Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21775/19.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
ACTIVIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RP2023041721775/19.8PRT.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A atividade de intermediação financeira exercida pelos Bancos deve pautar-se por um conjunto de regras que assentam no dever geral de informação, baseado na transparência informativa, sobretudo quando se está perante um investidor não qualificado relativamente ao qual se impõe um especial dever de proteção.
II - Quando se trata de investimentos em produtos de risco, a extensão da informação a prestar e o grau de pormenorização da mesma são ponderados de acordo com o conhecimento e experiência do cliente, através da regra da proporcionalidade inversa que obriga o intermediário a conhecer bem o cliente (know your cliente rule) e que se consubstancia num dever de adequar o serviço prestado ao perfil conhecido daquele.
III - Sendo os AA. clientes do Banco intermediário, aqui R., desde há várias décadas e, desde há alguns anos, também investidores em produtos que não eram simples depósitos bancários, mas assumiam já alguma complexidade, tendo chegado a sofrer perdas de capital em momentos anteriores, mas sempre procurando retorno elevado dos seus investimentos, admitindo, para tal, correr riscos, a sua posição face ao gestor bancário com quem habitualmente se relacionam no Banco destaca-se perante a de um cliente bancário que não tem experiência em investimentos de risco e que, até então, detém no banco meros depósitos à ordem ou a prazo.
IV - Assim, o nível de informação a fornecer, face a nova subscrição de obrigações, não é o mesmo que se impõe para o normal cliente bancário que apenas detém depósitos bancários, sendo suficiente que os AA. soubessem que subscreviam um produto financeiro que os faria incorrer em risco de perda de capital, não se verificando omissão de informação ou informação falsa por parte do Banco.
V – A verificar-se ilicitude da conduta do intermediário, por violação do dever de informação, é abusiva a pretensão de indemnização pelo valor perdido no produto de risco, quando se verifica terem os investidores, aqui AA., sido oportunamente alertados pelos funcionários bancários para o alienarem, sem perdas ou com perdas diminutas, o que os AA. declinaram. Tal conduta, ademais, diminuiria ou excluiria a indemnização, por concorrência da culpa dos lesados (art. 570.º CC).
VI - Apesar de ocorrer hipotética violação do dever de informação e de se presumir a culpa do intermediário financeiro, cabe aos lesados demonstrar que as deficiências de informação do Banco funcionaram como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 21775/19.8T8PRT.P1
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Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO

AUTORES: AA e BB, casados entre si, residentes na Avenida ..., ... Vila do Conde.
RÉU: BANCO Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... Porto.

Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. obter a condenação do R. a indemnizá-los no montante de €276.000,00, acrescido de juros remuneratórios vencidos desde 09.11.2017, e vincendos, à taxa contratual fixada, de 6,75%, até integral pagamento e juros moratórios, à taxa legal de 4%, a partir da citação até integral pagamento, bem na compensação de €10.000,00, por danos não patrimoniais, com juros legais desde a citação.
Para tanto, alegaram serem clientes do Banco R. há várias décadas, confiando no seu gestor desde há muitos anos, razão pela qual, em novembro de 2014, o A. marido, a conselho daquele, que lhe assegurou ser um investimento seguro, com as garantias e segurança de um depósito a prazo, subscreveu €276.000,00, em papel comercial da A..., com data de reembolso para maio de 2019 e juro anual nominal de 6, 75%. Aos AA. não foi facultada qualquer informação ou esclarecimento, nomeadamente nota informativa do emitente e ficha técnica elaborada pelo Banco 1.... A A... foi declarada falida em agosto de 2017, impedindo os AA. de receber juros e capital, sendo que, à data da subscrição, já a empresa tinha um rating abaixo de lixo. Os AA. não subscreveriam as obrigações, caso o R. lhes tivesse explicado que poderiam perder parte ou a totalidade do seu dinheiro. Sem tal dinheiro, poupanças das suas vidas, os AA. viram-se em situação de grande fragilidade, vivendo privações e tendo de pedir dinheiro a familiares.

Contestou o Banco R., defendendo-se por exceção perentória de prescrição, afirmando que, a existir responsabilidade, estaria extinto por prescrição o direito dos AA. por força da passagem de mais de dois anos sobre a subscrição.
No mais, argumentou que há muito os AA. vêm efetuando aplicações financeiras, diferentes dos depósitos a prazo, tendo em vista rendibilidades elevadas, embora o R. os tenha qualificado como investidores não profissionais.
Foram os AA. que, insistindo na taxa de juro de 6,75%, decidiram subscrever o produto simples em causa, apesar de avisados pelo Banco do risco de perda de capital, da não cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos e do interesse na diversificação da carteira, tendo-lhe sido entregue o doc. 15 junto com a pi.
Sabiam os AA. a diferença de taxa de juros de um depósito a prazo em confronto com outros produtos, como resulta do seu histórico junto ao Banco (tendo já obtido ganhos de €80.279,98, com os investimentos efetuados), nomeadamente com as Obrigações Seniores Banco 1... e Obrigações B....
Mesmo após a subscrição deste produto em 2014, nos anos seguintes, os AA. foram sendo alertados para a volatilidade dos títulos e para a recomendação de os vender, o que foram declinando. Invoca, por isso, o abuso de direito.
Impugna os factos relativos aos alegados danos não patrimoniais.

Em exercício do contraditório, disseram os RR. não se achar prescrito o direito por o Banco ter atuado com culpa grave, sendo certo que, só a partir da obrigação de reembolso, em maio de 2019, tiveram os AA. conhecimento de que não recuperariam o capital investido.
Mais alegam não ser verdade terem sido os AA. a decidir efetuar o investimento aqui em causa, por não deterem conhecimentos para tanto, não tendo sido alertados para qualquer risco, muito menos por escrito.
Também não é verdade que, após a subscrição, os AA. tenham sido aconselhados ao que quer que fosse. Defendem-se do invocado abuso de direito.

A 30.10.2020, foi proferido despacho saneador e selecionada a factualidade relevante.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 25.8.2022, a qual julgou a ação improcedente e absolveu o R. do pedido.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1.
Os Autores têm 73 e 65 anos de idade, respectivamente.
2.
Encontrando-se ambos reformados.
3.
Nenhum dos Autores possui habilitações literárias além da 4.ª classe.
4.
O Autor marido ao longo da sua vida activa esteve ligado à actividade de embarcações marítimas.
5.
Enquanto a Autora mulher foi doméstica, cuidando da casa e criando as três filhas do casal.
6.
Há cerca de 40 anos que os Autores são clientes do Banco Banco 1..., aqui Réu, acompanhados nos Balcões de Vila do Conde (...) e depois da Póvoa de Varzim (... da Póvoa de Varzim).
7.
Os Autores são investidores não qualificados.
8.
Os Autores depositavam no gestor de conta, CC, funcionário do Réu, confiança, conhecendo-o desde 2008, a partir do momento em que passaram a ser acompanhados no Balcão da Póvoa de Varzim – ... da Póvoa de Varzim.
9.
Os autores resgataram em Novembro de 2014 o montante de €285.000,00 (€45.000,00 + €240.000,00) referente a uma aplicação num FUNDO Banco 1... MONETÁRIO CURTO PRAZO.
10.
O Dr. CC exibiu aos Autores umas simulações com os números do investimento e rendibilidade que iriam obter com títulos da A... PLC, onde se pode ler que para um investimento de €276.000,00, com vencimento a cerca de 4 anos e meio, teria uma taxa de 6,75%, com juros semestrais líquidos de €6.476,11 e juros totais líquidos a receber de € 58.285,02.
11.
O Autor marido, através da conta nº ...01 de que ambos os Autores são titulares no Réu, ... Póvoa de Varzim, subscreveu em 17.11.2014 papel comercial da A... designado “A... PLC 6,75% - 09-05- 2019”, no montante de €276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil euros), com data de reembolso de 09.05.2019 e taxa de juro anual nominal de 6,75%.
12.
A empresa “A... PLC” havia sido declarada insolvente num Tribunal de Berlim, de Charlottenburg, no Processo n.º 36a IN 4301/17, por sentença proferida em 14.11.2017.
13.
Na data de vencimento da aplicação sub judice, os Autores não foram reembolsados do dinheiro que investiram.
14.
Os Autores encontram-se reformados, auferindo o Autor marido uma pensão mensal de €636,68, e a Autora mulher uma pensão mensal de €334,44.
15.
Os A.A. possuem no rés-do-chão do seu imóvel espaço comercial que periodicamente é arrendado.
16.
Os Autores têm vivido nos últimos anos com angústia, desgosto e ansiedade.
17.
Os A.A. subscreveram a 3ª série do PRODUTO ESTRUTURADO – BANCO Banco 1... – CS R. IMOBILIÁRIO 2005-2009, pelo montante de €185.000,00 em 24/06/2005, pelo prazo de 4 anos e meio, 1º cupão de 4%(TANB).
18.
A partir do pagamento do 1º e único cupão, a remuneração a pagar na data de reembolso, correspondia a 40% da soma das valorizações anuais do índice de imobiliário, EPRA Index – European Public Real Estate Index.
19.
Os A.A. receberam o cupão único definido para o produto, pelo montante de €1.381,34 e venderam a aplicação em mercado secundário em 30/07/2008, a 97,14% tendo recebido €179.709,49, traduzindo-se numa perda de €5.290,51, relativo ao capital investido.
20.
Os A.A. subscreveram, em 02/03/2006, o PRODUTO ESTRUTURADO -BANCO Banco 1... CS MERCADOS EMERGENTES 2006-2011, pelo montante de €50.000,00, pelo prazo de 5 anos, sendo a remuneração paga na data de reembolso final, estando indexada à valorização de um cabaz de 5 índices acionistas – Hang Seng China Enterprises – China = Hang Seng Index –Hong Kong = KOSPI 200 – Coreia do Sul = CECEEUR – República Checa, Hungria e Polónia = Russian Depository Index – Russia.
21.
Os A.A. venderam a aplicação em mercado secundário em 29/03/2010, a 105,03%% tendo recebido €52.269,23, traduzindo-se num ganho de €2.269,23, relativo ao capital investido, correspondendo a uma taxa anual do período de pouco mais de 1 %.
21.
Os A.A. também subscreveram em 03/04/2006 o PRODUTO ESTRUTURADO - BANCO Banco 1... – CS JAPÃO 2006-2009, pelo montante de €100.000,00, pelo prazo 3 anos, com remuneração paga na data de reembolso final, correspondendo a 60% da valorização o índice Nikkei 225, considerando a média aritmética simples do valor do índice nos últimos 12 meses de emissão.
22.
Os A.A. mantiveram a aplicação por todo o prazo, tendo reembolsado ao par em 23/04/2009, não tendo, pois, tido qualquer rendimento do capital investido durante 3 anos.
23.
Mais investiram os A.A. durante anos, igualmente em:
SEGUROS DE CAPITALIZAÇÃO – NOVO AFORRO FAMILIAR. OBRIGAÇÕES SENIORES (Banco 1... – B... 6% 2010-2013).
OBRIGAÇÕES SENIORES (Banco 1... SUPER RENDIMENTO FIXO CRESCENTE 5 ANOS).
FUNDOS DE INVESTIMENTO – Banco 1... MONETÁRIO CURTO PRAZO.
23.
Quanto a DEPÓSITOS A PRAZO, estes foram pelos A.A. realizados durante o período de 05/11/2008 a 13/11/2009 (um ano e oito dias).
24.
Os A.A. sempre procuraram retorno elevado dos seus investimentos, admitindo, para tal, correr riscos.
25.
No vencimento das OBRIGAÇÕES SENIORES - Banco 1... SUPER RENDIMENTO FIXO CRESCENTE 5 ANOS – no montante de €292.000,00 – 13-11-2009 - 13-11-2014, os A.A. dirigiram-se ao Banco R.
26.
Tais OBRIGAÇÕES haviam tido pagamento de cupões trimestrais e crescentes de acordo com o ano a que diziam respeito: 1º ano – 3%(TANB); 2º Ano – 3,50% (TANB); 3º Ano - 4.0% (TANB); 4º Ano - 4,50%(TANB) e 5º Ano – 5.0%.
27.
Nessa reunião, foram apresentadas várias soluções de investimento de PRODUTOS Banco 1..., com o intuito de proceder a uma maior diversificação da carteira, nomeadamente:
DEPÓSITOS A PRAZO Banco 1... com taxa de 0.15%(TANB) e 0,30%(TANB), para os prazos de 181 e 365 dias respectivamente;
OBRIGAÇÕES SENIORES Banco 1... – RENDIMENTO FIXO CRESCENTE 5 ANOS 28-11-2014 / 28-11-2019, com cupões semestrais e taxas (TANB) por ano: 1º ano – 0.90% // 2º ano – 1.10% // 3º ano – 1.30% // 4º ano – 1.50% // 5º ano – 1.70%;
SEGUROS DE CAPITALIZAÇÃO Banco 1...: Defensivo e Moderado.
FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO Banco 1....
28.
Os A.A. rejeitaram a apresentação efectuada, alegando as reduzidas taxas apresentadas, decidindo subscrever, de forma temporária, o FUNDO DE INVESTIMENTO Banco 1... MONETÁRIO CURTO PRAZO, alegando que iriam apurar e analisar outras soluções de investimento na praça, que lhes proporcionassem maior retorno.
29.
Passados 4 dias, os A.A. deslocaram-se ao ... da PÓVOA DE VARZIM, querendo subscrever obrigações A..., com uma taxa de juro de 6,75%.
30.
O colaborador do Banco R. disponibilizou aos mesmos A.A. cópia do PROSPECTO do referido título, datado de 31/07/2014, retirada do site oficial da empresa, bem como da própria Bolsa Luxemburguesa, através dos seguintes links:
https://www.bourse.lu/security/xs1051719786/212829
http://...A...
30-A. [1]. Na mesma data, os A.A. procederam ao resgate do FUNDO DE INVESTIMENTO Banco 1... MONETÁRIO CURTO PRAZO, por si subscrito 4 dias antes.
31.
Os autores receberam cupões/semestres de valor líquido total recebido: €32.420,46.
32.
A.A. declinaram a sugestão de venda das Obrigações da A... Plc.
33.
A A. mulher contactou telefonicamente com o ..., no sentido de aferir da cotação da obrigação.
34.
Os AA promoveram a competente reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência que corre termos no Local Court of Charlottenburg – Insolvency Court, sob o n.º 36ª IN 4301/17, através do “Trustee” designado – o Banco 2... TRUST CORPORATION UK LIMITED.
35.
Os AA., obtiveram ganhos em OBRIGAÇÕES num valor de €80.279,98.
36.
Os A.A. efectuaram, entretanto, entre 19/01/2016 e 22/02/2017, vários contratos de crédito ao consumo, constituindo como garantia dos mesmos PENHOR de parte das adquiridas OBRIGAÇÕES SENIORES A... 6.75% - 09-05-2019.

Foram dados como não provados os factos seguintes:
1. Os autores são avessos aos principais riscos, nomeadamente capital, rendimento e liquidez.
2. Têm perfil conservador, procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidades compatíveis com as taxas de juro de curto prazo.
3. Tendo como horizonte temporal para as suas aplicações, o curto prazo.
4. Em Maio de 2014, em dia que não conseguem precisar, o gestor do Réu acima citado, aconselhou os Autores a investir em títulos da A... PLC emitidos em mercado em 09-05-2014, alegando ser um bom investimento e sem quaisquer riscos.
5. Foi dito pelo gestor aos Autores: “Temos um produto bom. É uma companhia aérea. É alemã. É a segunda maior companhia aérea alemã.”.
6. Tendo o Autor marido de imediato questionado se era seguro.
7. Ao que lhes foi respondido que sim, que nunca tinha havido problemas e que já várias pessoas tinham feito aplicações neste produto financeiro.
8. Os Autores, que não têm conhecimento de aplicações financeiras, nem tão pouco tinham ouvido falar de tal empresa, mostraram-se receosos, mas logo o seu gestor os tranquilizou, dizendo “Não estejam com essa ideia. O investimento é seguro. Se fosse um país de terceiro mundo eu não me meteria, mas como é a Alemanha…”.
9. Os Autores foram então aconselhados a investir a totalidade das suas poupanças nesse produto.
10. E isto sem que aos Autores lhes tivesse sido dada qualquer informação ou esclarecimento.
11. O citado gestor de conta do Banco 1..., ora Réu, entregou ao Autor marido o documento para assinar sem qualquer esclarecimento prévio sobre o tipo de produto e investimento que estava a efectuar.
12. Aquando da transacção da compra das citadas obrigações em mercado secundário, ocorrida em 17.11.2014, não[2] foi disponibilizada ao Autor marido qualquer informação sobre tais títulos.
13. O Autor marido recorda-se de, após 1 ou 2 anos após de ter feito a subscrição referida, ter sido chamado ao Balcão pelo seu gestor, CC, dizendo que era necessário assinar um documento em como assumia que não iria retirar o dinheiro do Banco.
14. O Autor marido, anuiu a esse pedido, sendo que o Dr. CC, dado estar a preencher esse documento à mão e para não perder mais tempo, pediu-lhe que o assinasse e que mais tarde acabava de o compor, o que fez.
15. Não sabendo os Autores que documento foi esse que o Autor marido assinou, até porque não lhe foi dada uma cópia.
16. O Réu, não obstante conhecer o perfil e desejo dos Autores, em vez de aplicar as poupanças em depósitos a prazo, convenceu os Autores a subscrever papel comercial emitido pela “A... PLC”, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança dos depósitos a prazo.
17. O funcionário do Réu, CC, garantiu aos Autores que aplicava o seu capital e, na data do vencimento, receberia o mesmo, acrescido dos respectivos juros, contabilizados à taxa acordada.
18. Só com esta garantia os Autores aceitaram a aplicação proposta, no pressuposto e convicção de que era o mesmo que um depósito a prazo.
19. O dinheiro que os autores auferem não é suficiente para pagar todas as contas mensais com consumo de água, luz, gás ou telecomunicações.
20. Ou mesmo despesas com alimentação, vestuário ou calçado.
21. Os Autores que tinham por hábito ir regularmente almoçar/jantar fora, deixaram de o poder fazer.
22. …deixaram de dar almoços de família, em que recebiam em casa todas as filhas, genros, netos e restantes familiares, como faziam anteriormente.
23. Deixaram, ainda, os Autores de fazer viagens no estrangeiro e em Portugal, como faziam no passado.
24. A Autora mulher deixou de ir todos os sábados ao cabeleireiro, como fazia regularmente.
25. Vendo-se os Autores “obrigados” a pedir dinheiro às suas filhas para suportar despesas tão básicas com o pagamento do IMI, por exemplo.

Desta sentença recorrem os AA., visando a sua revogação e a condenação do R. no pedido, mediante os seguintes argumentos:
A) A douta sentença de que se recorre padece de um claro e evidente erro de julgamento, tendo o Juiz a quo apreciado mal a matéria de facto e aplicado mal o direito ao caso concreto.
B) Regista-se na douta sentença os seguintes lapsos de escrita que importa corrigir:
- na pág. 7, existem dois factos provados com o mesmo número 30, que importa renumerar de forma correcta;
- na pág. 10, no ponto 12. dos factos não provados quando refere “Aquando da transacção da compra das citadas obrigações em mercado secundário, ocorrida em 17.11.2014, foi disponibilizada ao Autor marido qualquer informação sobre tais títulos.” deveria constar “Aquando da transacção da compra das citadas obrigações em mercado secundário, ocorrida em 17.11.2014, não foi disponibilizada ao Autor marido qualquer informação sobre tais títulos.”;
- na pág.16/17, refere “Novembro de 7019”, devendo passar a constar “Novembro de 2017”.
C) Existem alguns factos, dados por provados e não provados, que foram mal apreciados pelo Tribunal e que não se podem deixar de impugnar nos termos do Art. 640.º do C.P.C.
D) Os Apelantes consideram que foram incorrectamente julgados os factos dados por provados constantes dos pontos 11., 24., 25., 27., 28., 29., 30 (primeiro dos factos indicados). e 32., e os factos dados por não provados constantes dos pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24. e 25.
E) Factos estes que deviam ter sido julgados da forma seguinte:
11. Provado que o Autor marido, através da conta nº ...01 de que ambos os Autores são titulares no Réu, ... Póvoa de Varzim, subscreveu em 09.05.2014 embora a operação de compra só tenha sido executada em17.11.2014, papel comercial da A... designado “A... PLC 6,75% - 09-05-2019”, no montante de € 276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil euros), com data de reembolso de 09.05.2019 e taxa de juro anual nominal de 6,75%.;
24. Provado que os A.A. sempre procuraram retorno elevado dos seus investimentos, não admitindo, contudo, para tal, correr riscos de perda de capital;
25. Não Provado.
27. Não provado;
28. Não Provado;
29. Não Provado;
30. Não Provado;
e
1. Provado;
2. Provado que têm perfil conservador, procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidades compatíveis com as taxas de juro de curto e médio prazo;
3. Provado que tendo como horizonte temporal para as suas aplicações, o curto e médio prazo.
4. Provado que em 09 de Maio de 2014, o gestor do Réu acima citado, aconselhou os Autores a investir em títulos da A... PLC emitidos em mercado em 09-05-2014, alegando ser um bom investimento e sem quaisquer riscos;
5. Provado;
6. Provado;
7. Provado que ao que lhes foi respondido que sim;
8. Provado;
9. Provado;
10. Provado;
11. Provado;
12. Provado que aquando da transacção da compra das citadas obrigações em mercado secundário, contratada em 09.05.2014 mas apenas executada em 17.11.2014, não foi disponibilizada ao Autor marido qualquer informação sobre tais títulos;
13. Provado;
14. Provado;
15. Provado;
16. Provado que o Réu, não obstante conhecer o perfil e desejo dos Autores, em vez de aplicar as poupanças em produtos Banco 1... como fizera até então, convenceu os Autores a subscrever papel comercial emitido pela “A... PLC”, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança;
17. Provado;
18. Provado;
19. Provado;
20. Provado;
21. Provado;
22. Provado;
23. Provado;
24. Provado;
25. Provado;
F) Nos termos do disposto no Art. 5.º, nº 2, alíneas a) e b) do C.P.C., para além destes factos articulados pelas partes, existem outros, instrumentais e que são complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultaram da instrução da causa, que deveriam ter sido considerados pelo Juiz a quo, e que não o foram.
G) Efectivamente, porque pertinentes à boa decisão da causa, deveriam ter sido considerados e dados por provados os seguintes factos:
• Os Autores não dominam a língua inglesa;
• Os Autores não dominam ferramentas informáticas, como acesso a internet ou e-mail;
• Os Autores pagam mensalmente ao Réu, a título dos contratos de crédito ao consumo mencionados em 36., o montante de €400,00;
• Pelo arrendamento do espaço mencionado em 15. os Autores recebem actualmente uma renda mensal de €500,00 que, descontando €150,00 a título de IRS, auferem a quantia líquida de €350,00;
H) Em termos de prova testemunhal, constante do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, temos diversos depoimentos prestados em audiência – prestados pelas partes e por todas as testemunhas –que se encontram gravados e registados, cujos excertos se transcreveram e para os quais se remete.
I) Em termos de prova documental, constante do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, temos os seguintes documentos:
- Fls.27 – Doc.7 junto à PI – Comprovativo de ordem de resgate dos Fundos Banco 1... Monetário C.P., no montante de € 45.405,1845, datado de 17-11-2014, com data de liquidação de 19-11-2014;
- Fls.27 verso – Doc.8 junto à PI – Comprovativo de Nota de Execução de Resgate do Fundo Banco 1... Monetário C.P. 45405, 1845 UPS, no montante de €240.001,36 EUR, datado de 20-11-2014, com data de pedido de 17-11-2014;
- Fls.28 – Doc.9 junto à PI – Simulação de Dados Investimento/Compra;
- Fls.29 – Doc.10 junto à PI – Simulação de Juros Semestrais;
- Fls. 30 – Doc. 11 junto à PI – Documento de Subscrição das Obrigações A..., no valor de €276.000,00, datado de 17-11-2014;
- Fls. 31 verso – Doc. 14 junto à PI – Nota de Execução emitida em 18-11-2014;
- Doc.15 junto à PI e constante no Citius – Prospecto das Obrigações A... PLC datado de 31-07-2014, posteriormente parcialmente traduzido até à pág.38 da numeração original junto em requerimento de 12-05-2022 com a Ref: 42219371;
- Fls. 32 a 34 – Doc.16 junto à PI – Sentença de Declaração de Insolvência da A... PLC, datada de 01-11-2017 – posteriormente traduzida junta em requerimento de 12-05-2022 com a Ref: 42219371;
- Fls. 35 – Doc.17 junto à PI – Notícia do Correio da Manhã sobre Processo de Insolvência da A... PLC, datada de 15-08-2017;
- Fls. 36 – Doc.18 junto à PI – Artigo de Opinião sobre as Obrigações A..., datado de 26-06-2014;
- Fls. 37 e segs – Doc.19 a 22 juntos à PI – Declarações de IRS dos Apelantes;
- Fls. 91 verso a 154 – Doc.9 junto à Contestação – Prospecto de Oferta Pública de Subscrição de 8.000.000de Obrigações da “B... 2013”, montada pelo Banco 3... Investment e Banco 4... Investment Banking, datado de 19-03-2010 – PRODUTO NÃO Banco 1...;
- Fls.227 verso – Doc.23 junto à Contestação – Evolução da Cotação das Obrigações A...;
- Fls. 238 a 256 verso – Docs.26 a 30 juntos à Contestação – Contratos de Créditos Pessoais contraídos pelos Apelantes junto da Apelada, acompanhados dos respectivos Penhores;
- Fls. 314 a 1220 verso – Annual Report da A... PLC dos anos 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, posteriormente parcialmente traduzidos, junto em requerimento de 12-05-2022 com a Ref: 42219371, de onde se alcança os vários milhões de prejuízos acumulados, com tendência crescente de subida, ano após ano;
- Fls. 298 a 312 verso – Doc.1 junto em requerimento de 04-05-2020 – Relatório e Contas Referente ao Exercício Findo em 31-12-2014 – Fundo de Investimento Aberto de Obrigações – Banco 1... de Alto Rendimento Alto Risco – onde o Banco Banco 1... detém na sua Gestão de Activos, uma carteira de Obrigações A... PLC;
- Fls. 1275 – Doc.1 junto no Requerimento Probatório de 09-11-2010 – Posição Integrada datada de 08-05-2015, com os manuscritos da autoria do Gestor CC;
- Fls. 1278 a 1279 – Docs.4 e 5 juntos no Requerimento Probatório de 09-11-2010 – Declarações de Venda de Ouro pelo Apelante;
- Fls. 1281 a 1296 – Docs.7 a 21 juntos no Requerimento Probatório de 09-11-2010 – Comprovativos de Transferências Bancárias realizadas pela testemunha DD a favor de seus Pais, ora Apelantes;
- Comprovativos de todos os pagamentos de DUC’s de Taxa de Justiça – Pagamento Faseado de €120,00 mensais – realizados e constantes nos autos – suportados pela testemunha DD, filha dos ora Apelantes.
J) Documentos estes, alguns deles totalmente ignorados na sentença recorrida, que demonstram, sem margem para dúvidas, o que se acabou de evidenciar nos factos provados/não provados, supra impugnados.
L) O Tribunal a quo não fez uma apreciação crítica e conjugada de toda a prova produzida nos autos;
M) Estamos perante um processo onde existem duas versões totalmente opostas entre si;
N) Os Autores afirmam que o produto dos autos foi sugerido pelo seu Gestor, que lhes garantiu que era seguro, sem riscos, aconselhando-os a investir a totalidade das suas poupanças. E fê-lo sem lhes entregar ou fornecer qualquer documentação ou informação sobre as obrigações em causa. Concluindo que esse investimento, de altíssimo risco, era totalmente inadequado ao seu perfil. Pessoas com a 4ª classe, que não dominam a língua inglesa nem as ferramentas informáticas (como acesso a e-mail ou internet).
O) Por seu turno, o Réu, seguindo a versão do principal visado neste assunto – Gestor CC – traz a versão de que o conhecimento deste investimento partiu dos Autores (através de umas tertúlias onde um opinion maker, Administrador de um Banco, deu a conhecer o produto) e não do Gestor. E que o Banco apenas se limitou a cumprir uma mera execução de ordens. Que o Gestor, em quem confiavam e com quem sempre fizeram todos os investimentos, alertou os Apelantes para o risco de perderem o capital, entregou-lhes toda a informação existente onde constava a situação financeira da empresa com milhões de prejuízos acumulados, e mesmo assim decidiram avançar, contra a opinião desse Gestor, colocando em causa todas as poupanças de uma vida conseguidas à custa de muitos sacrifícios na pesca no mar. E que, mais tarde, uma vez mais alertados pelo Gestor para se desfazerem dessas obrigações, sob pena de perderem tudo, ainda assim, mantiveram a sua ideia e rejeitaram sempre esse conselho.
P) São estas duas versões contraditórias, suportadas em todos os depoimentos e documentos juntos aos autos, que apelam ao alto critério e ponderação de Vossas Excelências, recorrendo às mais elementares regras da experiência. Qual a versão que faz mais sentido?
Q) Mas para além das falhas ao nível do julgamento da matéria de facto, que foram tantas, a douta sentença enferma também de falhas ao nível da aplicação do direito, recorrendo a construções jurídicas com as quais não se pode concordar.
R) A sentença centra-se, de forma cega, no disposto no Art. 314.º D do CVM (Receção e transmissão ou execução de ordens). De que, perante um mero cumprimento de ordens, não há uma exigência do dever de adequação.
S) Ora, independentemente da adequação ou não, o dever de informação teria sempre de ser cumprido.
T) Repare-se que o Prospecto (que nem sequer foi entregue pelo Gestor no momento da subscrição) estava redigido em inglês. Há deveres de informação e de acompanhamento mínimos que tinham de ser observados: teriam sido cumpridos com a entrega da documentação em inglês, tendo em conta o perfil e estudos dos Apelantes? O documento em inglês cumpre o dever de informação?
U) O dever de informação não está cumprido quando se sabe, de antemão, que os clientes investidores não entenderiam o que consta do prospeto em inglês. Não conseguem perceber/compreender inglês.
V) Na fase de compra/subscrição não foram cumpridos os deveres da lealdade, transparência, boa-fé e confiança quando se entrega um documento em inglês (onde contém todas as informações do produto e do emitente) a pessoas com a 4ª classe de escolaridade.
X) Mais: será que o Apelado conhece mesmo o investidor quando entrega a documentação em inglês? Já não sabia que não a entenderiam?
W) O cumprimento de ordens pressupõe que o serviço seria prestado por iniciativa do cliente. Pressuporia o conhecimento de determinado produto por parte do cliente; pressupõe que o cliente tenha um determinado tipo de perfil (que não será, certamente, o dos Apelantes). O dar uma ordem pressupõe que os Apelantes, com o seu perfil, tivessem conhecimento específico destas obrigações. O produto não é publicitado, nunca poderia ter sido apresentado/sugerido/conhecido pelo investidor.
Z) Além disso, tendo em conta o perfil dos Apelantes, as pessoas que são, o seu grau de escolaridade, o seu percurso de vida, o seu trajeto em investimentos, como é possível afirmar que foram os próprios que tiveram conhecimento das obrigações A...? Como se pode dizer que os deveres de lealdade, transparência, etc, foram cumpridos quando o produto não partiu do investidor? Os investidores não tinham como o conhecer (presunção de culpa).
AA) Uns clientes que investem em produtos financeiros Banco 1..., Banco com que sempre trabalharam, têm de ser aconselhados pelo seu Gestor. E todos os produtos em que os Apelantes investiram foram por aconselhamento do Gestor!!
BB) A complexidade do produto não afasta o dever de adequação. Não foi iniciativa dos Apelantes, não há ordem. Houve falha da adequação da operação.
CC) Não é só a actuação enquanto prestadores de serviços que é geradora de confiança por parte do cliente. Trata-se de um produto complexo (mas mesmo que não seja tecnicamente um produto complexo, é um PRODUTO DESCONHECIDO) e, por isso, não se afasta a obrigação do teste da adequação.
DD) Não é normal que um investidor com o perfil do dos Apelantes tenha esta iniciativa de investimento neste tipo de produto/num produto desconhecido. Muito menos, que invista o dinheiro todo. E muito menos ainda após terem sido, alegadamente, advertidos pelo gestor do risco do investimento.
EE) Decorre do espírito da lei, quanto à execução de ordens (Art. 314.º-D CVM), em que o «serviço seja prestado por iniciativa do cliente» (al. b)), que dar uma ordem não basta.
FF) Não é suficiente que o cliente se dirija ao balcão e que apenas refira que tem determinada quantia de dinheiro disponível e que peça ajuda para o investir. Neste caso, está a pedir ACONSELHAMENTO (o cumprimento de uma ordem pressupõe muito mais que um pedido de aconselhamento, mas antes que seja pedido o investimento nas obrigações X) e, por isso, não está afastada a obrigação de efetuar o teste da adequação, nem sequer a ilicitude, presunção de culpa, etc.
GG) Como os Apelantes tinham total desconhecimento do produto, não pode ter existido uma ordem para investir nas obrigações A....
HH) Tendo em conta a complexidade e sofisticação dos mercados financeiros e, por outro lado, o perfil dos investidores/Apelantes, não poderia ter sido dado como provado que foram os Apelantes que pediram para executar determinada ordem.
II) A sentença limita-se a dar como provado que houve uma ordem dos Apelantes porque há um documento (template do Banco, com letras pequeninas) que diz que no caso fica afastado o dever da adequação do perfil…
JJ) A Meritíssima Juiz a quo na sentença não considerou as testemunhas dos Apelantes. Qualificou todos os depoimentos, relevou a sua maior ou menor animosidade, como se ser filha não pressupõe a existência de depoimentos mais emotivos.
KK) A Meritíssima Juiz a quo nem analisou se estavam ou não verificados os requisitos do Art. 314º-D do CVM, nem sequer os discutiu, limitou-se a socorrer-se do artigo (porque nem aplicar o fez).
LL) Não ficou provado que a iniciativa partiu do cliente e como teve conhecimento do produto. Ficou apenas provado que o cliente deu uma ordem. Como vimos, a Digna Magistrada nem entrou pela questão de saber onde os Apelantes teriam tido conhecimento das obrigações.
MM) As instituições de crédito, quer enquanto banqueiro, quer enquanto intermediários financeiros, encontram-se sujeitas às obrigações comportamentais do RGICSF e do CVM.
NN) Enquanto banqueiro, as instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência (cfr. Art. 73º RGICSF). No caso de um Banco, presume-se uma competência e uma organização acima da média, assim como uma transparência e lealdade, tanto mais que está sob a supervisão do BdP.
OO) Por essa razão, o Art. 74º RGICSF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados. Em particular, as instituições de crédito devem informar os clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (cfr. Art. 77º e 77º-A RGICSF).
PP) As instituições de crédito são também intermediários financeiros por força do Art. 293º, nº 1, al. a) do C.V.M., quando exercem actividades de intermediários financeiros, nomeadamente, através de serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, sejam a recepção, execução e transmissão de ordens por conta de outrem, a gestão de carteiras por conta de outrem, a tomada firme e a colocação em oferta pública de distribuição, a negociação por conta própria ou a consultoria para investimento (cfr. Art. 289º e 290º C.V.M.).
QQ) O C.V.M. estabelece especiais obrigações de informação aos intermediários financeiros, em particular para com os investidores não qualificados ou não profissionais, como é o caso dos Apelantes.
RR) A par dos deveres de informação aos investidores para que estes possam tomar decisões de investimento esclarecidas e, portanto, válidas, surge o dever de adequação, isto é, o dever dos intermediários financeiros efectuarem um prévio escrutínio sobre o carácter adequado da operação visada pelos clientes. Assim, desde logo, no início da relação, o intermediário financeiro deve solicitar informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos (cfr. Art. 314º, nºs 1 e 2 do C.V.M.).
SS) Esta informação deve ser suficiente para avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos e deve incluir pelo menos os elementos referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do Art. 314º-B do C.V.M.:
“a) Os tipos de serviços, operações e instrumentos financeiros com que o cliente está familiarizado;
b) A natureza, o volume e a frequência das operações do cliente em instrumentos financeiros e o período durante o qual foram realizadas;
c) O nível de habilitações, a profissão ou a anterior profissão relevante do cliente.”.
TT) Para além disso, o intermediário financeiro tem o dever de recolha de informação sobre conhecimentos e experiência do cliente em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido ou solicitado de modo a permitir ao intermediário determinar se o produto ou serviço de investimento determinado lhe é adequado (cfr. Art. 304º, nº 3 C.V.M.).
UU) O intermediário financeiro deve observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (cfr. Art. 304º, nº 2 do C.V.M.). Não é, pois, admissível a prática de pura e simplesmente induzir o cliente (não qualificado) a assinar uma declaração de que recebeu a informação que, no caso em apreço, nem aconteceu.
VV) Posto isto, o intermediário financeiro deve prestar, por escrito, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente, as respeitantes aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar e à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação (cfr. Art. 312º, nº 1, als. b), c), d) e e) do C.V.M.). E a informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (cfr. Art. 7º C.V.M.).
XX) Tem ainda o dever de indagar se a operação específica a recomendar ou iniciar, corresponde aos objectivos de investimento do cliente em questão e se o cliente pode suportar financeiramente quaisquer riscos de investimento (cfr. Art. 314º-A, nº 2 do C.V.M.). A informação obtida deve ter em consideração a natureza do investidor, qualificado ou não (cfr. Art. 314º-B, nº 2 do C.V.M.).
YY) Existe, portanto, uma proibição de intermediação excessiva (cfr. Art. 310º do C.V.M.): se a operação não é adequada ao cliente – consequência de uma avaliação negativa – o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (cfr. Art. 314º-A, nº 3 do C.V.M.).
WW) Acresce que, por força do Art. 321º, nº 3 do C.V.M., “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”. Em face do que, por força dos Arts. 5º e 6º da Lei das CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao cliente, para que, “tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.”. E, conforme prevê o Art. 5º, nº 3 das C.C.G. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”.
ZZ) Em suma, compete ao Banco a alegação e o ónus da prova de que prestou aos Autores a informação adequada, tendo o perfil e as instruções dos Autores, de forma a tornar possível, por parte deste, o conhecimento completo e efectivo dos produtos oferecidos. O que, no caso em apreço, manifestamente não aconteceu. Pelo contrário, foi fornecida aos Autores informação falsa.
AAA) Ora, a responsabilidade civil pressupõe um comportamento ilícito, culposo e um nexo de causalidade com os prejuízos causados aos Autores. Em qualquer dos casos, importa a obrigação de indemnizar (cfr. Art. 798º e 483º C.C.). A obrigação de indemnizar abrange os danos emergentes e os lucros cessantes (cfr. Art. 564º C.C.). E na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. Art. 496º, nº 1 C.C.).
BBB) Existe, portanto, um comportamento ilícito do Banco 1..., com negligência grave ou, mesmo, dolo eventual. Presumindo-se a culpa nos termos do disposto no Art. 304º-A, nº 2do C.V.M.: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
CCC) Atente-se que os Autores não são investidores qualificados, pelo que o dever de informação era mais exigente, não só quanto às características dos produtos e seus riscos, mas também quanto ao conflito de interesses. Sendo que o ónus da prova dessas informações compete ao Réu, aplicando-se o regime das C.C.G. e sendo os Autores equiparados a consumidores.
DDD) Assim, ao decidir como decidiu a douta sentença violou o disposto nos Arts. 7º; 280º; 290º; 293º, nº 1, al. a); 304º, nº 2 e 3; 304º-A, nº 2; 312º, nº 1, al. a), b), c), d) e e); 314º, nº 1 e 2; 314º-A, nº 2 e 3; 314º-B nº 1, al. a), b) e c) e nº 2; 310º; 321º, nº 3; 324º, nº 2 do CVM; os Arts. 73º; 74ª, 77º e 77º-A do RGICSF; os Arts. 5º e 6º da LCCG; e os Arts. 217º; 219º; 483º; 496º, nº 1; 564º; 595º; 627º, nº 1, 628º e 798º do Código Civil.

O banco recorrido apresentou contra-alegações, opondo-se à procedência do recurso e ampliando subsidiariamente o recurso, terminando a sua peça nos termos seguintes:
1. A sentença revidenda contém PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS.
2. Cuja reapreciação o Banco Recorrido requer, nos termos do art. 636º do C.P.C.
3. Assim deve ser procedida à ADIÇÃO à MATÉRIA DE FACTO PROVADA, da factualidade alegada no artº 126º da sua Contestação, com a seguinte formulação:
“Em 09/11/2017, 08/05/2018 e 08/11/2018, foram efetuados, por filha dos A.A., depósitos, em numerário, de respetivamente €6.510,00, €6.550,00 e €6.500,00.”
4. A sentença revidenda não apreciou as invocadas EXCEPÇÕES DE PRESCRIÇÃO e de ABUSO DE DIREITO.
5. Por tais EXCEÇÕES, em função ao decidido, terem sido consideradas como prejudicadas.
6. Para os presentes efeitos, dá-se como reproduzida toda a factualidade e documentaria junta com a CONTESTAÇÃO e a MATÉRIA DE FACTO fixada nos presentes autos.
7. Bem como a MATÉRIA DE FACTO, cuja reapreciação foi supra requerida.
8. O Banco Recorrido, na perspectiva da execução de ordens, actuou junto dos Recorrentes na qualidade de intermediário financeiro, no âmbito de serviços de intermediação financeira, tal como elencados no art. 289.º do C.V.M.
9. Estando, para os efeitos do artº 293º, nº 1, a) do C.V.M., autorizado a exercer tal actividade, encontrando-se registado, como tal, na C.M.V.M. - sob o nº 300 e no BANCO DE PORTUGAL, sob o código 10.
10. Nas ordens de subscrição, em causa nos presentes autos, o Banco Recorrido actuou, exclusivamente, no âmbito do serviço de recepção e transmissão ou execução de ordens dos Recorrentes para os efeitos do disposto nos artº 290º, nº1, a), 314º-D e 325º e segs. todos do C.V.M.
11. De forma que, se qualquer responsabilidade se prefigurasse do Banco Recorrido para com os Recorrentes, o que só por mera hipótese de raciocínio se hipotiza.
12. A mesma apenas poderia emergir, nos termos e para os efeitos do art. 324º do C.V.M.
13. Ora como é sabido a ordem de compra das Obrigações em causa nos presentes autos, verificou-se em 17/11/2014 e o Banco Recorrido apenas interveio na qualidade de intermediário financeiro, no âmbito da predita ordem e sua execução e não quanto à subscrição das respectivas Obrigações - que apenas se reporta ao relacionamento entre os Recorrentes e o EMITENTE.
14. Ou seja, desde tal data de 17/11/2014, tinham já os Recorrentes conhecimento da conclusão do negócio em causa e dos respetivos termos.
15. A presente acção foi interposta em 30/10/2019. 16. Desde a data da ordem de compra das Obrigações em causa nos presentes autos e a data de interposição da acção a que respeita os presentes autos, decorreram mais do que os 2 anos, previstos no n.º 2 do art. 324.º do C.V.M.
17. Sendo claro que, ao Banco Recorrido, se não pode imputar qualquer conduta a título de DOLO ou CULPA GRAVE.
18. Assim sendo, o referido e alegado crédito dos Recorrentes, sobre o Banco Recorrido, sempre se encontraria prescrito.
19. O que, expressamente, para todos os efeitos legais, se invoca e alega e que, como EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA que é, conduzirá à absolvição dos pedidos formulados, contra o Banco Recorrido, nos termos do art. 576º, nº 3 e 579º, ambos do C.P.C.
20. Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerassem procedentes os vícios imputados ao Banco Recorrido.
21. Sempre se diria que, a procedência da mesma, comporta uma clara e flagrante situação de “ABUSO DE DIREITO”.
22. Dispõe o art. 334º do Cód. Civil, que “…é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
23. Como se asseverou já em jurisprudência sobre a matéria: “ O abuso de direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito casos em que se excede os limites impostos pela boa fé”. (Ac. STJ, de 28/11/96, CJ, STJ, Ano IV, Tomo III, pg. 118).
24. Já o Prof. Vaz Serra considerava existir abuso de direito quando o comportamento do seu titular se mostre clamorosamente chocante para o sentimento jurídico reinante na colectividade, quer essa contrariedade resulte de factos subjectivos ou objectivos.
25. Em princípio, exigir-se-á que o titular actue com intenção malévola ou com grave negligência, mas também existirá abuso de direito quando o interesse geral estiver directamente em causa de modo a prevalecer sobre o interesse privado (BMJ nº 85, pg. 254).
26. O entendimento proposto pelo Prof. Antunes Varela aproxima-se, nos seus aspectos gerais dos ensinamentos anteriores, defendendo de igual modo, que o abuso de direito pressupõe que os direitos sejam exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (C. Civil Anot., vol. I, pg. 299).
27. O instituto do abuso de direito tem em vista impedir que as normas jurídicas, formuladas em termos gerais e abstractos, determinem, na sua aplicação aos casos concretos, flagrantes injustiças.
28. Os direitos não devem ser exercidos de modo insuportavelmente injusto para a consciência jurídica dominante.
29. Quando a aplicação concreta dos preceitos legais conduzirem a uma conclusão que flagrantemente viole essa consciência jurídica, o instituto do abuso de direito funcionará como “válvula de segurança” do sistema jurídico (Prof. Vaz Serra, ob. Cit., pg. 265). 30. Ora a situação, de facto e juridicamente criada pelos Recorrentes, prefigura e consubstancia uma violação flagrante do princípio da boa-fé contratual e da tutela do fim social e económico do direito invocado.
31. Tal como vem sendo assinalado, a censura do “venire contra factum proprium” supõe que o titular do direito criou naquele com quem entre em relação uma situação de confiança que veio a frustrar por conduta posterior contrária à que motivou essa confiança.
32. A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, sendo, pois, aquela que resulte de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas.
33. Essa confiança deve assim filiar-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, sendo nessa conduta concludente que a contraparte cria expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade.
34. Na verdade, contraria o princípio da boa-fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contrária no futuro.
35. Como vem sendo consistentemente defendido, os efeitos do abuso de direito, nesta especial modalidade, exige a verificação dos seguintes pressupostos:
• Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
• Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
• Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico.
36. Tendo em conta os elementos que podem ser colhidos nos autos, afigura-se que, em concreto, a arguição pelos Recorrentes dos vícios na COMPRA das OBRIGAÇÕES A..., bem como de hipotética violação de deveres de informação, configura um claro “venire contra factum proprium”, já que tal direito está a ser exercido em contradição com a sua anterior conduta.
37. O que intentam os Recorrentes claramente, perante investimentos menos sucedidos, ensaiando o ressarcimento de negócios de investimento, em que não lograram os ganhos esperados.
38. Pois agora se denega e repudia, o que durante cerca de quase 5 anos foi assumido pelos Recorrentes com a emissão da ORDEM DE COMPRA das OBRIGAÇÕES A..., com a percepção de juros ao longo de vários anos e com a constituição de PENHOR sobre tais OBRIGAÇÕES para a obtenção de créditos pessoais.
39. Pelo que, mesmo que de alguma forma, se verificasse assistir aos Recorrentes algum direito, relativamente aos invocados vícios, bem como de hipotética violação de deveres de informação, sempre o mesmo se deveria considerar exercido em situação de claro, ostensivo e manifesto ABUSO DE DIREITO, cominador da sua denegação judicial.
Termos em que:
A. Na improcedência total das CONCLUSÕES dos Recorrentes e do RECURSO interposto, deve a douta decisão recorrida ser confirmada.
B. Na hipótese de eventual procedência do RECURSO interposto pelos Recorrentes, deve a AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, requerida pelo Banco Recorrido, nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C., quanto à MATÉRIA DE FACTO, e quanto ao conhecimento da EXCEPÇÃO DE PRESCRIÇÃO e de ABUSO DE DIREITO, ser acolhida e como tal julgadas como procedentes as invocadas EXCEÇÕES e como tal confirmada a decisão revidenda, ainda que com outros fundamentos.

Os AA. responderam à ampliação do recurso.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem:
- da impugnação da matéria de facto;
- da responsabilidade do intermediário financeiro (o Banco R.) perante os investidores, aqui AA.

FUNDAMENTAÇÃO
Para além dos lapsos constantes da factualidade provada e não provada da sentença recorrida a que acima já fizemos referência, determina-se a correção do lapso de escrita constante do final da p. 16 e princípio da p. 17, devendo ler-se “novembro de 2017”.
Fundamentação de facto
Os apelantes começam por impugnar a matéria de facto.
Fazem-no nas als. C) a G) das conclusões, onde enunciam os concretos pontos de facto que pretendem ver provados ou não provados.
Depois, nas als. H) e I) referem-se à prova que suportaria conclusão distinta da que ficou consignada em primeira instância.
Assim, na al. H) apontam os “diversos depoimentos prestados em audiência – prestados pelas partes e por todas as testemunhas – que se encontram gravados e cujos excertos se transcrevem e para os quais se remete”. E, na al. I), referem-se a documentos juntos aos autos, reproduzindo o que já tinham feito constar no corpo alegatório, nas ps. 215 (parte final) a 218.
Vejamos se cumpriram o ónus que a lei lhes impunha quanto à regularidade da impugnação de facto.
O n.º 1 do art. 639.º CPC, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635.º).
E o art. 640.º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no n.º 1, que,
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[3].
Sabemos que a lei assegura o chamado duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no n.º 1, do art. 662.º, que prevê que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[4].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (n.º 5, do art. 607.º).
Ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou o legislador afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como rejeitou a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, optando por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[5].
Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior com a consequente formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, mas essa tarefa não envolve a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando o tribunal de segunda instância a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[6], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
Impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do n.º 1 do art. 640.º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[7].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados
Para além disso, para cada facto ou conjunto de factos impugnados, deve o recorrente indicar circunstanciadamente quais os meios de prova concretos que devem possibilitar, a cada passo, aquela prova ou não prova, mediante a apreciação crítica dos meios de prova que elenca.
Isto é, deverá o Tribunal da Relação, perante cada facto impugnado, estar de posse dos concretos meios de prova que o suportam, não lhe cabendo um novo julgamento da totalidade dos meios de prova, sem a indicação pelo recorrente, da direção que deve ser tomada ao considerar cada meio de prova para cada facto.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos n.º 1 do art. 640º [8], nomeadamente quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada sobre os pontos de facto impugnados da decisão recorrida;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[9], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[10].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[11].
É exigível que nas alegações de recurso conste, de forma clara, para além dos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, a concreta prova que, para cada um dos factos, ou conjunto de factos, deve ser tida em conta e porquê, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto.
A delimitação imposta tem de ser concreta e específica.
O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[12].
Como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[13].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016: Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
Na situações que nos ocupa, os recorrentes impugnaram trinta e três factos provados e não provados (cfr. conclusão D) e pretendem ainda a inclusão de mais quatro factos não elencados na sentença (al. G das conclusões).
Na verdade, começam por impugnar parte da factualidade dada como provada: pontos 11., 24., 25., 27., 28., 29., 30. e 32.
Pretendem o seguinte, quanto a estes pontos:
11. Provado que o Autor marido, através da conta nº ...01 de que ambos os Autores são titulares no Réu, ... Póvoa de Varzim, subscreveu em 09.05.2014 embora a operação de compra só tenha sido executada em17.11.2014, papel comercial da A... designado “A... PLC 6,75% - 09-05-2019”, no montante de €276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil euros), com data de reembolso de 09.05.2019 e taxa de juro anual nominal de 6,75%.;
24. Provado que os A.A. sempre procuraram retorno elevado dos seus investimentos, não admitindo, contudo, para tal, correr riscos de perda de capital;
25, 27 a 30: Não Provados.
Pretendem, quanto aos não provados, de 1 a 25:
1, 5, 6, 8 a 11, 13 a 15, 17 a 25: sejam dados como provados.
Os seguintes tenham esta redação:
2. Provado que têm perfil conservador, procurando produtos com a garantia do capital investido e rendibilidades compatíveis com as taxas de juro de curto e médio prazo;
3. Provado que tendo como horizonte temporal para as suas aplicações, o curto e médio prazo.
4. Provado que em 09 de Maio de 2014, o gestor do Réu acima citado, aconselhou os Autores a investir em títulos da A... PLC emitidos em mercado em 09-05-2014, alegando ser um bom investimento e sem quaisquer riscos;
7. Provado que ao que lhes foi respondido que sim;
12. Provado que aquando da transação da compra das citadas obrigações em mercado secundário, contratada em 09.05.2014 mas apenas executada em 17.11.2014, não foi disponibilizada ao Autor marido qualquer informação sobre tais títulos;
16. Provado que o Réu, não obstante conhecer o perfil e desejo dos Autores, em vez de aplicar as poupanças em produtos Banco 1... como fizera até então, convenceu os Autores a subscrever papel comercial emitido pela “A... PLC”, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança.
Mais requerem seja dada como provada a matéria que deixaram descrita na al. G) das conclusões:
• Os Autores não dominam a língua inglesa;
• Os Autores não dominam ferramentas informáticas, como acesso a internet ou e-mail;
• Os Autores pagam mensalmente ao Réu, a título dos contratos de crédito ao consumo mencionados em 36., o montante de €400,00;
• Pelo arrendamento do espaço mencionado em 15. os Autores recebem actualmente uma renda mensal de €500,00 que, descontando €150,00 a título de IRS, auferem a quantia líquida de €350,00;
Debruçando-nos desde logo sobre as conclusões, verificamos que o facto provado 32, impugnado em D), foi considerado pelos AA. incorretamente julgado, não referindo os recorrentes se o mesmo deverá ter outra redação, e qual, ou se deverá ser dado como não provado, pelo que, quanto a este facto não foi cumprido o ónus de indicar o sentido da decisão pretendida a tal respeito, sendo de indeferir a impugnação neste tocante.
Depois, recorrendo ao corpo alegatório, para verificar qual a prova que deve ser considerada para dar como não provado ou provado este ou aquele facto concreto, verificamos que, nas ps. 12 a 215 do recurso, os recorrentes transcrevem excertos de depoimentos (o que até era dispensável), sem contextualizar quais daqueles factos, provados e não provados, devem ser considerados a propósito de cada depoimento.
Assim, relativamente a cada depoimento ou segmento truncado de depoimento, os recorrentes consignam uma espécie de resumo do que acabou de ser dito, nunca efetuando uma apreciação crítica da prova relativamente a cada facto que pretendem ver demonstrado ou não demonstrado.
Cotejando aquelas páginas, não se antolha, a cada passo, a quais os factos concretos impugnados se referem os depoimentos e por que razão, com base neles, em confronto com os restantes, se haverá de dar como provado ou não provado e o quê.
O que fazem é, tão-só, criticar ou exaltar os depoimentos, aqui e ali, sem deles retirar a utilidade que poderiam ter para cada concreto facto impugnado.
Vejamos alguns exemplos:
Quanto à prova testemunhal, os AA. começaram por selecionar um excerto do depoimento de EE, legal representante do R. (p. 12), para, a certa altura (p. 14), consignarem: AQUI FICA CLARO QUE AS OBRIGAÇÕES A... DOS AUTOS NÃO ERAM COMERCIALIZADAS PELO BANCO Banco 1...; QUE OS COLABORADORES DO RÉU, ONDE SE INCLUI O GESTOR CC, NÃO TINHAM INSTRUÇÕES PARA AS COMERCIALIZAR NEM TÃO POUCO CONHECIMENTOS PARA O FAZER; E QUE APENAS PODIAM COMERCIALIZAR PRODUTOS Banco 1... PELO BANCO ANALISADOS, COMO FUNDOS, SEGUROS DE CAPITALIZAÇÃO, ETC. e, mais adiante (p. 19): RESULTA DESTE EXCERTO A POSSIBILIDADE DE O GESTOR CC TER CONHECIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DOS AUTOS, BEM COMO O FACTO DE TAL GESTOR SER UM PROFISSIONAL DA BANCA COM EXPERIÊNCIA.
Quando se aprecia, a esmo, o testemunho do gestor de conta dos AA., CC, consigna-se, a fls. 98: RELUTÂNCIA UMA VEZ MAIS EM ASSUMIR QUE OS APELANTES NÃO DOMINAVAM AS FERRAMENTAS INFORMÁTICAS, O ACESSO À INTERNET, O USO DE E-MAIL. PORQUÊ? SEMPRE A JOGAR À DEFESA…
Não vislumbramos, entre os factos provados e não provados e o que se deseja dar como assente, a que ponto concreto estas afirmações se referem, sendo as mesmas escusadas e irrelevantes.
Mais: estando em causa, como admitem os recorrentes, na p. 237 (primeiro parágrafo), duas versões contraditórias, não vemos, nesta referência aos depoimentos, as razões pelas quais deverá dar-se crédito a uns (quais) depoimentos em detrimento dos outros.
O mesmo sucede quanto à prova documental.
Vemos, nas ps. 215 a 218, que os recorrentes se limitam a indicar uma série de documentos, sem especificarem os factos concretos que, decorrendo de cada documento, deverão ser dados como provados ou não provados.
Esta forma de impugnação da matéria de facto, claramente, não cumpre o disposto no art. 640.º, n.º 1 al. b): indicação dos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados.
O que assim se fez foi, tão-só, indicar as folhas onde se encontram documentos e mencioná-los, mas a tarefa de analisar cada documento relativamente a cada facto ou conjunto de factos ficou por cumprir.
Por esta razão, já seria de indeferir a impugnação da matéria de facto.
Mas, num esforço de dedicação militante, por contraste com o que deflui do recurso apresentado, vejamos se há razão na impugnação dos factos.
Desde logo, o facto 11: que o A. marido subscreveu o papel comercial da A..., em 9.5.2014. Este facto não tem qualquer relevância, não sendo consequente a jusante, aquando do enquadramento subsuntivo que se impõe, até porque os fundos investidos nesta subscrição só ficaram libertos da operação anterior, em novembro desse ano, e foi só nessa altura que os AA. viram aplicado o seu dinheiro. Indefere-se, por isso, a impugnação.
O facto 24: Os AA. admitem que sempre procuraram retorno elevado nos seus investimentos, pretendendo agora em recurso se dê como provado que, não obstante, nunca desejaram correr riscos de perda de capital. A observação imediata que se impõe é óbvia: nenhum investidor pretende ou deseja a perda do capital. A questão, porém, não é essa, mas sim a de saber se aquele tem conhecimento de que pode correr esse risco e se atua conformando-se com esse resultado.
Cotejando a prova, verifica-se que, apesar de os AA. nunca anteriormente se terem deparado com o infortúnio de grandes perdas, o que o respetivo histórico de investimento evidencia – em conformidade com o que foi referido pelo gestor de conta, CC, mesmo para produtos anteriores em que não participou e que pôde consultar -, é que os AA. tinham consciência de que “poderiam correr alguns riscos”.
Esta circunstância foi reafirmada em audiência por duas testemunhas, na época funcionárias do Banco 1..., que mantiveram contacto com os demandantes, como veremos de seguida.
Razão por que também seria de indeferir esta impugnação.
Igualmente são de manter os factos provados em 25 e 27 a 30, porquanto resultaram do depoimento escorreito do já referido gestor de conta, em concatenação com o histórico de investimento dos AA.
Mesmo a questionar o depoimento deste funcionário, em contraste com o dos AA., por invocação do vínculo laboral do primeiro ao Banco R., vemos que tal depoimento foi coonestado pelo da testemunha FF, responsável da unidade de negócios do R. que, tendo tido interações com os AA. nesse âmbito, com início em 2016, aquando da assinatura de contratos de crédito (maio de 2016), foi objetiva quanto à posição dos funcionários bancários perante os AA. a este respeito. Contou que, nessa altura, consultando a posição integrada destes clientes, verificou que, à exceção de uma conta a ordem, estes tinham todo o seu património concentrado num único tipo de ativos (obrigações) e num único emitente (A...), fazendo-lhes o alerta para alienarem parte ou totalidade dessa subscrição, apresentando-lhe as propostas de investimentos que existiam naquela altura (PPR’s, seguros de capitalização, etc…) e dizendo-lhes que aquela aplicação não tinha capital garantido nem rentabilidade assegurada. Os clientes deveriam estar expostos a risco apenas até 5%, sendo estes clientes uns dos que tinham maior exposição no Banco, razão pela qual os informou em conformidade. Veja-se que, no final desse ano de 2016, ainda os AA. detinham o capital de € 205.463, 10 (doc. de fls. 207 v.º), valor que, associado ao que receberam a título de juros (€ 32. 420, 46), teria permitido uma redução substancial do prejuízo.
Posteriormente e mais de um ano após essa alerta, em junho/julho de 2017, numa altura em que os colaboradores do Banco recebiam chamadas contantes da A. (por vezes, várias por dia), pretendendo aquela saber da cotação da A..., e num momento em que começavam a existir volatilidades significativas (oscilações de 80, 90, 93), de novo a testemunha chamou a atenção da A., reforçando o que lhe dissera em maio do ano anterior, no sentido de alienar parte ou a totalidades destes ativos, fazendo contas objetivas aos cupões que já tinham sido recebidos e que, somados à cotação da altura, ainda assim, alienando a totalidade, permitiriam um investimento positivo. Nessa altura, a A. dizia que ia pensar, avaliar e daria feedback. Mesmo após, quando as obrigações já estavam a 40 ou 50, a A. disse-lhe que “ia ver se valorizava mais um bocadito”. A testemunha explicou que sempre foi possível vender as obrigações, apesar de dadas em penhor como garantia dos mútuos concedidos aos AA., assim contrariando a versão destes.
Em outubro ou novembro de 2017, já depois da queda da A..., a A. pediu a uma colaboradora do Banco para não dar disso conhecimento ao marido, o que foi refutado pela testemunha. Mais tarde, a testemunha FF e outro colaborador reuniram com o A. que se mostrou entristecido com o sucedido, tendo-lhe a testemunha referido os vários alertas anteriores que, ao telefone, foram efetuados junto da sua mulher.
Igualmente, a testemunha GG, que era assistente comercial do Banco 1... na altura, não mantendo hoje qualquer ligação ao R., e conhecendo os AA. desde 2008 como clientes na delegação do Banco onde prestava serviço, sabia que os AA. recorriam a créditos pessoais para fazerem face a despesas suas, porque preferiam ter o seu dinheiro aplicado e receberam daí juros mais elevados do que os que pagariam de remuneração pelos mútuos bancários. Atendeu diversos telefonemas da A. para saber a cotação das obrigações, isto depois de os demandantes terem sido chamados ao Banco pelo gestor CC para fazer um ponto de situação e alertar para que a melhor solução seria a venda das obrigações. A A. tomou, então, as rédeas do assunto, sendo sempre ela que efetuava os contactos com o Banco, o que fazia sem conhecimento do A. A testemunha afirmou ter, ela própria, ao telefone, aconselhado a A. a vender as obrigações quando ainda podia receber todo o seu dinheiro e não arriscar uma situação de desvalorização e ” estar sempre com o coração nas mãos”.
Estes dois depoimentos, das testemunhas FF e GG, revelaram-se seguros, equidistantes, sem comprometimento com o desfecho final da ação, merecendo total credibilidade e sobrepondo-se aos depoimentos contrários.
Já os recorrentes, nos seus depoimentos de 30.3.2022, não lograram infirmar estas circunstâncias, não surtindo efeito a evidente tentativa de se mostrarem ingénuos, alheios ao que se passava, enganados pelo R., por via do seu gestor, para subscreverem estas obrigações, e ignorantes quanto ao risco de perda do capital investido.
O depoimento do A. evidenciou desde o início uma tentativa de demonstração de pessoa que não fazia ideia do que lhe era perguntado, dizendo não saber sequer qual o rendimento de um depósito a prazo e, mesmo quando lhe foi perguntado o que era um depósito a prazo, hesitou de forma incompreensível. Porém, logo descreveu, lembrando-se bem e escorreitamente, que as obrigações da A... seriam a 5 anos, com taxa de juro 6, 75, com juros semestrais, tendo sido aplicado o valor de €270.000,00, e tendo perfeita noção de que o produto anterior onde aplicara o seu dinheiro (um tal super max) e de onde provieram os fundos para este investimento, só acabaria em novembro de 2014, o que corresponde à verdade.
Disse, ademais, que, em ocasião anterior, junto de outro Banco, tendo efetuado um investimento de €100.000,00, e não tendo percebido todo o conteúdo do documento que lhe foi dado a esse respeito, teve o cuidado de o levar a um advogado para se aconselhar, tendo-lhe este dito tratar-se de um investimento numa empresa falida. Nessa noite, disse o A. que nem dormiu e, de manhã cedo, foi ao Banco pedir o dinheiro de volta.
Esta experiência anterior e o cuidado tido, com a inerente preocupação demonstrada, quando estava em causa menos de metade do valor investido na A..., contrastam vivamente, a descrédito do depoente, com a atitude que exibe quando diz ter assinado a subscrição das obrigações em causa nos autos sem que nada lhe fosse explicado e nenhum documento lhe haja sido entregue, confiando cegamente no gestor bancário. Ainda mais quando, segundo disse, recebeu um extrato do Banco, em novembro 2014, onde leu que o “Banco não era responsável pelo que acontecesse”, o que se repetiu no mês seguinte, não tendo deixado de achar estranho.
Um investidor que não pretende assumir riscos de perda, mas visa um retorno semestral de lucros de quase €6.500,00 (mais de €1.000,00/mês) –cfr. facto provado 10 -, tendo já sofrido anteriormente uma experiência de investimento em empresa falida, ao qual colocou cobro no dia imediato, não poderia, em são julgamento (ainda que sendo uma pessoa simples, com a 4.ª classe e sem conhecimentos de inglês ou mesmo de informática), aceitar do gestor a resposta para “esquecer”, quando o confrontou com aquela possibilidade de risco contida nos extratos bancários. Esta afirmação do A. não é, em absoluto, crível.
Mais admitiu o A. ter investido tudo quanto tinha nesta subscrição, razão por que ficou sem dinheiro e teve que pedir créditos pessoais ao Banco, o que demonstra o seu conhecimento dos produtos financeiros, ainda mais quando para o efeito dá em penhor as suas subscrições.
É inexplicável que, uma vez sabendo o Banco que o produto já estava em risco, como alega o A., mantivesse interesse em que o seu cliente perdesse o seu capital, sem o alertar, mostrando-se absolutamente confuso o demandante quando perguntado pela razão por que não se desfez do produto anteriormente.
A A., por sua vez, admitiu ter ganho medo quando viu, nos estratos bancários, que “o Banco não era responsável”, mas foi vencida pelos juros que estavam a ganhar, porque “era muito dinheiro”, tendo-lhe o gestor dito – afirma - que só em 2019 poderiam resgatar a subscrição e que ainda iram ganhar muito dinheiro. Admitiu que, em 2019 (disse, depois, que foi em 2017), efetuou depósitos na conta, para dar a aparência de juros, para que o marido se não apercebesse da desvalorização do investimento e não apanhasse um choque com a perda. Contudo, declarou não se lembrar quando teve notícia de que a empresa A... tinha ido ao fundo, falando hesitantemente em 2017. De 2017 a 2019, preferiu aguardar, sem resgatar a subscrição, acreditando que receberia o dinheiro, apesar de não receber os juros, vendo-se que, em janeiro de 2017, ainda os AA. poderiam salvar a quantia de €203.094, 41 (doc. de fls. 208).
Face às razões expostas, são também de manter os factos não provados que se vislumbram contrários aos dados como provados, designadamente os factos não provados, de 1 a 18.
Não se vê indicada prova quanto aos factos 19 a 25, não provados, tendo-se os recorrentes limitado a criticar a não aceitação da credibilidade dos testemunhos das suas filhas, quando o é certo que as mesmas, especialmente, a testemunha HH, têm um inegável interesse no sucesso da ação.
Das declarações dos AA. e escolaridade evidenciada, bem como dos testemunhos de quem consigo convive, parece ser certo não dominarem a língua inglesa, pelo que que se dá como provado tal facto.
Já nada resulta quanto ao domínio de ferramentas informáticas, acesso à internet e e-mail, sendo hoje mais do que vulgarizado o uso destes recursos por pessoas menos jovens[14], ainda que com escolaridade básica, quer diretamente por si, quer por intermédio de familiares ou amigos que facultam a informação disponível.
Do mesmo modo, não vemos em que prova pretendem ancorar-se os AA. para dar como provados os outros dois factos que enunciam e não constam da sentença recorrida.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão de facto, com exceção do que ficou exposto quanto ao não domínio da língua inglesa pelos AA.

Fundamentação de Direito
Relativamente ao enquadramento jurídico da situação, os recorrentes mencionam diversos arestos, todos eles anteriores ao AUJ do STJ 8/2022 o qual, após várias decisões antagónicas sobre o que está em causa na intermediação financeira efetuada pelos Bancos, fixou jurisprudência que, sem outra apreciação, já afastaria a pretensão dos recorrentes.
Sumaria-se aí:
«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»
Como se vê, na ótica daquele Tribunal, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e demonstrar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, o que passa pela prova de que, caso o Banco prestasse a informação devida, não tomaria a decisão de investir.
Ora, em nenhuma parte da matéria dada como provada ou não provada – nem sequer naquela que os AA. pretendiam ver introduzida para além da constante da sentença – consta demonstrado que, tivessem os AA. conhecimento de que a subscrição das obrigações A... poderia culminar na perda de parte ou na totalidade do capital, não as teriam subscrito. Ao invés, o que está dado como provado é que os AA. sempre tiveram em vista a procura de retornos elevados, mesmo que corressem riscos de perda, como chegou a suceder anteriormente (factos 17 e ss.), ainda assim, com um saldo positivo a seu favor, com ganhos de capital de mais de €80.000,00.
O nexo de causalidade entre o dano e a ilicitude – omissão de informação – não ficou, assim, demonstrado.
Também o dano não está efetivamente demonstrado pois está provado terem os AA. reclamados os seus créditos junto da falência da empresa emitente das obrigações subscritas, não sendo claro se aí receberam ou receberão o que quer que seja.
Mas, analisemos os institutos jurídicos convocáveis.
Nesta tarefa, seguimos de perto a exposição constante do ac. desta Relação, de 15.11.2018, no Proc. 5780/17.1T8PRT.P1, relatado pela aqui também relatora, onde começa por se expor serem de dois tipos as atividades exercidas pelos Bancos:
«- a atividade bancária, que surge reservada a Bancos, “intermediários financeiros que recolhem do público, especialmente das famílias, poupanças (disponibilidades monetárias), sob a forma de depósitos ou outros fundos reembolsáveis (…)”[15], sendo caracterizada por assentar na “indispensável (relação de) confiança do público na solvência, liquidez, rendibilidade e estabilidade do sistema bancário”[16].
- a atividade de investimento mobiliário, este dirigido à aquisição de títulos ou valores mobiliários (ações, obrigações ou outras participações), o qual constitui “uma alternativa à vista à intermediação bancária, por parte do público (detentor de excedentes monetários) disposto a correr de per si os correspondentes riscos económicos, maxime o risco de insolvência do emitente dos títulos adquiridos, na mira de benefícios ou réditos superiores à remuneração de depósitos bancários”[17].
A atividade bancária, em si mesma, encontra-se disciplinada por um conjunto de regras e princípios – o Direito Bancário – cujas fontes são amplas.
Desde a Constituição, cujo art. 101.º prescreve: O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social (sublinhado nosso), à legislação nacional e comunitária, com especial relevo para o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31.12 - RGICSF), para o diploma relativo às cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25.10) e mesmo para o regime legal aplicável à defesa dos consumidores (L 24/96, de 31.7).
A relação entre o cliente e o Banco é tendencialmente duradoura. Como refere Menezes Cordeiro[18], “a relação bancária não se extingue pelo cumprimento, vai-se reforçando com ele. E, uma vez concluída, subsiste indefinidamente, podendo mesmo considerar-se tendencialmente perpétua. De tal forma assim é que pode afirmar-se que o contrato bancário constitui um típico contrato de salvaguarda de interesses[19].
Ora, os consumidores de serviços financeiros constituem o cerne da atividade bancária. São os aforradores que suportam o sistema bancário, de tal forma que em 1986, a Comissão Europeia aprovou a Recomendação 87/63/CEE que visa a proteção direta do aforrador para salvaguarda dos pequenos depósitos.
Depois, a Diretiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de março, definiu como princípio o da adesão obrigatória de todas as instituições de crédito a um sistema de garantia de depósitos para proteger minimamente os depositantes mais débeis (Diretiva transposta para o direito interno pelo DL 246/95, de 14.9, na altura prevendo até 25 mil euros por depositante).
A separação entre a banca comercial e a banca de investimento esbateu-se com o tempo, expandindo-se a banca para o mercado dos valores mobiliários, podendo realizar serviços de investimento e serviços auxiliares. Os Bancos passaram a realizar também asset management, negócios sobre valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, desenvolvidos no Código de Valores Mobiliários como contratos de mediação financeira (art. 321.º e ss.). É este o modelo europeu da banca universal, por contraposição ao modelo norte-americano de investiment banking e de commercial banking[20].
Este alargamento da banca significou a necessidade de proteção dos pequenos aforradores não qualificados ou não profissionais que invistam as suas poupanças no mercado de capitais, o que veio a obter-se pela Diretiva 97/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de março de 1997, transposta para o direito interno pelo DL 222/99, de 22.6.
O Sistema de Indemnização aos Investidores protege os investidores pequenos, não profissionais ou não qualificados.
Mas, o sistema da banca universal não alterou o quadro dos deveres que impedem sobre os bancos, mormente do dever de informar, no contexto da relação bancária e da necessidade de proteção do consumidor.
Com efeito, a especial relevância dos padrões de comportamento no exercício da atividade bancária já fora enfatizada no preâmbulo do RGICSF: A preocupação de fazer assentar cada vez mais a actuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do «consumidor» de serviços financeiros não se manifesta apenas pela consagração expressa dos apontados deveres gerais de conduta e das demais normas referidas, mas explica ainda o incentivo que se pretende dar à elaboração de códigos deontológicos de conduta pelas associações representativas das entidades interessadas (artigo 77.º, n.os 2 a 4). Desta forma, a orientação que já consta do Código do Mercado de Valores Mobiliários, confinada aí às actividades de intermediação de valores mobiliários, é alargada às restantes actividades desenvolvidas pelas instituições de crédito e demais empresas financeiras.
É assim que, no Título VI se preveem as regras de conduta aplicáveis à atividade bancária, agrupáveis em três categorias[21]:
- deveres de salvaguarda dos interesses dos clientes, onde deve primar a execução fiel dos atos e dos negócios que integrem a relação negocial;
- dever de informação, que salvaguarda as posições negociais assumidas pelas partes;
- dever de segredo profissional.
O dever de informação assume tal relevância que já se afirmou ser o direito bancário um Direito de Informações[22], sendo considerado mais do que um dever instrumental e acessório para passar a ser o objeto principal de muitas obrigações, manifestando-se em todos os estádios negociais, desde logo na fase preparatória dos contratos, envolvendo toda a matéria relativa ao objeto deste, aos aspetos conexos com o objeto, à perspetiva do desenvolvimento contratual e às condutas relevantes de terceiros.
Embora não seja já defensável o ideário francês da banca como uma missão de serviço público[23], a verdade é que em termos de deveres de informação, mesmo de responsabilidade pré-contratual, “a tendência actual vai no sentido de uma crescente intensificação de tais deveres, particularmente sob influência do pensamento da protecção do consumidor”[24], sendo necessário distinguir “entre o dever de responder por um falso conselho, aviso ou esclarecimento, que o banco tomou a iniciativa de prestar, e o de responder por uma simples omissão, isto é, pela não prestação de um esclarecimento ou conselho. Se, no primeiro caso, a regra é a da responsabilidade, no que concerne ao segundo a responsabilização do banco pressupõe a identificação de um dever jurídico de actuar, a implicar a consideração de circunstâncias particulares, pois não pode falar-se de um genérico dever de conselho, aviso ou esclarecimento das instituições bancárias (…). Particular atenção deverá ser dada, neste contexto, à circunstância de estar em causa um simples consumidor ou uma empresa que, no quadro da sua actividade, recorre normalmente aos serviços prestados pelas instituições bancárias (…). Na primeira hipótese, por seu lado, um papel fundamental na afirmação de um concreto dever do banco haverá seguramente que imputar-se à reconhecível inexperiência negocial ou falta de conhecimentos jurídicos do cliente (…)”[25].
Quanto à noção de consumidor[26] na relação bancária, salienta-se a sua atuação do mercado para satisfação de necessidades não profissionais, dentro de uma estrutura negocial caraterizada como negócio jurídico de consumo.
Na verdade, os negócios bancários são negócios jurídicos de consumo[27], sempre que em face dos bancos se apresente um consumidor. Esta relação de consumo está, em geral, associada a um contrato de depósito bancário[28], mas não só, sendo aqui evidente “a maior debilidade de uma das partes da relação negocial (…)” posto que “em condições normais não se vislumbra que, como os bancos, possa pretender dominar a técnica, a nomenclatura e a gestão próprias das operações bancárias”[29].
Quer isto dizer que a conduta do banqueiro está balizada por dois fatores:
- por um elemento de ordem subjetiva: a desigualdade da sua posição, profissional do ramo, relativamente ao cliente que pode não ter experiência alguma quanto ao negócio que vai celebrar e, assim, confia na capacidade técnica e conhecimentos que lhe são transmitidos pelos funcionários;
- outro de cariz objetivo, centrada nas especificidades técnicas do negócio que se vai celebrar.
O dever de informação pode resultar do contrato celebrado, quando o negócio prevê a prestação de informações (art. 4.º, n.º 1, al. o) RFICSF) – será um dever de prestação principal ou secundária. Mas poderá ser um dever acessório no quadro da relação negocial, um dever de informação de base legal.
A fonte legal do dever de informação achava-se no RGICSF, ao tempo do negócio dos autos, pulverizada por diversas normas:
O art. 73.º exigia dos bancos que assegurassem, em todas as atividades que exercessem, elevados níveis de competência técnica.
O art. 74.º impunha aos administradores e funcionários dos bancos diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
O art. 75. º incluía um dever de informação pouco desenvolvido, que remetia para o Banco de Portugal a densificação por meio de avisos.
O art. 76.º estabelecia a extensão do dever de diligência de todos os órgãos e funcionários dos bancos. Deveriam proceder no exercício das suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenando, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e demais credores.
Assim estabelecidos os deveres dos bancos na relação com os clientes, em qualquer contrato celebrado com estes estavam presentes tais vínculos, de modo que, em termos da obrigação de informar, bem se poderá dizer, como já acima se citou, que esta obrigação emergia da própria relação negocial como dever de prestar e não como simples dever acessório, não apenas como uma emanação da boa-fé negocial (art. 762.º, n.º 2). Se os deveres principais ou primários têm em vista a realização do fim da constituição do vínculo obrigacional, também parece certo que a informação ou o know-how de que dispõem os economistas, gestores e juristas, entre outros profissionais qualificados que a atividade bancária pressupõe, vai implícita na contratação que qualquer consumidor estabelece com um banco quando titula uma conta bancária. Isto é, o consumidor procura no funcionário bancário que lhe explique todas as circunstâncias que estão prefiguradas no contrato de depósito bancário: taxas de juros, remunerações, utilização de cartões, etc… E é confiando nestas informações que o cliente pauta a sua atuação, desde logo, contratando ou não com aquele banco ou com outro.
Também o diploma relativo à defesa do consumidor exige que o prestador de serviços informe o consumidor com clareza, de forma objetiva e adequada.
O art. 8.º, na redação então vigente, era claro:
1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.
(…)
5 - O fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação.
(…)
De igual modo a atividade de intermediação financeira se pauta por um conjunto de regras que partem do dever geral de informação[30].
Já em obra publicada em 2001, escrevia-se a respeito do regime de proteção dos investidores, que a “transparência informativa é (…) o pilar básico sobre o qual assentam as decisões dos investidores”[31], chamando a atenção para a particular influência que exerce sobre o investidor não qualificado português o gestor de conta, relação onde tem especial relevo o art. 304.º, n.º1 CVM (redacção então vigente[32]), que impõe ao intermediário financeiro “um especial dever de proteger os interesses” dos clientes.
Para além daquele normativo, também eram significativos os arts. 312.º[33] (deveres de informação) e 323.º[34] (deveres de informação). Também os arts. 38.º[35] (informação sobre o intermediário financeiro) e 39.º[36] (outras informações prévias) do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[37], de 23.2.
Decorre de todos estes normativos ter-se o legislador preocupado não apenas com a extensão da informação a prestar, mas igualmente com o grau de pormenorização da mesma de acordo com o conhecimento e experiência do cliente – é a chamada regra da proporcionalidade inversa que obriga o intermediário a conhecer bem o cliente (know your cliente rule)[38] e que se consubstancia num dever de adequar o serviço prestado ao perfil do cliente que também já resultava do art. 304.º, n.º 3 do CVM. Este dever de assegurar a adequação do serviço ao perfil do cliente (suitability) já resultava da transposição da Directiva 93/22/CEE relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários [39].
O dever de informação assim exaustivamente conformado pode considerar-se um dever de conduta secundário de prestação e não um dever acessório[40], ainda que funcionalizado à prestação principal, mas com “relevância na relação obrigacional para, em termos de autonomia e de influência sobre a prossecução dos interesses do credor (cliente), justificar, por exemplo, a aplicação dos meios de reacção perante o não cumprimento, com uma configuração legal e regulamentar diferente por se tratar de uma relação de intermediação financeira[41], relação que, por força da lei, em caso de incumprimento, assume um matiz especial.
Com efeito, “uma análise do conteúdo desta relação obrigacional complexa permite surpreender, de um lado, os deveres de prestação – principais (ou primários) e secundários (Leistungspflichten) – e, de outro lado, os deveres laterais (Nebenpflichten)”. Enquanto os primeiros definem o plano contratual, derivando da vontade das partes, os segundos determinam-se através da concretização, durante a vigência daquele plano, do princípio da boa-fé, plasmado no art. 762.º, 2, impondo às partes uma atuação honesta, correta e leal[42].
Os deveres laterais podem surgir, também, antes ou depois da extinção da relação obrigacional simples (deveres pré-contratuais e pós-contratuais) e, inclusivamente, podem tutelar a integridade de sujeitos alheios ao contrato (contrato com eficácia de proteção para terceiros)
Em regra, os deveres de informação são deveres laterais.
Porém, atentos os contornos particulares dos regimes legais relativos aos bancos e sua intervenção no mercado dos valores mobiliários, a informação surge como um ponto crucial do cumprimento da prestação principal, de tal forma que, não obstante formalmente cumprida pelo banco a prestação principal, a omissão da informação ou a informação deficiente constitui um incumprimento ou um cumprimento defeituoso daquela prestação.»
No caso sub iudice, os AA. eram clientes do Banco R. há já várias décadas e, desde alguns anos, investidores em produtos que não eram simples depósitos bancários, mas assumiam já alguma complexidade, tendo tido perdas em momentos anteriores, como se vê dos factos provados em 17 a 26: subscreveram a 3.ª série do PRODUTO ESTRUTURADO – BANCO Banco 1... – CS R. IMOBILIÁRIO 2005-2009, pelo montante de €185.000,00 em 24/06/2005, pelo prazo de 4 anos e meio, 1º cupão de 4% (TANB), no qual, a partir do pagamento do 1.º e único cupão, a remuneração a pagar na data de reembolso, correspondia a 40% da soma das valorizações anuais do índice de imobiliário, EPRA Index – European Public Real Estate Index, tendo os AA. recebido o cupão único definido para o produto, pelo montante de € 1.381,34 e venderam a aplicação em mercado secundário em 30/07/2008, a 97,14% tendo recebido € 179.709,49, traduzindo-se numa perda de €5.290,51, relativo ao capital investido.
Em 02/03/2006, subscreveram o PRODUTO ESTRUTURADO -BANCO Banco 1... CS MERCADOS EMERGENTES 2006-2011, pelo montante de €50.000,00, pelo prazo de 5 anos, sendo a remuneração paga na data de reembolso final, estando indexada à valorização de um cabaz de 5 índices acionistas – Hang Seng China Enterprises – China = Hang Seng Index –Hong Kong = KOSPI 200 – Coreia do Sul = CECEEUR – República Checa, Hungria e Polónia = Russian Depository Index – Russia e venderam a aplicação em mercado secundário em 29/03/2010, a 105,03%% tendo recebido €52.269,23, traduzindo-se num ganho de €2.269,23, relativo ao capital investido.
Em 03/04/2006, o PRODUTO ESTRUTURADO - BANCO Banco 1... – CS JAPÃO 2006-2009, pelo montante de €100.000,00, pelo prazo 3 anos, com remuneração paga na data de reembolso final, correspondendo a 60% da valorização o índice Nikkei 225, considerando a média aritmética simples do valor do índice nos últimos 12 meses de emissão, mantendo a aplicação por todo o prazo, tendo reembolsado ao par em 23/04/2009, não tendo, pois, tido qualquer rendimento do capital investido durante 3 anos.
Ainda investiram em SEGUROS DE CAPITALIZAÇÃO – NOVO AFORRO FAMILIAR. OBRIGAÇÕES SENIORES (Banco 1... – B... 6% 2010-2013); OBRIGAÇÕES SENIORES (Banco 1... SUPER RENDIMENTO FIXO CRESCENTE 5 ANOS); FUNDOS DE INVESTIMENTO – Banco 1... MONETÁRIO CURTO PRAZO, sempre procurando retorno elevado dos seus investimentos, admitindo, para tal, correr riscos.
Em 2014, o A. subscreveu obrigações da A..., com taxa de juro de 6, 75%.
Tratou-se da aquisição de instrumentos mobiliários, obrigações ou bonds, valores mobiliários representativos de direitos de crédito, previstos no art. 1.º b) do CVM e disciplinados nos arts. 348.º[43] e ss. do CSC, as quais constituem um modo de financiamento empresarial e podem conferir direito a reembolso e juros, ou não (perpetual bonds e zerobonds[44]).
Ora, se naquele aresto escrevemos que “a relação de confiança que se estabelece entre um aforrador, simples consumidor privado, e o seu banco, não será a mesma que intercede entre alguém que procura investir os seus excedentes monetários, está disposto a correr riscos económicos, e entra em contacto com um intermediário financeiro”, como se verificava no caso aí apreciado, já na situação dos autos, a posição dos AA., até pelos valores elevados que vinham investindo desde há vários anos, destaca-se perante a de um cliente bancário que não tem experiência em investimentos de risco e que, até então, detém no banco meros depósitos à ordem ou a prazo.
Assim, o nível de informação a fornecer, face a nova subscrição, não é o mesmo, valendo aqui o que há anteriormente se disse: o grau de pormenorização da informação varia de acordo com o conhecimento e experiência do cliente – é a chamada regra da proporcionalidade inversa que obriga o intermediário a conhecer bem o cliente (know your cliente rule) e que se consubstancia num dever de adequar o serviço prestado ao perfil do cliente que também já resultava do art. 304.º, n.º 3 do CVM, não se vendo por que chamar à colação o disposto no art. 314.º- D CVM quando, face à relação entre os AA. e o gestor bancário, já se afigura preenchido o disposto no art. 314.º.
Ora, sendo uma das principais regras dos mercados a de que a um rendimento elevado corresponde sempre um risco elevado, não se vê que informação pretendiam ainda os AA. para além do conhecimento que detinham de que se tratava de um produto financeiro que os faria incorrer em risco de perda de capital, não sendo aceitável que afirmem, como o fazem no art. 37.º da pi, que apenas pretendiam aplicar as suas poupanças “num depósito a prazo num Banco de prestígio”, ou, em 28.º, de que foram enganados quando subscreveram o papel comercial sob o argumento de que se tratava de um produto equivalente a um depósito a prazo. Um depósito a prazo obviamente não implicaria os custos inerentes à aquisição de um produto financeiro, como os custos que se vêm dos documentos que foram dados aos AA. pelo gestor bancário e que estes juntaram a fls. 28 e 29, sob a designação de Dados de Investimento/Compra.
Destes documentos resulta a indicação de um preço de €278.760, 00, uma Comissão Compra Ordem de Bolsa de €579, 82, com um débito na conta à ordem, por Compra, de €279.850, 23.
Um depósito de €276.000, 00, não implicaria a aplicação de €279.850, 23.
Ora, sendo certo que um prospeto informático e em inglês não consubstanciaria informação suficiente, por si, a verdade é que aquele conhecimento pelos AA. quanto ao risco, na sequência do que já era a sua experiência anterior, bastaria para considerar cumprido o dever de informação pelo gestor face ao cliente que já conhecia de aplicações semelhantes.
Ainda que assim não fosse, vemos que, já depois de subscritas as obrigações, puderam os AA. aperceber-se de que o tal depósito ia diminuindo de capital, como resulta das posições integradas que lhe eram fornecidas pelo Banco, o que aconteceu logo no ano seguinte à subscrição (em final de 2015, o valor era já de €255.301,78 - docs. de fls. 206 v.º e 207), tendo sido dado como provado terem os AA. declinado a sugestão de venda das obrigações em causa, verificando-se que, em 30.12.2016, tinham um valor de €205.463,10 (doc. de fls. 207 v.) e, mesmo em julho de 2017, um valor €145.501,49 (doc. de fls. 211).
Assim, mesmo que se verificasse o elemento da ilicitude da conduta do R. – omissão de informação ou prestação de informação falsa (presumindo-se a culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304.º- A, n.º 2 CVM e 799.º, n.º1, CC) – sempre teríamos que os desenvolvimentos posteriores à subscrição foram de molde a possibilitar aos AA. a eliminação ou, pelo menos, a substancial diminuição do prejuízo, o que não aceitaram, podendo considerar-se abusiva (art. 334.º CC) a invocação daquela ilicitude para ver reparado um dano que, a seu tempo, os AA. poderiam ter evitado ou visto bastante diminuído.
Além disso, a ter-se por verificada a responsabilidade civil por parte do R. e consequente obrigação de indemnizar, esta postura dos AA., depois de subscritas as obrigações, declinando a sugestão da sua venda – como explicaram as testemunhas FF e GG – numa altura em que, contabilizados os juros já recebidos (no valor de €32.420,46- cfr. ponto de facto 31) e o capital ainda existente, aqueles nada perderiam, excluiria a obrigação de indemnizar, nos termos do art. 570.º CC, atenta a concorrência da culpa dos lesados.
Acresce, como já mencionado, a exigência de prova do nexo de causalidade a que alude o aresto de uniformização de jurisprudência. Apesar de ocorrer hipotética violação do dever de informação e de se presumir a culpa do intermediário financeiro, o STJ considera que, por força do disposto no art. 563.º CC, terão os lesados que demonstrar que as deficiências de informação do Banco funcionaram como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital, o que não sucedeu, não constando tal circunstância dos factos dados como provados, nem tendo os AA. disso reclamado.
Sendo assim, não pode proceder a pretensão dos demandantes, sendo de manter a sentença recorrida.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 17.4.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho
___________________
[1] Na sentença foram dados como provados dois factos sob a numeração 30, o que constitui um lapso, passando, neste momento, a designar-se o segundo 30, como 30-A, mantendo a restante numeração a fim de evitar alterações que possam confundir posteriormente, atenta a circunstância de ter sido impugnada a matéria de facto.
[2] Introduziu-se a expressão não que, por lapso ostensivo, estava omissa na sentença recorrida.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[4] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[6] Ibidem, pág. 153.
[7] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[8] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[9] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[10] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM..L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “ Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[11] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[12] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[13] Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[14] O A. nasceu em 1945 –cfr. doc.de fls. 24 – pelo que, em 2014, não atingira sequer ainda os 70 anos, e A. nasceu em 1954, contando 60 anos de idade em 2104.
[15] Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 12.
[16] Ibidem.
[17] Ibidem, p. 13
[18] Manual de Direito Bancário, 3.ª Ed., p. 168 e ss.
[19] Almeno de Sá, Relação Bancária, Cláusulas contratuais gerais e o novo Código Civil Brasileiro, Separata do BFDC, Vol. LXXVII, 2002, p. 304.
[20] Calvão da Silva, cit., p. 327.
[21] Segue-se de perto a dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais apresentada na FDUC, em 2009, por Sílvia Trepado, O cliente bancário como consumidor de serviços financeiros – em particular a sua tutela jurídica e as cláusulas de ius variandi nos contratos bancários, p. 31.
[22] Jean-François Clément, apud Sílvia Trepado, cit., p. 32.
[23] Cfr. Almeno de Sá, Responsabilidade Bancária, 1998, p. 66.
[24] Ibidem, p. 67.
[25] Ibidem, p. 69-70.
[26] Sobre as posições relativas à noção jurídica de consumidor, Sílvia Trepado, cit., 39, nota 65.
[27] António Pedro Ferreira, A Relação Negocial Bancária, 2005, p. 359
[28] “O contrato bancário geral é o acordo celebrado entre as partes, na qual se propõe desenvolver uma relação complexa, prolongada no tempo, com diversos direitos e deveres, tendo como objectivo principal a celebração de diversos negócios jurídicos, baseados na confiança mútua”, Rosana Diaz, Relação Negocial Bancária, dissertação de mestrado em Direito das Empresas, FDUC, 2010, p. 110.
[29] Ibidem.
[30] O art. 7.º do CVM já dispunha na nona versão do DL n.º 486/99, de 13/11, que era a vigente em 2004: Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
[31] Sofia Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, p. 37 e ss.
[32] Consideraremos sempre a nona versão do DL n.º 486/99, de 13/11. O art. 304.º dispunha: 1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
[33] 1- O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não
[34] Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre: a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles; b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação; c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.
[35] 1 - Antes de iniciar a prestação do serviço, o intermediário financeiro informa o potencial cliente sobre as principais características da empresa abrangendo, pelo menos: a) A identificação do intermediário financeiro e respectiva morada; b) A identidade e a posição no intermediário financeiro dos funcionários ou outros colaboradores e serviços com quem o cliente tem ou irá ter contacto; c) Indicação da data do registo, junto da entidade de supervisão, da actividade a prestar ao cliente; d) Tipo de intermediário financeiro e respectiva capacidade para fornecer os serviços pretendidos.
2 - Qualquer informação que o intermediário financeiro forneça ao investidor sobre o desempenho passado daquele deve: a) Ser relevante para a avaliação do desempenho do serviço que o intermediário financeiro se propõe oferecer; b) Ser um registo completo e não enganado.
[36] 1 - Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro: a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa; b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros; c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado; d) Informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.
2 - Quando o cliente seja um investidor institucional, o disposto no número anterior apenas se aplica se este solicitar expressamente as informações nele referidas.
3 - O intermediário financeiro informa expressamente o cliente do direito previsto no número anterior.
[37] Diário da República n.º 45/2000, 1º Suplemento, Série II de 2000-02-23.
[38] Sofia Rodrigues, cit., p. 46.
[39] Os tribunais e a doutrina alemães sustentavam já a este respeito um dever de investigação a cargo do intermediário financeiro de modo a poder aconselhar no sentido mais adequado, cfr. Gonçalo Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, 2008, p. 106, nota 226.
[40] Os contratos e a lei que os disciplina fazem emergir ao lado dos deveres principais os chamados deveres acessórios que, na sua formulação negativa (enquanto dirigidos à preservação das posições e interesses das partes que podem ser postos em causa com as ações ou omissões da contraparte), assumem a designação de deveres de proteção, sendo que todos eles podem agrupar-se na noção ampla proposta pela lei alemã de deveres de consideração, deveres estes que se “enxertam na relação contratual”, mas “não fazem parte do programa contratual propriamente dito”- Carneiro da Frada, Os deveres (ditos) “acessórios e o arrendamento, in Temas de Direito do Arrendamento, Cadernos O Direito, n.º 7, 2013, p. 67. Estes deveres guardam “uma certa independência face à eficácia dos compromissos negociais: permanecendo, por exemplo, em caso de ineficácia destes, ou sobrevivendo à sua extinção (o campo da culpa post factum finitum) – [40] Ibidem, p. 72. A autonomia privada, princípio cunhado pelo pensamento jurídico oitocentista, não tem um alcance ilimitado, já que a ética individualista e a ideia de liberdade contratual não podem deixar de ser enquadradas por exigências de justiça social, pela via, por exemplo, da figura da boa-fé contratual (art. 762.º, n.º 2, do Código Civil) e da ideia de deveres de proteção. Em caso de violação destes deveres, a responsabilidade pela sua infração não cabe na responsabilidade delitual ou extracontratual propriamente dita, nem integra a responsabilidade contratual, mas, constituindo uma terceira via ou de responsabilidade intermédia, segue o regime da responsabilidade obrigacional (art. 798.º CC). Estes deveres estão fora do âmbito contratual, mas a sua violação determina a produção de danos (danos acompanhantes ou paralelos) do que deriva uma responsabilidade de tipo obrigacional, independente, no entanto, da aplicação das regras do incumprimento contratual, porque tais deveres são alheios à relação de prestação - Cfr. FRADA, Manuel Carneira, em Contrato e Deveres de Protecção, 1994, descreve exemplos colhidos da jurisprudência alemã em que estão em causa os referidos danos paralelos (p. 144 e ss.) e LEITÃO, Menezes, Obrigações, p. 351, alude a este propósito a uma “auto-responsabilização recíproca”.
[41] Gonçalo Santos, cit, p. 141
[42] N. PINTO OLIVEIRA, Direito das Obrigações, vol. I, p. 58 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 125.
[43] 1 - As sociedades anónimas podem emitir valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais e que se denominam obrigações. 2 - Só podem emitir obrigações as sociedades cujo contrato esteja definitivamente registado há mais de um ano, salvo se: Tenham resultado de fusão ou de cisão de sociedades das quais uma, pelo menos, se encontre registada há mais de um ano; ou b) O Estado ou entidade pública equiparada detenha a maioria do capital social da sociedade; c) As obrigações forem objecto de garantia prestada por instituição de crédito, pelo Estado ou entidade pública equiparada. d) For disponibilizada aos investidores informação financeira relativa ao emitente, reportada a data não superior a três meses relativamente à emissão, auditada por auditor independente registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e elaborada de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis. 3 - Por portaria dos Ministros das Finanças e da Justiça podem ser dispensados, no todo ou em parte, os requisitos previstos no número anterior. 4 - As obrigações não podem ser emitidas antes de o capital estar inteiramente liberado ou de, pelo menos, estarem colocados em mora todos os accionistas que não hajam liberado oportunamente as suas acções.
[44] Sobre a distinção, Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 2017, p. 118.