Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1429/16.8T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ESCOAMENTO DE ÁGUAS
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RP202103081429/16.8T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A segunda perícia, dado que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e por finalidade a correcção da eventual inexactidão dos resultados desta, não invalida a primeira, não a substitui, nem exerce sobre ela o papel de recurso da primeira, subsistindo ambas, lado a lado, submetidas ao princípio da livre apreciação da prova.
II – Face ao disposto no art. 1351º nº2 do C. Civil, não resultando provado qualquer agravamento do escoamento das águas que naturalmente decorrem para o prédio inferior, nenhuma responsabilização resulta para o dono do prédio superior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1429/16.8T8CFR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

B… instaurou acção declarativa comum contra C… e esposa, D…, pedindo a condenação dos Réus a:
A) Repor o seu terreno à quota natural no prazo máximo de 30 dias;
B) Pagar-lhe as quantias de € 16.300,00 a título de danos materiais, e de € 20.000,00 a título de danos morais, num total de € 36.300,00, acrescido dos juros de mora vincendos a contabilizar à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento;
C) Autorizar a Autora a entrar no seu prédio para levar a efeito as obras referidas no art. 20.º da petição inicial.
Alega, para o efeito, em súmula, que os Réus procederam a vários aterros no seu prédio, alterando a quota natural do mesmo significativamente, tendo com tal provocado desnível feito com que todas as águas depositadas no respectivo prédio, nomeadamente das chuvas, escorram e se infiltrem na casa da Autora, a qual tem vindo a sofrer um processo de acentuada e progressiva degradação provocada pela humidade e escorrência das águas provenientes do prédio dos Réus.
Além disso, pelo menos desde Dezembro de 2014 que o Réu marido, sem qualquer razão aparente, encharca com uma mangueira o seu terreno com água e, intencionalmente, direcciona a dita mangueira para as paredes da janela de casa da Autora, as quais se encontram repletas de lama, areia e terra.
Fruto dessa conduta dos Réus, a casa da Autora está com gravíssimos problemas de humidade nas paredes, danificando os móveis, cuja substituição importa o valor de € 8.100,00, bem como provocando um cheiro nauseabundo e condições precárias de higiene e de salubridade, causando-lhe problemas de saúde.
Os Réus deduziram contestação, na qual, impugnando os factos alegados pela Autora para sustentar o seu pedido, alegam, em súmula, que as precárias condições de higiene e salubridade e o alegado apodrecimento dos móveis e do cheiro nauseabundo a bolor resulta exclusivamente da má construção da habitação da Autora, com deficiências de isolamento de humidades e falta de arejamento e limpeza; defendem também que o aterro não veio agravar as condições já existentes na casa da Autora e que não há infiltração na casa da Autora decorrente da escorrência das águas depositadas no respectivo prédio.
Concluem a pugnar pela improcedência da acção.
Teve lugar audiência prévia, em sede da qual foi proferido despacho saneador e subsequente despacho com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Foram requeridas e deferidas uma primeira e uma segunda perícia aos prédios da Autora e dos Réus, ambas com o mesmo objecto, sendo que o relatório da primeira perícia e documentos a ele anexos consta de fls. 91 a 102 e os respectivos esclarecimentos complementares constam a fls. 141 e 142 e o relatório da segunda perícia [ordenada por despacho proferido a 3/5/2018 e constante de fls. 142 a) e 142 b)] consta de fls. 145 a 149 e os respectivos esclarecimentos complementares constam de fls. 166 a 172.
Perante o falecimento do co-Réu C…, teve lugar a habilitação dos respectivos herdeiros.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sequência do mesmo sido proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido.
De tal sentença veio a Autora interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Os Réus apresentaram contra-alegações de resposta, nas quais defendem que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das nulidades e depois das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar da verificação da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, invocada sob a conclusão 80ª do recurso;
b) – apurar se há que proceder à alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos pontos desta indicados pela Recorrente;
c) – apurar da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.
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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
A Recorrente defende que, “porque tal matéria não faz parte dos presentes autos”, ao ter-se referido sob os pontos 11 e 12 dos factos provados que as janelas da Autora eram “fixas” e com “frestas” se proferiu “decisão em violação do disposto no nº2 do artigo 1363º do Código Civil”, o que configura “nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº1, al. d), in fine do CPC” (conclusões 76ª e 80º).
Analisemos.
Existe tal nulidade, como se prevê naquela alínea d) do nº1 do art. 615º, “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Com tal expressão, na sequência do que aliás se prevê no art. 608º do CPC, pretende referir-se a discussão e análise jurídica, em sede de fundamentação de direito da respectiva peça processual, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente [neste sentido, vide Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670, em anotação ao art. 668º nº1 d) do anterior CPC, cuja estatuição era exactamente idêntica à do actual art. 615º nº1 d) do CPC].
Isto é, as questões a que se refere a alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, por correlação com o artigo 608º do mesmo diploma, são apenas questões de direito.
Na verdade, referindo-se a previsão em análise, como já se disse, a questões de direito, a mesma não contende com uma qualquer eventual “patologia” da decisão de facto – como no caso nos parece ser o que a Recorrente pretende referir, ao ver naquelas expressões constantes dos referidos pontos 11 e 12 dos factos provados o que entende ser uma decisão que contende com o nº2 do art. 1363º do C.Civil e talvez porque, como dá conta na sua motivação, a págs. 32 da sua peça de recurso, está a ser “discutido noutro processo” o direito à servidão de vistas da Autora.
Efectivamente, a eventual patologia dos fundamentos de facto da sentença decorrente da inclusão neles de matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito, não integra aquela nulidade, e deve enquadrar-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto, oficiosamente cognoscível e suprível em segunda instância quando o Tribunal da Relação tenha ao seu dispor todos os elementos para tal, a fim de evitar resolver directamente em sede factual questões que só podem ser decididas na sequência de operações de qualificação jurídica de matéria de facto (sobre esta problemática, vide Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 304 e 306).
Porém, no caso concreto, nem sequer é este o caso.
Efectivamente, como se pode ver daqueles pontos 11 e 12 dos factos provados (que decorrem dos factos alegados nos artigos 7º e 8º da contestação), referem-se ali janelas” “com friestas, realidade perfeitamente perceptível de per si, e não só “frestas”, sendo que por outro lado, e decisivamente, neste processo não está em causa o proferimento de qualquer decisão de mérito sobre “janelas” ou “frestas”.
Portanto, não sendo de reconhecer a tais expressões qualquer conteúdo decisório do ponto de vista do direito (que por isso carecesse de ser corrigido naquele sector da sentença), nem sendo a questão levantada, como se viu, sequer subsumível à previsão da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, improcede a arguição da nulidade em referência.

Passemos para a segunda questão enunciada.
A Recorrente, como se vê da conclusão 82ª, pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente ao ponto 15 dos factos provados e relativamente às alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i) e j) dos factos não provados (que são aliás todas as alíneas dos factos não provados), defendendo que aquele ponto 15 deve ser dado como não provado e que todas estas alíneas devem ser dadas como provadas.
Tal ponto dos factos provados e tais alíneas dos factos não provados têm o seguinte conteúdo:
- “15. As humidades e bolores existentes no prédio da Autora são genericamente provocados pela má qualidade construtiva das construções, nomeadamente as paredes exteriores a Norte, em pano simples de tijolo cerâmico de 15 cm, sem reboco, com fissuras, com rufos deficientes executados e/ou inexistentes, excepto o quarto a poente que possui parede dupla de tijolo 11cm + 11 cm e com revestimento rebocado sem pintura.”;
- “a) – O muro de vedação edificado pelos Réus não respeitou os parâmetros legais de isolamento de humidades.”;
- “b) – Com o provocado desnível, todas as águas depositadas no prédio dos Réus, nomeadamente, das chuvas, escorrem e infiltram-se na casa da Autora.”;
- “c) – A casa da Autora, a qual tem vindo a sofrer um processo de acentuada e progressiva degradação provocada pela humidade e referida escorrência das águas provenientes do prédio dos Réus.”;
- “d) – Pelo menos desde Dezembro de 2014, sem qualquer razão aparente, munido de uma mangueira, o Réu marido encharcava o seu terreno com água e, intencionalmente, direcciona a dita mangueira para as paredes e janelas da casa da Autora, as quais, em virtude dessa conduta, encontram-se repletas de lama, areia e terra.”;
- “e) – Face à grande quantidade de água que os Réus diariamente despejam no seu terreno, têm provocado um acentuado agravamento da degradação da casa da Autora.”;
- “f) – Em virtude da conduta dos Réus, a casa da Autora está com problemas de humidade nas paredes.”;
- “g) – Em virtude da conduta dos Réus, grande parte dos móveis da Autora, designadamente, as mobílias dos quartos, encontram-se apodrecidas pela constante humidade, denotando-se um constante cheiro nauseabundo a bolor, tendo de ser substituídos.”;
- “h) – A constante humidade causou e continua a causar consequências na saúde da Autora e do seu agregado familiar, os quais andam constantemente constipadas e com problemas de tosse.”;
- “i) – A Autora não pode abrir uma janela da sua casa que do terreno dos Réus tudo se vê para dentro da sua casa.”;
- “j) – Para substituir os móveis a Autora terá que despender a quantia de € 8.100,00.”.
Além daquelas alterações, defende ainda a Recorrente (conclusão 34ª) que existe contradição entre os pontos 14 e 15 dos factos provados, pois no primeiro considera-se que as paredes norte da casa da Autora “estão rebocadas” e no segundo diz-se que as ditas paredes estão “sem reboco”, e defende também (conclusão 81ª) que sob o ponto 12 dos factos provados só por mero lapso se terá dado como provado que a janela ali referida “se mantém inalterável”, pois das fotografias da inspecção judicial ao local constantes dos autos decorre que tal janela configura uma janela em alumínio, de abrir para os lados e dotada de persiana.
A Recorrente baseia tal pretensão em depoimentos prestados em audiência cujos excertos que considera pertinentes transcreve [prestados em sede testemunhal e em sede de esclarecimentos prestados por peritos, como os das testemunhas E…, F…, G…, H…, I…, J…, Eng. K…, L…, Eng. M…, N…, O… e do perito Eng. Civil P… – conclusões 6º, 7ª, 8º a 12ª, 18ª a 22ª, 29ª a 33ª, 39ª, 40ª, 48ª, 55ª a 59ª, 61ª, 70ª, 72ª, 75ª e 79ª] e na sua interpretação de documentos juntos aos autos que identifica [documentos camarários que juntou com um seu requerimento de 3/2/2019 (fls. 155 a 159); relatório elaborado pelo Eng. Civil Q… junto por si a 29/6/2017 e constante de fls. 130 a 135 (cópia) e de fls. 231 a 237 (original); fotografias por si juntas com a p.i. (fls. 9 a 12), fotografias por si juntas com um seu requerimento de 23/5/2017 (fls. 85 a 89) e fotografias juntas aos autos tiradas aquando da inspecção judicial; documento camarário por si junto aos autos em 5/6/2017 (fls. 112 e 113); fotografia junta com a contestação como doc. nº2 (fls. 28 e 56); e fotografias juntas pelos Réus em 18/6/2019 como documentos nºs 18, 19 e 20 (fls. 186, 186-verso e fls. 187) – conclusões 4ª, 5ª, 17ª, 47ª, 64ª, 71ª, 77ª e 81ª].
Os Recorridos, nas suas contra-alegações, pugnam pela manutenção da decisão de facto quanto àqueles pontos, apenas concedendo que quanto ao ponto 12 dos factos provados só por mero lapso ali se terá dado como provado que a janela ali referida “se mantém inalterável” (pois, referem, do confronto das fotografias juntas a fls. 56 e 57 como documentos nºs 2, 3 e 5, que retratam a situação anterior às alterações feitas pela Recorrente no seu prédio, com a fotografia junta a fls. 213, tirada na inspecção judicial ao local realizada em 12/9/2019, resulta que nesta altura a janela em causa se apresentava como uma janela de abrir, sem friestas, com caixilharia de alumínio e dotada de um estore).

Cumpre referir que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito), não se podendo esquecer que o tribunal, nos termos do art. 413º do CPC, “deve tomar em consideração todas as provas produzidas”.
Ou seja, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo corolário em sede de recurso de tal comando o disposto no art. 662º nº1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, quando dali com evidência se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287).

Tendo presente estes pressupostos, apuremos então das alterações defendidas pela Recorrente.
Comecemos por apurar da pretensão relativa ao ponto 15 dos factos provados e às alíneas dos factos não provados.
Vamos ao ponto 15 dos factos provados e aos factos não provados sob as alíneas b) e c), devido à interligação da factualidade neles referida.
Para a pronúncia sobre a factualidade em causa é decisiva a prova pericial constante dos autos, levada a cabo por pessoas formadas em engenharia civil, pois é inequívoco que são necessários conhecimentos técnicos especializados naquela área.
Aquele ponto dos factos provados (cujo conteúdo acima já se referiu) advém directamente do conteúdo do relatório da primeira perícia, constante de fls. 91 a 96, na parte em que neste (a fls. 92) se responde ao quesito 5º da Autora relativo ao objecto de tal perícia (em que se pergunta “Em virtude deste desnível causado pelos Réus as águas provenientes do seu prédio escorrem e infiltram-se na casa da Autora, provocando-lhe humidades e bolores?”), sendo que tal resposta acaba por ser complemento da resposta dada àquele mesmo quesito no relatório da segunda perícia, constante de fls. 145 a 149, quando neste se responde “não observável”.
Isto é, nesta segunda perícia afirmou-se não se poder concluir que por causa do desnível do terreno as águas provenientes do prédio dos Réus escorrem e infiltram-se na casa da Autora (afirmação essa bem confirmada em sede de prestação de esclarecimentos em audiência pelo Sr. Perito que a efectuou, quando entre os minutos 46:40 e 47:40 do seu depoimento, a perguntas do sr. Juiz, explicitou aquela sua resposta de “não observável”, sendo que noutro momento anterior do seu depoimento referiu também, por exemplo, que o revestimento exterior das paredes na zona das janelas não está finalizado, por não estar rebocado nem pintado, e que isto também pode contribuir para a entrada de humidades), e na primeira perícia, além de logo se começar por responder “Não” a tal quesito (em perfeita conformidade com a resposta que veio a ser dada no relatório da segunda perícia), concretizou-se depois, nessa mesma resposta, qual a causa para as humidades e bolores referidas no quesito.
Note-se que a primeira perícia é a mais próxima da propositura da acção e, por isso, a mais adequada para retratar o estado dos prédios e pronunciar-se sobre as alegadas infiltrações e causa destas em termos do alegado nos articulados, desde logo porque, como se dá como provado sob o ponto 10 dos factos provados (e não é objecto de impugnação), a Autora foi aumentando e alterando o seu prédio, com novas construções.
Faz-se também notar, nomeadamente face à oposição que a Recorrente denota para com a mesma (conforme se vê, nomeadamente, das conclusões 24ª e 25ª do recurso), que a primeira perícia é perfeitamente válida e relevante para os autos, como decidido no despacho constante de fls. 139 e 140 dos autos (em que se conheceu, fazendo-o improceder, de incidente de impedimento do perito que a realizou) e que, como bem se dá conta na motivação da sentença recorrida, a segunda perícia, dado que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e por finalidade a correcção da eventual inexactidão dos resultados desta, não invalida a primeira, não a substitui, nem exerce sobre ela o papel de recurso da primeira, subsistindo ambas, lado a lado, submetidas ao princípio da livre apreciação da prova, tudo conforme expressamente decorre dos arts. 487º nº3 e 489º do CPC.
Em ligação com a pronúncia sobre matéria eminentemente técnica que os relatórios das perícias ordenadas nos autos integram, cumpre referir, como na mesma linha também se deu conta na motivação da sentença recorrida, que o “relatório” elaborado pelo Eng. Civil Q…, junto pela Autora aos autos a 29/6/2017 e constante de fls. 130 a 135 (cópia) e de fls. 231 a 237 (original), no qual o seu subscritor afirma que o faz “como perito” e até afirma prestar “compromisso de cumprimento das funções que lhe são cometidas”, não pode servir como repositório de matéria pericial.
Efectivamente, tal documento não é o resultado de uma qualquer perícia ordenada pelo tribunal e com o devido contraditório sobre, nomeadamente, o objecto da perícia, a pessoa nomeada para a efectuar e o seu resultado. É apenas um documento que foi unilateralmente junto pela Autora, a qual, também unilateralmente, teve a iniciativa de, por si e fora do processo, solicitar a pretensa “perícia” que nele se documenta.
Aliás, note-se, tendo a Autora sido tão incisiva a levantar a questão da parcialidade e/ou isenção do perito nomeado para a primeira perícia (que veio a ser, como já se referiu antes, considerada improcedente), não se compreende bem que queira fazer prova relativa a factualidade dos autos com este “relatório” de uma sua “perícia” particular, a qual, por ter tal natureza, afasta por si própria a possibilidade de o tribunal e a contraparte poderem exercer sobre o seu resultado ou conteúdo uma qualquer contraposição ou pedido de esclarecimento.
Daí que, manifestamente, não se possa considerar tal “relatório” como meio de prova pericial e como tal ser valorado.
Feitos os raciocínios que antecedem sobre o valor da primeira e segunda perícias efectuadas nos autos e sobre a ausência de valor probatório do “relatório” junto pela Autora que se acabou de referir, e tendo em conta o anteriormente dito quanto à base probatória da matéria que se deu como provada sob o ponto 15, é manifestamente de manter tal ponto como provado e, decorrentemente, como não provadas as alíneas b) e c).
Aliás, a manutenção do decidido quanto a tais itens, além daquela prova pericial, tem a apoiá-la também os depoimentos das testemunhas S…, engenheiro civil, e T…, arquitecto, técnicos que, como se refere na sentença recorrida, estiveram no local com a intermediação e a supervisão da Câmara Municipal … (o primeiro foi o autor do aditamento ao projecto de rede de drenagem de águas pluviais aprovado pela Câmara Municipal … e o segundo foi o responsável pelo projecto de alteamento do muro, da alteração do terreno e da construção de uma plataforma no prédio dos Réus).
Aquela primeira testemunha, dando conta das obras de drenagem de águas efectuadas no prédio dos Réus (retratadas nas fotografias de fls. 174-v a 177), explicitou (seguimos a sentença recorrida, pois o que se faz constar na motivação do tribunal recorrido e se vai transcrever é fiel à prova produzida - conclusão esta que, aliás, não é posta em causa nem por Recorrente nem por Recorridos) “que se encaminharam as águas para um poço de infiltração, situado a uma cota inferior do solo com mais de dois metros de profundidade, que depois é disperso naturalmente e a uma profundidade mais baixa para o terreno dos Réus, obstaculizando desse modo a acumulação de águas pluviais no prédio vizinho. Referiu, ainda, que foi colocada uma vala drenante e uma grelha que desemboca para uma caixa que impede que as águas pluviais sejam direccionadas para prédio da Autora, afastando, assim, em termos técnicos, a ideia de que tenha existido um acréscimo do escoamento das águas pluviais para o prédio da Autora em consequência das obras realizadas pelos Réus. Pelo contrário, sustenta que os Réus/Habilitados criaram as condições técnicas que favoreceram inclusive o prédio vizinho do escoamento natural das águas”.
Além disso, referiu ainda esta testemunha (por volta dos minutos 25:38 a 26:45 do seu depoimento), como também nesta linha se dá conta na motivação da sentença recorrida, que pela visualização do exterior da parede Norte da habitação da Autora, como o ilustram as fotografias juntas a fls. 56 e 57 dos autos, a mesma não está impermeabilizada, tem tijolos à vista e só está rebocada na parte central.
Aquela segunda testemunha (que, embora sendo sobrinho dos Réus, prestou sobre a factualidade em causa um depoimento de cariz eminentemente técnico), denotando conhecer bem o terreno dos Réus e os termos em que o prédio da Autora com ele confina, deu conta (por volta dos minutos 54:20 a 54:54 do seu depoimento) da deficiente e/ou quase inexistente impermeabilização das paredes exteriores Norte da habitação da Autora, deu conta das obras de drenagem de águas efectuadas pelos Réus (na sequência do aditamento ao projecto de rede de drenagem de águas pluviais da autoria da testemunha referida anteriormente), devidamente acompanhadas pela Câmara Municipal …, e afirmou (por volta dos minutos 43:38 a 44:50 do seu depoimento) que com tais obras de drenagem as águas que caem no prédio dos Réus (nomeadamente as que caem junto do muro construído pelos Réus na confinância com o prédio da Autora) são encaminhadas por tubo para uma caixa, depois vão daqui para um poço ali construído e que fica a cerca de 2 metros de profundidade em relação ao solo da casa da Autora e por ali se infiltram no próprio solo do prédio dos Réus, nele desaparecendo.
De resto, o estado das paredes exteriores do lado Norte que se refere sob o ponto 15, como se diz expressamente na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, converge no essencial (além de com o mencionado nos relatórios periciais quanto a tal ponto) “com o percepcionado pelo Tribunal na inspecção ao local, onde se verificou que as paredes exteriores do lado Norte encontram-se essencialmente com tijolo à vista” (sublinhado nosso) e, acrescentamos nós, com o que mostram as fotografias que constituem os documentos nºs 2, 4 e 5 juntas a fls. 56 e 57 e com as fotografias anexas ao relatório da primeira perícia sob os nºs 4, 5, 9 e 10 (constantes de fls. 100 e 101).
Assim, em conformidade com o que se vem de referir, mantém-se o ponto 15 dos factos provados e as alíneas b) e c) dos factos não provados.

Passemos agora para alínea a) dos factos não provados, cujo conteúdo também está referido acima.
A matéria em referência deriva do alegado pela Autora no artigo 5º da sua petição inicial e estaria em causa apurar, como ali se escreve, quanto ao respeito pelos “parâmetros legais de isolamento de humidades” do muro de vedação edificado pelos Réus, sendo que naquela alegação da Autora (ou a par dela, antes ou depois) não se especifica ou concretiza – se é que existem – tais parâmetros, ainda para mais “legais” e para aquele tipo de muro.
Note-se que o prédio dos Réus é um puro muro de vedação ou delimitação construído em prédio rústico, não carecendo por isso de um qualquer isolamento, pois é só para delimitar e não faz ele próprio parte de uma qualquer edificação.
Seja como for, uma vez que tais “parâmetros”, se é que existem, não foram concretizados pela Autora na sua alegação, é manifesto que daí e do facto de estar em causa um mero muro de vedação de prédio rústico resulta a não prova daquela factualidade.

Vamos agora às alíneas d) e e) dos factos não provados.
Ouvidos os depoimentos das testemunhas E… (vizinha da Autora e dos Réus, conhecendo bem a casa da Autora e o terreno dos Réus) e H… (conhece bem a casa da Autora, com quem vive há cerca de 33 anos e que considera como uma mãe adoptiva, e o terreno dos Réus), principais depoimentos nos quais a Recorrente fundamenta a sua pretensão de prova da factualidade referida naquelas alíneas, verifica-se o seguinte: a primeira referiu (por volta dos minutos 12:40 a 13:35 do seu depoimento) que num determinado dia em que vinha do mercado viu o Réu marido “a regar o nada”, a deitar água para o chão, esclarecendo depois que o mesmo estaria a limpar salpicos de terra na parede da casa da Autora virada para o seu prédio e dizendo ainda, logo depois, que aquele era um senhor “muito respeitador”; a segunda referiu (por volta dos minutos 10:35 a 11:15 do seu depoimento) que chegou a ver várias vezes o R. marido, virado para a casa da Autora, com uma mangueira a despejar água e que no local não tinha lá nada cultivado.
A Recorrente chega ainda a referir também o depoimento da testemunha dos Réus L… (vizinho da Autora e dos Réus), sendo que quanto a este refere que o mesmo disse que viu o Réu marido a regar “muitas vezes”.
Ora, face a tal prova, só o conteúdo do depoimento da testemunha H… que se referiu se poderia extrair algum concreto conteúdo para a factualidade em causa, pois daquele conteúdo do depoimento da testemunha L… e daquele conteúdo da testemunha E… que se assinalou (em que esta apenas deu conta de comportamento que viu apenas num determinado dia e que o mesmo consistia no facto de o Réu marido estar a limpar com água salpicos de terra na parede da casa da Autora virada para o seu prédio) nada resulta no sentido de um qualquer recorrente ou mesmo diário comportamento de encharcamento do terreno ou de despejamento nele de água sem razão aparente, como é o que está em causa na factualidade referida naquelas alíneas.
Porém, não se pode deixar de analisar aquele conteúdo do depoimento da testemunha H… como o faz o tribunal recorrido: “não obstante a alusão feita pela testemunha H… sobre o episódio do Réu marido ter despejado água em direcção à habitação, tal afirmação não teve a adesão de outros meios de prova, sendo que a própria testemunha revela uma parcialidade e um interesse comum em fazer vingar a tese da Autora, que não nos permite conceder-lhe credibilidade”.
Como tal, mantém-se as alíneas d) e e) dos factos não provados.

A factualidade não provada referida sob as alíneas f), g), h) e j) também se mantém, sendo a da f) e da g) por decorrência dos factos não provados referidos sob as anteriores alíneas b), c), d) e e) e a da h) e da j) também por ausência de qualquer prova [como se fez notar na motivação de facto da decisão recorrida e não é contrariado no recurso interposto, pois neste não se indica qualquer concreto elemento probatório em sentido discordante quanto a tais alíneas h) e j)].
Resta debruçarmo-nos sobre a alínea i).
Sobre tal factualidade, como também se refere na motivação da sentença recorrida, não foi produzida prova no sentido da mesma.
Mas sobre a factualidade que dela consta não podemos deixar de dizer que a Recorrente a vê de uma perspectiva que podemos considerar como invertida.
Efectivamente, quem abriu as janelas que deitam para o prédio dos Réus foi a Autora!...
Portanto, sendo o prédio da Autora que tem as janelas, estas é que permitem olhar para o prédio dos Réus.
Se tais janelas estão agora mais baixas em relação ao prédio dos Réus por causa da alteração do terreno destes, esta é uma circunstância com que a Autora se tem que conformar, pois os Réus podem fazer as alterações ao seu terreno que o direito de propriedade lhes permite.
Por outro lado, não se pode deixar de lembrar que o prédio dos Réus é rústico (ponto 2 dos factos provados), é um terreno de cultivo, e não um prédio urbano onde habitem pessoas que estejam a olhar para as janelas da Autora.
Como tal, é de manter o conteúdo de tal alínea como factualidade não provada.

Passemos agora à análise da invocada contradição existente entre os pontos 14 e 15 dos factos provados.
Defende a Recorrente (conclusão 34ª) que existe tal contradição na medida em que no ponto 14 considera-se que as paredes norte da casa da Autora “estão rebocadas” e no ponto 15 diz-se que as ditas paredes estão “sem reboco”.
Aqueles pontos 14 e 15 têm o seguinte conteúdo:
- “14. Na empena Norte as paredes que constituem a casa da Autora são paredes simples, sem isolamento e apenas estão rebocadas”;
- “15. As humidades e bolores existentes no prédio da Autora são genericamente provocadas pela má qualidade construtiva das construções, nomeadamente as paredes exteriores a Norte, em pano simples de tijolo cerâmico de 15 cm, sem reboco, com fissuras, com rufos deficientes executados e/ou inexistentes, excepto o quarto a poente que possui parede dupla de tijolo 11 cm + 11 cm e com revestimento rebocado sem pintura”.
Como já se disse antes, o ponto 15 advém directamente do conteúdo do relatório da primeira perícia, constante de fls. 91 a 96, na parte em que neste (a fls. 92) se responde ao quesito 5º da Autora.
Resulta do relatório dessa primeira perícia, na parte respeitante à resposta ao quesito 5º da Autora e à resposta aos quesitos 1º, 2º, 3º e 4º dos Réus (constante de fls. 94), que, em tal perícia, se considerou as paredes exteriores a Norte como sendo a mesma coisa que as paredes da empena Norte, pois respondeu-se àquele quesito 5º referindo-se aquelas paredes exteriores a Norte e respondeu-se àquele quesito 1º, que se refere expressamente à empena Norte (e em que se pergunta “Na empena Norte as paredes que constituem a casa da Autora estão executadas de acordo com as boas normas de construção no que diz respeito à exigência de parede dupla com isolamento e tratamento da face exterior”) e àqueles quesitos 2º, 3º e 4º, estes decorrentes directamente daquele (em que se pergunta: “A parede que lá está é uma parede simples?”; “Sem isolamento?”; “Sem qualquer tratamento”), remetendo para a resposta àquele quesito 5º.
Por outro lado, a matéria do ponto 14 advém, também directamente, do conteúdo do relatório da segunda perícia, constante de fls. 145 a 149, na parte em que neste (a fls. 147) se responde àqueles quesitos 1º, 2º, 3º e 4º dos Réus.
Assim sendo, referindo-se os dois pontos às mesmas paredes, há que reconhecer que existe alguma contradição entre o dizer-se que “estão rebocadas” no ponto 14 e dizer-se que estão “sem reboco” no ponto 15.
Tal aparente incongruência explica-se perfeitamente pelo que dão conta as fotografias constantes de fls. 56 e 57 (documentos nºs 2, 4 e 5) e as fotografias anexas ao relatório da primeira perícia sob os nºs 4, 5, 9 e 10, constantes de fls. 100 e 101, todas já acima por nós referidas: aquelas paredes têm várias partes e só a parte central das mesmas está rebocada.
Não obstante, referindo-se os dois pontos às mesmas paredes, para evitar aquela contradição entendemos ser de suprimir o ponto 14, pois no ponto 15 a factualidade está descrita de forma mais concretizada (refere-se o não reboco da maior parte e refere-se, como excepção, a parte rebocada).
Assim, retira-se da matéria de facto provada a factualidade referida sob aquele ponto 14.
Finalmente, analisemos o conteúdo do ponto 12 dos factos provados, no sentido de apurar, como defende a Recorrente (conclusão 81ª), se só por mero lapso se terá dado como provado que a janela ali referida “se mantém inalterável”.
Aquele ponto 12 tem o seguinte conteúdo: “Além das supra referenciadas duas janelas, existia ainda uma terceira janela no bloco Nascente, também fixa e com friestas, que se mantém inalterável”.
Esta matéria deriva directamente do alegado no artigo 8º da contestação dos Réus.
Argumenta a Recorrente que da fotografia 3 da inspecção judicial ao local constante dos autos (junta a fls. 213), assim como das fotografias juntas pelos Réus em 18/6/2019, como documentos nºs 18, 19 e 20 (a fls. 186, 186-v e 187), decorre que tal janela configura uma janela em alumínio e de abrir para os lados, pelo que, diferentemente do que ali se diz, não se mantém inalterável.
Os Réus, como se vê da conclusão 81ª das suas contra-alegações, concedem em tal entendimento.
Face às fotografias da janela em causa que constam como docs. nºs 2 e 5 a fls. 56 e 57, por comparação com as fotos dessa mesma janela que constam de fls. 186, 186-v, 187 e 213, esta última tirada aquando de inspecção judicial ao local ocorrida já em sede de julgamento, verifica-se que efectivamente tal janela, nesta data mais recente, configura uma janela em alumínio, de abrir para os lados e dotada de persiana.
Como tal, e até porque as partes estão de acordo quanto à inexactidão de tal segmento de factualidade por referência à data do julgamento, decide-se suprimir daquele ponto 12 dos factos provados a expressão “que se mantém inalterável”.
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Passemos para a terceira questão enunciada.
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta [decorrente da factualidade da sentença recorrida e das alterações anteriormente decididas, com renumeração dos pontos da factualidade provada derivada da supressão do ponto 14 daquela peça]:
Factos Provados:
1. A Autora é dona e legítima proprietária de um prédio urbano destinado à habitação, inscrito na matriz predial sob o artigo 977 da freguesia …, o qual constitui a sua casa de morada de família e é composta por cozinha, sala, duas casas de banho e cinco quartos, na qual habitam presentemente seis pessoas.
2. Os Réus são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo 1014, o qual confronta a sul com o prédio da Autora em toda a sua extensão.
3. Quer o prédio da Autora, quer o prédio dos Réus, sitos na mesma rua e contíguos, antes dos aterros tinham aproximadamente as mesmas cotas naturais, tendo, todavia, o terreno da Autora uma inclinação com orientação Norte/Sul e o terreno dos Réus uma inclinação com orientação poente/nascente.
4. Os Réus procederam a aterros no seu prédio, alterando a cota natural do mesmo em, pelo menos, 1 metro.
5. O muro construído no terreno dos Réus, encontra-se praticamente ao nível da cobertura da casa.
6. Para eliminar, substancialmente, as humidades e bolores registados na casa da Autora, a solução passa, no exterior por colocar betão feito em central com produto hidrofugante, entre o muro e a parede da moradia, até à altura do muro e em toda a sua extensão, bem como colocar um rufo em chapa na parede da moradia para vedação, impermeabilizar a parede em toda a sua extensão, com produtos adequados da marca Sica ou Weber, pintar a parede, colocar duas janelas novas em alumínio, colocar um vidro que se encontra partido e limpar o local.
7. No interior da habitação a execução de vala para colocar tubo próprio para drenar águas que correm no interior da moradia, a colocação de uma parede em pladur com montantes de 3 cm a separar as paredes entre si, ficando com espaço para circular o ar, o emassamento e pintura das paredes com aplicação de um primário e a limpeza do local são aptas a contribuir para um melhor isolamento interior das paredes.
8. O custo das obras referidas em 6 e 7 é de € 9.076,00, sem IVA.
9. A Autora vive angustiada.
10. A Autora foi aumentando e alterando o seu prédio, com novas construções.
11. Dessas alterações constam também a substituição de duas pequenas janelas existentes com friestas, por janelas de abrir sem friestas e com caixilharia de alumínio, uma no corpo central e outra no corpo Poente.
12. Além das supra referenciadas duas janelas, existia ainda uma terceira janela no bloco Nascente, também fixa e com friestas.
13. Entre o aterro e a casa da Autora está a separá-los um muro antigo.
14. As humidades e bolores existentes no prédio da Autora são genericamente provocados pela má qualidade construtiva das construções, nomeadamente as paredes exteriores a Norte, em pano simples de tijolo cerâmico de 15 cm, sem reboco, com fissuras, com rufos deficientes executados e/ou inexistentes, excepto o quarto a poente que possui parede dupla de tijolo 11cm + 11 cm e com revestimento rebocado sem pintura.
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Factos não provados:
a) – O muro de vedação edificado pelos Réus não respeitou os parâmetros legais de isolamento de humidades.
b) – Com o provocado desnível, todas as águas depositadas no prédio dos Réus, nomeadamente, das chuvas, escorrem e infiltram-se na casa da Autora.
c) – A casa da Autora, a qual tem vindo a sofrer um processo de acentuada e progressiva degradação provocada pela humidade e referida escorrência das águas provenientes do prédio dos Réus.
d) – Pelo menos desde Dezembro de 2014, sem qualquer razão aparente, munido de uma mangueira, o Réu marido encharcava o seu terreno com água e, intencionalmente, direcciona a dita mangueira para as paredes e janelas da casa da Autora, as quais, em virtude dessa conduta, encontram-se repletas de lama, areia e terra.
e) – Face à grande quantidade de água que os Réus diariamente despejam no seu terreno, têm provocado um acentuado agravamento da degradação da casa da Autora.
f) – Em virtude da conduta dos Réus, a casa da Autora está com problemas de humidade nas paredes.
g) – Em virtude da conduta dos Réus, grande parte dos móveis da Autora, designadamente, as mobílias dos quartos, encontram-se apodrecidas pela constante humidade, denotando-se um constante cheiro nauseabundo a bolor, tendo de ser substituídos.
h) – A constante humidade causou e continua a causar consequências na saúde da Autora e do seu agregado familiar, os quais andam constantemente constipadas e com problemas de tosse.
i) – A Autora não pode abrir uma janela da sua casa que do terreno dos Réus tudo se vê para dentro da sua casa.
j) – Para substituir os móveis a Autora terá que despender a quantia de € 8.100,00.
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Como se viu no âmbito do tratamento da segunda questão enunciada, improcedeu toda a pretensão recursiva da Recorrente quanto à alteração da matéria de facto da sentença recorrida relativamente ao ponto 15 dos factos provados e relativamente a todas as alíneas dos factos não provados.
As alterações introduzidas nesta sede de recurso em tal matéria de facto em nada contendem com a matéria provada e não provada sobre a qual assentou a aplicação do direito por parte da sentença recorrida, pois a factualidade do ponto 15 passou a estar agora sob o ponto 14 dos factos provados na numeração por nós supra efectuada, manteve-se toda a factualidade não provada e a supressão da expressão “que se mantém inalterável” do ponto 12 também dos factos provados é absolutamente inócua para o mérito dos presentes autos, já que, como já se disse aquando do tratamento da primeira questão, neste processo não está em causa o proferimento de qualquer decisão daquela natureza relativamente a “janelas” ou “frestas”.
Feito este ponto de ordem, e tendo soçobrado a pretensão da alteração da referida matéria factual por parte da Recorrente, não se vislumbra a susceptibilidade de qualquer censura à decisão de mérito proferida pela primeira instância.
Efectivamente, considerando-se o conteúdo do art. 1351º do C.Civil [com a epígrafe “escoamento natural das águas”, que no seu nº1 diz que “Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente” e que no seu nº2 acrescenta que “nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar (…)”] e considerando que não se provou que dos aterros realizados pelos Réus (referidos sob o ponto 4 dos factos provados) tenha resultado que as águas depositadas no prédio dos Réus, nomeadamente das chuvas, escorrem e infiltram-se na casa da Autora e que a humidade desta é provocada por tal escorrência de águas proveniente daquele prédio [alíneas b) e c) dos factos não provados] – apurou-se até que as humidades e bolores naquela existentes (referidas sob o nº6 dos factos provados) são provocadas pela má qualidade de construção, nomeadamente nas paredes exteriores a Norte (ponto 14 dos factos provados) –, é óbvio de concluir, como se faz na sentença recorrida, que “não resulta provado qualquer agravamento do escoamento das águas que naturalmente corriam para o prédio inferior, nem é esta a causa das infiltrações existente na habitação da Autora”.
Portanto, ainda que considerando o disposto no nº2 daquele art. 1351º, nenhuma responsabilização resulta com base nele para os Réus, enquanto donos do prédio superior.
Por outro lado, face aos factos não provados das alíneas d) e e) e face aos factos não provados das alíneas f), g) e h), falece fundamento para responsabilizar os Réus pelas quantias indemnizatórias peticionadas pela Autora.

Deste modo, na sequência de tudo quanto se vem de referir, é de confirmar a sentença recorrida.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 08/03/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim