Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
465/14.3TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Nº do Documento: RP20150708465/14.3tbmai-A.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Ao contrário da resolução em benefício da massa insolvente, que tem como consequência a reversão para a massa insolvente dos bens objecto do negócio visado pela declaração resolutiva, em benefício colectivo de todos os credores, a impugnação pauliana traduz-se num direito pessoal de restituição, apenas se fazendo valer através dela um direito de crédito à restituição na medida exigida pelo exclusivo interesse do credor que a exerce.
II- O confronto dos artigos 126.º e 127.º do CIRE permite definir os contornos distintivos das duas figuras de garantia patrimonial dos credores do insolvente previstas no capítulo em que ambas as disposições legais se inserem: a resolução em benefício da massa insolvente “tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso” (art.º 126/1 do CIRE); na impugnação pauliana “o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616.º do CC, por expressa remissão do art.º 127/3 do CIRE).
III- A apontada distinção justifica a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente [consagrada nos n.º 1 e 2 do art.º 127.º do CIRE], a qual se concretiza nestes termos: o n.º 1 impede os credores da insolvência de instaurar ações de impugnação pauliana relativamente a atos praticados pelo devedor, cuja resolução haja sido declarada pelo Administrador de Insolvência; o n.º 2 (1.ª parte) determina que se a ação de impugnação pauliana se encontrar pendente no momento em que é emitida pelo Administrador da Insolvência a declaração resolutiva do ato impugnado, deve de imediato declarar-se a suspensão da instância; o n.º 2 (2.ª parte) determina que a ação de impugnação pauliana apenas prosseguirá os seus termos se a declaração de resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão judicial definitiva; decorre dos mesmos normativos que se a resolução não for judicialmente impugnada, ou se tal impugnação for julgada improcedente, deve a ação de impugnação pauliana ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.
IV- O interesse no efeito da impugnação pauliana é singular e exclusivo do credor que intenta a ação; o interesse no efeito da ação de declaração de nulidade é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente, devendo ser prosseguido pelo administrador da insolvência, através do instituto mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente.
V- A ação em que o credor pretende a declaração de nulidade dos negócios celebrados pelo devedor (insolvente) não se integra na previsão legal do artigo 127.º do CIRE, sendo inviável após a declaração da insolvência.
VI- Tendo conhecimento de negócios lesivos para os credores (partilha e “cessão de quinhão hereditário”), celebrados pelo devedor menos de um ano antes do processo de insolvência, deve o credor diligenciar junto do Administrador da Insolvência, prestando-lhe todas as informações, com vista a habilitá-lo ao exercício da resolução em benefício da massa insolvente, ao invés de intentar uma ação com pedido de declaração de nulidade dos negócios em causa, denominando-a de impugnação pauliana.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 465/14.3TBMAI-A.P1


Sumário do acórdão:
I. Ao contrário da resolução em benefício da massa insolvente, que tem como consequência a reversão para a massa insolvente dos bens objecto do negócio visado pela declaração resolutiva, em benefício colectivo de todos os credores, a impugnação pauliana traduz-se num direito pessoal de restituição, apenas se fazendo valer através dela um direito de crédito à restituição na medida exigida pelo exclusivo interesse do credor que a exerce.
II. O confronto dos artigos 126.º e 127.º do CIRE permite definir os contornos distintivos das duas figuras de garantia patrimonial dos credores do insolvente previstas no capítulo em que ambas as disposições legais se inserem: a resolução em benefício da massa insolvente “tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso” (art.º 126/1 do CIRE); na impugnação pauliana “o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616.º do CC, por expressa remissão do art.º 127/3 do CIRE).
III. A apontada distinção justifica a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente [consagrada nos n.º 1 e 2 do art.º 127.º do CIRE], a qual se concretiza nestes termos: o n.º 1 impede os credores da insolvência de instaurar ações de impugnação pauliana relativamente a atos praticados pelo devedor, cuja resolução haja sido declarada pelo Administrador de Insolvência; o n.º 2 (1.ª parte) determina que se a ação de impugnação pauliana se encontrar pendente no momento em que é emitida pelo Administrador da Insolvência a declaração resolutiva do ato impugnado, deve de imediato declarar-se a suspensão da instância; o n.º 2 (2.ª parte) determina que a ação de impugnação pauliana apenas prosseguirá os seus termos se a declaração de resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão judicial definitiva; decorre dos mesmos normativos que se a resolução não for judicialmente impugnada, ou se tal impugnação for julgada improcedente, deve a ação de impugnação pauliana ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.
IV. O interesse no efeito da impugnação pauliana é singular e exclusivo do credor que intenta a ação; o interesse no efeito da ação de declaração de nulidade é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente, devendo ser prosseguido pelo administrador da insolvência, através do instituto mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente.
V. A ação em que o credor pretende a declaração de nulidade dos negócios celebrados pelo devedor (insolvente) não se integra na previsão legal do artigo 127.º do CIRE, sendo inviável após a declaração da insolvência.
VI. Tendo conhecimento de negócios lesivos para os credores (partilha e “cessão de quinhão hereditário”), celebrados pelo devedor menos de um ano antes do processo de insolvência, deve o credor diligenciar junto do Administrador da Insolvência, prestando-lhe todas as informações, com vista a habilitá-lo ao exercício da resolução em benefício da massa insolvente, ao invés de intentar uma ação com pedido de declaração de nulidade dos negócios em causa, denominando-a de impugnação pauliana.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Por sentença proferida em 19.09.2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de B........, no Processo n.º 763/13.3TYVNG, que ao tempo corria termos no 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia.
Em 24.01.2014, C........, S.L, sociedade comercial de direito espanhol, intentou contra B........, D........, E........, F........, e G........, a presente ação declarativa que intitulou de “impugnação pauliana”, formulando os seguintes pedidos:
«Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:
a) Seja reconhecida a situação de dissipação e ocultação de bens por parte dos Réus através de vendas simuladas;
b) Que o crédito da Autora seja considerado como vencido e em momento anterior aos negócios simulados;
c) Os negócios simulados não serem oponíveis à Autora;
d) Seja reconhecido não ter o Réu B........ outros bens que sejam suficientes para pagar o crédito da Autora;
e) Ser considerado nulo o contrato partilha de bens celebrado pelos Réus B........ e D........ no dia no dia 2 de Agosto de 2012, no Cartório Notarial sito na Avenida …. n.ºs … / …., 1º andar, sala …, 4100 -139 Porto como documento junto com o número 4 e, em consequência;
f) Ser o imóvel urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, fracção “FN” da freguesia de Cidade da Maia, concelho da Maia, sito na Rua …., n.º …., lugar …. e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4423 “FN” cfr. certidão matricial ser considerado como sendo propriedade dos Réus B........ e D........
g) Ser considerado nulo o contrato simulado de compra e venda / cessão, celebrado pelos Réus B........, D........ e E........ celebrado no dia no dia 13 de Dezembro de 2012, no Cartório Notarial sito na Avenida …., n.º …., 3º andar, sala …. na cidade do Porto como documento junto com o número 6 e, em consequência;
h) Serem os Réus B........ e D........ considerados cotitulares e comproprietários dos seguintes imóveis da herança de seu Pai H........:
[…]
i) Sejam os Réu I........ e J........ [1], condenados a darem o seu consentimento, caso assim se entenda na qualidade em que eram, ao tempo, cotitulares da herança e comproprietários dos mencionados imóveis para que o negócio simulado seja anulado;
j) Por todos os prejuízos causados, sejam os réus condenados solidariamente a pagar as despesas que a Autora já teve de suportar com os presentes autos que são de € 5.000 (cinco mil euros);
k) Sejam os Réus solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal mas que não poderá ser de montante inferior a € 10.000 (dez mil euros);
l) Serem os Réus condenados em custas.».
Alegou a autora, em síntese, como suporte da sua pretensão[2]: a autora é uma sociedade de direito espanhol, que comercializa os seus produtos (combustíveis) junto dos clientes, através de várias áreas de serviço compostas por bombas de combustível; os clientes da autora são sobretudo empresas de transportes e recorrem aos bens e serviços que são vendidos e prestados atendendo à sua qualidade e preço; no âmbito da sua atividade, a autora forneceu e vendeu milhares de litros de combustível à sociedade K........, Lda., da qual o réu B........ era sócio e legal representante, a referida sociedade deixou de pagar os fornecimentos; após muitas interpelações e tentativas de recebimento da quantia em dívida por parte da autora, foi celebrado um “Acordo de Pagamento e Confissão de Dívida” no dia 10 de Outubro de 2012 entre a empresa K........ e os dois sócios e gerentes, o réu B........ e L........, que assumiram a dívida em nome individual caso a empresa, na qualidade de devedora inicial, não realizasse e cumprisse a sua obrigação de pagamento; o acordo de pagamento da dívida não foi cumprido pela devedora K........, Lda., nem o pagamento devido foi feito pelo Réu B........ nem pelo L........; a autora instaurou uma ação executiva contra os dois devedores em nome individual L........ e B........, a qual corre os seus termos com o número 4318/13.4YYLSB, no 2º juízo, 3º secção dos Juízos de Execução de Lisboa; a autora não executou o acordo de pagamento em relação à devedora K........, Lda. porque a mesma, em 6 de Novembro de 2012 entrou em processo especial de Revitalização; o qual, com o número 1194/12.8 TYVNG correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia; posteriormente, a própria sociedade, através do administrador da insolvência, declarou que a recuperação da empresa não era possível, tendo sido declarada a insolvência no dia 4 de Março de 2013 nos autos que com o número 280/13.1TYVNG correm termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia; nos referidos autos, a autora reclamou créditos, reconhecidos pelo montante de € 245.578,57 (duzentos e quarenta e cinco mil quinhentos e setenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), os bens apreendidos para a Massa insolvente foram de valor diminuto, insuficientes para pagar aos credores da K........, Lda; o réu B........, sua mulher, D........, e a mãe do primeiro, E........, com intuitos claros de ocultação e de dissipação de bens, numa verdadeira trama, cuidadosamente urdida, conseguiram que o réu B........, ficasse sem bens na sua titularidade, para posteriormente apresentar-se à insolvência e, uma vez esta decretada, requerer o seu pedido expresso de exoneração do seu passivo, como o fez nos autos que com o número 763/13.3TYVNG do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Maia; a autora através de editais, tomou conhecimento da sentença que declarou a insolvência do primeiro Réu B........ nos autos que com o número 763/13.3 TYVNG correm termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal judicial da Maia, e em 28 de Outubro de 2013 reclamou créditos junto do Sr. Administrador de Insolvência que foram reconhecidos pelo montante de € 245.819,90; o Réu B........, está atualmente divorciado da Ré D........; na sequência do processo de divórcio cuja decisão foi proferida em 19 de Julho de 2012 pela 2ª Conservatória do Registo Civil do Porto, foi atribuído todo o património à ré D........, a qual nem sequer deu tornas ao réu B........, tratando-se de um “negócio simulado”, realizado com a intenção de impossibilitar a autora e outros credores, de conseguirem o pagamento dos seus créditos; como Administrador da Insolvência de todos os processos judicias de insolvência mencionados que envolvem os réus e sociedades, foi sempre nomeado o Dr. M........, a pedido dos insolventes/requerentes nas suas petições iniciais com o argumento de que conhecia todas as nuances do negócio; o réu B........, em 13 de Dezembro de 2012, ou seja, após a interpelação para pagamento feita pela Autora, em conjunto com a ré E........, sua mãe, com a ré D........, celebraram uma escritura de “cessão de quinhão hereditário”; através deste negócio, o réu B........ vendeu ou cedeu à sua mãe, E........, o seu quinhão hereditário na herança liquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, tendo sido o preço ‘da venda ou cedência’, de € 39.224,34, o que se trata também de negócio simulado.
Em 14.01.2015 foi proferida a seguinte sentença:
«Fls. 633 e ss.:
Resulta dos autos que o réu B........ foi julgado insolvente por sentença transitado em julgado em 10.10.2013, tendo os autos prosseguido para a liquidação do activo.
Cumpre apreciar e decidir.
Interpretando conjugadamente o n.º 4 do artigo 81°, o n.º 1 do artigo 85°, o n.º 1 do artigo 88°, o n.º 2 do artigo 89º e artigo 90º, o artigo 102° a 108°, a alínea c) do n.º 1 e a alínea b) do n.º 2 do artigo 141°, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intui-se que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, passando o administrador da insolvência a assumir a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. Portanto, e em princípio, depois de declarada a insolvência todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor e cujo resultado possa influenciar o valor da massa, são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
Os termos do n.º 1 do artigo 88°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na parte referente a quaisquer diligências executivas permite considerar abrangidas na sua estatuição diligências compreendidas tanto em acções executivas como em processo comum declarativo, como processo especial e em procedimento cautelar.
Ora, se o efeito suspensivo imposto pelo citado normativo é automático para as execuções pendentes e se o administrador pode pedir a apensação das acções já instauradas contra a insolvente não se justifica que possa ainda ser instaurado separadamente um procedimento contra a insolvente quando, para a reclamação de bens destinada a separar da massa os bens de terceiro estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa, existe o mecanismo processual previsto nos artigo 146° e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, impondo mesmo o artigo 148° daquele Diploma que tais acções corram por apenso aos autos de insolvência.
Mais, ainda que se declarasse a existência do crédito da autora, não poderia o mesmo ser coercivamente satisfeito no âmbito ou em execução dos presentes autos, o que torna inútil o presente processo. Aliás, os credores que pretendam obter o efectivo pagamento do seu crédito deverão reclamar tais créditos no processo de insolvência (podendo tais créditos, no caso de ainda não estarem reconhecidos, ser impugnados pelos demais credores e pela insolvente. Até porque, em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 91º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a declaração de insolvência ficou vencida a obrigação não subordinada a condição suspensiva.
Consagrou-se o denominado princípio da plenitude da instância falimentar que advoga que todas as responsabilidades da agora insolvente sejam apreciadas na no âmbito da insolvência (apreendendo-se para a massa todo o património da insolvente).
Há, assim, lugar à absolvição da instância por impossibilidade superveniente da lide.
“Em primeiro lugar, a declaração de falência implicou, como já se referiu, a dissolução da R. e, consequentemente, em regra, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária. Em segundo lugar, abstraindo do facto de a perda de personalidade jurídica e judiciária da R. implicar a inutilidade da consideração da perda subsequente da legitimidade ad causam, dir-se-à (...) que esta também ocorreu por efeito da declaração de falência. Em terceiro lugar, a declaração de falência da R. implicou que o processo comum em curso se tornasse inadequado para a realização do direito de crédito invocado pela agravante. Finalmente, não prevê a lei, directa ou indirectamente, que o liquidatário intervenha na acção declarativa em causa em representação da massa falida, ou seja, em substituição da R.
(...). Assim, nesta situação complexa (...) o que está em causa é a sua impossibilidade superveniente que implica, nos termos da alínea e) do art.º 287º do Código de Processo Civil, a extinção da instância”.
«Durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos nesse processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores».
Assim sendo e face ao exposto, ao abrigo do previsto na alínea e) do artigo 277º, do Código de Processo Civil, declaro a impossibilidade superveniente da presente lide, com a consequente extinção da instância.
Custas pela massa insolvente, sem prejuízo da isenção.
Registe e Notifique.».
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
1 - O Réu B........ foi declarado insolvente por sentença do dia 19 de Setembro de 2013.
2 – Os presentes autos foram posteriormente instaurados no dia 25 de Janeiro de 2014.
3 – Ou seja, em data posterior à declaração de insolvência do Réu B.........
4 – O Sr. Administrador de Insolvência não resolveu os contratos em causa nos presentes autos,
5 – Nem se opôs aos mesmos,
6 - Nos termos do art.º 127 n.º 2 do C. I. R. E. as acções de impugnação pauliana pendentes ou propostas ulteriormente à declaração de insolvência não serão apensas ao processo de insolvência.
7 – Pelo que a sentença recorrida violou a mencionada disposição legal;
8 - Assim, a presente acção de impugnação pauliana deverá prosseguir os seus termos,
9 – Até porque a mesma também foi interposta contra outros Réus e intervenientes,
10 – E terá de correr os seus termos de forma autónoma, ou seja, não poderá ser apensada aos autos do processo de insolvência cuja tramitação, por ora é independente ou,
11 – Caso assim não se entenda, deverão os presentes autos ser apensos aos autos de insolvência do Réu B........ que com o número 763/13.3 TYVNG corre termos pela Comarca do Porto, Santo Tirso - Inst. Central - 1ª Sec. Comércio - J2.
12 – Como tal, não deve a decisão do Tribunal a quo ser considerada válida, tem de ser considerada nula, por ter decretado a impossibilidade superveniente da lide com a consequente extinção da instância.
13 – Neste sentido, os dois mencionados acórdãos transcritos e para os quais se remete,
14 – Devendo ser proferido acórdão que determine o prosseguimento dos autos e o julgamento dos autos de impugnação pauliana interpostos pela Recorrente contra o insolvente e outros ou,
15 - Apensos estes autos ao indicado processo de insolvência do Réu B.........
Como é de Justiça!
O recorrido (insolvente) respondeu às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência, e concluindo:
I. Os pedidos de reconhecimento do direito de crédito devem ser exercidos no processo d Insolvência.
II. O reconhecimento da insuficiência de bens é inerente ao próprio processo de Insolvência;
III. A declaração de nulidade dos contractos de partilha e cessão do quinhão hereditário carece de fundamento legal, nos termos do artº 280º CC;
IV. O Administrador de Insolvência declarou a resolução dos contratos de Partilha e de cessão do quinhão hereditário.
V. A douta Sentença recorrida não violou qualquer disposição legal aplicável.
Em 30.04.2015, foi proferido despacho a admitir o recurso interposto, referindo o Mº Juiz: «Em concreto nestes autos não creio que a decisão recorrida padeça de qualquer nulidade, nomeadamente porque obedeceu ao acórdão uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1/2014 – no Proc. n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 –, publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 39 — 25 de Fevereiro de 2014, em que se decidiu no sentido de que «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.».

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se deverá ser extinta a instância da presente ação, por inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide ou se deverá continuar os seus termos.

2. Fundamentos de facto
A factualidade relevante provada é a que consta do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
3.1. Quanto à declaração de nulidade dos negócios celebrados pelo devedor insolvente
O Capítulo V do Título IV do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3], aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, tem como epígrafe “Resolução em benefício da massa insolvente”, prevendo o n.º 1 do artigo 120.º os requisitos gerais da resolução dos atos do devedor praticados antes da declaração da sua insolvência: «Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência».
Preceitua a última norma (art.º 127.º) do capítulo em apreço:
«1 - É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas ações de impugnação pauliana de atos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.
2 - As ações de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do ato pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas ações quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.
3 - Julgada procedente a ação de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.».
A primeira questão que se suscita é a de saber se a presente ação, tal como foi configurada pela ora recorrente na petição inicial, se deverá considerar de impugnação pauliana.
O objecto da ação define-se e delimita-se em função da pretensão nela formulada pelo autor (artigos 10.º e 609.º, n.º 1 do CPC)[4] e, como se conclui do relatório que antecede, a autora (ora recorrente), formula nas alíneas a), b), c), d), e), f), g) e i) do seu petitório, o pedido de condenação dos réus: no reconhecimento de que ocultaram bens através de “vendas simuladas”; na declaração de nulidade dos contratos; no consequente ‘regresso’ dos imóveis à titularidade do réu B........ (insolvente).
Salvo o devido respeito, tais pedidos nada têm a ver com a impugnação pauliana, que visa a conservação da garantia patrimonial sem implicar, no entanto, o regresso dos bens ao património do devedor/insolvente.
Com efeito, a impugnação pauliana traduz-se num direito pessoal de restituição[5], dado que através dela se faz apenas valer um direito de crédito à restituição, na medida exigida pelo interesse da pessoa que a exerce. O ato objeto da impugnação (praticado pelo devedor/insolvente) não enferma de qualquer vício interno que determine a sua invalidade, e a sua impugnação por esta via aproveita apenas ao credor ou credores que a tenham requerido.
Há assim uma fronteira muito clara entre os efeitos da procedência da impugnação pauliana e da declaração de nulidade do negócio, como se ilustra no acórdão da Relação de Coimbra, de 14.12.2010[6], cuja fundamentação se transcreve parcialmente:
«A declaração de nulidade de actos praticados pelo devedor é um meio de tutela da garantia patrimonial dos credores e pode ser usada quer os actos nulos sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração de nulidade, não carecendo o credor de demonstrar que o acto produz ou agrava a insolvência do devedor (artigo 605º, nº 1, do Código Civil). Este instituto opera em benefício não só do credor que invoca a nulidade, mas também dos restantes credores (artigo 605º, nº 1, do Código Civil).
A declaração de nulidade de um negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).
O negócio simulado é nulo (artigo 240º, nº 2, do Código Civil), dizendo-se a simulação absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar (veja-se o artigo 241º, nº 1, do Código Civil donde por contraposição se extrai a noção da simulação absoluta[7]).
A impugnação pauliana é também um instrumento conferido aos credores para tutela da garantia patrimonial de seus créditos. Regra geral, a impugnação pauliana pressupõe a validade do acto sujeito a impugnação, conferindo ao credor que dela lance mão, com sucesso, a restituição dos bens objecto do negócio impugnado na medida do seu interesse, podendo executar esses bens no património do obrigado à restituição (616º, nº 1, do Código Civil). Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido (artigo 616º, nº 4, do Código Civil). Mesmo no caso em que o acto sujeito a impugnação enferme de nulidade (artigo 615º, nº 1, do Código Civil)[8], a procedência da pretensão do credor impugnante tem os efeitos prescritos no artigo 616º, nº 1, do Código Civil e não os efeitos que decorrem da declaração de nulidade pois que o fundamento da pretensão, a causa de pedir é, nessa eventualidade, constituída pelos pressupostos da impugnação pauliana, não sendo declarada a nulidade do negócio[9], tudo se passando como se fosse válido o negócio objecto da impugnação.
A nosso ver, nada obsta à dedução simultânea, em regime de subsidiariedade, de causas de pedir que integrem os pressupostos da declaração de nulidade e da impugnação pauliana, bem como à dedução simultânea, no mesmo regime, do pedido de declaração de nulidade e de impugnação pauliana[10]. Existem interesses de economia processual e do próprio credor que podem justificar esta “engenharia processual”. Para referir apenas dois dos factores relevantes a ponderar nesta sede tenha-se em atenção que a prova de uma simulação negocial é difícil obrigando, em regra[11], a lançar mão de todo um arsenal de elementos de prova indirectos[12] e que a declaração de nulidade beneficia todos os credores (artigo 605º, nº 2, do Código Civil), enquanto a impugnação pauliana apenas opera em benefício do credor que procedentemente a requereu (artigo 616º, nº 4, do Código Civil)»[13].
Traçada a distinção entre as duas figuras, concluímos que a presente ação não se pode considerar de impugnação pauliana, face às pretensões nela formuladas pela ora recorrente, traduzindo-se tal designação (expressa pela autora no articulado inicial) como um nomen iuris irrelevante.
E somos chegados à questão fulcral que se resume a saber se, tal como alega a recorrente, a situação dos autos se integra no artigo 127.º do CIRE.
Pensamos que a resposta deverá ser negativa, face à interpretação legal que se propõe.
O CIRE rompeu com a tradição legislativa acolhida no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência [CPEREF] aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de abril, na parte em que dispunha que, julgada procedente a impugnação pauliana, os bens ou valores correspondentes revertiam para a massa falida [artigo 159º, n.º 1][14], à semelhança do que dispunha o artigo 1203º do CPC, quando a falência era disciplinada neste diploma.
A referida alteração de regime resulta de forma inequívoca do n.º 3 do artigo 127.º, que remete expressamente para a disciplina do artigo 616.º do Código Civil, em cujo n.º 1 se preceitua: «Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei».
O confronto dos artigos 126.º e 127.º do CIRE permite definir os contornos distintivos das duas figuras de garantia patrimonial dos credores do insolvente previstas no capítulo em que ambas as disposições legais se inserem: a resolução em benefício da massa insolvente “tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso” (art.º 126/1 do CIRE); na impugnação pauliana “o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616.º do CC, por expressa remissão do art.º 127/3 do CIRE).
A apontada distinção justifica a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente [consagrada nos n.º 1 e 2 do art.º 127.º do CIRE] relativamente ao instituto da impugnação pauliana, distinção essa que faz todo o sentido, atento o carácter pessoal da impugnação pauliana face ao carácter concursal da resolução em benefício da massa insolvente (cujos efeitos aproveitam a todos os credores).
Tal prevalência concretiza-se no regime previsto no artigo 127.º do CIRE, nestes termos: o n.º 1 impede os credores da insolvência de instaurar ações de impugnação pauliana relativamente a atos praticados pelo devedor, cuja resolução haja sido declarada pelo Administrador de Insolvência; o n.º 2 (1.ª parte) determina que se a ação de impugnação pauliana se encontrar pendente no momento em que é emitida pelo Administrador de Insolvência a declaração resolutiva do ato impugnado, deve de imediato declarar-se a suspensão da instância; o n.º 2 (2.ª parte) determina que a ação de impugnação pauliana apenas prosseguirá os seus termos se a declaração de resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão judicial definitiva; decorre dos mesmos normativos que se a resolução não for judicialmente impugnada, ou se tal impugnação for julgada improcedente, deve a ação de impugnação pauliana ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide[15].
Em suma, a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente decorre da distinção que traçámos entre os dois institutos: enquanto a resolução aproveita a todos os credores, a impugnação pauliana beneficia apenas o credor ou os credores que a tenham requerido[16].
Na situação em debate nos autos, considerando que não há notícia de os atos visados pela recorrente nesta ação terem sido objecto de resolução a favor da massa insolvente por parte do Administrador de Insolvência, poderiam os mesmos ser objeto de impugnação pauliana, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 127.º do CIRE, a contrario.
No entanto, como já referimos, esta ação não se pode considerar de impugnação pauliana, atenta a formulação dos pedidos (de declaração de nulidade com base no vício da simulação) por parte da ora recorrente.
Em suma, a presente ação não se enquadra no regime específico do artigo 127.º do CIRE.
E somos assim chegados a uma nova questão que importa dilucidar: tratando-se de uma ação de declaração de nulidade, é possível a sua instauração contra o devedor (insolvente) após a declaração da insolvência com trânsito em julgado?
Salvo todo o respeito devido, a resposta terá que ser negativa.
Vejamos porquê.
O Capítulo V do Título IV do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas consagra um regime específico de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente (e, consequentemente, dos credores da insolvência): instituto da resolução de negócios em benefício da massa insolvente.
O instituto em apreço permite a reintegração na massa insolvente de ativos patrimoniais que lhe foram subtraídos pela prática de atos (ou omissões) em determinado período de tempo, considerado “suspeito” face à proximidade da situação de insolvência, anterior à mesma, justificado pelo relevante interesse da generalidade dos credores da massa insolvente. Tal reintegração patrimonial é realizada através da destruição de atos prejudiciais à massa insolvente.
A competência para o exercício do referido meio de conservação da garantia patrimonial [resolução em benefício da massa insolvente] pertence por inteiro e exclusivamente ao Administrador da Insolvência (art.º 123.º do CIRE), não prevendo a lei (ao contrário do que acontece com a impugnação pauliana, pelas razões já referidas), que os credores, paralelamente, instaurem ações com o mesmo objectivo, como ocorre com a declaração de nulidade de negócios celebrados pelo devedor antes da insolvência.
Compreende-se que assim seja, pelas razões que já referimos de forma reiterada: as ações de anulação ou de declaração de nulidade de negócios do devedor declarado insolvente, teriam o mesmo resultado que a resolução em benefício da massa insolvente, fazendo reverter os bens para a titularidade da mesma, garantia de todos os credores, ao passo que a impugnação pauliana, traduzindo-se num direito pessoal de restituição, apenas é susceptível de favorecer o credor que lança mão desse instrumento processual.
Em suma, o interesse no efeito da impugnação pauliana é singular e exclusivo do credor que intenta a ação; o interesse no efeito da ação de declaração de nulidade é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente (por essa razão deve ser exercido pelo administrador da insolvência, através do instituto muito mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente).
Concluímos do exposto que a ação em que o credor pretende a declaração de nulidade dos negócios celebrados pelo devedor (insolvente) não se integra na previsão legal do artigo 127.º do CIRE, sendo inviável após a declaração da insolvência.
Retirada a conclusão que antecede, uma nova questão se suscita: que meios tem o credor de ver realizado o direito de reversão para a massa insolvente[17], dos bens objecto de negócio ferido de nulidade?
Pensamos que deverá o credor agir junto do Administrador da Insolvência, chamando-lhe a atenção para as patologias dos negócios celebrados pelo devedor, com vista à utilização do instituto previsto no artigo 120.º e seguintes do CIRE.
Nos artigos 123.º e 124.º da petição, a recorrente lança uma enorme suspeição sobre o Administrador da Insolvência, afirmando que em todos os processos judicias de insolvência que envolvem os réus e sociedades referidas no aludido articulado, foi sempre nomeado o Dr. M........, a pedido dos insolventes/requerentes nas suas petições iniciais com o argumento de que “conhecia todas as nuances do negócio”.
Aventando-se a existência de conluio, devem os credores interessados suscitar a destituição do administrador da insolvência (artigo 56.º do CIRE) e até a eventual responsabilização do mesmo.
O legislador parte do pressuposto razoável de que o Administrador da Insolvência vai zelar pelos interesses da massa insolvente e dos seus credores, atribuindo-lhe o estatuto de “servidor da justiça e do direito” e impondo-lhe que se mostre “digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes” (art.º 16.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que estabelece o Estatuto do Administrador da Insolvência).
In casu, ao invés de lançar mão do presente meio processual, designando-o como impugnação pauliana (que, como vimos, não o é), deveria a recorrente ter diligenciado junto do senhor Administrador da Insolvência, informando-o dos elementos que detém em seu poder e das suspeitas que refere na petição, com vista a habilitá-lo ao exercício da resolução em benefício da massa insolvente, de forma a que os bens objecto dos negócios em causa pudessem reverter para a garantia patrimonial, não só da recorrente, mas de todos os credores.
Decorre do exposto a improcedência do recurso neste segmento, por fundamentação diversa da que é invocada na sentença, já que não se revela aplicável in casu o artigo 217.º do CIRE, ocorrendo, não a inutilidade, mas antes a impossibilidade da lide.

3.2. Quanto aos pedidos de condenação do devedor insolvente e dos restantes réus
Formula a ora recorrente os seguintes pedidos de condenação:
«j) Por todos os prejuízos causados, sejam os réus condenados solidariamente a pagar as despesas que a Autora já teve de suportar com os presentes autos que são de € 5.000 (cinco mil euros);
k) Sejam os Réus solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal mas que não poderá ser de montante inferior a € 10.000 (dez mil euros)».
No despacho de 30.04.2015, de admissão do recurso interposto, refere o Mº Juiz: «Em concreto nestes autos não creio que a decisão recorrida padeça de qualquer nulidade, nomeadamente porque obedeceu ao acórdão uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1/2014 – no Proc. n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 –, publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 39 — 25 de Fevereiro de 2014»[18].
Consta do segmento decisório do referido acórdão uniformizador: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.».
O acórdão uniformizador não se revela aplicável quanto aos pedidos analisados no ponto anterior, sendo no entanto, claramente aplicável aos pedidos de condenação em apreço.
Por outro lado, quanto ao pedido formulado na alínea j) é manifesta a sua improcedência, porquanto, conforme se decidiu no ponto anterior, a ação intentada pela recorrente é um meio processualmente inviável à realização da pretensão formulada.
Improcede o recurso, também neste segmento.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter a decisão recorrida, com base em fundamentos diversos dos que da mesma constam, declarando a extinção da instância por impossibilidade da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil.
Custas do recurso pela recorrente.
Determina-se a notificação do presente acórdão ao senhor Administrador da Insolvência, a fim de que o mesmo tome conhecimento dos factos alegados pela recorrente, relativamente à “partilha” e à “cessão de quinhão hereditário”, devendo diligenciar pelo total apuramento dos mesmos, nos termos que o seu Estatuto lhe impõe.
*
O presente acórdão compõe-se de vinte e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 8 de julho de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
___________________________________
[1] Estes réus não são identificados nessa qualidade no cabeçalho da petição, apenas figurando os seus nomes no pedido de condenação (foi solicitado o referido articulado por via electrónica à Instância Local da Maia, Secção Cível, J6, da comarca do Porto).
[2] Num articulado que, salvo o devido respeito, não prima pela síntese, revelando-se longo e repetitivo, com excessivo recurso a expressões de natureza conclusiva.
[3] Doravante denominado CIRE.
[4] Decorrência do chamado princípio do pedido, característica de um sistema processual pautado pelo dispositivo (Paulo Pimenta, Processo Declarativo, Almedina, 2014, pág. 313 e 314).
[5] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, 2011, pág. 868 e 869.
[6] Proferido no Processo n.º 2604/08.4TBAGD.C1, acessível no site da DGSI, subscrito pelo qual ora relator, na qualidade de adjunto.
[7] O Professor Beleza dos Santos, in A Simulação em Direito Civil, I, Coimbra Editora, páginas 261 e 262, referindo-se à simulação negocial afirma que “como ela se emprega para fins diversos e com processos diferentes, reveste formas distintas que, no entanto, são sempre modalidades da simulação absoluta ou da simulação relativa porque em qualquer caso ou se simula não se dissimulando acto algum, e então o acto realizado é mera aparência vazia de qualquer conteúdo (colorem habet substantiam vero nulam), ou se emprega a simulação para com ela se dissimular um acto jurídico real ou qualquer dos seus elementos (colorem habet substantiam vero alteram).
[8] Para a justificação do regime do artigo 615º, nº 1, do Código Civil e os seus efeitos veja-se, Impugnação Pauliana, 2ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, João Cura Mariano, páginas 126 a 129.
[9] Sobre o não conhecimento oficioso da nulidade do negócio ainda que tal vício seja patente veja-se, Impugnação Pauliana, 2ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, João Cura Mariano, páginas 127 e 128.
[10] Sobre a possibilidade de dedução de pedido principal de declaração de nulidade e pedido subsidiário de impugnação pauliana veja-se a obra citada na nota que antecede, página 127, nota 241.
[11] Dizemos, em regra, porque na nossa prática nunca nos deparámos com as denominadas contra-declarações. Sobre esta figura veja-se a obra antes citada do Professor Beleza dos Santos, II, páginas 162 a 164.
[12] Sobre a prova indirecta da simulação veja-se, de novo a obra e o volume citados na nota que antecede, páginas 164 a 182.
[13] Consta da síntese conclusiva do acórdão citado: «1. A articulação na petição inicial de factos integradores de simulação absoluta de uma compra e venda de um imóvel, bem como de factos integradores de impugnação pauliana da mesma compra e venda, sem que seja estabelecido qualquer nexo de subsidiariedade entre tais complexos de factos, integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir.».
[14] Carvalho Fernandes de João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2009, pág. 445.
[15] Como refere João Cura Mariano [Impugnação Pauliana, Almedina, página 318]: “determinando a resolução a restituição à massa insolvente do bem transmitido pelo negócio posto em causa, já não é possível a sua execução no património do terceiro adquirente, pelo que a impugnação pauliana deixa de ter qualquer utilidade”.
[16] Carvalho Fernandes de João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2009, pág. 445.
[17] Neste caso, em benefício de todos os credores e não apenas em seu benefício pessoal.
[18] Salvo todo o respeito devido, não vem suscitada no recurso qualquer nulidade, nem há lugar a qualquer despacho de sustentação, ao invés do que ocorria com o regime do agravo.