Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
767/22.5PBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA SOFIA RODRIGUES
Descritores: PROCESSO PENAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONCEITO
OBJECTO DO PROCESSO
AMNISTIA
REGIME
APLICABILIDADE
Nº do Documento: RP20240221767/22.5PBMTS.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar.
II – Perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, os poderes de cognição do tribunal estão estritamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação ou da pronúncia, pela contestação e pelos pedidos de indemnização civil e respectivas contestações
III – O tribunal deve decidir sobre todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa e os que resultem da discussão da causa, desde que sejam relevantes para a resolução das diversas questões em que se desdobra a análise da culpabilidade e da determinação da espécie e da medida da pena, o que significa que só tem a obrigação de se pronunciar e tecer considerações jurídicas acerca das questões que tenham sido colocadas à sua consideração e/ou que se relevem pertinentes ao caso concreto.
IV – Assim sendo, se, por um lado, o tribunal “a quo” não foi convocado pelas partes a pronunciar-se sobre a lei da amnistia se, por outro lado, tal lei não é aplicável no caso em questão, não tinha naturalmente o ensejo de ponderar a sua aplicação.
V – Acresce que a aplicação do perdão tem como pressuposto a existência de uma condenação transitada em julgado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 767/22.5PBMTS.P1



Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

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1. RELATÓRIO:

Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Coletivo nº 767/22.5PBMTS do Juízo Central Criminal de Vila do Conde (J3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi em 15.11.2023 proferido acórdão, no qual se decidiu (transcrição):

“Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julga a acusação procedente e consequentemente decide:
A) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal , na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução , por igual período de tempo sujeito ao regime de prova mediante um plano individual de readaptação social - art. 52º, 53º e 54º, todos do Código Penal
B) Condenar o arguido BB pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses , suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeito ao regime de prova mediante um plano individual de readaptação social - art. 52º, 53º e 54º, todos do Código Penal
C) Condenar o arguido CC pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal com a agravante da reincidência , art. 75º e 76º do CP na pena de três anos e quatro meses de prisão.
D) Condenar os arguidos em 2 UC de taxa de justiça.
(…)”

Inconformado com esta decisão, o arguido CC interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

a) A decisão do Tribunal “a quo” é nula por omissão de pronuncia, impunha-se a aplicabilidade da Lei da Amnistia prevista na Lei 38-4/2023;
b) Ao não considerar a sua aplicabilidade a sentença é nula por omissão de pronuncia nos termos art.º 379.º n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
c) as condições pessoais do arguido, a sua conduta posterior aos factos, a natureza do crime em causa e as necessidades de prevenção geral e especial, parece-nos justo e adequado fixar-lhes uma pena de prisão não superior a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual terá ainda de ser amnistiada nos termos da Lei 38-A/2023;
d) No caso dos autos, as finalidades da punição não exigem o cumprimento da pena de prisão aplicada, uma vez que a substituição da mesma não é susceptível de defraudar as expectativas da comunidade nem a noção de eficácia do ordenamento jurídico na defesa do bem jurídico protegido pela incriminação em causa (prevenção geral).
e) a necessidade de ressocialização do arguido não exige o cumprimento da pena de prisão a aplicar, uma vez que as exigências de prevenção especial são apenas médias. Sendo por isso de admitir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
f) Deve-se, portanto, determinar que a suspensão da execução da pena de prisão, fixada ao arguido, seja acompanhada de regime de prova, em conformidade com o disposto no referido artigo 53º do Código Penal, o qual consiste no acompanhamento do mesmo pela D.G.R.S. durante o período da suspensão, com vigilância e apoio, de acordo com o plano de reinserção social que esses serviços vierem a elaborar (em conformidade com o disposto no Artigo 54º do Código Penal), o qual será submetido a homologação judicial (nos termos do disposto no Artigo 494º, nº 3, do C.P.P.).
Dessa forma, V. Ex. as farão a costumada JUSTIÇA”
Por despacho proferido em 21.12.2023, foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância na resposta que apresentou, sustenta que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo e pugna pela sua confirmação integral, após pronúncia sobre cada uma das questões suscitadas no recurso e que se resumem como segue:
- o ilícito pelo qual o arguido foi condenado e acusado, atenta a sua moldura, jamais poderia beneficiar da amnistia concedida pelo artigo 4.º Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
- tendo em conta a pena concreta aplicada anteriormente pela prática de ilícitos contra o património – dois anos de prisão -, a condenação sofrida nestes autos, naturalmente teria que ter uma graduação da pena concreta superior, pelo que nada há a apontar à pena concreta aplicada nos autos, diga-se, ainda abaixo do limiar médio da moldura penal aplicável.
- uma vez que não é possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao recorrente, a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada jamais poderá ser suspensa.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), adere sem reservas às considerações e motivos constantes da proficiente resposta apresentada pelo Digníssimo magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância que convoca e para as quais remete e cujo conteúdo factual, descritivo e narrativo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e que desta peça faz parte integrante e incindível, devendo, por conseguinte, julgar-se o recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos segmentos impugnados, nada mais tendo a acrescentar por tudo já ter sido dito, debatido e equacionado, evitando-se assim o calvário ou via sacra de inúteis e fastidiosas repetições (e porventura acabar por (re)dizer o mesmo por outras palavras numa ilusória aparência de inovação).
No entanto, em total sintonia com os argumentos e razões lucidamente defendidas na doutíssima resposta do Ministério Público apresentada em 1.ª instância, reduzindo a analise à matéria que consta apenas do processo, e no que diz ser um brevíssimo, lacunar e curto opusculo, tece considerandos que se alongam por mais de 30 páginas acompanhados de citação de extensa jurisprudência, para concluir pela “desinência da pretensão formulada, se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.”

Não foi produzida qualquer resposta ao parecer.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, disponível in www.dgsi.pt.: “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal prendem-se com:

1ª Nulidade por omissão de pronuncia relativamente à aplicação da Lei da Amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08;
2ª Medida da pena;
3ª Aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
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Com relevo para a resolução das questões objeto do presente recurso importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida e a fundamentação da escolha e medida da sanção da decisão recorrida que se transcrevem:

“II. FUNDAMENTAÇÃO
Discutida a causa e com relevância para a sua decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1- No dia 14 de junho de 2022, por volta das 02h15 da manhã, os arguidos CC, AA e BB deslocaram-se à escola profissional «A...», sita na Rua ... Matosinhos, pertencente à sociedade “A..., Lda.”, a fim de se apoderarem dos objetos de valor que aí se encontrassem, de acordo com um plano previamente acordado entre todos.
2- No local, o arguido BB ficou no interior do veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-JE-.., marca Renault, modelo ..., a vigiar as imediações,
3- Por seu turno, o arguido CC arremessou uma pedra a uma das janelas da escola profissional e subiu até ao parapeito da mesma, destrancou a janela, logrando, assim, entrar no interior da escola, seguido do arguido AA.
4- Já no interior, os arguidos CC e AA dirigiram-se ao escritório sito no primeiro andar da escola profissional e dali retiraram e levaram consigo 2 (dois) computadores portáteis da marca Acer, de cor preta, 1 (uma) garrafa de whisky da marca «Captain Morgan», 1 (uma) garrafa de vinho de Setúbal da marca «Rosário» e 1 (uma) garrafa de amêndoa amarga, da marca «a morgadinha».
5- Ato contínuo, os arguidos CC e AA dirigiram-se à sala de informática localizada no rés-do-chão da escola profissional e dali retiraram e fizeram seus, 2 (dois) computadores da marca Toshiba, de cor preta, 1 (um) computador da marca LG, de cor cinza, 1 (um) computador da marca Acer, de cor preta, 4 (quatro) computadores da marca Lenovo, de cor cinza, 1 (um) computador da marca Asus, de cor cinza, 1 (um) computador portátil e 1 (um) videoprojector da marca Epson, de cor branca, e 4 (quatro) videoprojectores da marca Benq, de cor preta.
6- Os arguidos retiraram do interior da escola profissional e fizeram seus, 21 (vinte e um) objetos no valor global aproximado de € 7.000,00 (sete mil euros).
7- Os arguidos agiram de forma livre, voluntária, conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
8- Ao entrar no interior da escola, retirando os aludidos objetos e fazendo-os seus, os arguidos, fizeram-no com intenção concretizada de se apoderarem dos mesmos, não obstante saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam sem o consentimento e contra a vontade dos seus donos.
9- O arguido CC, antes da prática dos factos supra descritos, foi condenado, por sentenças transitadas em julgado, nos seguintes processos:
- No âmbito do processo n.º 1061/16.6PRPRT, por acórdão cumulatório de 25.2/2019, foi condenado numa pena de 2 anos de prisão efetiva pela prática de dois crimes de roubo, praticados em 28-09-2016;
- No âmbito do processo n.º 306/17.0PDPRT, por sentença de 09-10-2020, foi condenado numa pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico, como reincidente, praticado em 26-10-2017;
10- O arguido CC cumpriu pena privativa da liberdade à ordem do processo n.º 1061/16.6PRPRT, desde 27-02-2018 até 26-02-2020.
11- Não se encontram decorridos mais de 5 anos desde a prática dos crimes dolosos supra identificados pelos quais foi o arguido CC condenado e o que agora lhe é imputado, descontando o tempo em que esteve privado da sua liberdade em cumprimento de pena.
12- Atento o exposto, verifica-se que o arguido CC, não obstante já ter sido condenado pela prática de outros ilícitos e de ter cumprido pena de prisão efetiva, uma vez em liberdade, voltou a retomar a sua conduta criminosa, ou seja, as anteriores condenações por si sofridas não serviram de suficiente obstáculo ou advertência para o afastar da prática de outros ilícitos criminais, de igual natureza.
13- Por decisão cumulatória proferida e transitada em julgado em 20/12/2021, no âmbito do processo nº 1358/21.8T8PRT o arguido CC foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena única de três anos de prisão efectiva, a qual foi declarada extinta em 25/3/2022.
14- Por decisão proferida e transitada em julgado em 25/2/2018, o arguido CC foi condenado em acórdão cumulatório pela prática de dois crimes de roubo, crime de condução ilegal e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário na pena única de três anos de prisão efectiva, a qual foi declarada extinta.
15- Por decisão proferida e transitada em julgado em 5/11/2020, o arguido CC foi condenado pela prática de um crime de furto na pena de 2 anos se prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, por factos ocorridos em 2017.
16- Os arguidos AA e AA não têm antecedentes criminais.
17- Os objectos foram recuperados.
(…)
22- O processo de desenvolvimento de CC decorreu no agregado familiar de origem, constituído pelos pais e cinco irmãos. A dinâmica familiar caracterizou-se pela conflitualidade relacional, alegadamente decorrente de consumos excessivos de bebidas alcoólicas por parte do pai, com a assunção pela mãe do processo educativo dos filhos, situação que se manteve até à separação dos pais quando o arguido tinha cerca de 13 anos de idade.
23- O arguido CC apresenta um percurso escolar conturbado, caracterizado pelo desinvestimento e absentismo escolar, determinantes das dificuldades de aprendizagem e do sucessivo insucesso. Frequentou um curso de formação na área da mecânica, mas o comportamento desadequado promoveu a sua expulsão. Frequentou ainda um curso de formação profissional na área da hotelaria, com equivalência ao 9 º ano de escolaridade, mas uma vez mais a sua conduta e os incidentes disciplinares dela resultantes motivou igualmente a sua expulsão e ainda a intervenção do Tribunal de Família e Menores, com obrigação de frequência escolar até 2009. CC reconhece a existência de consumo de estupefacientes (haxixe) aos 14 anos, que abandonou por iniciativa própria, contudo, aquando a frequência do curso profissional assume os consumos ocasionais, mas excessivos, de bebidas alcoólicas, registando nessas alturas descontrolo e alteração do padrão de funcionamento pessoal, com dificuldades em conseguir realizar análise crítica do seu comportamento. CC regista um percurso profissional incipiente, pese embora durante o cumprimente de penas de prisão na habitação com vigilância eletrónica tenha expressado uma trajectória pró-ativa, com investimento ao nível das competências pessoais e académicas nomeadamente (curso profissional e obtenção de carta de condução). Desde Julho 2022, o arguido encontra-se laboralmente integrado, no setor da construção civil, com funções de servente, na empresa “B... Ldaª.,” onde aufere o equivalente ao salário mínimo nacional. No contacto com o responsável da entidade laboral, fomos informados que o arguido é responsável nas funções que desempenha e cumpridor dos horários laborais. CC constituiu família autónoma no início de 2015. Desta relação existe uma filha de cinco anos de idade, faz também parte uma filha da ofendida da anterior relação, de 8 anos. À data dos factos que estiveram na base do presente processo, o casal estaria em ruptura relacional devido ao comportamento do arguido, designadamente o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o que promoveu na companheira acentuado desgaste e a intenção de pôr termo à relação. Nessa altura, CC reintegrou o agregado familiar da mãe, cuja dinâmica é caracterizada pela disfuncionalidade atribuída ao consumo de bebidas alcoólicas em excesso daquela, onde permaneceu cerca de 2 meses. Entretanto, o casal reconciliou-se, com a condição do arguido efetuar a tratamento /acompanhamento médico especializado para a problemática, o que fez e mantém. CC encontra-se em acompanhamento no Centro de alcoologia do Norte, tratamento que tem vindo aderir de forma positiva e que se tem refletido positivamente no quotidiano. A última consulta ocorreu no início do mês em curso. Presentemente a dinâmica familiar é descrita como estável, acrescendo ainda como factor positivo o facto do arguido estar integrado profissionalmente e contribuir para economia familiar, actualmente descrita como estável e equilibrada.
24- O arguido CC apresenta enquadramento familiar e laboral, estruturantes da sua conduta. No decurso da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, tem correspondido às exigências da mesma, designadamente ao nível do cumprimento das regras inerentes e da articulação com a equipa de vigilância electrónica, bem como no cumprimento dos horários da atividade laboral.
(…)
O arguido CC vinha acusado como reincidente nos termos do art. 75º do Código Penal.
Segundo a jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação - acs Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-1995, processo nº 48167, de 12-03-1998, Boletim do Ministério da Justiça 474,492, de 15-12-1998, Colectânea de Jurisprudência , Supremo Tribunal de Justiça de 1998, T3, 241, de 27-09-2000, Boletim do Ministério da Justiça 499,132, de 15-03-2006, processo nº 119/06-3ª, de 12-07-2006, processo nº 1933/06-3ª, de 24-01-2007, processo nº 4455/06-3ª.
De acordo com o artigo 75º do Código Penal, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 48/95, de 15/03, são pressupostos formais da agravante:
- a prática, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, de crime doloso;
- punição com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- condenação anterior transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso;
- lapso de tempo não superior a 5 anos entre a prática do crime anterior e a do seguinte (não sendo computado o tempo durante o qual o arguido tenha cumprido pena privativa da liberdade)
Para além dos citados pressupostos formais, acresce um pressuposto substantivo ou material, conforme a parte final do nº 1 do citado preceito.
A punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
Com o C. Penal de 1982 incluiu-se na reincidência a sucessão de crimes, circunstâncias qualificativas previstas nos artigos 35º e 37º do C. Penal de 1886, equiparando-se as duas figuras, abandonando-se a exigência da prática de crimes da mesma natureza para configuração da reincidência, cessando a distinção entre a reincidência específica, própria ou homótropa e a genérica, imprópria ou polítropa.
Como assinalava Victor Sá Pereira, ao comentar o Código Penal de 1982, Livros Horizonte, p. 126, o instituto passava a funcionar sob condição, como decorria da parte final do nº 1.
Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 16ª edição, p. 268/9, exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
O Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, p. 151/2, refere que a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.
Retomando esta ideia, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, p. 154, adianta que tal indício não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes.
Ainda segundo Cavaleiro Ferreira, loc. cit., a alteração da pena aplicável não é imposta por lei, mas terá lugar se as circunstâncias do caso concreto revelarem, na apreciação do tribunal, que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime.
Acrescenta que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.
Como expendia Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 162, para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação.
Diz o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 268 : «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência».
Como se refere no ac. STJ, de 24-05-1995, processo 47732-3ª, in Leal-Henriques - Simas Santos, Código Penal, 1º vol., p. 607: «1.O elemento fundamental do instituto da reincidência é o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior; 2.Por isso é exigido, para que seja dada por existente, a verificação concreta, com respeito pelo princípio do contraditório, de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime».
Como tem sido entendido, é de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta e de exigir ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material, exactamente o de funcionamento não automático, com vista à demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime.
Como se referia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-1989, Colectânea de Jurisprudência de 1989, T4, p.11: «Para verificação da reincidência é essencial a existência de averiguação, em matéria de facto, com respeito pelo contraditório, que demonstre que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para não continuar a delinquir», havendo, por outro lado, que estabelecer uma relação entre a falta do efeito da condenação anterior e a prática do novo crime – Vejam-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça , de 10-10-1990, proc.41213, de 19-12-1990, proc. 41235-3ª- AJ 13/14, de 09-07-1992, proc. 42872, de 15-09-1994, proc. 46835-3ª, de 29-03-1995, proc. 47813-3ª, de 03-07-1997, Colectânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça 1997, T2, 258, de 04-03-04, proc. 456/04-5ª, de 12-01-2006, proc. 4133/05-5ª, de15-03-06, proc. 119/06-3ª, de 23-03-06, proc. 779/06-5ª, de 25-05-06, proc. 1616/06-5ª, de 22-06-06, proc. 1790/06-5ª, de 12-07-06, proc. 1933/06-3ª, de 22-11-06, proc. 3182/06-3ª, de 09-05-2007, proc. 1139/07-3ª.
Daí a necessidade de uma específica comprovação factual, de enunciar os factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação, e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
A agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da reincidência.
Para Sá Pereira, loc. cit., a averiguação do efeito da condenação ou condenações anteriores tem a ver com a problemática da capacidade do agente para ser influenciado pelas penas - cfr. artigo 20º, nº 3, do C. Penal.
Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, poder-se-á concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes inexistindo fundamento para a agravação da pena, por se estar face a simples pluriocasionalidade.
No condicionalismo da parte final do nº 1 do art. 75º encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística, que se distinguirá o reincidente do multi-ocasional.
A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, na sua culpa, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizado na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes.
Com tanto não se basta a reincidência, cuja certificação está dependente de apreciação e decisão judicial.
Da factualidade apurada e constante da acusação encontram-se verificados todos os elementos formais e existem factos que permitem concluir que a condenação anterior não teve a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime, já que após ter sido condenado, por mais do que uma vez numa pena de prisão efectiva, o mesmo volta a praticar crime contra o património, revelando ter conduta predisposta para os crimes contra o património
Assim, decide o tribunal condenar o arguido CC como reincidente.

DA MEDIDA DA PENA
O crime de furto qualificado, previsto nos arts. 203º, 204º, nº2, al. e), é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão.
O crime de furto qualificado, previsto nos arts. 20,3º, 204º, nº2, al. e), com a agravante da reincidência é punido com pena de prisão de 2 e oito meses a 8 anos.
Atento o disposto no art. 40º do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a "protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Atento o disposto no art. 71º, do Código Penal dentro da moldura penal abstracta cumpre determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente, tendo ainda em conta, as exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime , deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, a gravidade das consequências – o valor do furto €7000, a recuperação dos objectos, a confissão, as condições pessoais dos arguidos e a conduta anterior e posterior ao facto.
Em termos de prevenção geral positiva, ter-se-á em consideração que, com este tipo jurídico-criminal, pretende-se erguer barreiras à incessante expansão deste tipo de crimes e a insegurança das pessoas que vêm a sua vida privada devassada e despojado dos bens que lhes pertencem.
Como é consabido, este crime põe em causa a propriedade dos bens, e, além disso, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social destes arguidos e possui comprovados efeitos criminógenos.
Tal crime, pela multiplicidade de consequências que lhe subjaz, é, pois, susceptível de gerar enorme insegurança e intranquilidade públicas.
Deverá, por conseguinte, ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade da norma que pune tal conduta e protege aqueles bens jurídicos fundamentais.
Teremos, em atenção, por outro lado e dentro do mesmo parâmetro preventivo, o valor dos bens e a sua recuperação, entendendo-se que a ilicitude do facto se mostra, assim, diminuta.
A censura ético-jurídica dirigida ao arguido radica na modalidade mais intensa do dolo, o directo (art.14º nº1 do C.P.), que presidiu à sua actuação (art.71º nº2 al. b) do C.P.).
Mostram-se, pois, de certa monta, as necessidades da sua possível inocuização e ressocialização, a qual terá de acontecer através de pena privativa de liberdade.
Ponderadas as agravantes e as atenuantes, as exigências de prevenção geral e especial, a confissão dos arguidos AA e CC, a recuperação dos objectos e face à moldura penal tem-se por adequado fixar a pena concreta em 3 anos e quatro meses de prisão ao arguido CC (…).
Importa agora indagar da admissibilidade de uma pena substitutiva, tendo presentes os critérios enunciados no artigo 50.º, nº 1 do Código Penal, seja, indagar da existência de um equilíbrio entre as exigências de prevenção geral e as de prevenção especial, equilibrando o mínimo socialmente suportável com o máximo que a ressocialização do agente aconselha.
Qualquer consideração da culpa do agente não tem aqui lugar, pois que o momento próprio para a sua apreciação foi o precedente. De facto e como decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça “(...).Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”
É certo que as exigências de exteriorização física da reprovação do crime cometido impõem que ao menos por agora se lance mão da pena de prisão. Mas entendemos que a reprovação naquela pena expressa é plenamente satisfeita ainda que seja suspensa a sua execução.
Para o efeito será de atender que a pena de prisão suspensa é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas.
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes.
Será pois nesta dupla perspectiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão, sendo certo que para o efeito o seu ponto de partida será sempre o momento desta decisão e não da prática do crime – neste sentido veja-se o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2001/Mai./24, na Colectânea de Jurisprudência (S) II/201.
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, como sucede com o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2002 (Proc. n.º 3026/01 - 3.ª Secção), divulgado em http://www.stj.pt, que “A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado”, em que na sua base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco de prudência, em que se deverá “reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção”.
Como se referiu no Ac. da R. C. de 2000/Fev./09 [Recurso n.º 3139/00, relatado pelo Des. Oliveira Mendes.], divulgado em http://www.trc.pt, “Perante arguido já condenado por duas vezes, em menos de um ano, numa pena de multa e noutra de prisão não executada, pelo cometimento do mesmo crime, impõe-se a aplicação da pena de prisão efectiva pela prática de crime igual, já que o mesmo não só revela desprezo pela ordem jurídica, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral), como evidencia que relativamente a si as respostas penais não privativas da liberdade ou de prisão sem execução se mostram desprovidas de qualquer eficácia (prevenção especial).Também aí se refere que “O facto de se tratar de uma pena curta de prisão, não obsta à sua execução em clausura, atenta a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes e de salvaguardar a vida em sociedade, sendo que de outra forma ficariam por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.
Atentos os antecedentes criminais do arguido CC, por crimes de igual natureza, com cumprimento de prisão efectiva, o facto de o arguido demonstrar reduzida capacidade de inserção social, o tribunal entende que só o cumprimento da prisão efectiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Apreciação do recurso:

O recurso em apreço versa apenas sobre matéria de direito, posto que a irresignação do recorrente se direciona unicamente contra a pena em que foi condenado, entendendo que era de lhe aplicar o regime de perdão de penas previsto na Lei 38-4/2023, atendendo à sua idade e data da prática dos factos, e ainda devendo ter-lhe sido fixada uma pena de prisão não superior a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e por fim determinada a suspensão da execução da pena de prisão, acompanhada de regime de prova
Avançando.

1ª Questão: Nulidade por omissão de pronuncia relativamente à aplicação da Lei da Amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08
Importa antes do mais decidir se o acórdão recorrido está ferido de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do invocado preceito legal, pois, a verificar-se, impõe-se devolver o processo ao Tribunal que elaborou a decisão a fim de suprir a nulidade.
O art. 379º, nº1, alínea c), do CPP, estatui que é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
No caso em apreciação, o recorrente começa por argumentar que a decisão proferida é nula por omissão de pronuncia, referindo, em suma, que o Tribunal a quo devia ter ponderado a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 que entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2023, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Para tanto alega que a referida Lei se aplica aos ilícitos praticados até às 00h00 do dia 19/06/2023, por pessoas que tenham entre os 16 (dezasseis) e os 30 (trinta) anos de idade à data da prática do facto, pelo que é evidente que ao Arguido era de aplicar o regime de perdão de penas previsto na Lei 38-4/2023.
Neste sentido, o Tribunal deixou de se pronunciar sobre (todas) questões que deveria apreciar, não procedeu à aplicação do regime da amnistia, pelo que, existe uma clara nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que aquele diploma tem aplicação directa e necessária aos presentes autos, não depende a sua aplicabilidade de qualquer arguição por parte do Recorrente.
Conclui pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 379º n.º 1, al. c), do CPP.
Vejamos.
Nos termos do citado normativo, a omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, compreendidas no objecto do processo e constitui uma nulidade sanável, por não se encontrar incluída na previsão do art. 119º do CPP.
Tal vício prende-se com o incumprimento do dever de resolver todas as “questões” submetidas à apreciação do tribunal (mas que não se confundem com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os juízos de valor em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia) exceptuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra, verificando-se, pois, quando tenha ocorrido ausência de decisão.
Dito de outra forma, a omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar.
Perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, consagrada constitucionalmente no art. 32º, n.º 5, os poderes de cognição do tribunal estão estritamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação/pronúncia, pela contestação, pelos pedidos de indemnização civil e respectivas contestações. É nestas peças processuais que os intervenientes em confronto alegam os factos que submetem ao julgamento, indicam os respectivos meios de prova, enunciam as normas jurídicas aplicáveis e apresentam os seus argumentos, sem prejuízo de no decurso de julgamento poderem surgir novos factos e/ou questões submetidas à disciplina do preceituado nos arts. 358º e 359º do CPP.
Por outro lado, resulta do disposto nos arts. 368º, n.º 2 e 369º, n.º 2 do CPP, que o tribunal deve decidir sobre todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa e os que resultem da discussão da causa, desde que sejam relevantes para a resolução das diversas questões em que se desdobra a análise da culpabilidade e da determinação da espécie e da medida da pena.
Daí que, o tribunal só tem a obrigação de se pronunciar e tecer considerações jurídicas acerca das questões que tenham sido colocadas à sua consideração e/ou que se relevem pertinentes ao caso concreto.
Porém, tal não sucede com a Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, como desde já podemos adiantar.
Assim, se de um lado o tribunal a quo não foi convocado pelas partes a pronunciar-se sobre a mencionada Lei, pois na contestação que apresentou ou em momento posterior, o recorrente não a invocou nem requereu a sua aplicação, de outra banda, a invocada Lei sequer se aplica ao caso dos autos, motivo pelo qual o tribunal a quo naturalmente não teve o ensejo de considerar.
Dilucidemos.
A Lei em apreço segundo decorre do seu art. 1º veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Nos termos do seu art. 2º, nº 1 e na parte que interessa ao caso dos autos «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º»
Por seu turno preceitua o art. 4º que “São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”.
Para além disso a Lei da Amnistia contempla o perdão para as seguintes penas: penas até oito anos, que obtêm o perdão de um ano de prisão; multas até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; as demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova; pena em regime de permanência na habitação (1 ano) - vide art. 3º.
Sem perder de vista as exceções previstas no art. 7º, não se aplicando o perdão e a amnistia aos condenados por um conjunto de crimes, nomeadamente, homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade física grave, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, incêndio florestal, condução perigosa de veículo rodoviário e condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, associação criminosa, tráfico de influência, peculato, participação económica em negócio, branqueamento, corrupção, fraude na obtenção e desvio de subsídio, subvenção ou crédito, terrorismo.
Há ainda que deixar anotado que, enquanto a amnistia extingue o procedimento criminal (sendo que, no caso de já ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos), o perdão destina-se a extinguir a pena, total ou parcialmente.
Ora, no caso dos autos, o arguido recorrente foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, o qual é punível com uma moldura de dois a oito anos de prisão.
Assim, o ilícito pelo qual o arguido foi condenado, atenta a sua moldura, jamais poderia beneficiar da amnistia prevista no sobredito art. 4º.
Já em relação ao perdão, o crime pelo qual foi condenado não se encontra previsto nas excepções contempladas no art. 7º, nomeadamente na excepção prevista na alínea b) relativa ao âmbito dos crimes contra o património.
Todavia, tal como observa o Ministério Público na resposta ao recurso não se está ainda em fase de decisão condenatória transitada em julgado, pelo que tal instituto não é trazido à colação nesta fase, mas apenas após o transito em julgado da condenação, em sede de execução de pena.
O que significa que o tribunal a quo não tinha de ponderar a aplicação do perdão que concerne à execução da pena, isto é, relaciona-se com a capacidade executiva da decisão e pressupõe uma condenação transitada em julgado. Sem trânsito da decisão condenatória não há perdão, nem o tribunal a quo teria de abordar um assunto que estava impedido de o fazer e que só poderá ser conhecido em momento processual mais avançado, como se disse, de execução da pena.
Assim, não se reconhecendo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, nº 1, al. c), do CPP, improcede esta questão.
*

2ª Questão: Medida da pena
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, com a agravante de reincidência, na pena de três anos e quatro meses de prisão.
Sustenta, porém, que a pena devia ter sido fixada próxima do limite mínimo da moldura penal aplicada, em medida não superior a 2 anos e 6 meses, alegando, em suma, que que se encontra a trabalhar, estando também familiarmente enquadrado, contribuindo para a economia da sua família.
Realiza, atualmente, tratamento para o consumo de álcool, no Centro de alcoologia do Norte, com evolução positiva.
Paralelamente as suas condições de vida, que reflectem, agora, estruturação familiar, com evidente integração social, e a procura do Arguido em inserir-se profissionalmente, contribuindo ativamente para a economia do seu Agregado Familiar, justificam do seu ponto de vista a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Comecemos pela questão do “quantum” da pena, que o recorrente pretende ver reduzida pelos motivos supra enunciados.
Antes de mais, relembra-se que por força da aplicação do instituto da reincidência a moldura do crime assacado ao arguido é pena de prisão de 2 anos e 8 meses a 8 anos (agravado o limite mínimo em um terço – cfr. art. 76º, nº 1 do CP).
Relembra-se que a pena visa finalidades exclusivamente preventivas (de prevenção geral e especial), constituindo a culpa pressuposto e limite inultrapassável da pena - cfr. Jorge Figueiredo Dias, in “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 75 e seguintes.
Deste modo, através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitária de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, por esta via, à realização dos fins das penas no caso concreto - art. 40º, nº 1 do Código Penal.
Ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração erigida como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, de acordo com as orientações prevalecentes a nível de política criminal, constitui o objectivo de tutela dos bens jurídicos, mas igualmente importante se revela a prevenção especial ou de socialização que opera dentro da moldura fornecida pela prevenção geral e indica a medida da pena. Por seu lado, a culpa, enquanto vertente pessoal do crime e da personalidade do agente, actua como limite inultrapassável das exigências de prevenção, mormente da prevenção geral, de modo a garantir que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências (cf. art. 40º, nº 2, do Código Penal).
Com efeito, a consideração da culpa do agente liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um “princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado” (na expressão de Claus Roxin), e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção.
E para a determinação da medida concreta da pena há que atender aos factores elencados no art. 71º do Código Penal e que, fundamentalmente, se relacionam quer com o facto típico praticado, quer com a personalidade do agente neles documentada - vide Anabela Miranda Rodrigues, in “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, 1995, pág. 658 e seguintes -, podendo tais factores ser valorados, simultaneamente, por via da culpa e da prevenção.
Assim, o nº 2 do antedito art. 71º, manda atender, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Isto dito e regressando ao caso vertente, podemos desde já adiantar que face ao condicionalismo que a factualidade apurada permite efetuar no seio do citado art. 71º, a pena aplicada pelo tribunal recorrido se mostra perfeitamente doseada e adequada no caso concreto, bem como salvaguarda as necessidades de prevenção geral e especial que urge acautelar, posto que a pena encontrada de 3 (três) anos e 4 (quatro) se situa num patamar abaixo do ponto médio da moldura abstrata da pena (de 2 anos e 8 meses a 8 anos de prisão).
Na verdade, o tribunal recorrido ponderou o grau de ilicitude da conduta do arguido que foi muito elevado atento o valor dos objetos subtraídos, a intensidade do dolo na sua forma mais grave – dolo direto -, as elevadas necessidades de prevenção geral que o caso reclama, e não pode deixar de atender ainda ao seu passado criminal.
Na verdade, o recorrente já tem averbadas no seu certificado de registo criminal condenações várias pela prática de diversos crimes, incluindo crimes contra o património, pelas quais já cumpriu pena de prisão efetiva e, ainda assim, persistiu na prática de factos ilícitos, manifestando um total alheamento pelas sucessivas advertências que os Tribunais lhe foram fazendo.
Mais se dá conta que praticou os factos em causa nos autos volvidos apenas dois anos da sua saída da prisão, o que faz elevar manifestamente as necessidades de prevenção especial.
Destarte, dificilmente se poderia aceitar que àquele fosse aplicada pena inferior à que efectivamente veio a ser fixada, sendo certo que o próprio desde logo se olvidou que o limite mínimo é, in casu, 2 anos e 8 meses e não 2 anos de prisão.
E no que se refere aos argumentos que o recorrente convocou, em nada modificam tal raciocínio, mesmo considerando a confissão prestada e o arrependimento demonstrado, circunstancialismo fáctico que deflui da motivação.
Assim, quer ao nível das necessidades de prevenção geral, quer especial, nenhum reparo nos merece o acórdão recorrido, que analisou e ponderou suficientemente as circunstâncias relevantes, salientando-se o seu considerável passado criminal, revelando um padrão preocupante, suscitando preocupações de prevenção especial e revelam uma personalidade avessa ao direito, como, pelo menos até à presente condenação, completamente indiferente e alheada em relação às anteriores condenações.
Mais se diga que as preocupações de índole pessoal destacadas no recurso, relacionadas com a desejada concretização do processo de ressocialização, não se sobrepõem às exigências preventivas supra referenciadas e às finalidades da punição que, em concreto, se fazem sentir.
Ora tendo presente a sobredita moldura abstrata aqui em apreço, respeitados que foram os apontados critérios que norteiam a aplicação das penas, e relembrando-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção. Neste conspecto, socorremo-nos do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02.06.2010 aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”, entendimento que sufragamos, desrespeito que aqui não sucedeu, manifestamente como já se deu conta, não se vislumbra que a pena de prisão aplicada seja exagerada, desproporcionada e/ou injusta, devendo, por isso, manter-se.
Daí que, não tendo o recorrente invocado quaisquer fatores idóneos a mitigar os aspetos negativos da sua conduta - para além dos já valorados na decisão recorrida - e do seu reiterado comportamento anterior, nada cumpre alterar em relação ao decidido pela 1ª instância, não se mostrando violada qualquer norma jurídica.
Nesta medida, mantém-se inalterada a pena cominada.
Soçobra, pois, o recurso nesta parte.

3ª Questão: Aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
Passando já para a ultima pretensão recursiva, cumpre então avaliar se deveria ou não ter sido suspensa a execução da pena aplicada como pretende o recorrente, em detrimento do cumprimento efectivo dessa mesma pena tal como foi decidido em 1ª instância, por a simples censura do facto e a ameaça da pena serem suficientes para o afastarem da criminalidade e satisfazerem as necessidades de reprovação e prevenção.
Vejamos.
Relativamente à pretendida suspensão da execução da pena de prisão, porque inferior a 5 anos foi equacionada pelo tribunal a quo que, todavia, optou por não aplicar tal pena substitutiva.
De harmonia com o disposto no art. 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Esta norma consagra um dos princípios inerentes ao nosso sistema penal, assente na consideração das penas de prisão como ultima ratio da repressão criminal, impondo ao juiz o dever de suspender a pena de prisão, aplicada em medida não superior a cinco anos, sempre que o circunstancialismo que rodeia o delinquente possibilite um juízo de prognose positivo quanto aos efeitos da simples ameaça de prisão sobre as finalidades da pena.
Na verdade, são finalidades exclusivamente preventivas que devem presidir à operação da escolha da espécie de pena a aplicar ao agente, devendo o tribunal dar preferência à pena não detentiva, a não ser que razões ligadas à socialização do delinquente (no seu conteúdo mínimo, traduzido na prevenção da reincidência) ou de preservação do limite mínimo da prevenção geral positiva, no sentido de defesa do ordenamento jurídico, imponham a pena de prisão.
No caso vertente, vemos que as convocadas e anteditas condições pessoais positivas, justificam do ponto de vista do recorrente a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Assim, este faz sobressair ademais que “no caso dos autos as finalidades da punição não exigem o cumprimento da pena de prisão aplicada”, que “a necessidade de ressocialização do arguido não exige o cumprimento da pena de prisão a aplicar, uma vez que as exigências de prevenção especial são apenas médias” e ainda que “a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico. E há razões para crer, em relação a este arguido, que nunca teve qualquer contacto com a justiça, que a sua aplicação o intimidará suficientemente, evitando que volte a delinquir”.
No entanto, não podemos concordar com esta posição, e só por lapso pode o recorrente afirmar que nunca teve qualquer contacto com a justiça.
Efetivamente, rememora-se as conclusões ínsitas no acórdão a este respeito “Atentos os antecedentes criminais do arguido CC, por crimes de igual natureza, com cumprimento de prisão efectiva, o facto de o arguido demonstrar reduzida capacidade de inserção social, o tribunal entende que só o cumprimento da prisão efectiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”
Ora, é quanto basta para nós para se revelar comprometido o juízo de prognose favorável à suspensão da pena imposta, a par das fortíssimas exigências de prevenção geral que neste tipo de crimes se fazem sentir.
Do transcrito segmento resulta que, de todo, ocorre um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do aqui recorrente, efectivado no momento da decisão. Já se assinalou e se reitera, o arguido cumpriu uma pena de prisão efetiva por crime contra o património (a par de outras condenações), e volvidos dois anos retomou a sua conduta criminosa.
Ora, a suspensão da execução da pena de prisão constitui na verdade uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
Retira-se do Acórdão do STJ de 14/5/2009, disponível in www.dgsi.pt. “Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela de bens jurídicos”.
Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que o mesmo, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao Direito e aos valores socialmente erigidos. A finalidade do instituto é, pois, a de afastar o delinquente da criminalidade. Todavia, ainda que em tal sentido apontem as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, a suspensão não deverá ser decretada se com ela se postergarem as necessidades de reprovação e de prevenção do crime: encontram-se aqui em causa não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica.
E, se no caso em apreço, as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, não são particularmente desfavoráveis, face à comprovada integração familiar e profissional e até mesmo social do recorrente, mesmo tendo revelado arrependimento, já a sua antecedência criminal, e as exigências de prevenção geral elevadíssimas, apontam para um juízo de prognose desfavorável.
Neste sentido, extrai-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/09/2021 in www.dgsi.pt. “Se os antecedentes criminais constantes do CRC do arguido, demonstram à saciedade que as várias condenações que já sofreu, não foram suficientes para o demover da prática de crimes, não pode existir um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena”.
Donde, perante o apontado quadro e circunstancialismo fáctico, o Tribunal a quo, concluiu, e bem, que a simples ameaça do facto não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, quais sejam as de “protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade”, e perante o juízo de prognose desfavorável, bem andou ao impor ao arguido o cumprimento efectivo da pena de três anos e quatro meses de prisão aplicada.
Daí que, nesta conformidade, não se vislumbra a formulação de um juízo de prognose favorável à suspensão da pena, nos termos exigidos pelo mencionado art. 50º, nº 1.
Em conformidade, nada cumpre alterar em relação ao decidido pela 1ª instância.
Destarte, improcede, igualmente sob este aspecto, a pretensão recursiva, e o recurso na totalidade.



3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CC em consequência do que, decidem confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.
*
Notifique.




(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).




Porto, 21 de fevereiro de 2024
Cláudia Sofia Maia Rodrigues (Relatora)
João Pedro Pereira Cardoso (1º Adjunta)
Liliana de Páris Dias (2ª Adjunta)