Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11360/05.7TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PARTILHA
DOAÇÃO
INOFICIOSIDADE
RECONVENÇÃO
REGISTO
Nº do Documento: RP2014110311360/05.7TBMAI.P1
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965, na proporção de metade do valor dos bens doados por conta da quota disponível e, na restante metade, por conta da legítima, além de estar sujeita ao instituto da inoficiosidade[1], para tutela das legítimas dos herdeiros (vejam-se os artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2168º do actual Código Civil), deve também ser conferida, na aludida proporção, tendo em vista a maior igualação possível da partilha entre os diversos herdeiros, ou seja, fica também, em parte, sujeita a colação (vejam-se os artigos 2098º do Código Civil de 1867 e 2104º, nº 1, do actual Código Civil).
II - A falta de registo da reconvenção, quando necessário, constitui uma excepção dilatória atípica, de conhecimento oficioso.
III - Se o sucesso da pretensão reconvencional envolve uma alteração no título jurídico que é causa do direito de propriedade na esfera jurídica da reconvinte, deve a reconvenção ser registada, não obstante a prévia inscrição no registo predial da aquisição do direito de propriedade a favor da reconvinte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 11360/11.7TBMAI.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 11360/05.7TBMAI.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Uma doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965, na proporção de metade do valor dos bens doados por conta da quota disponível e, na restante metade, por conta da legítima, além de estar sujeita ao instituto da inoficiosidade[1], para tutela das legítimas dos herdeiros (vejam-se os artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2168º do actual Código Civil), deve também ser conferida, na aludida proporção, tendo em vista a maior igualação possível da partilha entre os diversos herdeiros, ou seja, fica também, em parte, sujeita a colação (vejam-se os artigos 2098º do Código Civil de 1867 e 2104º, nº 1, do actual Código Civil).
2. A falta de registo da reconvenção, quando necessário, constitui uma excepção dilatória atípica, de conhecimento oficioso.
3. Se o sucesso da pretensão reconvencional envolve uma alteração no título jurídico que é causa do direito de propriedade na esfera jurídica da reconvinte, deve a reconvenção ser registada, não obstante a prévia inscrição no registo predial da aquisição do direito de propriedade a favor da reconvinte.
***
Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
A 16 de Setembro de 2005, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, B… e marido, C… e D… e marido, E… instauraram a presente acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, contra F…, pedindo que a ré seja condenada a:
a) reconhecer que as autoras têm direito à sua herança paterna;
b) a concretizar através da meia conferência dos bens que a ela ré foram doados por seus pais.
Fundamentam as suas pretensões alegando, em síntese, que:
- as autoras são filhas de G… e de H…;
- G… faleceu a 08 de Setembro de 1973 e H… faleceu a 13 de Setembro de 2002;
- por óbito de G…, e para partilha da sua herança, correu termos até final um Processo de Inventário – 1ª Secção do 3° Juízo Cível da Comarca do Porto, sob o nº 3292;
- por óbito de H… corre termos, apensado àqueles autos, Processo de Inventário para partilha da sua herança – 2º Juízo desta Comarca da Maia, sob o nº 160/2002;
- neste processo de inventário do 2º Juízo desta Comarca foi proferido despacho de suspensão da instância até decisão final da presente acção;
- pois, requerido que foi esse inventário, a ali cabeça-de-casal, ora ré F…, veio dizer que não há bens móveis ou imóveis a partilhar, que não há bens a conferir mas, se assim fosse, através da partilha constata-se que a conferência está feita por inteiro à morte dos primeiros doadores;
- as ora autoras responderam não ser assim, ambas sustentando não estar feita, não ter sido feita, nem podia ter sido feita a meia conferência dos muitos e muitos bens doados à cabeça-de-casal, ora ré, após a morte do doador seu pai, ou seja, após o óbito de H…;
- Para que bem se compreenda a posição dos Autores, há que atentar no que se passou no Processo de Inventário por óbito de G…, a doadora e mãe de autoras e ré, únicas e universais herdeiras de seus pais, G… e H…;
- G… faleceu no estado de casada em comunhão de bens com H…, sem testamento mas com doações às três filhas;
- aquando dos casamentos das autoras, G… e H… doaram a cada uma delas a quantia de Esc. 150.000$00;
- e doaram à aqui ré F…, sua filha também, todos os seus restantes bens;
- tudo por conta das quotas disponíveis de ambos os doadores, não tendo havido dispensa de colação;
- no referido processo de inventário que correu termos pelo 3º Juízo Cível do Porto, no qual desempenhou funções de cabeça-de-casal o viúvo H…, quiseram as ora autoras licitar em bens doados à ré, ao que esta se opôs, dando por isso lugar a avaliação de todos os bens doados (23 prédios);
- a certo passo, e depois de conversações várias, vieram todos os interessados dizer que estavam de acordo em fazer a partilha, mas que tinham toda a conveniência em que esta fosse feita conjuntamente com a da meia conferência do doador sobrevivo, partilha que todos queriam fazer por escritura notarial;
- solicitaram, por isso, a concessão de um prazo dilatado, deferido pelo Tribunal, ficando os autos a aguardar a junção dessa escritura;
- decorrido largo período, o cabeça-de-casal (doador sobrevivo) foi dizer que o Notário a quem os interessados haviam rogado a feitura da escritura de partilha englobando também a meia conferência do doador sobrevivo, acabara por comunicar, ao contrário do que prometera, que o não podia fazer, invocando instruções dimanadas da Inspecção dos Registos e Notariado a impedirem escrituras com conferência antecipada de bens doados, o que, aliás, estava em consonância com o disposto no artigo 2117º do Código Civil;
- em conferência de interessados designada de seguida, todos os interessados, para além do mais, disseram estar de acordo na partilha;
- em parte alguma dessa conferência de interessados se faz qualquer alusão à meia conferência do cônjuge doador sobrevivo;
- na altura oportuna, a ora ré F… vem apontar a forma de partilha, dizendo expressamente: - somente metade dos bens doados é conferida; - abate-se, para efeito de partilha, metade do valor do encargo da doação (a entrada em dinheiro); atribui-se à respondente (a ora ré F…) o valor de metade de um terço dos bens que lhe foram doados;
- seguiu-se despacho determinativo da forma da partilha, nos seguintes termos: “Requerimento de Fls. 147 (em que a F… pedia esclarecimentos) - indeferido. Todos os imóveis foram doados e por conta da disponível. Apenas confere metade. Houve reserva vitalícia de usufruto e a doação assim foi aceite. NQt.
Partilha
O acervo da herança é dividido em duas partes iguais, uma cabendo ao inventariante. A outra é sub-dividida em três partes iguais - a quota disponível constituída por uma e donde sairá a doação conferida por metade. O excedente adicionar-se-á às outras duas - o que formam a legítima e repartir-se-á em igualdade pelos três herdeiros (filhos). Preenchimento de quinhões - conforme o deliberado”;
- seguidamente, o escrivão organizou o mapa de partilha rigorosamente em obediência a este despacho: soma os valores doados e não doados, para encontrar o acervo da herança, que é precisamente metade desse montante somado; refere que a outra metade é a meação do inventariante, cabeça-de-casal; 3- divide a meação da inventariada, que é a herança, em três partes iguais, encontrando assim a quota disponível e a quota legitimária; diz expressamente que a doação feita à F…, ora ré, só é conferida por metade, imputando-a à quota disponível; a quota legitimária divide-se por três, tantas quantas os herdeiros; no preenchimento de quinhões, respeita o decidido pelos interessados em conferência de interessados;
- por esse mapa de partilha vê-se que: - o cabeça-de-casal, para além do usufruto vitalício sobre todos os bens doados, tinha direito a receber da ré a quantia de Esc. 628.185$00; a autora D…, para além dos bens acordados, tinha direito a receber da aqui ré a quantia de Esc. 117.396$00; a autora B…, para além dos bens acordados, tinha a receber da aqui ré igual quantia de Esc. 117.396$00;
- e embora no auto de conferência de interessados se diga, por todos, que as tornas estão pagas, tal facto não é verdadeiro, pois que a ré F… não pagou nada, nem ao pai nem às irmãs;
- apesar da recusa do Notário em fazer a escritura de conferência antecipada, apesar dessa conferência antecipada não poder ser feita no processo de inventário, a verdade é que todos os interessados fizeram então e entre si uma espécie de contrato-promessa de futura meia conferência;
- Contrato meramente verbal, por isso nulo já que versava sobre imóveis;
- por esse contrato, a donatária F…, aqui ré, entregaria às suas duas irmãs, aqui autoras, em comum e partes iguais, e para efectivar a meia conferência aquando do óbito de seu pai, os prédios das verbas nºs. 35 e 22 da descrição de bens naquele processo de inventário;
- em cumprimento desse “contrato-promessa verbal”, a ré F… entregou e desde logo às duas irmãs, aqui autoras esses dois prédios;
- as autoras entraram na posse material desses dois prédios e cultivaram-nos durante cerca de meia dúzia de anos;
- até que, passados esses anos, a ré e seu marido vieram afirmar que o seu Advogado lhes tinha dito que era tudo deles, que não havia que fazer meia conferência nenhuma e, por isso, não deviam ter entregue aqueles dois prédios às autoras;
- nessa sequência, a ré e seu marido, exigiram a entrega imediata dos apontados prédios, entrando no campo das ameaças caso a entrega não fosse feita, ameaças que se estendiam ao pai de todas elas;
- à data, o pai das autoras e ré, vivia em comunhão de mesa e habitação com a ré e marido desta, nos termos da doação;
- eram mais que frequentes as queixas que ele fazia dessa sua filha e genro já que estes não cumpriam, no mínimo, as relações humanas devidas a quem tanto lhes deu e as relações materiais constantes da doação;
- vivia ele num clima de medo permanente, de verdadeiro pavor, incapaz de afrontar a filha F… e o marido desta;
- perante esse quadro, e porque o pai das Autoras e Ré o pediu com insistência, as autoras acabaram por entregar à ré os aludidos prédios, que esta acabou por vender a terceiro;
- e nada fizeram judicialmente porque nada podiam fazer: o contrato-promessa de meia conferência era nulo e seu pai, felizmente, ainda era vivo;
- por isso aguardaram a morte de seu pai para, então, pedirem a sua legítima paterna, naturalmente que através da já falada meia conferência dos bens doados à ré;
- as autoras sempre disseram que, à morte do pai, iriam pedir a sua herança paterna;
- e o pai, dito H…, dizia que a atitude da donatária sua filha F… era um roubo que ela estava a fazer às irmãs;
- continuando a ré a defender no processo de inventário que tudo é dela, que não tem nada a dar às irmãs.
Efectuada a citação da ré, esta veio contestar e deduzir reconvenção. Em sede de contestação, alegou, em síntese, que no âmbito do processo de inventário requerido por óbito da mãe de autoras e ré, no qual foi cabeça-de-casal-casal o viúvo, pai das autoras e da ré, foram relacionados todos os bens doados e não doados pelo dissolvido casal, que faziam parte da comunhão conjugal; que em tal processo, mais concretamente na conferência de interessados realizada em 16 de Junho de 1978, todos os interessados acordaram na partilha total dos bens, com a meia conferência da meação do doador sobrevivo, a qual foi homologada por sentença, que transitou em julgado, tendo os bens sido adjudicados de acordo com o preenchimento dos quinhões hereditários do meeiro e das herdeiras, constante do mapa de partilha; que tal adjudicação dos bens nos termos do acordo de folhas 139/140 do inventário revela que os interessados acordaram em conferir a totalidade do valor da doação; que desse modo não se preocuparam em proceder às operações aritméticas das meias conferência, no mapa de partilha, mas fizeram-nas, como resulta do próprio mapa; que na forma à partilha não se faz a imputação do valor da doação, tendo-se adjudicado os bens como foi determinado no acordo; que a fazer-se a imputação, se fosse meia conferência, tinha de ser por metade do valor, mas os bens estão relacionados pelo todo (pela totalidade do valor doados e os cálculos são feitos, também, pela totalidade); que a existir contradição entre o despacho determinativo e a consequente partilha, por um lado, e o acordo unânime dos interessados, pelo outro, prevalecia o acordo que, no entanto, não existe nenhuma contradição entre a adjudicação dos bens e o acordo das partes, pois que os interessados no inventário partilharam definitivamente os bens, sendo pagos ou compostos os seus direitos com o preenchimento dos seus quinhões com bens e conferiram totalmente a doação (por inteiro e em vida relativamente ao pai), não fazendo qualquer sentido prescindirem de tornas se as contas não estivessem totalmente saldadas em relação à doação e bem assim à partilha total do casal; que após a partilha, os interessados ficaram convencidos de que os bens doados já se encontravam conferidos, tanto na parte da finada como na do viúvo, como acordaram; que a ré restituiu os bens doados à massa da herança para igualação na partilha total dos bens do casal dissolvido, o mesmo sucedendo com as autoras, que restituíram os bens que lhes haviam sido doados, que até foram adjudicados à ré; que no acordo procederam à igualação do preenchimento dos quinhões hereditários; que não obstante o usufruto reservado pelos doadores e após a partilha adjudicado ao autor da herança, a ré e seu marido entraram imediatamente na posse dos bens através da doação que mantiveram ininterrupta até ao presente; que enquanto vida de ambos os pais, na convicção de que haviam sido doados em metade do valor por conta da quota disponível dos doadores; que após o trânsito em julgado daquela sentença homologatória da partilha, na convicção de ter conferido os bens doados e estes lhe pertencerem por inteiro, livres de colação, a ré procedeu ao registo dos bens doados (1 prédio urbano e 15 prédios rústicos), livres de quaisquer ónus ou encargos, à excepção do usufruo adjudicado ao pai na partilha.
Em sede de reconvenção, a ré alegou, em síntese, que desde que lhe foram doados, a ré e seu marido vêm exercitando e exercitam a posse dos bens, primeiro doados e depois adjudicados à esposa, na convicção de usarem direito próprio, ignorando lesarem o direito de outrem, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja; que tal posse é titulada, de boa-fé, pacífica, pública, e traduzida em actos materiais de administração, fruição de todas as utilidades, de conservação, guarda, melhoramentos, bem como no pagamento de taxas e impostos que respeitem aos bens, e que o casal da ré exercita em nome próprio e de seus antepossuidores, há mais de ano e dia, de cinco, dez, quinze e vinte anos, dessa forma lhes facultando a aquisição do direito de propriedade de tais bens, antes doados e depois adjudicados, por usucapião, nos termos do artigo 1287° do Código Civil.
A ré termina a sua contestação-reconvenção pugnando por que a presente acção seja julgada improcedente e não provada e a ré absolvida do pedido e que seja julgado procedente e provado o pedido reconvencional e, em consequência, as autoras condenadas a reconhecer que a ré é dona e legítima proprietária dos bens descritos sob os números 1 a 17 no artigo 90° da contestação-reconvenção, com todas as consequências legais.
As autoras replicaram, contestando o pedido reconvencional deduzido pela ré, pugnando pela sua total improcedência.
A ré treplicou, vindo as autoras requerer o desentranhamento de tal articulado por não haver lugar legalmente ao mesmo.
Por despacho proferido a 13 de Novembro de 2007, as autoras foram absolvidas da instância reconvencional, em virtude da Reconvinte não ter comprovado nos autos a efectivação do registo da reconvenção.
Inconformada com esta decisão, a ré agravou da mesma, recurso que foi admitido como de agravo, a subir nos próprios autos, diferidamente e com efeito meramente devolutivo.
A agravante reclamou, sem sucesso, do efeito atribuído ao agravo.
A agravante terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1ª- A acção de reivindicação dos autos não está sujeita a registo, porque os prédios que dela são objecto estão registados em nome da reivindicante.
2ª- O registo da acção intentada pelo proprietário titular inscrito do direito de propriedade contra terceiros não inscritos no registo não traz nenhum interesse ou qualquer vantagem para com o reivindicante.
3ª- Nas situações como as dos autos a acção não vai acautelar nenhum direito ou expectativa do autor, ou dito de outro modo, não traz nenhuma vantagem ao proprietário com o registo de aquisição da propriedade constante do registo.
4ª- A acção é um efeito do direito registado pelo que o registo desta como consequência dos factos registados não lhe traz maior vantagem do que o registo já efectuado.
5ª- Sendo a acção registada, antes da decisão de mérito, o registo é efectuado como provisório por natureza, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 92º do CRP.
6ª- A decisão final da acção inscrita seria convertida em definitiva, por averbamento, efectuado nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 101º do CRP, mas, à data do averbamento, o registo da aquisição, em nome da autora, daquele facto já se encontra efectuado pela inscrição de aquisição com base na doação, pelo que deve ser recusado nos termos da alínea c) do artigo 69º do CRP (o facto do documento está registado).
7ª- O registo da acção é inútil.
8ª- E prejudicial para a reivindicante, uma vez que a vai onerar com despesas de que nada beneficia.
9ª- O douto despacho recorrido impõe a prática de um acato que a lei não admite que pode influir no exame e na boa decisão da causa pelo que é nulo, nos termos do artigo 201º do Código de Processo Civil.
10ª- O douto despacho recorrido viola o disposto nos artigos 1º, 6º, 7º, 8º, 34º, 69º e 101º do Código do Registo Predial, 350º do Código Civil, 201º, 276º e 501º do Código de Processo Civil.”
Não foram oferecidas contra-alegações relativamente ao recurso de agravo interposto pela ré[2].
Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação e uma vez que a audiência preliminar se destinaria apenas à condensação da matéria de facto, tendo sido assegurado o contraditório das partes, decidiu-se dispensar a realização de audiência preliminar, fixou-se o valor da causa no montante de € 25.000,00, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a factualidade assente, da controvertida, esta última a integrar a base instrutória.
Após isso, ambas as partes ofereceram as suas provas e requereram a gravação da audiência.
A 24 de Maio de 2012, no apenso B, veio o autor C… dar conhecimento do falecimento, no dia 19 de Dezembro de 2010, da co-autora B…, requerendo simultaneamente a habilitação dos seus herdeiros.
Por sentença proferida a 12 de Setembro de 2012 no Apenso B, foram julgados habilitados como únicos herdeiros legítimos da falecida B… o viúvo C… e a filha de ambos, J….
A 20 de Fevereiro de 2013 veio o Ilustre Mandatário dos autores dar conhecimento do falecimento, nesse mesmo dia, do co-autor C…, e a 12 de Março de 2013 foi requerido nos próprios autos o incidente de habilitação, após o que, a 20 de Abril de 2013, foi proferida sentença que julgou habilitada como única herdeira legítima do falecido C… a filha J….
A 05 de Fevereiro de 2014 realizou-se audiência de discussão e julgamento e a 12 de Março de 2014 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Salvo melhor entendimento, a sentença recorrida padece de erro na aplicação da lei, na análise dos factos e subsunção ao direito aplicável, de contradição explícita e de violação da lei, nos termos expostos;
2. Com efeito, o julgador a quo para fundamentar a sua decisão só relevou a matéria dada como não provada da base instrutória, quando do acervo fáctico dado como assente estão demonstrados factos que impunham decisão diversa;
Vejamos,
3. Aquando do processo de inventário por óbito de G…, todos os interessados, dada a doação que à R. fora feita por seus pais de tudo quanto tinham, quiseram fazer a conferência total dessa doação, ou seja, a da herança materna, que então se discutia nos autos de inventário, e da futura herança paterna - a chamada conferência antecipada.
4. Por via disso, todos os interessados solicitaram um prazo para a junção da escritura notarial que queriam então fazer (Cfr. Pontos 17 e 18 dos factos provados);
5. Ou seja, todos os interessados sabiam que havia lugar a duas conferências dos bens doados, uma meia conferência por óbito de um dos doadores (mãe) e outra meia conferência por óbito do outro doador (pai).
6. Entretanto, o Notário a quem os haviam rogado a feitura da escritura de partilha englobando também a meia conferência do doador sobrevivo, acabara por comunicar, ao contrário do que prometera, que o não podia fazer (Cfr. Ponto 19 dos factos provados);
7. O que aliás, é perfeitamente consentâneo com o disposto no artigo 2117.º do Código Civil, que prescreve que “sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um deles”;
8. Ou seja, não poderia fazer a meia conferência dos bens do cônjuge doador sobrevivo, só à sua morte;
9. Por força disso, no processo de inventário por morte de G… somente metade dos bens foi conferida, a conferência da outra metade dos bens doados far-se-ia aquando da morte do pai doador sobrevivo (Cfr. Pontos 21, 22 e 23 dos factos provados);
10. Pelo que, não se fez a conferência antecipada, apenas se fez a meia conferência por óbito materno, como efectivamente se vê nitidamente daqueles autos de inventário e como, de resto, resulta da matéria dada como provada;
11. A sentença que homologou a partilha feita no inventário por óbito de G… não desvinculou a R. da obrigação de submeter os prédios que lhe foram doados à meia conferência por morte do pai, isto é e por outras palavras, não foi realizado qualquer negócio jurídico processual que inter vivos realizasse e compensasse a futura conferência dos bens doados quanto ao dador paterno sobrevivo, nem tal ocorreu por negócio extrajudicial;
12. Pelo que é evidente, na forma à partilha de todos os interessados que o que se partilhou foi apenas metade.
13. Perante esta factualidade comprovada como pode o MM julgador a quo concluir na sentença recorrida que “os elementos processuais constantes dos autos, emanados do processo de partilhas controvertido, revelam que os ali interessados acordaram na partilha total dos bens do dissolvido casal que foi constituído por G… e H…, que faziam parte da comunhão conjugal”, confundindo isto deliberadamente com os institutos da colação e subsequente meia
conferência?
14. A questão da partilha dos bens não pode confundir-se com a conferência desses mesmos bens anteriormente doados porque, podia decorrer dessa partilha, alterações à propriedade dos bens doados que já tinham sido transferidos por doação anterior mas, de todo, isto não se confunde, nem pode jamais confundir-se, com o instituto da colação e subsequente conferência de bens doados em momento anterior à abertura da sucessão;
15. Como é que se pode fazer a partilha total se, no processo de inventário de G…, o cônjuge marido era vivo e a lei não permite fazer a meia conferência do doador sobrevivo?
16. A sentença recorrida ao considerar que os interessados acordaram na partilha total dos bens quanto a ambos os doadores, sem se ter verificado a forma válida da partilha total, infringiu o disposto no artigo 2117.º do C.C.;
17. A chamada conferência antecipada nunca se fez por via judicial, nem por via notarial.
18. Quod non est in actus, non est in mundi;
19. Mesmo que tivesse resultado provado, da prova testemunhal, que, fora do processo de inventário por óbito de G…, todos os interessados fizeram entre si uma espécie de contrato promessa de futura meia conferência;
20. Tal contrato meramente verbal seria ilegal e nulo, nos termos do disposto no artigo 220.º, 410.º e 2117.º, todos do Código Civil, uma vez que versava sobre imóveis e que foram nessa medida inteira e totalmente violados;
21. A promessa de partilha em vida do autor da sucessão por haver disposição da sucessão dos doadores, sempre seria nula nos termos do artigo 2028.º do Código Civil e de todo não relevava de per si quanto à existência ou não da meia conferência do doador sobrevivo no inventário da mãe que é o que se discute nos presentes autos;
22. O alegado acordo verbal ou denominado “contrato promessa de meia conferência” verbal, que o julgador a quo julgou essencial para o êxito da acção, é de todo uma questão lateral, que, no entender dos recorrentes, não influi, nem pode influir, na decisão de fundo da causa;
23. O que verdadeiramente influi na decisão da causa é o facto assente de que não foi feita a conferência da legítima paterna;
24. O MM julgador a quo é omisso quanto à análise dos factos dados como provados à subsunção do direito aplicável, limitando-se apenas a fazer tal subsunção aos factos não provados;
25. A falta de pronúncia do julgador a quo quanto à subsunção dos factos provados ao direito aplicável, constitui nulidade da sentença, que aqui se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, nos termos melhor expostos em sede de alegação;
26. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento na aplicação da lei, uma vez que resulta evidente do ponto 24 dos factos provados, que na forma da partilha de todos os interessados, o que se partilhou foi apenas metade, e não a partilha total;
27. A sentença recorrida ao considerar que os interessados acordaram na partilha total dos bens, sem se ter verificado a forma válida da partilha total, infringiu o disposto no artigo 2117.º do C.C.;
28. A manter-se a decisão recorrida serão os tribunais a declarar judicialmente que as autoras devem ser espoliadas da sua legítima paterna em total e directa afronta à lei;
29. A douta sentença deveria ter condenado a R. a reconhecer que as AA. têm direito à sua herança paterna, e a concretizar através da meia conferência do pai em relação aos bens que à mesma haviam sido anteriormente doados;
30. A douta sentença violou o disposto nos artigos 220.º, 410.º, 2028.º, 2012.º, 2156.º e seguintes, todos do Código Civil, tudo como melhor se expendeu em sede de alegações”.
Não foram oferecidas contra-alegações ao recurso de apelação.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos[3]), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
2.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão;
2.2 Da ilegalidade da sentença recorrida por inexistência de partilha total dos bens dos progenitores das primitivas autoras e da ré, bem como de conferência total dos bens doados;
2.3 Da ilegalidade da decisão que absolveu os primitivos autores da instância reconvencional em virtude da ré não ter procedido ao registo da reconvenção.
3. Fundamentos de facto exarados na sentença sob censura e que não foram impugnados, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua oficiosa reapreciação
3.1
B… casou com C…, em 8 de Abril de 1970, no regime de comunhão geral de bens (alínea A dos factos assentes).
3.2
D… casou com E…, em 30 de Julho de 1976, no regime de comunhão geral de adquiridos (alínea B dos factos assentes).
3.3
F… casou com K…, no regime de comunhão de adquiridos (alínea C dos factos assentes).
3.4
B… é filha de H… e de G… (alínea D dos factos assentes).
3.5
D… é filha de H… e de G… (alínea E dos factos assentes).
3.6
F… é filha de H… e de G… (alínea F dos factos assentes).
3.7
G… faleceu em 8 de Setembro de 1973, no estado de casada com H… (alínea G dos factos assentes).
3.8
H… faleceu no dia 13 de Setembro de 2002, no estado de viúvo de G… (alínea H dos factos assentes).
3.9
Por óbito de G…, e para partilha da sua herança, correu termos até final um Processo de Inventário – 1ª Secção do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto, sob o nº 3.292 (alínea I dos factos assentes).
3.10
Por óbito de H… corre termos Processo de Inventário para partilha da sua herança – 2º Juízo desta Comarca da Maia, sob o nº 1602/2002 (alínea J dos factos assentes).
3.11
No processo de inventário referido em 3.10, a aí cabeça-de-casal e aqui ré F… veio dizer ”não haver bens móveis ou imóveis a partilhar”, “não há bens a conferir mas, se assim fosse, através da partilha constata-se que a conferência está feita por inteiro à morte dos primeiros doadores” (alínea K dos factos assentes).
3.12
Autoras e ré são as únicas e universais herdeiras de seus pais, G… e H… (alínea L dos factos assentes).
3.13
G… faleceu no estado de casada em comunhão de bens com H…, sem testamento mas com doações às três filhas (alínea M dos factos assentes).
3.14
Aquando dos casamentos das autoras, G… e H… doaram a cada uma delas a quantia de Esc. 150.000$00 (alínea N dos factos assentes).
3.15
E doaram à aqui ré F…, sua filha, todos os seus restantes bens (alínea O dos factos assentes)[4].
3.16
No processo de inventário referido em 3.9 as aqui autoras quiseram licitar em bens doados à ré, ao que esta se opôs, dando por isso lugar a avaliação de todos os bens doados (23 prédios) (alínea P dos factos assentes).
3.17
Depois de conversações várias, vieram todos os interessados dizer que estavam de acordo em fazer a partilha, mas que tinham toda a conveniência em que esta fosse feita conjuntamente com a da meia conferência do doador sobrevivo, partilha que todos queriam fazer por escritura notarial (alínea Q dos factos assentes).
3.18
Solicitaram, por isso, a concessão de um prazo dilatado, ao que o senhor Juiz deferiu, ficando os autos a aguardar a junção dessa escritura (alínea R dos factos assentes).
3.19
Decorrido largo período, o cabeça-de-casal (doador sobrevivo) foi dizer que o senhor Notário a quem os interessados haviam rogado a feitura da escritura de partilha englobando também a meia conferência do doador sobrevivo, acabara por comunicar, ao contrário do que prometera, que o não podia fazer (alínea S dos factos assentes).
3.20
Em conferência de interessados designada de seguida, todos os interessados, para além do mais, disseram estar de acordo na partilha (alínea T dos factos assentes).
3.21
Na altura oportuna, a aqui ré F… vem apontar a forma de partilha, dizendo o seguinte:
- Somente metade dos bens doados é conferida
- Abate-se, para efeito de partilha, metade do valor do encargo da doação (a entrada em dinheiro)
- Atribui-se à respondente (a ora ré F…) o valor de metade de um terço dos bens que lhe foram doados (alínea U dos factos assentes).
3.22
O mesmo fez o então cabeça-de-casal, H…, dizendo claramente que só estava em causa metade dos bens relacionados e descritos (alínea V dos factos assentes).
3.23
E, de seguida, em resposta a requerimento da filha F…, aqui ré, disse:
“Faz-se, por agora, a meia conferência desses bens. A outra meia conferência far-se-á após o óbito do respondente” (doador sobrevivo) (alínea W dos factos assentes).
3.24
Foi proferido despacho determinativo da forma da partilha, nos seguintes termos:
“Todos os imóveis foram doados e por conta da disponível.
Apenas confere metade.
Houve reserva vitalícia de usufruto e a doação assim foi aceite.
Not.
Partilha
O acervo da herança é dividido em duas partes iguais, uma cabendo ao inventariante.
A outra é sub-dividida em três partes iguais — a quota disponível constituída por uma e donde sairá a doação conferida por metade.
O excedente adicionar-se-á às outras duas— o que formam a legítima e repartir-se-á em igualdade pelos três herdeiros (filhos).
Preenchimento de quinhões — conforme o deliberado.” (alínea X dos factos assentes).
3.25
Foi elaborado mapa de partilha nos termos do qual:
- O cabeça-de-casal, para além do usufruto vitalício sobre todos os bens doados, tinha direito a receber da ré a quantia de 628.185$00.
- A autora D…, para além dos bens acordados, tinha direito a receber da aqui ré a quantia de Esc. 117.396$00.
- A autora B., para além dos bens acordados, tinha a receber da aqui ré igual quantia de Esc. 117.396$00[5] (alínea Y dos factos assentes).
3.26
No âmbito da partilha aludida em 3.24, todos os interessados declararam dar-se como pagos das tornas (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão
Os recorrentes suscitam a nulidade da sentença recorrida com base em dois distintos fundamentos: por contradição dos fundamentos com a decisão e por omissão de pronúncia.
A contradição dos fundamentos com a decisão resultaria da sentença ter sido proferida ao arrepio e em oposição à factualidade dada como provada e que apenas se coaduna com a efectivação de meia conferência dos bens doados.
A omissão de pronúncia derivaria da falta de subsunção dos factos provados ao direito sucessório aplicável.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A oposição dos fundamentos com a decisão verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infracção do disposto no artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[6]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das excepções e contra-excepções invocadas.
Expostas as linhas gerais dos vícios invocados pelos recorrentes, é tempo de aferir se em concreto se verificam.
No que respeita a oposição entre os fundamentos e a decisão parece-nos manifesto que não ocorre na sentença recorrida a falta de nexo lógico entre os fundamentos, a totalidade dos fundamentos, assinale-se, e a decisão tomada a final.
O que se verifica é que o tribunal a quo entendeu que a causa de pedir da acção constava integralmente da base instrutória pelo que, na falta de prova dessa matéria, forçosa era a improcedência da acção. Por lavrar nesse pressuposto, o tribunal a quo não se debruçou sobre a factualidade provada e não analisou o relevo que a mesma poderia eventualmente ter para a sorte da acção.
Em bom rigor, seguindo a linha de raciocínio dos recorrentes, no caso em apreço existe uma evidente dissonância entre os fundamentos de facto e de direito, sendo certo que a decisão final se adequa perfeitamente à solução sustentada em sede de fundamentos de direito.
Neste circunstancialismo, o vício de que a sentença recorrida padece não é o da nulidade por contradição dos fundamentos com a decisão, podendo sim existir erro de julgamento, nomeadamente na interpretação e determinação da causa de pedir da acção.
Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade da sentença recorrida por contradição dos fundamentos com a decisão.
Apreciemos agora a invocada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Esta arguição tem alguma similitude com a anteriormente analisada na medida em que se imputa ao tribunal a quo a não integração dos factos provados no direito aplicável. Ora, cremos que, uma vez mais, o procedimento do tribunal a quo assentou na interpretação e determinação da causa de pedir o que, face à quase total ausência de prova da matéria controvertida, conduziu à improcedência da acção. A questão colocada pelas primitivas autoras foi apreciada pelo tribunal a quo, embora dentro de um certo enquadramento que entendeu ser o correcto. Deste modo, não há na hipótese em apreço uma omissão de pronúncia mas si e apenas, eventualmente, um erro de julgamento.
Assim, face a tudo quanto precede, conclui-se pelo indeferimento das nulidades da sentença recorrida arguidas pelas recorrentes.
4.2 Da ilegalidade da sentença recorrida por inexistência de partilha total dos bens dos progenitores das primitivas autoras e da ré, bem como de conferência total dos bens doados
Os recorrentes pugnam pela total revogação da sentença recorrida em virtude desta ter desconsiderado totalmente a factualidade provada, concluindo pela partilha total dos bens dos progenitores das primitivas autoras e da ré e pela conferência por inteiro dos bens doados a esta última.
Ao invés, os recorridos pugnam pela confirmação da sentença recorrida afirmando que os bens doados foram conferidos na totalidade, pelo que nada mais há a conferir. Para tanto, pretendem que o tribunal releve, além do mais, o que resulta do mapa da partilha.
Cumpre apreciar e decidir.
Na sentença sob censura entendeu-se que a causa de pedir da acção era o acordo verbal entre os interessados na partilha por óbito de G…, matéria que constava dos artigos 2º a 4º da base instrutória, os quais obtiveram respostas negativas, assim decorrendo deste fracasso probatório, a total improcedência da acção.
Na petição inicial, as primitivas autoras firmam a procedência da sua pretensão naquilo que foi decidido no processo de inventário que correu termos por óbito de G…. A referência àquilo que se passou à margem de tal processo judicial e que seria o tal acordo verbal no sentido da conferência total dos bens doados, acordo que seria honrado mediante a entrega em comum e em partes iguais às primitivas autoras das verbas nºs 22 e 35 daquele inventário, visou apenas aludir à frustração de um acordo, inválido por vício de forma, tendente à conferência total dos bens doados.
É patente que não era nesse acordo que as primitivas autoras fundavam as suas pretensões, pois logo referiram que o mesmo era inválido por vício de forma e, por isso, insusceptível de ser exigido o seu cumprimento coercivo por via judicial.
Se porventura as primitivas autoras firmassem nesse acordo as suas pretensões, o pedido que teriam formulado seria totalmente diverso e consistiria na condenação da ré a honrar os compromissos assumidos, ou seja, a entregar as verbas nºs 22 e 35º em comum e em partes iguais às primitivas autoras.
Em bom rigor, os autos continham todos os elementos para decidir na fase do despacho saneador, pois que a matéria que ficou a constar da base instrutória era de todo inócua para a sorte da lide.
Assim, pelo que precede, conclui-se que o tribunal a quo errou na identificação da causa de pedir da acção.
Apreciemos agora se o tribunal a quo errou quando afirma que “os elementos processuais constantes dos autos, emanados do processo de partilhas controvertido, revelam que os ali interessados acordaram na partilha total dos bens do dissolvido casal que foi constituído por G… e H…, que faziam parte da comunhão conjugal” e na confirmação do juízo de improcedência que extrai desta asserção.
Não oferece dúvidas que os bens do dissolvido casal constituído por G… e H… foram totalmente partilhados. Porém, isso não significa que aí se tenha feito a partilha dos bens do cônjuge sobrevivo, o Sr. H…. Pelo contrário, o que resulta da factualidade provada (vejam-se os pontos 3.24 e 3.25 dos fundamentos de facto), é que ao cônjuge sobrevivo foi adjudicada a sua meação nos bens comuns, não tendo havido qualquer partilha destes bens.
E do acerto da afirmação de que todos os bens do dissolvido casal formado por G… e H… foram partilhados, retira-se que a acção improcede necessariamente?
Afigura-se-nos que não pelas razões que se passam a expor.
Antes de mais, importa tentar desvelar o quadro das soluções plausíveis que o caso em análise suscita, abordando algumas questões jurídicas que não são pacíficas, ainda que sem directo reflexo imediato no caso decidendo.
A primeira questão é a de saber qual é a lei aplicável para determinar a quota disponível do de cujus havendo doação.
A doação, como é sabido, é um contrato gratuito (veja-se o artigo 940º, nº 1, do Código Civil), com efeitos reais (artigo 954º, alínea a), do Código Civil), em regra imediatos (artigo 408º, nº 1, do Código Civil).
No caso em apreço, embora esteja assente que a ré casou no regime da comunhão de adquiridos[7] (ponto 3.3 dos fundamentos de facto deste acórdão), desconhece-se quando foi celebrado esse casamento[8], sendo certo que nos termos da doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965, a mesma só produziria efeitos quando o casamento se realizasse.
A produção imediata ou diferida no tempo de efeitos reais por parte da doação, nas perspectivas de João António Lopes Cardoso[9] e de João Baptista Machado[10], levam estes autores a entender que a lei aplicável para determinar a quota disponível, sempre que tenha havido doação de bens por parte do de cujus é aquela que vigorava quando foi celebrada a doação, caso tenha produzido efeitos reais imediatos ou aquela que vigorava quando a produção desses efeitos ocorreu[11]. Diversamente, Antunes Varela[12] e com ele quiçá a maioria da jurisprudência[13], pronunciam-se no sentido de ser aplicável a lei vigente à data da abertura da sucessão.
No caso em apreço, esta regra de aplicação no tempo pode fazer com que a quota disponível seja de metade da herança (artigo 1784º, § único, do Código Civil de 1867) ou de dois terços da herança (artigo 2159º, nº 2, do Código Civil), consoante a produção de efeitos da doação tenha ocorrido antes de 01 de Junho de 1967 (veja-se o artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966) ou a partir de 01 de Junho de 1967.
A segunda questão, também atinente ao direito transitório, é a de saber qual é a lei competente para efeitos de colação dos bens doados. Também aqui a doutrina se divide, como dá notícia João Baptista Machado[14]. Assim, alguns, pelas razões avançadas para a questão da determinação da quota disponível, sustentam que releva a lei vigente na data da celebração da doação ou na data em que a doação produzir efeitos, caso estes não se produzam de imediato[15], enquanto outros, à semelhança do sustentado em matéria de cálculo da legítima e consequente verificação da existência de inoficiosidade, sustentam ser aplicável a lei vigente à data da abertura da sucessão[16].
No caso em apreço, a doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965 foi na proporção de metade do valor dos bens doados por conta da quota disponível e, na restante metade, por conta da legítima. Daí que, além de estar sujeita ao instituto da inoficiosidade[17], para tutela das legítimas dos herdeiros (vejam-se os artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2168º do actual Código Civil), deve também ser conferida, na aludida proporção, tendo em vista a maior igualação possível da partilha entre os diversos herdeiros, ou seja, fica também, em parte, sujeita a colação (vejam-se os artigos 2098º do Código Civil de 1867 e 2104º, nº 1, do actual Código Civil).
No caso concreto importa apurar se na partilha efectuada no âmbito do processo de inventário que correu termos por óbito de G… a doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965 foi conferida na proporção de metade, a chamada meia conferência (vejam-se os artigos 2108º do Código Civil de 1867 e 2117º do Código Civil actual), como sustentam os recorrentes ou, pelo contrário, como pugna a recorrida, se foi conferida a totalidade da referida doação.
A forma à partilha dada no processo de inventário que correu termos por óbito de G… é clara no sentido de apenas ser efectuada meia conferência. Porém, será que, como pretende a recorrida, foi feita a conferência total da referida doação no mapa da partilha, mapa que não foi objecto de qualquer reclamação e foi homologado por sentença?
A resposta é claramente negativa face ao que consta do mapa da partilha, já que, ao contrário do que afirma a recorrida, em estrita obediência ao despacho determinativo da partilha, apenas se conferiu metade do valor da doação efectuada a favor desta, ou seja, apenas se conferiu o valor de 707.800$00, precisamente metade do valor total dos bens doados à recorrida e que era de 1.415.600$00[18].
No circunstancialismo que se acaba de expor é patente que a apelação procede parcialmente, pois ainda não foi feita a conferência referente à doação efectuada pelo falecido H…. Esta conferência deverá efectuar-se tendo em conta o que ficou disposto no contrato de doação celebrado a 07 de Dezembro de 1965, ou seja, tendo em conta o quarto do valor total dos bens doados à ré.
Uma vez que a apelação procede parcialmente, deve conhecer-se do recurso de agravo interposto pela recorrida.
4.3 Da ilegalidade da decisão que absolveu os primitivos autores da instância reconvencional em virtude da ré não ter procedido ao registo da reconvenção
A agravante pugna pela revogação do despacho que absolveu da instância as primitivas autoras por falta de registo do pedido reconvencional em virtude dos imóveis cuja aquisição por usucapião se invoca já se acharem registados a seu favor.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, alínea a), do Código do Registo Predial, na redacção que vigorava na data em que foi proferido o despacho recorrido, estão sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior. Por força do disposto no nº 2, do mesmo artigo, as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência.
“Quando o prosseguimento da reconvenção esteja dependente da efectivação de registo ou de qualquer acto a praticar pelo reconvinte, será o reconvindo absolvido da instância se, no prazo fixado, tal acto não se mostrar realizado” (artigo 501º, nº 3, do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foi proferido o despacho recorrido[19]).
A falta de registo da reconvenção, pelos efeitos que determina, configura-se como uma excepção dilatória atípica (artigo 493º, nº 2 e corpo do artigo 494º, ambos do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foi proferida a decisão sob censura[20]), de conhecimento oficioso (artigo 495º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foi proferida a decisão sob censura[21]).
No caso em apreço, a 04 de Julho de 2007[22] foi proferido despacho a determinar o registo da reconvenção, sendo a ora reconvinte logo advertida de que não o fazendo e comprovando em trinta dias, os reconvindos seriam absolvidos da instância.
A ora agravante nada disse após a notificação do despacho proferido a 04 de Julho de 2007, ao longo de mais de dois meses[23], sendo a 13 de Novembro de 2007 proferido despacho a absolver os reconvindos da instância por força da falta do registo da reconvenção.
Apenas em fase de recurso a agravante suscita a questão da dispensa do registo da reconvenção, em virtude dos imóveis cuja aquisição por usucapião pretende ver declarada terem alegadamente inscrição do direito de propriedade a seu favor[24].
Esta questão configura-se claramente como uma questão nova, em regra insusceptível de ser conhecida em via de recurso[25]. Porém, trata-se de questão que se insere no processo de aferição da sujeição ou não de certa acção ou reconvenção a registo, sendo indissociável o juízo da falta de efectivação do registo da acção ou da reconvenção da prévia conclusão da inexistência de qualquer causa de dispensa ou exclusão do registo.
A doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965 foi na proporção de metade do valor dos bens doados por conta da quota disponível e, na restante metade, por conta da legítima. Daí que, além de estar sujeita ao instituto da inoficiosidade[26], para tutela das legítimas dos herdeiros (vejam-se os artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2168º do actual Código Civil), deve também ser conferida, na aludida proporção, tendo em vista a maior igualação possível da partilha entre os diversos herdeiros, ou seja, fica também, em parte, sujeita a colação (vejam-se os artigos 2098º do Código Civil de 1867 e 2104º, nº 1, do actual Código Civil).
A agravante manteve-se inerte ao longo de mais de dois meses face a uma decisão judicial que a intimava a proceder ao registo da reconvenção, sob pena de absolvição da instância dos reconvindos. Ao longo desse tempo, nada disse, não cuidando de alertar o tribunal para a circunstância de a quase totalidade dos imóveis objecto da reconvenção terem inscrição do direito de propriedade a seu favor.
A nosso ver, esta omissão da agravante configura uma violação dos deveres de cooperação e da boa fé processual (artigos 266º, nº 1 e 266º-A, ambos do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foi proferido o despacho recorrido).
Embora a suscitação da questão da dispensa do registo da reconvenção integre violação dos deveres de cooperação e da boa fé processual por parte da agravante, certo é que o tribunal a quo sempre teve a oportunidade de se pronunciar sobre a aludida questão, sustentando ou reparando a decisão recorrida e assim minorando enormemente os danos advenientes do eventual provimento de um agravo com subida diferida em acção intentada a 16 de Setembro de 2005 e no qual apenas a 14 de Março de 2014 foi proferida sentença em primeira instância.
Assim, não obstante a violação dos deveres de cooperação e de boa fé por parte da agravante, entende-se que nas circunstâncias dos autos não se configura um abuso do direito ao recurso impeditivo do seu conhecimento, quanto mais não seja porque o tribunal a quo teve oportunidade de sustentar ou reparar a decisão recorrida.
O registo da acção tem por finalidade publicitar a existência de um dado litígio judicial relativamente a um certo bem imóvel, sempre que a decisão a proferir aí possa alterar a situação jurídica desse bem.
Ora, no caso em apreço, os bens imóveis relativamente aos quais a agravante pretende que seja declarada a sua aquisição por usucapião têm, com excepção de um, inscrição da aquisição do direito de propriedade a favor da agravante, com base em doação de H… e G….
A pretensão da agravante tem em vista a declaração da aquisição originária de tais bens imóveis a seu favor, assim, na sua perspectiva, se eximindo do ónus real de colação (artigo 2118º do Código Civil[27]) e até mesmo, à obrigação legal de conferir os bens doados para efeitos de inoficiosidade.
Nesta medida afigura-se-nos que muito embora da sorte da reconvenção não possa, exceptuando o imóvel cuja aquisição do direito de propriedade não está inscrita a favor da agravante, resultar uma aquisição ex novo de um direito real por parte da reconvinte, é patente que o sucesso da pretensão reconvencional envolve uma alteração no título jurídico gerador do direito de propriedade na sua esfera jurídica.
Esta alteração do título de aquisição pode não ser inócua do ponto de vista de terceiros, na medida em que as inscrições de aquisição do direito de propriedade a favor da agravante enfermam de inexactidão (artigo 18º do Código do Registo Predial), por não conterem a menção da sujeição ao ónus real de colação, vício passível de suprimento. Além disso, a substituição de uma aquisição derivada do direito de propriedade por uma aquisição originária, com retroacção de efeitos ao início da posse (artigo 1288º), é uma realidade jurídica que se pode reflectir negativamente na esfera jurídica de terceiros, havendo por isso todo o interesse na sua publicitação.
Aliás, se a alteração do título de aquisição não fosse juridicamente relevante, nem se perceberia por que razão a agravante deduziu reconvenção para tal finalidade.
Assim, no caso em apreço, não obstante dezasseis dos dezassete imóveis objecto da reconvenção se acharem com inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor da reconvinte, com base em doação, sujeita a colação, afigura-se-nos que a reconvenção está sujeita a registo na sua integralidade.
Pelo exposto, improcede o recurso de agravo interposto a 04 de Dezembro de 2007, devendo confirmar-se o despacho recorrido proferido a 13 de Novembro de 2007.
Atenta a sucumbência das partes (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), as custas da apelação são em partes iguais a cargo de recorrentes e recorrida e as custas do agravo são a cargo da ré.
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam no seguinte:
a) em julgar procedente o recurso de apelação interposto por J…, D… e E… e, em consequência, revoga-se a sentença proferida a 12 de Março de 2014 que se substitui por decisão que julga parcialmente procedente a acção, declarando-se que J… e D… têm direito à herança por óbito de H…, falecido a 13 de Setembro de 2002, a concretizar através da conferência dos bens que a F… foram doados por seus pais, tendo em conta o que ficou disposto no contrato de doação celebrado a 07 de Dezembro de 1965;
b) em não dar provimento ao recurso de agravo interposto por F… a 04 de Dezembro de 2007 e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida proferida a 13 de Novembro de 2007;
c) atenta a sucumbência das partes (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), as custas da apelação e da acção são em partes iguais a cargo de recorrentes e recorrida e as custas do agravo são a cargo da ré, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 3 de Novembro de 2014
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_____________
[1] A requerimento dos herdeiros legitimários (artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2169º do actual Código Civil).
[2] Nem foi proferido despacho a sustentar ou reparar o despacho sob censura. Não se observa o disposto no nº 5, do artigo 744º do Código de Processo Civil, na redacção que então vigorava, a fim de não protelar ainda mais o andamento destes autos que vêm sendo sujeitos a uma demora excessiva.
[3] Uma vez que a decisão recorrida foi proferida a 12 de Março de 2014 e que os presentes autos foram instaurados antes de 01 de Janeiro de 2008, face ao disposto no nº 1, do artigo 7º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, é aplicável ao recurso da sentença, o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela citada lei, com excepção do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à mesma lei. Porém, a 04 de Dezembro de 2007, a ré interpôs um recurso de agravo cujo regime de subida foi diferido. Relativamente a este recurso, porque tem por objecto decisão proferida antes de 01 de Setembro de 2013, ser-lhe-á aplicável o regime processual civil que vigorava quando foi proferida a decisão impugnada. A tal não obsta, segundo cremos, a circunstância de no regime aplicável ao recurso da decisão final inexistirem recursos com subida diferida, devendo aplicar-se-lhe o regime que estava previsto na legislação que vigorava quando foi interposto, sob pena de, assim não se procedendo, se ofender grave e intoleravelmente o direito ao recurso. Sendo o recurso de apelação o recurso dominante, afigura-se-nos que ao presente acórdão se aplicarão as normas processuais civis que actualmente estão em vigor, devendo o recurso de agravo ser conhecido a título subsidiário, tal como é requerido pela agravante, nas suas contra-alegações (sobre a questão da admissibilidade da figura do recurso subsidiário veja-se Recursos no Novo Processo Civil, 2014-2ª Edição, Almedina, páginas 82 e 83, da autoria do Sr. Juiz Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes). De todo o modo, no regime processual aplicável ao recurso de agravo, era esta a solução legal constante do nº 1, do artigo 710º do Código Civil.
[4] Ao abrigo do disposto na segunda parte do nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil e com base na cópia do documento autêntico junto de folhas 26 a 42 destes autos, cuja autenticidade não foi posta em crise, consigna-se o seguinte: No dia 07 de Dezembro de 1965, no Cartório Notarial da Maia, foi celebrada escritura pública intitulada de “Convenção Antenupcial e Doação”, em que foram outorgantes: 1º K…; 2ª F…; 3ºs. H… e G…. Os primeiro e segunda outorgantes declararam que pretendem casar um com o outro segundo o regime da separação de bens, sendo regido pelo regime da comunhão quando se dissolver por morte de qualquer dos cônjuges e haja descendência do mesmo casamento. Assim, o primeiro doa à segunda, no caso de falecer antes dela, sem deixar descendentes, o usufruto de todos os bens que então possuir, mas esta doação prevalecerá somente enquanto ela se conservar no estado de viúva; a segunda doa ao primeiro, no caso de falecer antes dele, sem descendentes, o usufruto de todos os bens que então possuir, mas esta doação prevalecerá também somente enquanto ele se conservar no estado de viúvo. Os terceiros outorgantes fazem uma doação à segunda outorgante de bens imóveis (vinte e três prédios), móveis e direitos e para produzir efeitos logo que o casamento se realize. A doação foi feita com as seguintes reservas e condições: 1ª reserva de usufruto vitalício para os doadores sobre todos os bens; 2ª os doadores reservam até à data do que falecer em último lugar o direito de livremente cortarem para eles ou para vender as árvores que entenderem nas L…; 3ª a donatária fica obrigada a fazer todos os serviços domésticos que os doadores necessitem, tratando-os sempre com todo o respeito, especialmente no caso de doença e neste caso chamando o médico sempre que seja preciso e ministrando-lhes os necessários medicamentos, e, quando não queira ou não possa fazer tais serviços, obriga-se a pagar e sustentar uma criada que os faça e que será sempre escolhida pelos doadores; 4ª a donatária fica obrigada a mandar celebrar por alma de cada um dos doadores e dentro do prazo de dois anos, a contar da data dos respectivos falecimentos, vinte e quatro missas, sendo uma em cada um dos meses que se seguirem ao dos ditos falecimentos; 5ª a donatária fica ainda obrigada a dar a eles doadores, a título de entrada, a quantia de cento e cinquenta mil escudos, quantia esta que eles mesmos doadores confessam ter já dela recebido, pelo que lhe dão a correspondente quitação; 6ª que depois de abatida ao valor dos prédios a sobredita entrada, metade líquida do valor de todos os bens se transferem à donatária pelas forças das suas quotas disponíveis, e, a outra metade do valor dos mesmos bens a doam por conta das suas legítimas.
[5] Ao abrigo do disposto na segunda parte do nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil e com base na cópia do documento autêntico junto de folhas 52 a 54 verso destes autos, cuja autenticidade não foi posta em crise, consigna-se que consta do Mapa da Partilha que o valor dos bens doados à aqui recorrida é de 1.415.600$00. No mesmo mapa se consigna a conferência da doação a favor da aqui recorrida, na proporção de metade, ou seja, no valor de 707.800$00.
[6] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora 2008, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, páginas 679 a 681.
[7] Saliente-se que na escritura pública de doação celebrada a 07 de Dezembro de 1965, os noivos manifestavam a intenção de casarem sob o regime da separação de bens. Contudo, à luz do artigo 1125º do Código Civil que então vigorava, se “os esposos declararem, que querem casar-se com separação de bens, não se haverá por excluída a comunhão nos adquiridos, sem expressa declaração.”
[8] E inexiste qualquer prova documental autêntica que permite determinar essa data.
[9] Veja-se, Partilhas Judiciais, 5ª Edição (revista, adaptada e actualizada, por Augusto Lopes Cardoso), Almedina 2008, Volume II, páginas 540 a 542.
[10] Veja-se, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Almedina 1968, páginas 266 a 269. Note-se que este autor afasta desta regra as doações entre cônjuges, tendo em conta que a sua revogabilidade as aproxima das disposições por morte, caso em que entende aplicável a lei vigente à data da abertura da sucessão.
[11] Neste sentido, na jurisprudência, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 1969, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 103º, de páginas 182 a 184, com anotação desfavorável do Professor Antunes Varela, de páginas 184 a 192 da aludida revista.
[12] In Revista de Legislação e Jurisprudência, além do Ano 103 antes citado, posição reiterada no Ano 106 da mesma revista, em matéria de revogação de doações e em anotação ao acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça, de páginas 207 a 208 e 211 a 215. No mesmo sentido se pronunciam: José Gualberto de Sá Carneiro, na Revista dos Tribunais, Ano 88, página 283, em apontamento favorável ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Fevereiro de 1970, publicado nessa mesma revista da página 280 à 283 e no Ano 90, páginas 99 a 108, 147 a 154 e 199 a 206; Inocêncio Galvão Telles in Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 4ª edição, Coimbra Editora 1980, páginas 275 e 276; José de Oliveira Ascensão in Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, páginas 28 a 30 e Rabindranath Capelo de Sousa in Lições de Direito das Sucessões, Volume I, 4ª edição renovada, Coimbra Editora 2000, página 274 e nota 693 a páginas 274 e 275.
[13] Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Julho de 1971, tirado por maioria, publicado na Revista dos Tribunais, Ano 88, páginas 133 a 136.
[14] Veja-se, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Almedina 1968, páginas 263 a 266.
[15] Neste sentido, na jurisprudência, veja-se o acórdão desta Relação de 12 de Novembro de 1991, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1991, Tomo 5º, páginas 188 a 190.
[16] Neste sentido, a propósito da determinação do valor dos bens sujeitos à colação, bem como do perecimento dos bens doados sujeitos à colação, veja-se Rabindranath Capelo de Sousa in Lições de Direito das Sucessões, Volume II, 3ª edição renovada, Coimbra Editora 2002, páginas 181, nota 465 e páginas 191 e 192, nota 490. No entanto, saliente-se que para efeitos da sujeição à colação, se no acto da doação tiver sido dispensada a colação, o autor que temos vindo a citar (obra citada, página 179, nota 459), apelando ao carácter contratual da doação e ressalvando o caso em que o doador reserve a faculdade de revogar a dispensa de colação, sustenta que o doador não poderá sujeitar à colação bens que tenha doado anteriormente com dispensa de colação.
[17] A requerimento dos herdeiros legitimários (artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2169º do actual Código Civil).
[18] Exorbita da economia desta decisão a aferição da correcção da conferência efectuada no âmbito do inventário que correu termos por óbito de G…, isto é se se conformou com aquilo que estava prescrito na escritura pública de doação. Apenas importa determinar se os bens doados foram conferidos na totalidade ou apenas por metade.
[19] Actualmente artigo 583º, nº 3, do Código de Processo Civil.
[20] Actualmente artigos 576º, nº 2 e o corpo do artigo 577º, ambos do Código de Processo Civil.
[21] Actualmente artigo 578º do Código de Processo Civil.
[22] Decisão notificada às partes por carta registada a 16 de Julho de 2007.
[23] Apenas se considera o tempo decorrido fora do período de férias judiciais.
[24] Sobre esta corrente doutrinal e jurisprudencial vejam-se as indicações constantes do Código do Registo Predial Anotado e Comentado, 17ª Edição, Almedina 2009, Isabel Pereira Mendes, páginas 148 e 149 e os acórdão desta Relação de 13 de Junho de 2006, proferido no processo nº 0622143 e de 05 de Março de 2009, proferido no processo nº 0836302, ambos acessíveis na base de dado da DGSI. A afirmação da recorrente de que todos os imóveis têm inscrição do direito de propriedade a seu favor não é totalmente correcta porquanto, relativamente a um dos imóveis, o descrito sob a ficha nº 00843/160693, da Conservatória do Registo Predial da Maia e inscrito na matriz sob o artigo 297 rústico, não existe qualquer inscrição do direito de propriedade a favor da agravante, pois que existe inscrição do direito de propriedade a favor de M… (vejam-se folhas 121 e 122 destes autos).
[25] Sobre a exclusão do conhecimento de questões novas em via de recurso, por todos, veja-se, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014-2ª Edição, Almedina, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 92 a 94.
[26] A requerimento dos herdeiros legitimários (artigos 1789º do Código Civil de 1867 e 2169º do actual Código Civil).
[27] No Código Civil de 1867 este ónus real estava previsto no § 7º, do artigo 2107º.