízo realizado no âmbito da suspensão da execução de uma pena de prisão ao abrigo do disposto no art.º 50.º do Código Penal Face e considerou ainda a reduzida duração da conduta, ao número de vendas realizadas - 7 - e ao facto de se ter entendido ser possível efetuar um juízo de prognose positivo, para concluir não se vislumbrar perigo de prática de novos crimes.
3) Nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05, “a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal para fins de emprego ou para o exercício de profissão ou atividade depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: um pressuposto formal que consistente na condenação do arguido em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e dois pressupostos materiais (ou substantivos): exige-se que o condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes
4) A lei indica ao julgador como critério a utilizar para aquilatar da verificação ou não deste último requisito a valoração das circunstâncias que acompanharam o cometimento do crime e não as verificadas posteriormente a este.
5) Tal juízo é distinto daquele que é efetuado no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 50º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
6) Com efeito, no âmbito de tal normativo, é necessário a existência de juízo de prognose positivo favorável à realização das finalidades da punição, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão dela adveniente, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, realizam de forma adequada as finalidades de prevenção geral e especial.
7) Os primeiros dois requisitos exigidos para a não transcrição mostram-se verificados.
8) Contudo, em nosso entender, como alegamos na promoção sobre a qual incidiu o despacho judicial recorrido, o último já não.
9) Não se vislumbra como é que o tribunal concluiu que das circunstâncias que acompanharam o crime que não é possível induzir perigo da prática de novos crimes.
10) O que consta dos factos provados não é que o número de vendas realizadas por este arguido foi apenas de 7, mas sim que, desde, pelo menos, Março de 2023 a Abril de 2023, o arguido procedeu à venda de produto estupefaciente – cocaína em pó, por indicações do arguido CC, a DD, em regularidade não concretamente determinada, meia a uma grama, à razão de € 20,00 a € 40,00 por cada venda, transacções realizadas em diversos locais, e nomeadamente junto à sua residência, tendo tal ocorrido comprovadamente nas seguintes datas: 25/03/2023, 04/04/2023, nos dias 17 de março de 2023 e 20 de Março de 2023, 17 de Março de 2023, nos dias 22 de Março de 2023 e 3 de Abril de 2023. Ou seja, nestas datas o condenado vendeu cocaína, mas também o fez noutras datas que não foi possível concretizar.
11) Por outro lado, no dia 17/04/2023, este condenado tinha na sua posse cocaína, com um peso bruto de 25,5 gramas, uma balança de precisão e 20 pacotes de cocaína em pó (coca de cheiro) que perfaz um peso bruto de 14,2 gramas, que constitui 138 doses de consumo médio individual de cocaína cloridrato que destinava à venda a terceiros. Para além disso, tinha ainda consigo dinheiro provenientes da actividade de compra e venda de produto estupefaciente.
12) É certo que os factos provados quanto à sua situação económica e pessoal é positivo. O condenado foi sempre trabalhando em Portugal e mostra-se integrado social e familiarmente. Contudo, essa situação já se verificava aquando do crime, ou seja, não obstante a sua integração familiar, social e profissional, o condenado vendeu cocaína e praticou o crime. Acresce que o produto estupefaciente vendido pelo condenado não se enquadra nas chamadas drogas leves.
13) No caso vertente, está em causa a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado pela recorrente, durante um período de cerca de dois meses, com a prática de inúmeros atos de tráfico, juntamente com terceiros, muito embora apenas 7 dessas vendas estejam concretizados com datas.
14) Ou seja, a prática do crime não surge como um ato isolado ou esporádico.
15) A situação pessoal e familiar do condenado já era, à data dos factos, positiva e, nem por isso, o fez afastar da prática do crime.
16) Por outro lado, desconhece-se, por não ter sido dado como provado, se este condenado é ou não consumidor de produtos estupefacientes.
17) Também não será de olvidar as por demais conhecidas taxas elevadas de reincidência quanto aos crimes de tráfico de produtos estupefacientes, mesmo nas suas formas menos graves.
18) No sobredito contexto, não se vislumbra como é que se possa defender, por forma fundada, que das circunstâncias que acompanharam o crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade perpetrado não se poder induzir perigo de prática de novos crimes.
19) Das circunstâncias que acompanharam o crime, podemos concluir que há algum risco do cometimento de novos crimes.
20) É certo que o risco do cometimento de novos crimes, até pelo efeito da condenação sofrida e em execução, é baixo, mas não é negligenciável.
21) Assim, não deveria ter sido concedida a não transcrição da decisão condenatória proferida nos autos nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, pelo que se pugna pela revogação da decisão recorrida e pelo indeferimento da não transcrição.
22) Tudo conjugado e não obstante se ter feito do arguido um juízo de prognose social favorável em termos de suspensão da execução da pena de prisão, considera-se que para efeitos do art.º 13º, n.º 1, Lei n.º 37/2015, se deve entender que existe algum risco da prática de novos crimes, o que obsta à não transcrição da condenação, para efeitos de obtenção de trabalho.
23) Desta forma, tudo visto e ponderado, andou mal o Tribunal ao não indeferir o requerimento do arguido de não transcrição da decisão condenatória para efeito dos certificados mencionados nos nºs 5 e 6 do art. 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, e ao fazê-lo, violou o disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05.»
Pede que na procedência do recurso seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que indefira o requerimento de não transcrição da decisão condenatória.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 3/02/2025.
Em primeira instância o arguido não respondeu ao recurso.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto acompanhando os argumentos do recurso emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no art.417 nº2 do CPP veio o arguido apresentar resposta ao parecer alegando em síntese que a decisão recorrida não merece reparo por o recorrido não ter qualquer outra condenação e esta ter subjacente um juízo de prognose favorável.
2. Circunstâncias com interesse para a decisão:
Os factos provados que deram origem à condenação e respeitam ao recorrente são os seguintes:
«17. O arguido AA dedicou-se aquisição, armazenamento e distribuição de cocaína em pó.
18. O arguido era titular do n.º de telemóvel ....
19. O arguido utilizava a viatura automóvel de matrícula ..-..-AG, além do mais, para proceder à entrega de produto estupefaciente.
20. O arguido era titular do n.º de telemóvel ....
Vendas efectuadas pelo arguido AA
81. Desde, pelo menos, Março de 2023 a Abril de 2023, o arguido procedeu à venda de produto estupefaciente – cocaína em pó, por indicações do arguido CC, a DD (cliente habitual do arguido CC), titular do n.º de telemóvel ..., em regularidade não concretamente determinada, meia a uma grama, à razão de € 20,00 a € 40,00 por cada venda, transacções realizadas em diversos locais, e nomeadamente junto à sua residência, tendo tal ocorrido comprovadamente nas seguintes datas:
b. Em 25/03/2023
c. Em 04/04/2023.
82. Nos dias 17 de março de 2023 e 20 de Março de 2023, o arguido vendeu cocaína em pó a EE, titular do telemóvel n.º ....
83. A 17 de Março de 2023, o arguido vendeu cocaína em pó a FF, titular do n.º de telemóvel ....
84.Nos dias 22 de Março de 2023 e 3 de Abril de 2023, o arguido vendeu cocaína em pó a GG, titular do telemóvel n.º ....
90. No dia 17/04/2023, pelas 06 horas, no decurso de buscas domiciliárias e não domiciliárias na habitação do arguido AA, na Praceta ... nº ... 2º drtº, ... Vila Nova de Gaia, o arguido detinha e era proprietário de:
No exterior da residência e na via de circulação dos veículos:
– via pública (faixa de rodagem)
Cocaína, com um peso bruto de 25,5 gramas que o arguido atirou para a via pública assim que visualizou a aproximação do OPC;
Balança de precisão;
Isqueiro;
Cartão com a identificação do arguido;
Dentro de uma bolsa com uma alça da marca Armani Exchange:
275 (duzentos e setenta e cinco euros) em numerário; 20 pacotes de cocaína em pó (coca de cheiro) que perfaz um peso bruto de 14,2 gramas;
Um (1) telemóvel da marca Iphone, SIM ..., IMEI ..., IMEI2 ..., código de desbloqueio ...;
Um (1) telemóvel da marca Iphone, SIM ..., IMEI ..., IMEI2 ..., PIN ..., código de desbloqueio ...;
1 Computador portátil, de marca “HP” e de cor cinza;
1 Televisão da Marca Samsung, com comando e transformador;
Uma caixa contendo no seu interior, três anéis de cor dourado, um piercing e dois brincos.
91. O produto estupefaciente apreendido a este arguido constitui 138 doses de consumo médio individual de cocaína cloridrato.
93. O produto estupefaciente apreendido aos arguidos destinava-se à revenda a terceiros.
94. Os arguidos conhecem a natureza estupefaciente das substâncias que adquiriram, detiveram e distribuíram por terceiros, assim como sabiam que a sua cedência por qualquer titulo a terceira pessoa é proibida.
95. Ainda assim os arguidos agem do modo descrito o que o fazem com o objectivo conseguido de obterem os respectivos proventos económicos.
100. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
102. Do CRC dos arguidos CC, HH, II, II e AA nada consta.
109. O processo de socialização de AA teve lugar na Ilha ..., na República de Cabo Verde, inserido no agregado familiar de origem, composto pelo pai, polícia e pela mãe, comerciante e ainda por dois irmãos. Nesse ambiente, desfrutava de uma dinâmica familiar coesa e harmoniosa e frequentou o sistema de ensino até conclusão do 10º ano de escolaridade.
Em 2019, aos 22 anos de idade, AA emigrou para Portugal e passou a integrar o agregado familiar de um tio, em Lisboa. Posteriormente, mudou-se para o agregado da tia JJ, com residência na Praceta ..., ..., 2º Dt, ..., ... Vila Nova de Gaia, inserida em área urbana sem histórico de fenómenos criminais, situação que mantinha à data dos factos.
Em Vila Nova de Gaia, o arguido iniciou atividade laboral como empregado de mesa no “A...”, explorado pela sua tia JJ, situação que manteve até setembro de 2022.
Posteriormente trabalhou na empresa “B... Lda.”, sediada em .../Gondomar e na empresa “C...”.
AA reorganizou a sua vida familiar em outubro de 2020, após a vinda de KK, companheira do arguido e o filho de ambos, nascido em 15-12-2018, de Cabo Verde, para passarem a integrar o mesmo agregado familiar do arguido e onde viveram até fevereiro de 2024.
Naquela data, AA, juntamente com a companheira, empregada doméstica, o filho de ambos, de 5 anos de idade, e o seu irmão de 21 anos, operário da construção civil, mudaram de residência para a Rua .., ..., 2º andar, Hab. ..., em ..., Vila Nova de Gaia, tratando-se de um apartamento de tipologia 1. A dinâmica familiar presente no agregado foi avaliado como estável e assente em espírito de entreajuda.
AA encontra-se a trabalhar na empresa D..., Lda., no Aterro Sanitário de ... e ..., localizado em .../Vila Nova de Gaia, desde março de 2024, com a qual celebrou respectivo contrato de trabalho.
A situação económica do agregado familiar é percecionada como modesta, mas suficiente para as necessidades de subsistência do agregado familiar e assenta no vencimento do arguido, no valor de 841,50€, acrescido do valor diário de 6,50€ referente ao subsídio de refeição. A companheira exerce actividade laboral como empregada doméstica e aufere vencimento no valor de 820€. O irmão do arguido contribui com a quantia mensal de 265€ para a economia doméstica.
Apresentam como principais despesas fixas a renda da habitação, no valor de 700€ e o valor de 200€ referente ao pagamento dos serviços básicos como água, eletricidade, gás e telecomunicações.
Despende ainda o valor de 170€ mensal, referente ao pagamento das refeições escolares e respetivo prolongamento escolar do filho menor.
O arguido concluiu, entretanto, formação para poder exercer actividade de motorista de TVDE, em fevereiro de 2024.»
O arguido CC por indicações do qual o ora recorrido procedia às vendas de cocaína em pó, é um cidadão estrangeiro, oriundo de Cabo Verde, o qual declarou que o recorrido seria apenas seu conhecido. -cfr. fls. 35 do Acórdão.
Este arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21º, do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP.
3. Fundamentação de direito:
Tendo em atenção que o objeto do recurso se delimita pelo conteúdo das respetivas conclusões, no caso vertente, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se está verificado o requisito material do art.13 nº1 da Lei 37/2015 de 5 de maio, ou seja, se das circunstâncias que acompanharam o crime não se podem induzir perigo da prática de novos crimes.
É o seguinte o teor do citado nº1 do art.13 da Lei 37/2015:
«1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º»
O despacho recorrido fundamenta o deferimento do pedido de não transcrição da condenação no CRC, essencialmente, no facto de em julgamento se ter efetuado um juízo de prognose positivo no sentido de que o ora recorrido se deixará influenciar pela ameaça de execução da pena determinada, afastando-se da prática de condutas futuras da mesma natureza, razão pela qual lhe foi suspensa a execução da pena de prisão.
Porém, os requisitos para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão estão interligados com a alternativa entre o cumprimento efetivo da pena de prisão e a possibilidade de se atingirem as finalidades da punição sem esse cumprimento efetivo.
As finalidades da punição que determinam a aplicação da pena de substituição são diversas das circunstâncias que podem levar à não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, desde logo, porque o juízo de prognose positivo exigido pelo art.50 nº1 do CP, forma-se com base na personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste, e o art.13 nº1 da Lei 37/2015 apenas manda atender às circunstâncias que acompanharam o crime.
Neste sentido de que não existe uma correspondência direta entre o juízo favorável feito quanto à suspensão e o feito quanto à não transcrição veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 8/10/2024, relatado por Pedro Cunha Lopes onde pode ler-se: «…se fosse assim, bastaria a suspensão para que fosse determinada a não transcrição.»
Ora, no caso concreto em apreciação o arguido integrado familiar e profissionalmente não hesitou em adotar uma atividade criminosa que como é sabido aporta um acréscimo de rendimentos considerável e fê-lo por indicação de um coarguido que a tal se dedicava.
Partindo dos rendimentos que ficaram demonstrados no Acórdão condenatório o agregado familiar do arguido AA, composto por 4 membros, tem um rendimento per capita, - deduzidas as despesas também apuradas de renda da habitação, serviços básicos, refeições escolares e pagamento do prolongamento escolar do filho menor do arguido -, que não atinge € 300,00 mensais; assim sendo, como se pode concluir que o arguido perante as dificuldades financeiras que lhe possam surgir na vivência diária, não irá recair na prática de novos ilícitos ?
E passando a citar o Acórdão da Relação de Évora de 10/01/2023, relatado por Nuno Garcia: «É preciso não olvidar que a regra do nosso registo criminal é a da transcrição das condenações. É certo que a não transcrição é uma possibilidade prevista na lei, mas não é uma regra para os casos em que estão preenchidos os requisitos formais, nem para os casos em que é aplicada a suspensão da execução da pena de prisão.»
Tudo ponderado concluímos que no caso sub judice, efetivamente, das circunstâncias que acompanharam o crime não podemos inferir que não se verifica perigo da prática de novos crimes.
Assiste, pois, razão ao recorrente.
4. Decisão:
Tudo visto, acordam os Juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do MP e, em consequência, revogam o despacho recorrido substituindo-o por outro que não concede o pedido de não transcrição da decisão condenatória para efeitos profissionais no CRC formulado pelo arguido AA.
Sem tributação.

Porto, 29/10/2025
Paula Guerreiro
Castela Rio
Maria do Rosário Martins