Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
166/12.7GAVLC-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: PENA DE MULTA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20150107166/12.7GAVLC-A.P1
Data do Acordão: 01/07/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Autorizado o pagamento da multa (pena de substituição), aplicada em substituição da pena de prisão ( pena principal), em prestações, não pode posteriormente, em substituição da multa, ser autorizada a prestação de trabalho, como modo de cumprimento da pena de multa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:

6

Processo comum singular 166/12.7GAVLC da actual comarca de Aveiro – Vale de Cambra, Instância Local, secção de competência genérica J1

Relator - Ernesto Nascimento.

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. O arguido B… alegando não reunir condições económicas que lhe permitissem continuar a suportar as prestações da multa – aplicada em substituição da pena de prisão, em que fora condenado – depois de ter pago as duas primeiras, veio requerer a sua substituição por prestação de trabalho.
O MP., em vista dos autos não se opôs ao requerido.
Os serviços da DGRS, a pedido do Tribunal, elaboraram um plano de trabalho favorável à requerida substituição.
Sobre a pretensão do arguido, veio, então, a recair o seguinte despacho:
“do cotejo dos autos, resulta ter o arguido sido condenado, por sentença transitada em julgado, na pena única de 10 meses de prisão, a qual então se substituiu, ao abrigo do preceituado pelo artigo 43.º C Penal, por 300 dias de multa. Ora de acordo com o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 deste normativo legal, à pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão é aplicável o disposto no artigo 47.º do mesmo Código, nomeadamente quanto à possibilidade de pagamento faseado, assim como o consagrado no n.º 3 do seu artigo 49.º, atinente à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, mediante a demonstração, pelo arguido, de que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável. Não prevê, porém, a lei, a aplicabilidade do estatuído pelo artigo 48.º C Penal, relativo à substituição da multa por trabalho (neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da CRP, Lisboa 2008, 180), ante o que outra alternativa não nos resta, que não o indeferimento da pretensão trazida a juízo”.

I. 2. Inconformado, recorreu o arguido pugnando pela revogação do despacho e a sua substituição por outro que autorize a substituição da pena de multa pela prestação de dias de trabalho a favor da comunidade, invocando a violação, por errada interpretação, dos artigos 43.º, 47.º, 48.º e 58.º C Penal.

I. 3. Respondeu a Magistrada do MP, na 1ª instância, defendendo que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve o despacho ser integralmente mantido.

II. Subidos os autos a este Tribunal, dele teve vista o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto.

Efectuado o exame preliminar, seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos presentes à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que definem e delimitam o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

Assim, a única questão suscitada pelo recorrente, para apreciação pelo tribunal de recurso, é a de saber se a pena de multa, aplicada em substituição da pena de prisão, não paga, pode, ainda, ser substituída pela prestação de trabalho.

III. 2. Primeiramente e, no tocante à questão prévia, suscitada pelo Sr. PGA, da incompetência deste Tribunal para conhecer do recurso, cumpre dizer, que a mesma carece de fundamento, porque o resultado final – a competência em razão do território, para conhecer dos recursos oriundos do Município …, era, ontem, como é hoje, da competência deste Tribunal.
Com efeito,
o processo iniciou-se quando de acordo com as normas e mapas da organização judiciária, cuja vigência terminou a 31AGO, a área do Município …, pertencia à comarca de Vale de Cambra, que por sua vez integrava o Círculo Judicial de Oliveira de Azeméis, que pertencia ao Distrito Judicial do Porto, sendo os recursos interpostos da competência do Tribunal da Relação do Porto, enquadramento este último, que se mantém com o mapa judiciário, que entrou em vigor a 1SET, integrando o Município … a circunscrição da actual comarca de Aveiro, que, por sua vez se insere no Distrito Judicial do Porto e na área de competência do Tribunal da Relação do Porto.

III. 3. Vejamos o enquadramento legal reportado às normas invocadas pelo recorrente como tendo sido violadas.

O artigo 43.º/1 C Penal, sob a epígrafe de “substituição da pena de prisão” dispõe que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.
Por sua vez, esta norma, que tem por epígrafe “pena de multa” dispõe, no que ao caso releva, no seu n.º 3 que, “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento de multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Dispõe, o artigo 48.ºC Penal, que tem por epígrafe “substituição da multa por trabalho” no seu n.º 1, que, “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e, no n.º 2, que “é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”.
Assim, o referido artigo 58º, dispõe que:
nº. 3, “a prestação de trabalho é fixada entre 36 e 380 horas, podendo aquele ser cumprido em dias úteis, aos sábados, domingos e feriados” e,
nº. 4, “a duração dos períodos de trabalho não pode prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável”.
E o artigo 59º/1 dispõe que “a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 18 meses”.
O artigo 49º C Penal, que tem por epígrafe “conversão da multa não paga em prisão subsidiária” dispõe, por sua vez, no seu n.º 1 que, “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a 2/3, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº. 1 do artigo 41º”;
nº. 2, “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”;
nº. 4, “o disposto nos nºs. 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no nº. anterior”.

III. 4. Aproximação ao caso concreto.

A prestação de trabalho não constitui no nosso sistema penal, uma pena principal, nem sequer tem um tratamento unitário.
Funciona em 2 vertentes diferentes:
Umas veze como pena autónoma, constituindo pena substitutiva da pana de prisão, com o regime estabelecido nos artigos 58.º e 59.º C Penal.
Outras como forma de execução da pena de multa, nos termos do artigo 48.º C Penal, a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado, sendo então objecto de decisão em sede de execução da pena, nos termos do artigo 490.º/1 e 3 C P Penal.
Esta distinção, essencialmente dogmática e procedimental, não obsta a uma substancial similitude entre as 2 medidas, quer pelo conteúdo – prestação de serviços gratuitos à comunidade, quer pelo seu sentido político-criminal, o de evitar o cumprimento de prisão pelo condenado.
De resto, a este propósito refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 139, que “a previsão de dias de trabalho, como sucedâneo da pena de multa não paga, voluntária ou coercivamente, prevista hoje no artigo 48º C Penal, visa afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão, em lugar da multa não paga ou não cobrada. Esta sanção, de dias de trabalho, encontra na pena principal de prestação de trabalho a favor da comunidade, uma espécie de direito subsidiário, ao qual se deve conceder primazia na integração das inúmeras lacunas que regulamentação daquela apresenta”.
Também aqui, como na pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, prevista no artigo 58º C Penal, a sua consagração, encontra justificação politico-criminal no movimento que surgiu e se vem acentuando, a partir das últimas décadas do séc. passado, contra as curtas penas de prisão, por razões que se prendem com as nefastas consequências, que as mesmas proporcionam, derivadas da estigmatização do agente, pelo contacto com o meio prisional.

No caso concreto, importa tratar do segmento da vertente de prestação de trabalho como meio de execução da pena de multa, pois que a pena de prisão aplicada foi substituída pela pena de multa e não pela PTFC.
A questão que se coloca é a de saber se como forma de execução da pena de multa, nos termos do artigo 48.º C Penal - a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado – tem aplicação só nos casos em que a pena de multa foi aplicada a título principal, ou, se da mesma forma, também tem aplicação no caso em que a pena de multa foi aplicada em substituição da pena de prisão.
Aquele primeiro sentido foi acolhido na decisão recorrida e este último é o pugnado pelo arguido.
Posições qualquer uma delas, de resto, com acolhimento na Jurisprudência e na Doutrina, de que os termos do recurso, de resto, nos dão conta.
Quando chamados a nos pronunciarmos sobre a questão, sempre defendemos a posição aqui defendida no despacho recorrido, seja, que em sede de pena de multa de substituição, não pode a pena ser cumprida através da prestação de horas de trabalho, forma de execução da pena de multa reservada à situação de ter sido aplicada como pena principal.
E, se então, tínhamos fundamento para crer ser essa a posição que resultava das regras da interpretação e da hermenêutica, tal entendimento sairá hoje reforçado, depois de nesta matéria – PFC versus prestação de trabalho o STJ ter vindo a fixar jurisprudência através do Acórdão 13/2013, no sentido de que, “a correspondência entre a multa e a prestação de trabalho a favor da comunidade que resulte da substituição da pena de multa, nos termos do artigo 48.º/2 C Penal é a estabelecida no artigo 58.º/3 do mesmo diploma, ou seja, um dia de multa corresponde a uma hora de trabalho”.
Isto já depois, de ainda sobre o mesmo tema, através do Acórdão 12/2013, ter o mesmo Tribunal fixado jurisprudência no sentido de que, “transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquele foi substituída, nos termos do artigo 43.º/1 e 2 C Penal é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2 do artigo 49.º C Penal”.

III. 5. Assim.

III. 5. 1. Na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.
O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
Por um lado, apresenta-se com uma função negativa:
a de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei, e, por outro,
com uma função positiva, nos seguintes termos:
“primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador;
quando, como é de regra, as normas, fórmulas legislativas, comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”, cfr. João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, pág. 182.
Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º/1 C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Por outro lado, dispõe o nº. 2 da mesma norma que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nº. 3 da mesma norma.
Ora, no caso, não só se deve eliminar o sentido apontado pelo recorrente, por não ter qualquer apoio nas palavras da lei, como, porque o texto das várias normas aqui chamadas, a interpretar, comporta apenas o afirmado sentido constante da decisão recorrida e, outras normas se não conhecem que apontem para que o pensamento do legislador se tenha exprimido, digamos deste modo, por defeito.

III. 5. 2. A questão subjacente e atinente a este recurso - como se menciona no referido AFJ 12/2013 – que doravante passaremos a transcrever, com a devida vénia - vem já desde a versão original do C Penal de 1982, quando o artigo 47.º, enquadrado na sistemática da pena de multa e seu regime-base, no seu n.º 3, dispunha que, “quando o tribunal aplicar pena de multa, será sempre fixada na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a 2/3”, regime, que, por força do n.º 4 “também era aplicável aos casos em que tiver havido condenação em prisão e multa”.
A técnica da remissão operada pelo artigo 43.º/3, nos termos genéricos para os artigos 46.º e 47º mereceu do Professor Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 369, o reparo de que induzia a que caso o condenado não pagasse a multa, tudo se passava como se ele houvesse sido condenado originariamente em pena de multa e, que à primeira vista, tal regime parece contrariar duas ideias:
a de que multa de substituição da prisão, não é a pena principal de multa previsto no artigo 46.º e,
a de que sempre que uma pena de substituição não fosse cumprida, o agente devesse, tanto quanto possível, automática e imediatamente, cumprir a pena de prisão fixada e que fora substituída, sem bem que, em harmonia com o propósito do legislador de, como última ratio, evitar o cumprimento da prisão, se possam interpor vias de diversão, entre o incumprimento da multa de substituição e a execução da prisão, análogas às cominadas para o incumprimento da pena pecuniária principal.
Por isso entendia o mesmo autor que a conversão da multa de substituição a 2/3 de prisão conduzia a resultados inadmissíveis, em especial, por o arguido que beneficiara já da substituição da prisão por multa., como prémio pelo incumprimento culposo, acabava por ver reduzida a prisão originária a 2/3 - técnica devido a erro legislativo, que, terminava por colocar em causa a efectividade político-criminal da própria multa de substituição.
Isto quando ao incumprimento culposo se deveria seguir como solução mais favorável à luta contra a prisão, o retorno à prisão aplicada - opção que segundo as palavras do mesmo autor, oferece a consistência e a seriedade indispensáveis à efectividade de todo o sistema de penas de substituição.
O certo é que o artigo 44º, introduzido na revisão operada pelo Decreto Lei 48/95, substituindo o artigo 43.º veio no seu n.º 2 consagrar que, se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º – que dispunha que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não era imputável, podia a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada a cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo económico ou financeiro e se os deveres ou regras de conduta não fossem cumpridos, executava-se a pena de prisão subsidiária e, se o fosse a pena era declarada extinta.
Entretanto chegamos à acima transcrita redacção actual das normas conferida pela Lei 59/2007 - que as alterações operadas pela Lei 19/2013 mantiveram intactas.

III. 5. 3. Devemos desde logo salientar que o legislador por meio da remissão feita no n.º 2 do artigo 48.º para os n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º, optou por fazer coincidir o regime da prestação de trabalho, como forma de cumprimento da multa com o da prestação de trabalho, como pena autónoma.
O que se pode ter como opção inequívoca e coerente com a similitude das 2 medidas, salientando o Prof. Figueiredo Dias, como vimos já, que estamos, então, perante duas vertentes da mesma medida penal sendo, um pouco especiosos a distinção dogmática entre elas, não obstante se poder traçar uma linha de fronteira entre ambas:
a pena de multa é uma pena pecuniária principal e a pena de multa imposta em substituição da de prisão, assume-se como uma autêntica pena de substituição.
Daí que do seu incumprimento e, em coerência sistémica, resultem na prática, consequências jurídicas diferenciadas, que não seria correcto parificar, atenta a sua diferente natureza, não se identificando de um ponto de vista dogmático e político-criminal.
Então, porque a pena de multa de substituição é uma realidade diversa da pena principal de multa prevista no artigo 47.º C Penal, sempre que uma pena de substituição não seja cumprida, é inaceitável que se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença, sem embargo de, para obstar-se a todo o transe, como solução última, ao cumprimento da prisão, se possam conceber atenuações de pura lógica ou opções diversificadas de prisão, análogas às cominadas para o incumprimento da pena pecuniária principal. É, assim, perfeitamente aceitável vg. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades ou que, uma vez não paga, sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão, valendo aqui a analogia com a multa principal.
Donde, a pena de mula aplicada por substituição da pena de prisão não se confunde com a pena principal de multa autónoma e originariamente aplicada, prevista no artigo 47.º C Penal, se bem que ambas obedeçam à mesma específica finalidade de reacção, historicamente longa, contra as penas de prisão, em geral, arrancando dessa teologia comum porém, a pena de multa de substituição propõe-se obstar, até ao limite, à privação da liberdade decorrente de uma curta pena de prisão, enquanto instrumento específico de combate ajustado na luta contra a pequena criminalidade.
Assim, a pena principal de multa pode, então, ser cumprida de várias formas: por pagamento voluntário ou coercivo; por prestação de trabalho, quando for requerida pelo condenado; pela conversão da multa em prisão subsidiária,
já, condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º/1 C Penal - como acontece no caso – a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do artigo 489.º/1 e 2 C P Penal/1, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de 1 ano, nos termos do artigo 47.º/3 C Penal, a substituição por dias de trabalho, nos termos do artigo 490º C P Penal e, findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se nos termos do artigo 491.º C p Penal, à execução patrimonial. E exaurida esta regra procedimental, não assiste outra alternativa ao Tribunal - desde que ante este se não haja comprovado previamente a impossibilidade não culposa de satisfazer a multa - que não seja a de fazer cumprir a pena de prisão substituída.
Este desígnio do legislador é de caso pensado - não ignorando o erro em que incorreu ao consentir, na primeira redacção do artigo 43.º C Penal, a redução a 2/3 de prisão dos dias de multa aplicados e substituição da prisão e a incoerência daí emergente - pretendendo colocar-lhe termo, de uma vez por todas e, assim, reparar a perda de eficácia para a pena de substituição, com a apontada alteração introduzida pelo Decreto Lei 48/95 e até hoje mantida.

III. 5. 4. Assim sendo, em resumo,
uma vez que a pena de multa aplicada ao arguido é já uma pena substitutiva, da de prisão, não pode a mesma ser novamente substituída – agora por trabalho,
donde está o recurso do arguido necessariamente votado ao insucesso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando-se o despacho recorrido.

Pelo seu decaimento, condena-se o recorrente no pagamento da quantia equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2015.janeiro.07
Ernesto Nascimento