Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
57/07.3TBSBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CONHECIMENTO OFICIOSO
BENS COMUNS DO CASAL
LEVANTAMENTO DE DINHEIRO DEPOSITADO
VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
ACTOS DE ADMINISTRAÇÃO ORDINÁRIA
Nº do Documento: RP2013032157/07.3TBSBR.P1
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1678º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - O enriquecimento sem causa não é susceptível de conhecimento oficioso, pelo que, não tendo sido alegados os factos integradores deste instituto e do requisito de inexistência de outro meio de restituição, estava vedado ao tribunal o conhecimento do mérito da acção com base em tal figura jurídica, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
II - O levantamento (resgate) e apropriação pelo réu, de quantias tituladas por certificados de aforro, integrantes do património comum, sem consentimento da autora, e subsequente apropriação dos valores, bem como a venda (já depois de cessada a relação patrimonial conjugal) de um veículo e subsequente apropriação do respectivo produto, não poderão ser considerados actos de administração ordinária, estando o réu obrigado à restituição à autora de metade dos valores de que se apropriou, face à contitularidade desta relativamente a tais valores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 57/07.3TBSBR.P1

Sumário do acórdão:
I. O enriquecimento sem causa não é susceptível de conhecimento oficioso, pelo que, não tendo sido alegados os factos integradores deste instituto e do requisito de inexistência de outro meio de restituição, estava vedado ao tribunal o conhecimento do mérito da acção com base em tal figura jurídica, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
II. A declaração de nulidade da sentença por excesso de pronúncia não impede a apreciação do objecto do recurso, desde que o tribunal disponha de todos os elementos necessários para o efeito.
III. O património comum dos cônjuges define-se como comunhão de direitos, também chamada propriedade colectiva, distinguindo-se da compropriedade, porque o direito dos contitulares não incide directamente sobre cada um dos elementos que constituem o património, mas sobre este concebido com um todo unitário.
III. No que respeita à administração de bens do casal, rege o artigo 1678.º do Código Civil, que prevê no n.º 3, duas regras essenciais: 1:ª a da legitimidade de cada um dos cônjuges para a prática dos actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns; 2.ª a necessidade de consentimento de ambos os cônjuges para “os restantes actos de administração”, designados pela doutrina como actos de administração extraordinária.
IV. Tendo a autora provado a natureza comum dos bens e a ausência de consentimento para o acto, sobre o réu incumbia a prova da utilização das quantias de que se apropriou, de forma a integrar o conceito de administração ordinária, o que poderia ser feito, nomeadamente, demonstrando o investimento dessas quantias no interesse comum do casal.
V. O levantamento (resgate) e apropriação pelo réu, de quantias tituladas por certificados de aforro, integrantes do património comum, sem consentimento da autora, e subsequente apropriação dos valores, bem como a venda (já depois de cessada a relação patrimonial conjugal) de um veículo e subsequente apropriação do respectivo produto, não poderão ser considerados actos de administração ordinária, estando o réu obrigado à restituição à autora de metade dos valores de que se apropriou, face à contitularidade desta relativamente a tais valores.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B… intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra C…, peticionando a condenação do réu a pagar-lhe as quantias de € 10.135,17 e de € 6.250,00 acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
Alegou a autora em síntese como suporte da sua pretensão: a autora e o réu foram casados um com o outro; com os rendimentos auferidos no exercício das suas actividades comerciais, adquiriram certificados de aforro, num total de Esc.: 4.000.000$00; após a separação do casal e antes do divórcio, o réu levantou tais quantias e respectivos juros, integrando-as no seu património pessoal; à data do divórcio os certificados de aforro valiam Esc.: 4.063.840$00 em consequência dos juros vencidos; a autora e o réu eram proprietários de um veículo de marca Nissan, Modelo …, matrícula ..-..-DB, integrado na relação de bens comuns do inventário realizado na sequência do divórcio; o réu vendeu o referido veículo ao seu cunhado, apropriando-se do respectivo valor; à data da venda, o veículo valia € 12.500,00.
Citado, o réu apresentou contestação, na qual e em síntese: deduziu as excepções dilatórias de erro na forma de processo e de caso julgado; alegou a litigância de má fé da autora; impugnou parcial e genericamente a factualidade invocada na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador (fls. 70 a 79), no qual: a) foi julgada improcedente a excepção dilatória de erro na forma do processo; b) foi julgada procedente a excepção dilatória do caso julgado; c) foi o réu, em consequência, absolvido da instância.
Não se conformou a autora e interpôs recurso para este Tribunal, decidido por acórdão de fls. 112 a 121, com o seguinte dispositivo: «[…] revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente por não provada a excepção de caso julgado e, determinando-se o prosseguimento da acção».
Baixaram os autos à 1.ª instância, onde foi proferido despacho saneador (fls. 127), com definição da factualidade assente e elaboração da base instrutória, sem reclamações.
Realizada a fase da instrução, com apresentação pelas partes dos seus meios de prova, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na qual e conforme consta da acta de fls. 436, foi requerido pela autora e deferido pelo M.º Juiz o aditamento à base instrutória do seguinte quesito “O Réu apropriou-se do valor aludido em 12 sem o ter partilhado?”.
Na sequência da audiência de julgamento foi decidida a matéria de facto por despacho de fls. 441, após o que foi proferida sentença (fls. 445 a 451), com o seguinte dispositivo:
«a) Julga-se parcialmente procedente a presente acção e condena-se o R. C… a pagar à A. B… a quantia de €16.385,17 (dezasseis mil trezentos e oitenta e cinco euros), a que acresce juros de mora cíveis, contados desde a citação até integral pagamento.
b) Julga-se improcedente o remanescente do pedido e dele se absolve o R.».
Não se conformou o réu e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações (fls. 468) onde formula as seguintes conclusões:
1ª – Decretado o divórcio, os ex-cônjuges não têm qualquer direito a que lhe seja devolvido 50% dos bens comuns, tendo apenas, como efeito do divórcio, direito à partilha, nos termos do Art.º 1790 do CC.
2ª – Assim, quaisquer bens existentes no património comum do casal apenas podem ser liquidados em sede de partilha, não esquecendo a possibilidade legal da partilha adicional, no caso de falta de relacionamento de bens comuns.
3ª – Tendo, no inventário que se seguiu ao divórcio, sido reclamadas as verbas correspondentes a €19.951,92 dos certificados de aforro e o veículo ..-..-DB, e tendo tal reclamação sido aí julgada improcedente, existe erro na forma do processo comum da presente acção que visa a restituição de metade de tais bens.
4ª – Constitui nulidade processual, nos termos do Art.º 668 n.º 1 al. d) do CPC, a sentença que, conhecendo de questão que não lhe fora suscitada, considerou que o direito da Autora resultava do disposto no Art.º 473º do CC, ou seja, no instituto do enriquecimento sem causa, porquanto a Autora não invocou na petição inicial o enriquecimento sem causa.
5ª – São pressupostos do enriquecimento sem causa, nos termos do n.º 2 do Art.º 473 do CC, que a obrigação de restituir tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
6ª – Ora, no caso dos autos, o Réu recorrente, ao vender o veículo comum do casal e ao “levantar” os certificados de aforro em questão, o que ocorreu na constância do casamento, fê-lo no exercício do direito de administração dos bens do casal, não sendo necessário o consentimento da Autora.
7º - Sendo certo que o Réu “levantou as quantias referidas de 8.º a 11.º e respectivos juros… sem o consentimento da Autora”, não consta dos factos provados que a venda do veículo foi realizada sem o consentimento da Autora.
8ª – Pelo que a afirmação constante da sentença recorrida de que as quantias provenientes de tal venda e levantamento foram indevidamente recebidas está errada e desprovida de fundamento legal, porquanto tal venda e levantamento ocorreram no exercício legítimo de um direito.
9ª - Também não pode afirmar-se que a causa do recebimento dessas quantias, baseada no direito de administração dos bens comuns, tenha deixado de existir, porquanto, tratando-se tais actos de administração de um acto instantâneo e não duradouro, tal causa esgotou-se em si mesma com a realização do acto.
10ª - O mesmo se diga que tais actos de recebimento do preço do veículo e levantamento dos certificados de aforro teve em vista um efeito que não se verificou, uma vez que ocorreram no exercício de um direito e não tinha em vista outro efeito que não fosse a administração dos bens comuns, circunstâncias que na ocasião se verificavam, pelo que não se verificam os pressupostos legais do enriquecimento sem causa.
11ª - Também não pode afirmar-se, como faz a sentença recorrida, que o Réu “fez suas, sem o consentimento da Autora” as quantias provenientes do levantamento dos certificados de aforro e que “o Réu apropriou-se do valor (do veículo) sem o ter partilhado”, pois que, a existir a obrigação de partilhar, a mesma só teria lugar após o divorcio e no processo de inventário.
12ª - A Autora, seja por força da administração dos bens comuns, seja por força do enriquecimento sem causa, não tem qualquer direito a receber 50% do dinheiro levantado e recebido pelo Réu, quer tivesse sido gasto na constância do casamento, quer tal dinheiro existisse à data do divórcio.
13ª - E nem se diga, como algo indefinidamente se diz na sentença, que o direito da Autora resulta da falta de relacionamento do dinheiro no inventário, porque, a ser verdade, tal questão devia ser decidida, como o foi, em sede de partilha adicional, como supra se referiu.
14ª – Tendo o réu procedido à venda do veículo no uso legítimo do direito de administração e não estando o réu obrigado a proceder à sua prévia avaliação por terceiros, a Autora, caso tivesse direito a 50%, tal percentagem deveria incidir no preço da venda (que não foi sequer alegado), já que essa teria sido a quantia com que injustamente o Réu se locupletou, nos termos do n.º 1 do Art.º 473.º do CC.
15ª – Tendo a sentença recorrida condenado o Réu a pagar à Autora metade do valor atribuído pela testemunha F…, a decisão recorrida violou o disposto no referido n.º 1 do art. 473.º do CC.
16ª – A Matéria de Facto provada e na qual o Juiz “a quo” fundamenta a sua decisão (concretamente em “após o divórcio e na partilha que subsequentemente àquele instaurou o Réu não relacionou os montantes de 2.000.000$00, 1.000.000$00, 500.000$00 e 500.000$00 (proveniente do levantamento dos certificados de aforro), assim como não relacionou o veículo automóvel de marca Nissan de matrícula ..-..-DB” e que “tais bens eram comuns, pelo que não tendo sido relacionados pelo réu no processo de divórcio, está o mesmo obrigado a devolver a quota-parte”) é insuficiente para suportar tal decisão.
17ª - Seria essencial saber se tais quantias existiam à data legal da produção dos efeitos do divórcio ou se pelo contrário as mesmas tinham sido gastas no todo ou em parte no interesse comum do casal, nomeadamente no exercício das indústrias a que tanto a Autora como o réu se dedicavam e bem assim em quaisquer outras despesas da economia doméstica do casal, pois só de tal facto emerge a obrigação do Réu ao relacionamento de tais bens no inventário de partilha.
18ª - Isto é, para que a acção pudesse proceder, era essencial que o Réu tivesse na sua posse tal dinheiro à data da propositura da acção de divórcio (data dos efeitos do divórcio).
19ª - O facto 12º da sentença (6º da BI), (Autora e Réu encontravam-se separados de facto desde Janeiro de 2001) constitui um conceito de direito plasmado no art. 1782º do CC, pelo que tal facto deve considerar-se como não escrito e ser eliminado da resenha factual dada como provada.
20ª – Além de que a separação de facto, como efeito do divorcio, só pode ser declarada em acção especial de estado, sendo ilegal e nula tal declaração feita na presente acção.
21ª - Constando do facto 14º que à data do divórcio os certificados de aforro supra referidos (referidos nos factos 8º, 9º, 10º e 11º) valiam mais de 4.063.840$00 e constando do facto 13º que tais certificados de aforro foram levantados pelo Réu ainda na constância do casamento (ou seja, à data do divórcio, tais certificados de aforro já não existam), tais factos estão em manifesta contradição, contradição que se consubstancia numa relação de impossibilidade, pelo que o facto 14º deve ser considerado não escrito e eliminado, por manifesta impossibilidade.
22ª - O Facto 19º foi indevidamente dado como provado por duas razões: primeiro, porque está em contradição com o facto 18º, em que se afirma que o veículo valia pelo menos €12.500,00 (donde manifestamente se infere não se saber a quantia resultante do preço da venda); Segundo, trata-se de um facto impossível, pois a apropriação é um acto físico pelo qual alguém guarda para si uma certa quantidade de dinheiro, não sendo pois possível a apropriação de um valor atribuído a uma coisa. Pelo que o facto 19º da matéria de facto provada deve ser considerado não escrito e eliminado.
23ª - O Réu alegou em 5º da contestação que “a Autora intentara o inventário nº 45/2002 no Tribunal Judicial de Sabrosa, visando a partilha na sequência do divórcio”, facto que está assente por confissão, quer na Réplica de fls. 47 quer em 17º da p.i. E, em 7º da contestação está alegado que “quer a quantia relativa aos certificados de aforro quer a relativa ao veículo foram devidamente reclamadas pela Autora no referido processo de inventário, reclamações que aí foram julgadas improcedentes”. Tais factos afiguram-se relevantes para a boa decisão da causa, pelo que não tendo os mesmos sido incluídos nem na especificação nem na base instrutória, tal omissão na sentença acarreta a sua nulidade nos termos do Art.º 668º do CPC.
Conclusões sobre a impugnação da matéria de facto provada com base na prova gravada.
1ª - O facto 12, no segmento “separados de facto”, fundamentou-se a decisão probatória, conforme consta de fls. 441 dos autos, no depoimento da “testemunha D…, filho de ambas as partes, referiu o que se passava em casa”.
A referida testemunha, tal como se constata pela gravação do seu depoimento, referiu que: “a partir de Janeiro de 2001, começaram cada um a ter a sua vida independente, deixaram de dormir juntos, o Natal de 2000 não o passaram juntos”.
Assim, de concreto, a testemunha apenas referiu que o Autor e Réu não passaram juntos o Natal de 2010 (não obstante terem dormido na mesma cama) e que a partir de Janeiro de 2011 deixaram de dormir na mesma cama.
Tais factos não permitem por si só concluir pela separação de facto, pelo que a resposta do tribunal a tal facto deveria ter sido de ‘Não provado’.
2 ª – O facto 13, no segmento “fazendo-as suas”, o Tribunal fundamentou-se no depoimento da mesma testemunha D…. (…) de tais declarações não pode inferir-se que, apesar de o réu ter recebido tal dinheiro, o Réu o fizesse seu, pelo que a tal matéria a resposta deveria ter sido de não provado.
3 ª – O facto 19º, no segmento “apropriou-se do valor sem o ter partilhado”.
Consta da gravação do depoimento da mesma testemunha, em que o tribunal se fundamentou, as respostas transcritas na conclusão anterior, das quais se verifica que a resposta deveria ter sido de não provado.
A autora respondeu às alegações de recurso, invocando o trânsito em julgado da decisão proferida sobre o alegado “erro na forma do processo” e concluindo:
Quanto à invocada nulidade: o tribunal não está condicionado pelas alegações das partes, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão, que tradicionalmente exprime-se pelo brocardo latino jura novit curia. Tendo a A. alegado factos suficientes para o tribunal os qualificar como enriquecimento sem causa, verifica-se que não estamos perante a nulidade processual do art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC invocada pelo Recorrente.
Quanto à admissibilidade do recurso da matéria de facto: o presente recurso esta subordinado ao regime anterior a 1/1/2008; como o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, cabe convocar o art. 690.º-A, n.º 2; o recorrente no presente recurso não cumpriu o ónus estipulado no citado normativo, nomeadamente a indicação dos depoimentos em que se funda para ver alterada a decisão, por referência ao assinalado na acta; deve o presente recurso ser rejeitado, relativamente à impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 690.º-A do CPC, na redacção do DL n.º 183/2000.
Conclui que não merece qualquer censura a decisão recorrida.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, n.º 3, e 690.º, nºs 1, 3 e 4, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação da excepção dilatória de “erro na forma do processo”; ii) apreciação do recurso da matéria de facto; iii) apreciação da nulidade invocada; iv) apreciação do mérito jurídico da decisão, face ao decidido nos itens anteriores.

2. O invocado “erro na forma do processo”
Nas conclusões 1.ª, 2.ª e 3.ª, invoca o recorrente a inidoneidade da forma do processo e a sua inadequação para a realização da pretensão da recorrida.
A nulidade suscitada, uma vez verificada, importaria a anulação dos actos que não pudessem ser aproveitados, impondo-se a prática dos actos estritamente necessários para que o processo se aproximasse, tanto quanto possível, da forma estabelecida por lei (art. 199.º CPC), devendo a sua apreciação, de conhecimento oficioso (art. 202.º CPC), ser feita em sede de despacho saneador (art. 206.º/2 CPC).
Diz o recorrente: decretado o divórcio, os ex-cônjuges não têm qualquer direito a que lhe seja devolvido 50% dos bens comuns, tendo apenas, como efeito do divórcio, direito à partilha, nos termos do Art.º 1790 do CC; assim, quaisquer bens existentes no património comum do casal apenas podem ser liquidados em sede de partilha, não esquecendo a possibilidade legal da partilha adicional, no caso de falta de relacionamento de bens comuns; tendo, no inventário que se seguiu ao divórcio, sido reclamadas as verbas correspondentes a €19.951,92 dos certificados de aforro e o veículo ..-..-DB, e tendo tal reclamação sido aí julgada improcedente, existe erro na forma do processo comum da presente acção que visa a restituição de metade de tais bens.
Da alegação do recorrente conclui-se pela invocação de duas excepções de natureza dilatória: o erro na forma do processo e o caso julgado.
Com o devido respeito, revela-se claramente improcedente a argumentação do recorrente neste segmento do recurso, considerando:
1) No que concerne ao “erro na forma do processo”
Tal questão foi suscitada pelo réu (ora recorrente) na contestação (artigos 1.º a 4.º - fls. 28 e 29).
Foi proferido despacho a fls. 70 e 71, onde se julgou improcedente a excepção de “erro na forma do processo” e procedente a excepção do caso julgado (também suscitada pelo réu).
Do referido despacho apenas a autora interpôs recurso, restringindo o seu objecto à pronúncia sobre o caso julgado[1], não tendo o réu recorrido.
Decorre do exposto que a decisão proferida transitou em julgado no que concerne à questão suscitada do erro na forma do processo.
2) No que respeita ao caso julgado
O despacho já referido contém o seguinte dispositivo: “Nestes termos, pelos fundamentos de facto e de direito que se deixaram expostos, julga-se procedente a excepção dilatória do caso julgado e em consequência absolvo o réu da instância”.
No acórdão proferido por esta Relação[2] (fls. 121), na sequência da interposição de recurso por parte da autora, decidiu-se: “Pelo exposto acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente por não provada a excepção de caso julgado e, determinando-se o prosseguimento da acção».
O acórdão desta Relação transitou em julgado, decorrendo deste facto a manifesta improcedência do recurso, também neste segmento.

3. Recurso da matéria de facto
3.1. Factualidade considerada provada na sentença
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1) A. e R. celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 3 de Fevereiro de 1979, na igreja paroquial de ….
2) No dia 6 de Junho de 2001, a A. instaurou contra o R. acção de divórcio litigioso, o qual veio a ser decretado por sentença judicial em 27 de Fevereiro de 2002, que transitou em julgado no dia 11 de Março de 2002.
3) Na constância do matrimónio, quer a A., quer o R. exerciam actividades comerciais em nome individual.
4) A A. ainda mantém, hoje em dia, essa actividade comercial de exploração de um estabelecimento comercial de cafetaria.
5) O R., embora já não exerça a sua actividade de empreiteiro de construção civil, hoje em dia, exerceu-a durante o casamento.
6) Após o divórcio, e na partilha que subsequentemente àquele instaurou, o R. não relacionou os montantes de Esc: 2.000.000$00, 1.000.000$00, 500.00$00 e 500.00$00, assim como não relacionou o veículo automóvel de marca Nissan, modelo …, de matrícula ..-..-DB.
7) Com os rendimentos auferidos por via das actividades referidas em 4) e 5) A. e R. conseguiram poupar algum dinheiro que investiram na aquisição de certificados de aforro.
8) Em 14.08.2000, a A. e R. adquiriram 4000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 1.000.000$00, com o n.° ……….
9) Em 22.08.2000, o R. adquiriu 2000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 1.000.000$00, com o n° ……….
10) Em 14.09.2000, a A. e o R. adquiriram 1000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc 500.000$00, com o n° ……….
11) Em 14.09.2000, a A. e o R. adquiriram 1.000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 500.000$00, com o n.° ……….
12) A. e R. encontravam-se separados de facto desde Janeiro de 2001.
13) O R, ainda na constância do matrimónio, levantou as quantias referidas de 8) a 11) e respectivos juros, sozinho, fazendo-as suas, sem o consentimento da A..
14) À data do divórcio – os certificados de aforro supra referidos valiam mais de Esc 4.063,840$00.
15) Autora e R eram proprietários de um veículo de marca NISSAN, modelo … de matrícula ..-..-DB, aquisição efectuada em Maio de 2000, pelo preço de €15.000,00 e registada no dia 16 do mesmo mês e ano.
16) O R. vendeu tal veículo no dia 11 de Junho de 2001 a E…, seu cunhado.
17) Passando a circular no veículo de marca Nissan, modelo …, matrícula ..-..-DF, adquirido por E… igualmente no dia 11 de Junho de 2001.
18) À data de Junho de 2001, o veículo valia pelo menos €12.500,00.
19) O R. apropriou-se do valor aludido em 18) sem o ter partilhado.
3.2. Admissibilidade do recurso
Nas contra-alegações a recorrida preconiza a inadmissibilidade do recurso da matéria de facto, alicerçando a sua posição no disposto no artigo 690.º-A, n.º 2, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08 e concluindo que o recorrente não cumpriu o ónus estipulado no citado normativo, nomeadamente a indicação dos depoimentos em que se funda para ver alterada a decisão, por referência ao assinalado na acta.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do normativo invocado, que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
De acordo com o n.º 2 da mesma disposição legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, onde se prevê que “deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”.
No presente recurso, o recorrente indica expressamente: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (facto 12.º; facto 13.º, no segmento “fazendo suas”; e facto 19.º, no segmento “apropriou-se do valor sem o ter partilhado”); o meio probatório (depoimento da testemunha D… – filho do casal), constante do registo magnético, que em sua opinião impunha decisão diversa.
Tem prevalecido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a tese da prevalência do conteúdo sobre a formalidade, considerando como absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado, que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto, se compreendam de forma inequívoca[3].
Considerando que o recorrente nas conclusões do seu recurso refere expressa e claramente a sua divergência face à decisão proferida relativamente aos factos que considera incorrectamente julgados e que especifica, bem como o depoimento em que alicerça a sua divergência, concluímos que estão reunidos os pressupostos que permitem (e impõem) a este tribunal a apreciação do recurso da matéria de facto.
Improcede a argumentação da recorrida nesta parte, admitindo-se o recurso da matéria de facto.
3.3. Apreciação do recurso
3.3.1. Quanto ao facto 12.º
O Tribunal formulou o quesito 6.º da base instrutória nestes termos: “A. e R. encontravam-se separados de facto desde Janeiro de 2001?”.
Tal “facto” mereceu a resposta de “provado”.
Alega o recorrente na conclusão 19ª: “O facto 12º da sentença (6º da BI), (Autora e Réu encontravam-se separados de facto desde Janeiro de 2001) constitui um conceito de direito plasmado no art. 1782º do CC, pelo que tal facto deve considerar-se como não escrito e ser eliminado da resenha factual dada como provada”.
Com o devido respeito, é manifesta a razão que lhe assiste.
Como constata o Professor Antunes Varela[4], não é fácil a tarefa de distinção entre questão de facto e questão de direito, porque «há numerosos termos que podem revestir um duplo sentido: o sentido corrente e o sentido jurídico, envolvendo pura questão de facto; e o sentido jurídico, assumindo já a natureza de verdadeira questão de direito».
Refere Abrantes Geraldes[5], que devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que porventura tenham, simultaneamente, uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem.
Castro Mendes, na sua obra “Do Conceito da Prova” (citado por A. Geraldes na obra referida) equipara às afirmações de factos “aquelas em que um termo, normalmente jurídico, é tomado pelo seu sentido corrente e comum que lhe é atribuído e é facilmente apreensível e cognoscível com relativa segurança pela generalidade das pessoas de mediana cultura, mesmo não juristas”.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 15.09.2010[6], define a fronteira entre matérias de facto e de direito, de acordo com o seguinte critério: tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto, sendo questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
Aplicando o critério enunciado, propõe-se no mesmo aresto, a integração no âmbito da matéria de facto, de todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto à normas legais aplicáveis, sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência, aí se incluindo os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.
A situação que se nos depara nos autos não deixa margem para dúvidas, face ao n.º 1 do artigo 1782.º do Código Civil: «Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer».
Decorre do teor da disposição legal citada, que o termo “separação de facto” encerra um conceito normativo (técnico jurídico), traduzido numa conclusão jurídica a retirar de factos concretos que permitam ao intérprete inferir: i) que foi interrompida a comunhão de vida entre os cônjuges; ii) que existe da parte de, pelo menos um deles, o propósito de não restabelecer tal comunhão.
Nos termos do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, têm-se por não escritas as respostas do Tribunal “sobre questões de direito”.
É, obviamente, o caso, pelo que se considera não escrito o facto 12.º.
3.3.2. Quanto aos factos 13.º e 19.º
O recorrente apenas põe em causa, no que respeita ao facto 13.º, o segmento “fazendo suas”, e no que concerne ao facto 19.º, o segmento “apropriou-se do valor sem o ter partilhado”.
Ouvimos na íntegra o depoimento da testemunha D…, filho de ambas as partes.
A testemunha referiu não estar de relações cortadas, nem com o pai (réu), nem com a mãe (autora), e prestou um depoimento sereno, indicando como razão de ciência o facto de morar com os pais e de ter tido conhecimento de todo o processo de litígio entre eles.
No que respeita aos certificados de aforro, afirmou ter conhecimento da sua existência[7], afirmando que “foi pensado pelos dois fazer esses certificados” e que “ainda estavam casados quando ele os levantou”.
Foi a testemunha questionada pelo ilustre mandatário da autora nestes termos: “sabe se ele ficou com essas quantias ou as partilhou com a sua mãe?”. E respondeu assim (05:57): “Não. Levantou-as e ficou com elas”.
O advogado insistiu na pergunta “nunca repartiu?”, e a testemunha respondeu de forma veemente: “Não, não, não. Nem essas nem uma viatura também que tinha comprado no mesmo ano (…) jipe Nissan … (…)”.
Foi depois a testemunha inquirida pelo ilustre mandatário, nestes termos: “o seu pai quando fez seu o produto dos certificados de aforro fê-lo sem consentimento da sua mãe?”, e respondeu (06:46): “Sim”.
Questionado nestes termos: “O seu pai alguma vez repartiu o produto da venda do veículo com a sua mãe”, o filho da autora e do réu respondeu (08:12): “Não, não, nunca, nunca…”.
Em suma, a testemunha D…, filho de ambas as partes, respondeu sem hesitações, de forma serena e com conhecimento de causa: que o pai resgatou os certificados de aforro e nada entregou à sua mãe, e que vendeu o veículo, apropriando-se do produto da sua venda, sem entregar qualquer quantia à esposa.
O depoimento em causa merece a este Tribunal a mesma credibilidade que mereceu ao Tribunal de 1.ª instância, não se vislumbrando motivo para censurar a resposta vertida no facto 13.º, no que respeita ao segmento impugnado “fazendo suas” as quantias resultantes do resgate dos certificados de aforro, bem a resposta vertida no facto 19.º, no que respeita ao segmento impugnado “apropriou-se do valor [do veículo] sem o ter partilhado”.
Improcede o recurso nesta parte.
3.3.3. Quanto aos factos 13.º, 14.º e 19
Formalmente desenquadrada das conclusões especificamente referentes à impugnação da matéria de facto (fls. 485 e 486), surge nas conclusões 21.ª e 22.ª, a “impugnação” dos factos enunciados supra, com fundamento em alegada contradição.
Diz o recorrente na conclusão 21ª: “Constando do facto 14º que à data do divórcio os certificados de aforro supra referidos (referidos nos factos 8º, 9º, 10º e 11º) valiam mais de 4.063.840$00 e constando do facto 13º que tais certificados de aforro foram levantados pelo Réu ainda na constância do casamento (ou seja, à data do divórcio, tais certificados de aforro já não existam), tais factos estão em manifesta contradição, contradição que se consubstancia numa relação de impossibilidade, pelo que o facto 14º deve ser considerado não escrito e eliminado, por manifesta impossibilidade”.
Com o devido respeito, trata-se de uma alegação pouco feliz e pouco ética.
O recorrente levantou e fez seus os certificados de aforro na constância do matrimónio, não entregando à esposa o que lhe era devido, sendo o seu valor de subscrição de Esc.: 5.000.000$00.
É o que consta de um documento de valor probatório inquestionável – emitido pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP, junto a fls. 395.
Verifica-se, no entanto, a existência de um manifesto lapso na factualidade provada, do qual resulta a subtracção de Esc.: 1.000.000$00 ao referido valor.
Vejamos onde reside a incorrecção.
A autora alegou no artigo 8.º da petição: “Assim, em 14.08.2000, a A. e R. adquiriram 4000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 2.000.000$00, com o n.° ……..”.
Incorrectamente foi vertido na base instrutória (quesito 3.º): “Em 14.08.2000, a A. e R. adquiriram 4000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 1.000.000$00, com o n.º ………?”.
Face às imutáveis e seguras regras da aritmética, constatamos que 4000 certificados ao preço de Esc. 500$00 cada um, nunca poderiam valer o total de Esc. 1.000.000$00.
O erro aritmético persistiu, também por desatenção da autora, que não requereu a sua correcção, e veio a consolidar-se no facto 8.º, impondo-se a alteração neste acórdão, de modo a que a decisão respeite as leis da aritmética.
Na decisão da matéria de facto, o Tribunal deu como provado (facto 14), que “À data do divórcio – os certificados de aforro supra referidos valiam mais de Esc 4.063,840$00”.
Como suporte probatório do valor em causa, veja-se o ofício do IGCP junto a fls. 21, datado de 19.03.2003, onde consta o referido valor (Esc 4.063,840$00).
No entanto, tal valor não corresponde minimamente, quer ao valor subscrito Esc.: 5.000.000$00 (ofício junto a fls. 395), quer ao valor que o réu recebeu: Esc: 5.773,824$00.
Tal valor resulta, ainda segundo as regras da aritmética, da soma das autorizações de pagamento emitidas pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP, e assinadas pelo réu, juntas aos autos a fls. 396 a 399, com os seguintes valores parcelares: Esc.: 1.008.800$00 + Esc.: 509.360$00 + Esc.: 591.920$00 + Esc.: 663.744$00.
Perante estas parcelas e o resultado da sua soma, temos a maior dificuldade, face ao princípio da boa fé que deve presidir à litigância, em compreender a argumentação do réu, que sabe perfeitamente que se apropriou de muito mais do que o valor de 4.063.840$00, e que o valor de que se apropriou era superior a 4.063.840$00, no momento em que o fez, na data do divórcio, ou em qualquer momento futuro.
Improcede a argumentação do réu (recorrente), nesta parte.
Diz o recorrente na conclusão 22ª: “O Facto 19º foi indevidamente dado como provado por duas razões: primeiro, porque está em contradição com o facto 18º, em que se afirma que o veículo valia pelo menos €12.500,00 (donde manifestamente se infere não se saber a quantia resultante do preço da venda); Segundo, trata-se de um facto impossível, pois a apropriação é um acto físico pelo qual alguém guarda para si uma certa quantidade de dinheiro, não sendo pois possível a apropriação de um valor atribuído a uma coisa. Pelo que o facto 19º da matéria de facto provada deve ser considerado não escrito e eliminado”.
Sobre o absurdo da impossibilidade de apropriação de um valor, não vemos necessidade de nos pronunciarmos.
Sobre a afirmação de que o Tribunal não deveria ter dado como provado que o veículo “valia pelo menos € 12.500,00”, porque desse facto “manifestamente se infere não se saber a quantia resultante do preço da venda”, também pouco haverá a dizer. O Tribunal concluiu que o veículo tinha um valor superior a € 12.500,00. Esse é o facto.
Quanto à alegada e infundada contradição, leia-se o segmento factual em causa: 18) À data de Junho de 2001, o veículo valia pelo menos €12.500,00; 19) O R. apropriou-se do valor aludido em 18) sem o ter partilhado.
Improcede o recurso, também nesta parte.

4. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, considerando a supressão do facto 12.º e a alteração do facto 8.º, constantes do elenco factual da sentença, passa a ser a seguinte a factualidade relevante provada:
1) A. e R. celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 3 de Fevereiro de 1979, na igreja paroquial de ….
2) No dia 6 de Junho de 2001, a A. instaurou contra o R. acção de divórcio litigioso, o qual veio a ser decretado por sentença judicial em 27 de Fevereiro de 2002, que transitou em julgado no dia 11 de Março de 2002.
3) Na constância do matrimónio, quer a A., quer o R. exerciam actividades comerciais em nome individual.
4) A A. ainda mantém, hoje em dia, essa actividade comercial de exploração de um estabelecimento comercial de cafetaria.
5) O R., embora já não exerça a sua actividade de empreiteiro de construção civil, hoje em dia, exerceu-a durante o casamento.
6) Após o divórcio, e na partilha que subsequentemente àquele instaurou, o R. não relacionou os montantes de Esc: 2.000.000$00, 1.000.000$00, 500.00$00 e 500.00$00, assim como não relacionou o veículo automóvel de marca Nissan, modelo …, de matrícula ..-..-DB.
7) Com os rendimentos auferidos por via das actividades referidas em 4) e 5) A. e R. conseguiram poupar algum dinheiro que investiram na aquisição de certificados de aforro.
8) Em 14.08.2000, a A. e R. adquiriram 4000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 2.000.000$00, com o n.° ……….
9) Em 22.08.2000, o R. adquiriu 2000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 1.000.000$00, com o n° ……….
10) Em 14.09.2000, a A. e o R. adquiriram 1000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc 500.000$00, com o n° ……….
11) Em 14.09.2000, a A. e o R. adquiriram 1.000 certificados de aforro ao preço de Esc. 500$00 cada um, num total de Esc. 500.000$00, com o n.° ……….
12) O R, ainda na constância do matrimónio, levantou as quantias referidas de 8) a 11) e respectivos juros, sozinho, fazendo-as suas, sem o consentimento da A..
13) À data do divórcio – os certificados de aforro supra referidos valiam mais de Esc 4.063,840$00.
14) Autora e R eram proprietários de um veículo de marca NISSAN, modelo … de matrícula ..-..-DB, aquisição efectuada em Maio de 2000, pelo preço de €15.000,00 e registada no dia 16 do mesmo mês e ano.
15) O R. vendeu tal veículo no dia 11 de Junho de 2001 a E…, seu cunhado.
16) Passando a circular no veículo de marca Nissan, modelo …, matrícula ..-..-DF, adquirido por E… igualmente no dia 11 de Junho de 2001.
17) À data de Junho de 2001, o veículo valia pelo menos €12.500,00.
18) O R. apropriou-se do valor aludido em 15) e 17) sem o ter partilhado.

5. Fundamentos de direito
5.1. A nulidade suscitada
Alega o recorrente na conclusão 4ª: “Constitui nulidade processual, nos termos do Art.º 668 n.º 1 al. d) do CPC, a sentença que, conhecendo de questão que não lhe fora suscitada, considerou que o direito da Autora resultava do disposto no Art.º 473º do CC, ou seja, no instituto do enriquecimento sem causa, porquanto a Autora não invocou na petição inicial o enriquecimento sem causa”.
É no instituto em apreço que se suporta juridicamente a sentença recorrida (fls. 449), sendo certo que em nenhuma parte da petição inicial a autora se refere ao enriquecimento sem causa ou às normas que o consagram como fonte da obrigação imputada ao réu (artigos 473.º a 482.º do Código Civil).
Acresce que nos termos do artigo 474.º do mesmo código a obrigação de restituição por enriquecimento ilegítimo tem natureza subsidiária, não sendo invocável “quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”.
Revela-se pacífico na jurisprudência o entendimento de que o enriquecimento sem causa não é susceptível de conhecimento ex officio[8], como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.10.1998[9].
O artigo 668.º do Código de Processo Civil, na alínea d) do n.º 1, comina com nulidade a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A arguição de nulidade revela-se procedente, in casu, por excesso de pronúncia.
No entanto, nos termos do n.º 1 do artigo 715.º do Código de Processo Civil (na versão aplicável a estes autos, anterior ao DL 303/2007, de 24/08), “[e]mbora o tribunal de recurso declare nula a sentença proferida na 1ª instância, não deixará de conhecer do objecto da apelação”.
O conhecimento do objecto do recurso, ditado pela referida disposição legal, deverá fazer-se unicamente com base na factualidade invocada pela autora como causa de pedir, sobre a qual o réu se pronunciou.
Com os fundamentos aduzidos: a) declara-se nula a sentença, por excesso de pronúncia, traduzida na apreciação do mérito da acção, não com base na causa de pedir invocada, mas no ilegal conhecimento oficioso do enriquecimento sem causa; b) passamos a apreciar o mérito do recurso apenas com base na factualidade (e causa de pedir) alegada.
5.2. Avaliação do mérito da pretensão formulada pela autora
Destacam-se da factualidade relevante, os seguintes factos essenciais provados na acção: A. e R. celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 3 de Fevereiro de 1979 (facto 1); no dia 6 de Junho de 2001, a A. instaurou contra o R. acção de divórcio litigioso, o qual veio a ser decretado por sentença judicial em 27 de Fevereiro de 2002, que transitou em julgado no dia 11 de Março de 2002 (facto 2); na constância do matrimónio, quer a A., quer o R. exerciam actividades comerciais em nome individual (facto 3); após o divórcio, e na partilha que subsequentemente àquele instaurou, o R. não relacionou os montantes que o casal detinha em certificados de aforro, assim como não relacionou o veículo automóvel de marca Nissan, modelo …, de matrícula ..-..-DB (facto 6); com os rendimentos auferidos por via das actividades referidas em 4) e 5) A. e R. conseguiram poupar algum dinheiro que investiram na aquisição de certificados de aforro, no valor de Esc.: 5.000.000$00 (factos 7 a 11); o R, ainda na constância do matrimónio, levantou as quantias referidas de 8) a 11) e respectivos juros, sozinho, fazendo-as suas, sem o consentimento da A. (facto 12); à data do divórcio – os certificados de aforro supra referidos valiam mais de Esc 4.063,840$00 (facto 13); Autora e R eram proprietários de um veículo de marca NISSAN, modelo … de matrícula ..-..-DB, aquisição efectuada em Maio de 2000, pelo preço de €15.000,00 e registada no dia 16 do mesmo mês e ano (facto 14); o R. vendeu tal veículo no dia 11 de Junho de 2001 a E…, seu cunhado (facto 16); à data de Junho de 2001, o veículo valia pelo menos €12.500,00 (facto 17); o R. apropriou-se do valor aludido em 15) e 17) sem o ter partilhado.
Em síntese, provou-se: i) faziam parte do património comum os certificados de aforro e o veículo; ii) o réu resgatou os certificados de aforro, levantando as respectivas quantias acrescidas de juros, sozinho, fazendo-as suas, sem o consentimento da A.; iii) já depois da instauração da acção de divórcio[10], o réu vendeu ao seu cunhado[11] o veículo, que valia pelo menos €12.500,00, e apropriou-se do respectivo valor sem o ter partilhado com a autora; iv) o réu omitiu o relacionamento destes valores no inventário que correu termos para partilha dos bens do casal.
Invocando a contitularidade, pretende a autora que o réu seja condenado a entregar-lhe metade do valor dos certificados de aforro e do veículo.
Como se refere no acórdão desta Relação, proferido nos autos (fls. 119)[12]: “a causa de pedir na presente acção é a de que o ora recorrido, na constância do casamento (e enquanto se encontravam separados de facto) procedeu à venda de um veículo que era comum do casal e se apropriou exclusivamente da sua quantia e que, procedeu igualmente ao levantamento de montantes referentes a certificados de aforro que eram de ambos e que fez só seus sem conhecimento e sem autorização da ora recorrente”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1789.° do Código Civil, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença “mas retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.
Referem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao normativo citado[13]: “A manifesta intenção da lei (…) é a de evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção, sobre valores do património comum”.
No entanto, a partir dessa data (a que se retrotraem os efeitos patrimoniais do divórcio) os bens não passam a ser detidos pelos ex-cônjuges em regime de compropriedade, pois só com a partilha é que fica definida a propriedade dos bens, subsistindo a comunhão dos bens, apesar de os mesmos terem deixado de estar afectos à sociedade conjugal.
Trata-se de uma “comunhão de direitos”, na definição de A. Santos Justo[14], Direitos Reais, 3.ª edição, Coimbra Editora, páginas 303 e 304: instituto vasto que ‘engloba todos os casos em que um direito patrimonial (real ou de outro tipo) pertence em contitularidade a dois ou mais sujeitos’, também chamada propriedade colectiva, distinguindo-se da compropriedade[15], desde logo, porque o direito dos contitulares não incide directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre este concebido com um todo unitário[16].
Salienta o citado autor, que os membros da comunhão individualmente considerados não são titulares de direitos específicos sobre cada um dos bens que integram o património global e, portanto, não podem dispor desses bens nem onerá-los, salvo quando o possam fazer na qualidade de administradores, apontando como exemplo de comunhão de mão comum o património comum dos cônjuges[17].
No que respeita à administração de bens do casal, rege o artigo 1678.º do Código Civil, que prevê no n.º 3, duas regras essenciais: 1:ª a da legitimidade de cada um dos cônjuges para a prática dos actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns; 2.ª a necessidade de consentimento de ambos os cônjuges para “os restantes actos de administração”, designados pela doutrina como actos de administração extraordinária.
Pires de Lima e Antunes Varela[18] comentam o normativo citado, como traduzindo “o novo princípio (da co-direcção) a que passou a subordinar-se a gestão dos bens comuns” desdobrado em duas regras distintas, mas complementares: “A 1.ª, da administração concorrente, refere-se aos actos de administração ordinária. (…). A 2.ª, da administração conjunta, abrange os actos de administração extraordinária”.
Explicitando e concretizando os conceitos enunciados, escrevem os citados autores: “A doutrina tende a considerar como actos de administração ordinária os que se destinam a prover à conservação dos bens (pintar a casa, reparar o muro caído, consertar a viatura, etc.) ou promover a sua frutificação normal (apanha da azeitona, monda da seara, poda das árvores, substituição da vinha envelhecida, etc.). Como actos de administração extraordinária são catalogados os que visam a realização de benfeitorias ou melhoramentos nas coisas ou a frutificação anormal dos bens”.
O Professor Castro Mendes[19] aproxima os conceitos de actos de administração extraordinária e de actos de disposição, que define como “aqueles com que se diminui o património, ou se altera anormalmente a composição deste”, quanto à forma (por modo não correspondente à função normal desse património, como a doação), e quanto ao objecto (por incidir sobre elementos estáveis do património, cuja utilização não pressupõe a sua alienação).
Para o Professor Manuel de Andrade[20], os actos de administração ordinária ou de mera administração são «os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações - arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas (...) ocasionar graves prejuízos para o património administrado».
Face aos critérios propostos, podemos ensaiar desde já uma aproximação à questão concreta que nos ocupa, concluindo que o levantamento (resgate) e apropriação pelo réu, das quantias tituladas pelos certificados de aforro, sem consentimento da autora, e subsequente apropriação dos valores, bem como a venda (já depois de cessada a relação patrimonial conjugal) do veículo e subsequente apropriação do respectivo produto, não poderão ser considerados actos de administração ordinária.
No que respeita ao ónus da prova, relativamente às quantias tituladas pelos certificados de aforro, como se refere no acórdão desta Relação, de 5.06.2006[21] “uma vez que se estava na presença de quantias em dinheiro, o que haveria de demonstrar era se o bem era comum, se tinha ocorrido o consentimento do cônjuge para o seu uso e se tal uso se integrava ou não em acto de administração ordinária ou extraordinária, ou seja, se mostrado estavam os condicionalismos do artigo 1682º do CC”.
Conclui-se no citado aresto, com a seguinte distribuição do encargo probatório:
«[…] cabia-lhe à autora demonstrar que o bem era comum e que foi gasto pelo cônjuge sem o seu consentimento nem conhecimento e, como facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado – art. 342º n.º 2 do CC -, caberia ao réu alegar e provar que se tratou de mero acto de administração ordinária.
Ou seja, ao réu competia alegar e provar como gastou, com que fim e em que foi gasto, se em despesas correntes?, obras em casa?, dívidas do casal?, investimento industrial ou comercial?, investimento patrimonial?, ou outro fim?»
Subscrevemos sem reservas a conclusão enunciada, considerando os seguintes factores: i) as quantias tituladas em certificados de aforro constituíam bem comum do casal[22]; ii) o réu resgatou as quantias em causa, sem o consentimento da autora; iii) o réu fez suas tais quantias, bem como os juros remuneratórios, apropriando-se delas sem as partilhar com a autora; iii) o acto praticado pelo réu não é de administração ordinária e só podia tê-lo sido com o consentimento da autora (art. 1678/3 CC).
Tendo a autora provado a natureza comum do bem em causa e a ausência de consentimento para o acto, sobre o réu incumbia a prova da utilização das quantias de forma a integrar o conceito de administração ordinária (investimento desses valores na reparação da casa de morada de família, por exemplo).
O que o réu fez foi apropriar-se das quantias em causa, sabendo que metade não lhe pertencia, o que não pode deixar de ter consequências jurídicas desfavoráveis.
A autora invoca a contitularidade das quantias em apreço, e é quanto basta.
Contrariamente ao que defende o réu (ora recorrente), o facto de tais quantias não terem sido partilhadas no inventário não obsta à realização do direito da autora através da presente acção[23], como se refere no acórdão desta Relação proferido nos autos (fls. 120), onde se censura e revoga a sentença que deu razão ao réu na invocação do caso julgado:
«Na sequência da lógica da decisão recorrida basta pensar que se por hipótese um dos cônjuges tivesse procedido à venda de todos os bens comuns do casal, de forma que à data do divórcio nenhum existisse, por força dessa mesma lógica, ter-se-ia de entender que não só não teria lugar o inventário (por inexistência de bens à data do divórcio) como, também, não poderia discutir o cônjuge lesado qualquer direito de ser ressarcido pela conduta lesiva do outro cônjuge, e isto porque a decisão de declarar que à data do divórcio os bens não existiam tornaria impossível, em virtude de uma excepção de caso julgado, a apreciação de qualquer responsabilidade do cônjuge vendedor pela dissipação do património comum do casal, sem conhecimento e sem autorização do outro e com vista a lesá-lo nos seus direitos».
Já se definiu no presente acórdão, a natureza do património comum, como “comunhão de direitos”, instituto vasto que engloba todos os casos em que um direito patrimonial (real ou de outro tipo) pertence em contitularidade a dois ou mais sujeitos, também chamada propriedade colectiva, distinta da compropriedade, desde logo, porque o direito dos contitulares não incide directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre este concebido com um todo unitário.
Metade das quantias de que o réu ilegitimamente e sem consentimento se apropriou pertencem à autora, não podendo o Tribunal deixar de condenar o réu na sua entrega, nomeadamente face ao disposto na parte final do n.º 1 do artigo 1681.º e no artigo 1682.º do Código Civil.
Quanto à venda do veículo, a conduta do réu reveste ainda maior gravidade, na medida em que na data da alienação (11 de Junho de 2001), já corria termos a acção de divórcio, e haviam cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges (artigo 1789.°/1 do CC), tornando ainda mais insustentável a sua posição, já que os poderes de administração previstos nos artigos 1681.º e 1682.º do Código Civil pressupõem a existência das referidas relações patrimoniais.
Em suma, relativamente ao veículo (bem comum), o réu não podia praticar qualquer acto de administração, face à inaplicabilidade naquela data (posterior à instauração da acção de divórcio), do regime que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1682.º), que tem como pressuposto óbvio a não cessação dessas relações patrimoniais.
Muito menos podia apropriar-se do produto da venda, quando já corria termos a acção de divórcio, subtraindo-o ao património comum e nada entregando à autora.
Provando-se a contitularidade da autora relativamente aos bens de que o réu se apropriou ilicitamente, resta declarar o seu direito à metade que reivindica, confirmando assim a sentença recorrida, embora com fundamentos jurídicos diversos.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento, confirmando a sentença recorrida, ainda que fazendo-o com diversa fundamentação jurídica.
Custas do recurso pelo apelante.
*
O presente acórdão compõe-se de vinte e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Porto, 21 de Março de 2013
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
Ana Paula Pereira de Amorim
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[1] A autora era parte vencida apenas nesse segmento da decisão.
[2] Apelação n.º 2059/08-3, Processo n.º 0832059, acessível no site da DGSI, sumariado nestes termos: “Não se verifica a excepção de caso julgado entre a decisão proferida em reclamação deduzida em processo de inventário subsequente a divórcio, e que decretou que não deveriam ser relacionados os montantes titulados por certificados de aforro que o ex-marido levantara e um veículo automóvel que pertencera ao casal e, entretanto, alienado pelo ex-marido e registado em nome de terceiro e a posterior demanda do ex-marido pela ex-mulher, visando a condenação daquele no pagamento dos montantes a que a ex-mulher se julga com direito, com base em correspondente actuação ilícita do ex-marido, na constância do seu dissolvido casamento”.
[3] Neste sentido, que se harmoniza com as exigências de prevalência do fundo sobre a forma visadas pela Reforma do Processo Civil preconizadas pelos decretos-lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Setembro, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.10.2008, proferido no processo nº 07B3011, acessível em http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos do STJ, ambos disponíveis no site da DGSI: acórdão de 27.10.2009, proferido no Proc. 1877/03.3TBCBR.C1.S1: “não se justifica a rejeição do recurso (…) se o recorrente especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que no seu entender impõem uma decisão diversa”; e acórdão de 23.02.2010, proferido no Proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1: “Tendo a recorrente, na conclusão primeira, afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento da matéria de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos que estava obrigada a alegar para que a questão fosse apreciada pela Relação”.
[4] Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 112.
[5] Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág. 138.
[6] Proferido no Processo n.º 4119/04.0TTLSB.S1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[7] Inquestionável, quer quanto aos montantes, quer quanto ao facto de o réu ter procedido ao seu resgate (documento de fls. 147).
[8] A título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 23-05-1985, proferido no Processo n.º 072389, também acessível no site da DGSI.
[9] Proferido no Processo n.º 98B191, acessível em http://www.dgsi.pt. parcialmente sumariado nestes termos: «O enriquecimento sem causa não é de conhecimento oficioso, tendo que ser oportunamente invocado pelo interessado no articulado respectivo».
[10] A acção de divórcio foi instaurada no dia 6 de Junho de 2001, e o réu vendeu o veículo (ao seu cunhado) no dia 11 de Junho de 2001.
[11] É, no mínimo, muito curiosa a coincidência. Confrontem-se os factos n.º 15) e 16: 15) O R. vendeu tal veículo no dia 11 de Junho de 2001 a E…, seu cunhado. 16) Passando a circular no veículo de marca Nissan, modelo …, matrícula ..-..-DF, adquirido por E… igualmente no dia 11 de Junho de 2001.
[12] Como se referenciou supra, trata-se da Apelação n.º 2059/08-3, Processo n.º 0832059, acessível no site da DGSI.
[13] Código Civil Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1992, página 561.
[14] Direitos Reais, 3.ª edição, Coimbra Editora, páginas 303 e 304.
[15] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, páginas 315 e 316: «Não há compropriedade […] nos casos em que os direitos dos consortes recaem, não sobre uma coisa susceptível de propriedade, mas sobre uma universalidade (herança com dois ou mais co-herdeiros, património comum dos cônjuges», sendo a comunhão de direitos uma figura mais ampla do que a compropriedade.
[16] Vejam-se, a propósito, os seguintes arestos do STJ: de 15.12.1998, Proc. 98A1085; e de 16.03.1999, Proc. 98B766, ambos acessíveis em http://www.dgsi.pt.
[17] Veja-se, no mesmo sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 349.
[18] Obra citada, página 289.
[19] Direito Civil, Teoria Geral, Volume II, edição da AAFDL, 1979, pág. 84 e 91.
[20] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Reimpressão, Coimbra, 1992, pág. 61.
[21] Proferido no Processo n.º 0651968, acessível no site da DGSI.
[22] Tendo-se provado, inclusive, que se tratava de poupanças provenientes dos rendimentos auferidos pela autora na sua actividade de exploração de um estabelecimento de cafetaria e pelo réu na actividade de empreiteiro (factos 4, 5 e 7).
[23] O réu (recorrente) insiste nas suas alegações, que o bem deveria ter sido objecto de partilha e só no inventário podia ter sido partilhado, alegando a existência de erro na forma do processo. Posição curiosa, já que nesse processo recusou relacionar as quantias em causa. Quanto à alegação do erro na forma do processo, tivemos já ocasião de referir que tal questão foi definitivamente decidida nos autos, no despacho de fls. 70, que julgou improcedente a excepção deduzida pelo réu, e que transitou em julgado.