Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
329/11.2TTPRT.2.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
IPP
REVISÃO
INTERPRETAÇÃO DO RELATÓRIO MÉDICO
Nº do Documento: RP20170712329/11.2TTPRT.2.P1
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO(SOCIAL), LIVRO DE REGISTOS N.º 259, FLS.241-247)
Área Temática: .
Sumário: I - Estando o sinistrado patrocinado pelo Ministério Público, se porventura o conteúdo do relatório do exame médico singular lhe oferecia alguma dificuldade de compreensão, levando a que não soubesse se deveria, ou não, requerer exame por junta médica, deveria ter diligenciado para ser atendido nos serviços do Ministério Público, para que lhe fosse prestada a explicação às suas dúvidas, de modo a decidir e, se disso fosse caso, poder exercitar em tempo útil aquele direito.
II - Não constando do auto de exame médico qualquer referência ao incidente de revisão imediatamente anterior ao que ocasionou esta perícia, decidido meses com o reconhecimento do agravamento da incapacidade permanente parcial de 4% para 10%, conclui-se que o Senhor perito médico partiu do pressuposto de que o sinistrado ainda mantinha fixada a IPP de 4%.
III - A finalidade do exame médico era avaliar o grau de IPP, à luz da TNI, tendo em consideração a observação directa do sinistrado (exame objectivo), os exames complementares de diagnóstico mais actuais disponíveis e relatórios médicos que fossem juntos, sendo que tudo isso estava disponível e foi tomado em consideração, como se menciona com precisão e proficiência na fundamentação do relatório.
IV - Quando o Senhor Perito médico escreveu que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo, o dano e um agravamento, atendendo a que a IPP anteriormente atribuída não se mostra adequada ao seu estado atual”, está a fazer o confronto entre uma IPP de 4% - a que se vinha referindo anteriormente como a que estaria atribuída – e aquela que, segundo o seu laudo, se justifica atribuir na situação avaliada à data do exame, não havendo qualquer contradição ou ambiguidade, nem se podendo retirar daqui a ideia do reconhecimento de um agravamento da IPP, para além de 10%.
V - Acrescendo que no ponto 2, afirma-se peremptoriamente, com clareza e até em destaque, que a IPP actual é de 10%, não se vislumbra como possa uma leitura com a atenção necessária, como é exigível num caso destes, levar a concluir ou mesmo sugerir que se está a afirmar uma IPP de 16%.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 329/11.2TTPRT.2.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No processo emergente de acidente de trabalho, relativo ao acidente de trabalho ocorrido no dia 30-08-2010, no Porto, em que foi sinistrado B…, veio este, por requerimento apresentado em 08-07-2016, requerer exame de revisão da incapacidade, alegando agravamento das sequelas resultantes daquele sinistro.
Por sentença proferida a fls. 59 e ss., do processo principal, em 19/10/2011, foi fixado ao sinistrado a IPP de 4%, tendo a entidade responsável pela reparação dos danos emergentes do sinistro, a seguradora C… – Companhia de Seguros, S.A., sido condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 380.37€, com efeitos desde 16/02/2011, por ser este portador de uma incapacidade permanente parcial de 4% (0,04).
Em 13-03-2012, o sinistrado requereu exame de médico de revisão, tendo o incidente de revisão cumprido os seus trâmites, para culminar com decisão que o julgou improcedente, mantendo a IPP de 4% fixado na sentença de 19-10-2011.
Subsequentemente, por requerimento apresentado pelo Seguradora, em 6-04-2015, iniciou-se e correu os seus trâmites um segundo incidente de revisão da incapacidade. Nesse incidente, que foi julgado procedente nos termos pedidos pela seguradora, foi reconhecido o agravamento das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente de trabalho, por decisão de 7-01-2016, e fixada ao sinistrado uma IPP de 10%. Consequentemente, em 19-02-2016, foi-lhe entregue o capital de remição devido pelo agravamento.
No presente incidente, requerido em 08-07-2016, foi determinada a realização de exame médio singular. Realizado o exame, em 17-01-2017, o senhor perito médico indicou que a IPP deveria ser fixada em 10%.
Notificado do resultado do exame, o sinistrado não requereu a realização de exame por junta médica.
I.2 Por decisão de 20-03-2017, o Tribunal a quo julgou o incidente nos termos seguintes:
- «(..)
Não se mostra necessário proceder a quaisquer outras diligências.
*
Dando cumprimento ao disposto no art.º 145.º, n.º 5 do CPT, atendendo ao resultado do exame médico e à conformação do sinistrado com o mesmo, entendo que o sinistrado B… continua portador da mesma incapacidade permanente parcial de 0,10 (10%), que lhe foi fixado no incidente de revisão decidido em 07/01/2016.
Assim, julgo improcedente o presente incidente de revisão e, em conformidade, decido manter a pensão já atribuída nestes autos a fls. 191 e 192.
*
Valor do incidente – uma vez que não foi formulado pedido pelo sinistrado, o valor anteriormente fixado à acção.
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão o sinistrado seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
A) No âmbito do incidente de revisão de incapacidade requerido nos presentes autos, realizou-se o competente exame médico em 16/01/2017;
B) No ponto 1. do relatório deste exame sob a epígrafe “DISCUSSÃO E CONCLUSÕES” lê-se o seguinte “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo, o dano e um agravamento, atendendo a que a IPP anteriormente atribuída não se mostra adequada ao seu estado atual”;
C) E no ponto 2. é referido que “ A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual …….. é de 10,0000%”…”;
D) No item “CONCLUSÕES” lê-se : “É de admitir um agravamento do seu estado sequelar “A IPP resultante do acidente em apreço, deve ser fixada em 10%”. “Apresenta, pois, um agravamento de 6,0000%, da taxa de IPP a aplicar”;
E) O Recorrente foi notificado do resultado deste exame em 23/02/2017 para efeito do art.º 145º n.º 5 do CPT;
F) Da leitura do referido relatório, o Recorrente ficou convicto de que o seu estado atual se agravara em mais 6%, uma vez que já se encontrava afetado de uma IPP de 10% anteriormente atribuída, pelo que, pese embora já tivesse junto aos autos relatórios médicos particulares a comprovarem o agravamento do seu estado clínico, que, aliás, o consideravam incapaz para o exercício da sua profissão habitual de motorista, conformou-se com este resultado.
G) Uma vez que, em face das contradições e ambiguidades constantes do relatório médico de revisão datado de 16/01/2017, suscetíveis de leituras diversas e erróneas, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não logrou solicitar esclarecimentos ou ordenar a realização de perícia por junta médica, o Recorrente ficou impedido de exercer os direitos que legalmente lhe assistem para reagir ao resultado do exame médico de revisão, em violação do disposto no n.º 5 do art.º 145º do CPT.
Termos em que se requer a V. Exas. seja revogada a douta decisão recorrida ordenando-se que os autos baixem ao Tribunal a quo de forma a permitir o pedido de esclarecimentos às contradições e ambiguidades constantes do relatório médico do exame de revisão datado de 16/01/2017, ou a realização de perícia por junta médica, ou a concessão ao Recorrente do competente prazo para efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145º do CPT.
I.4 A Recorrida Seguradora não apresentou contra alegações.
I.5 Os autos foram presentes ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 87.º n.º 3 do CT, referindo-se que o senhor perito médico fundamentou as respostas em conformidade com o exigido no ponto 8, anexo I, da TNI e, em consonância, fixou a IPP de 10%. Não tendo o sinistrado requerido exame por junta médica, nos termos do art.º 145.º n.º 5, do CPT, conformou-se com aquele resultado.
Conclui-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC, com a remessa do histórico digital do processo e projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos, e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada pelo recorrente para apreciação consiste em saber se a decisão recorrida deve ser revogada, ordenando-se que os autos baixem ao Tribunal a quo de forma a permitir o pedido de esclarecimentos às contradições e ambiguidades constantes do relatório médico do exame de revisão datado de 16/01/2017, ou a realização de perícia por junta médica, ou a concessão ao Recorrente do competente prazo para efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 145º do CPT.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que constam no relatório acima, acrescidos dos extractos do auto de exame médico realizado em 16-01-2017, documentado nos autos, que se passam a transcrever:
1. Sob o título História do Evento, menciona-se, para além do mais o seguinte:
- «(..)
A informação sobre o evento, a seguir descrita, foi prestada pelo examinando.
(..)
Na sequência do evento refere que pediu exame de revisão, por sequelas de cirurgia de hérnia discal cervical, operada em 21/10/2014. Fez ainda tratamento fisiátrico durante cerca de 2 meses. Teve alta em 31/3/2015. Refere que desde a operação não retomou o seu trabalho como condutor de veículos pesados, tendo outras funções. Teve ainda 8 sessões de terapia de fala em função da dificuldade em deglutir. Tinha já sido fixado anteriormente IPP de 4%, no Tribunal de Trabalho.
2. Sob o título “Dados Documentais”, consta, para além do mais, o seguinte:
« (..) Pedido de exame de revisão, de 13/3/2012, não logrou aumento da valoração IPP.
Informação da seguradora D…, de fls. 145 do Pr., refere agravamento da IPP do examinando, para 10%, conforme o n.º I.1.1.1 da TNI.
EMG dos membros superiores, de 27/3/2015, revela perda de unidades motoras no território das raízes de C6 e C7, bilateralmente, sem sinais de agudização recente.
Declaração do Dr. E…, médico de ortopedia, de 4/6/2015, revela que sofreu acidente de trabalho em 2010, de que resultou hérnia discal cervical C6/C7. Teve alta com IPP de 4%. Em 21/10/2014, foi tratado cirurgicamente nos s. médicos da seguradora D…. RMN de 2015 revelou ostofitose somática posterior paramediana direita, e EMG também de 2015 revelou ligeira perda de unidades motoras no território muscular C6 e C7 bilateralmente».
3. Sob o título “Exame Objectivo” e subtítulo “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento”, consta o seguinte:
- «O examinando apresenta as seguintes sequelas: Pescoço: discreta limitação da mobilidade cervical, com distância mento-esterno de 3 cm”.
4. E, sob o título “Discussão e Conclusões”, consta o seguinte:


II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
II.2.1 Começamos por enunciar as normas legais relevantes para a decisão do presente recurso.
A revisão da incapacidade é regulada, nos seus traços essenciais, pelo art.º 145.º do CPT, dispondo, na parte que aqui interessa, o seguinte:
- «1 - Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica.
2 - O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - O local de realização da perícia médica é definido nos termos da lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.
4 - Finda a perícia, o seu resultado é notificado ao sinistrado e à entidade responsável pela reparação dos danos resultantes do acidente.
5 - Se alguma das partes não se conformar com o resultado da perícia, pode requerer, no prazo de 10 dias, perícia por junta médica nos termos previstos no n.º 2; se nenhuma das partes o requerer, pode a perícia ser ordenada pelo juiz, se a considerar indispensável para a boa decisão do incidente.
6 - Se não for realizada perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.
(..)».
A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».
Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”.
E, no ponto 8, estabelece-se que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
II.2.2 Conforme resulta dos autos, na sequência da apresentação pelo sinistrado do requerimento que deu início ao presente incidente de revisão, o Ministério Público proferiu despacho, em 15-07-2016, assumindo o patrocínio do sinistrado.
Com efeito, desse despacho conta o seguinte:
« Fls. 202 e seguintes:
Face ao teor do relatório médico de fls. 206 a 211 e verificado que está o cumprimento do estatuído no artigo 70 da Lei dos Acidentes de Trabalho, aceito patrocinar o sinistrado no incidente de revisão”.
O patrocínio manteve-se até à interposição do presente recurso, apresentado pela ilustre mandatária constituída pelo autor. A procuração subscrita pelo autor, datada de 3 de Abril de 2017, foi junta com a apresentação das alegações.
O exame médico singular foi realizado a 16-01-2017, tendo o relatório médico elaborado na sequência do mesmo, acima parcialmente transcrito nos factos provados, sido junto aos autos em 22-02-2017.
Na sequência da junção do relatório, em 23-02-2017, o mesmo foi notificado ao sinistrado, através de carta registada, constando expressamente da notificação a advertência seguinte:
- «Mais se notifica, de que não se conformando com o resultado do mesmo, tem o prazo de 10 dias para requerer, querendo, exame por junta médica”.
Naquela mesma data, o relatório foi igualmente notificado à seguradora e, também, ao Ministério Público.
Como flui do art.º 145.º n.º5, do CPT, o sinistrado dispunha do prazo de dez dias para requerer o exame por junta médica. Realça-se que o sinistrado foi até notificado com essa menção expressa.
Por conseguinte, estando patrocinado pelo Ministério Público, se porventura o conteúdo do relatório lhe oferecia alguma dificuldade de compreensão, levando a que não soubesse se deveria, ou não, requerer exame por junta médica, deveria ter diligenciado para ser atendido nos serviços do Ministério Público, para que lhe fosse prestada a explicação às suas dúvidas, de modo a decidir e, se disso fosse caso, poder exercitar em tempo útil aquele direito.
Acontece que o prazo decorreu e atingiu o seu termo sem que esse direito tenha sido exercitado.
Acrescendo, ainda, que no mesmo prazo nada foi requerido, nomeadamente pelo Ministério Público, o que leva a considerar que o relatório de exame médico não suscitou dúvidas à Digna Magistrada a quem incumbia o patrocínio do sinistrado.
Nesse quadro, a menos que o Tribunal encontrasse razões que justificassem a realização de qualquer outra diligência, entre elas, eventualmente, para esclarecimento de alguma ambiguidade ou omissão do relatório médico, sendo-lhe presentes os autos e constatando que decorrera o prazo sem que algo tivesse sido requerido, impunha-se-lhe cumprir o disposto no n.º 6, do artigo 145.º, decidindo por despacho, “mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar”.
E, naturalmente, nessa decisão, não lhe suscitando dúvidas, teria que atender ao resultado da perícia indicado pelo Senhor perito médico.
Num breve parêntesis, que se justifica para que melhor se compreenda esta asserção, afigura-se-nos pertinente deixar algumas considerações sobre as perícias médicas para avaliação da incapacidade.
Os exames médicos para avaliação da incapacidade previstos no CPT, inscrevem-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto nas normas daquele compêndio legal, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição, seguramente actual, do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
Pese embora o perito disponha de conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Op. cit., pp. 578].
Dai que, conforme estatuído na lei, a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo Tribunal (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil).
Como defendem aqueles autores “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso de frequente divergência entre os peritos” [op. cit. pp. 583].
Em suma, na prolação da decisão para fixação da incapacidade o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, isto é, o exame médico singular ou, quando for o caso, por junta médica. E, se não está vinculado ao parecer dos senhores peritos, para se desviar desse laudo, proveniente de quem tem os especiais conhecimentos para se pronunciar, terá que dispor de razões relevantes e válidas, que devem contar da fundamentação.
Certo é, também, que num caso ou noutro, isto é, quer o juiz acolha a posição do perito ou peritos médicos, quer se desvie, é necessário que conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador.
Revertendo ao caso, não tendo o relatório médico suscitado dúvidas ao Tribunal a quo - como se depreende ao mencionar-se na decisão que “não se mostra necessário realizar outras diligências” -em face do laudo médico cabia-lhe decidir como decidiu, ou seja, manter a IPP de 10%, fixada recentemente, por decisão de 7-01-2016, no âmbito do anterior incidente de revisão da incapacidade.
O autor esgrime dois argumentos.
Em primeiro lugar que foi induzido em erro pelo relatório, tendo ficado “convicto de que o seu estado atual se agravara em mais 6%, uma vez que já se encontrava afetado de uma IPP de 10% anteriormente atribuída”.
Em segundo lugar, que “em face das contradições e ambiguidades constantes do relatório médico de revisão datado de 16/01/2017, suscetíveis de leituras diversas e erróneas, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não logrou solicitar esclarecimentos ou ordenar a realização de perícia por junta médica”.
De tudo isto retirando que “ficou impedido de exercer os direitos que legalmente lhe assistem para reagir ao resultado do exame médico de revisão, em violação do disposto no n.º 5 do art.º 145º do CPT”.
Ambos os argumentos reconduzem-se à mesma questão, ou seja, a de saber se o relatório médico enferma de “contradições e ambiguidades”.
A fundamentação do relatório enfermará de contradições e ambiguidades se o seu conteúdo se revelar incoerente, incerto, susceptível de suscitar dúvida [cfr. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt].
Ora, salvo o devido respeito, adianta-se já não entendermos, de todo, que a fundamentação sofra desses vícios. Passamos a justificar esta asserção.
Como se retira do que se fez constar no facto provado 1, do mencionado no auto de exame como resultante de “informação sobre o evento, (..) prestada pelo examinando”, não consta que este tenha feito alusão ao segundo incidente de revisão, no âmbito do qual foi reconhecido o agravamento da IPP para 10%. O senhor perito refere, no final desse título: “Tinha já sido fixado anteriormente IPP de 4%, no Tribunal de Trabalho”.
O mesmo retira-se do facto provado 2, relativo às menções sobre o título “Dados Documentais”. Apesar de se mencionar a existência de “Informação da seguradora D…, de fls. 145 do Pr.” Referindo “agravamento da IPP do examinando, para 10%, conforme o n.º I.1.1.1 da TNI”, depois faz-se menção à “Declaração do Dr. E…, médico de ortopedia, de 4/6/2015”, surgindo novamente a referência à IPP inicial: “Teve alta com IPP de 4%. Em 21/10/2014, foi tratado cirurgicamente nos s. médicos da seguradora D…. RMN de 2015 revelou ostofitose somática posterior paramediana direita, e EMG também de 2015 revelou ligeira perda de unidades motoras no território muscular C6 e C7 bilateralmente”.
Como se vê não há qualquer referência ao incidente de revisão imediatamente anterior, que fora decidido meses atrás, culminando com o reconhecimento do agravamento da incapacidade permanente parcial de 4% para 10%. O Senhor perito médico partiu do pressuposto de que o sinistrado ainda mantinha fixada a IPP de 4%.
Não interessa apurar porque razões, visto ser perfeitamente irrelevante. A finalidade do exame médico era avaliar o grau de IPP, à luz da TNI, tendo em consideração a observação directa do sinistrado (exame objectivo), os exames complementares de diagnóstico mais actuais disponíveis e relatórios médicos que fossem juntos.
Ora, tudo isso estava disponível e foi tomado em consideração, como se menciona com precisão e proficiência na fundamentação do relatório.
De resto, se assim não fosse naturalmente o sinistrado faria a invocação nesta sede de recurso.
Acrescendo que o senhor perito médico não entendeu necessária a realização de qualquer outro exame de diagnóstico complementar.
É neste contexto que deve ser entendido o conteúdo da parte final do auto de exame médico, nomeadamente, a aqui invocada no recurso, constante sob o título “Discussão e conclusões”.
Quando o Senhor Perito médico escreveu que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo, o dano e um agravamento, atendendo a que a IPP anteriormente atribuída não se mostra adequada ao seu estado atual”, está a fazer o confronto entre uma IPP de 4% - a que se vinha referindo anteriormente como a que estaria atribuída – e aquela que, segundo o seu laudo, se justifica atribuir na situação avaliada à data do exame.
Não há, pois, qualquer contradição ou ambiguidade, nem tão pouco se pode retirar daqui a ideia do reconhecimento de um agravamento da IPP, para além de 10%. Não consta qualquer referência expressa à “IPP anteriormente atribuída”, pelo que a interpretação do que se entende como tal só pode ser retirada no contexto global do relatório médico.
No ponto 2, afirma-se então que: “A indapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidade para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (…) é de 10,0000%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo inidicado”.
Esclarece-se que o destaque, a negrito, ao valor da IPP - “é de 10,0000%.” – resulta do próprio relatório.
Estando ali afirmado peremptóriamente, com clareza e até em destaque, que a IPP actual é de 10%, não se vislumbra como possa uma leitura com a atenção necessária, como é exigível num caso destes, levar a concluir ou mesmo sugerir que se está a afirmar uma IPP de 16%.
Por fim, a conclusão final é coerente com o que a antecede:
« É de admitir m agravamento do seu estado sequelar.
A IPP resultante do acidente em apreço, deve ser fixada em 10%.
Apresenta, pois, um agravamento de 6,000%, da taxa de IPP a aplicar”.
Se a IPP “deve ser fixada em 10%” e se está a reconhecer um “agravamento de 6,000%”, tal significa necessariamente que a IPP que se considerou, para dizer que em relação à mesma há um agravamento de 6%, tem expressão na subtração deste valor daquele primeiro: 10% -6%= 4%.
Por conseguinte, o auto de exame médico não enferma de qualquer contradição ou ambiguidade que ponha em causa os direitos do sinistrado, nem que obstasse a que o Tribunal a quo proferisse a decisão, como o fez, em conformidade com o disposto no n.º6, do art.º 146.º, CPT.
Improcede, pois, o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 12 de Julho de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares (Vencido conforme declaração junta)
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SUMÁRIO
1. Estando o sinistrado patrocinado pelo Ministério Público, se porventura o conteúdo do relatório do exame médico singular lhe oferecia alguma dificuldade de compreensão, levando a que não soubesse se deveria, ou não, requerer exame por junta médica, deveria ter diligenciado para ser atendido nos serviços do Ministério Público, para que lhe fosse prestada a explicação às suas dúvidas, de modo a decidir e, se disso fosse caso, poder exercitar em tempo útil aquele direito.
2. Não constando do auto de exame médico qualquer referência ao incidente de revisão imediatamente anterior ao que ocasionou esta perícia, decidido meses com o reconhecimento do agravamento da incapacidade permanente parcial de 4% para 10%, conclui-se que o Senhor perito médico partiu do pressuposto de que o sinistrado ainda mantinha fixada a IPP de 4%.
3. A finalidade do exame médico era avaliar o grau de IPP, à luz da TNI, tendo em consideração a observação directa do sinistrado (exame objectivo), os exames complementares de diagnóstico mais actuais disponíveis e relatórios médicos que fossem juntos, sendo que tudo isso estava disponível e foi tomado em consideração, como se menciona com precisão e proficiência na fundamentação do relatório.
4. Quando o Senhor Perito médico escreveu que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo, o dano e um agravamento, atendendo a que a IPP anteriormente atribuída não se mostra adequada ao seu estado atual”, está a fazer o confronto entre uma IPP de 4% - a que se vinha referindo anteriormente como a que estaria atribuída – e aquela que, segundo o seu laudo, se justifica atribuir na situação avaliada à data do exame, não havendo qualquer contradição ou ambiguidade, nem se podendo retirar daqui a ideia do reconhecimento de um agravamento da IPP, para além de 10%.
5. Acrescendo que no ponto 2, afirma-se peremptoriamente, com clareza e até em destaque, que a IPP actual é de 10%, não se vislumbra como possa uma leitura com a atenção necessária, como é exigível num caso destes, levar a concluir ou mesmo sugerir que se está a afirmar uma IPP de 16%.

Jerónimo Freitas
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Vencida pelos seguintes fundamentos:
Da leitura do laudo médico resulta que o perito do IML partiu do pressuposto de que o sinistrado era portador de IPP de 4%(quando já tinha 10% por força da anterior revisão) e considerando a IPP se tinha agravado em 6%, atribui-lhe a IPP de 10%(4%+6%).
Ocorreu, pois, erro por parte do perito.
Estamos perante um acidente de trabalho, que corre oficiosamente, e que se reporta a direitos indisponíveis, importando, deste modo, e oficiosamente, ordenar que o referido erro seja reparado, até porque a decisão teve por base tão só aquele laudo médico singular.
Em suma: perante manifesto erro – decorrente do facto do perito médico não ter a informação de que o sinistrado à data do exame de revisão já era portador da IPP de 10% - deveria ordenar-se a repitação do exame singular com informação ao senhor perito médico de que a IPP de que o sinistrado era portador, na data do pedido de revisão da incapacidade, não era a de 4% mas sim a de 10%.

Fernanda Soares