Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1115/16.9PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
PORTARIA
JUÍZO PERICIAL
Nº do Documento: RP201805301115/06.9PJPRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º761, FLS.45-55)
Área Temática: .
Legislação Nacional: PORTARIA N.º 94/96 DE 26/3
Sumário: I - O valor probatório dos exames periciais realizados no âmbito da Portaria nº 94/96 de 26/3, bem como dos limites assim obtidos, é apreciado nos termos do artº 163º CPP, por remissão expressa do artº 71º3 DL 15/93.
II - A dose média individual de cannabis (resina) no âmbito da Portaria 94/96 é de 0,5g, mas a quantidade do princípio activo é de 0,05g.
III - Tais quantidades, em relação a cada consumidor não são inderrogáveis, automáticos ou imperativos, podendo ser afastadas se outros dados forem apurados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 1115/16.9PJPRT.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
a) No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 1115/16.9PJPRT, do Juízo Local Criminal do Porto-J2, da Comarca do Porto, por sentença proferida a 26 de Janeiro de 2018, foi a arguida B…, com os demais sinais dos autos, absolvida da prática do crime de detenção de estupefacientes para consumo, previsto e punível pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, que lhe estava imputado.
b) Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1ª Nos presentes autos foi a arguida absolvida da prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência a Tabela I - C anexa aquele diploma, de que fora acusada;
2ª A sentença que absolveu a arguida considerou como provado que esta detinha droga e que a destinava ao seu consumo pessoal durante um período inferior a 10 dias;
3ª Ao considerar tal factualidade a Senhora Juiz entendeu não haver qualquer responsabilidade criminal da arguida e ordenou a extracção de certidão para apuramento da sua responsabilidade contra-ordenacional nos termos do estipulado na Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro;
4ª Contudo, salvo melhor opinião, entendemos que a factualidade dada por provada é passível de enquadrar a prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, crime pelo qual havia sido acusada.
5ª E tal deve-se ao facto de a quantidade de droga apreendida à arguida exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
6ª Com efeito, existindo nos autos um exame pericial à droga detida pela arguida, exame efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, e do qual consta expressamente o respectivo princípio activo e o grau de pureza das referida droga, impõe-se que seja aplicado ao caso o plasmado na Portaria 94/96, de 26 de Março.
7ª Assim, dado por provado que a arguida detinha para seu consumo exclusivo 23,676 gramas (peso líquido) de cannabis (resina), com uma THC (grau de pureza) de 8,4%, há que concluir que a arguida detinha produto estupefaciente que excedia, largamente, a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
8ª Na verdade, de acordo com a alínea a) na nota n.º 3 à Tabela anexa à Portaria 94/96, de 26 de Março, o valor diário de 0,5 de cannabis corresponde a uma concentração média de 10%;
9ª Pelo que, tendo sido dado por provado que a arguida detinha cannabis (resina) com o peso líquido de 23,676 gramas que corresponde um grau de pureza de 8,4%, então a conclusão lógica a extrair é a de que a arguida detinha produto estupefaciente em quantidade suficiente para o consumo médio individual durante o período de 39 dias, conforme o mencionou o exame pericial do LPC, constante de fls. 36 dos autos.
10ª Assim, não pode ser aplicado ao caso o disposto no art. 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, porquanto tal normativo só tem aplicação às situações em que a droga detida não excede o suficiente para o consumo médio individual durante 10 dias.
11ª Do exposto, há que concluir que a arguida deveria ter sido condenada pelo crime de consumo de estupefacientes, p. e p, pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, conforme o determinado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008, de 25 de Junho.
12ª Ao absolver a arguida de todo e qualquer crime e concretamente do crime do art. 40º, nº. 2 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o normativo previsto no pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei nº 15/93, e na Portaria nº 94/96 de 26 de Março e bem assim o previsto no artº 2º da Lei nº 30/2000 de 29 de Novembro, devendo ser revogada e substituída por outra que contemple a condenação da arguida pela prática de tal ilícito.
c) Admitido o recurso, por despacho de fls. 155, respondeu a arguida pugnando, pela sua improcedência e manutenção do decidido, não se transcrevendo as conclusões já que estas são a reprodução pura e simples – com pequenas divergências de pormenor, v.g. no ponto XII onde se aditou a frase “em audiência de julgamento” – da motivação da convicção do Tribunal que consta de fls. 133, último parágrafo, ao antepenúltimo parágrafo de fls. 138, e de fls. 139 a 141.
d) Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da existência da nulidade prevista no art. 379º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal – excesso de pronúncia – por virtude de ter sido questionado o valor de prova pericial sem ter sido devidamente fundamentada a divergência, concluindo pelo reenvio do processo à 1ª instância ou, a entender-se de modo diverso, pelo provimento do recurso.
e) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
f) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[1] que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no caso sub judicio, a questão suscitada é a da errónea subsunção dos factos ao direito.
*
2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. No dia 23 de Setembro de 2016, cerca das 22h30, a arguida B… encontrava-se no Largo …, no Porto, e tinha na sua posse, junto do soutien que vestia vários pedaços de canabis (resina), com o peso líquido de 23,676g, e com um grau de pureza de 8,4% (THC), o que corresponde, segundo a perita responsável pela perícia ao estupefaciente e que teve em conta como dose média individual diária o valor de 0,05g, a 39 doses.
2. Ora, a arguida detinha 23,676g de canabis-resina, com 8,4% de princípio activo, pelo que tal quantidade corresponde a (23,676 x 8,4%) ou seja a aproximadamente 1,988 gramas de princípio activo e a (1,988:0,5= 3,976), ou seja menos de 5g (10 dias X 0,5), o que não excede a quantidade para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
3. O produto estupefaciente que a arguida detinha destinava-se ao seu consumo próprio e exclusivo e não excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
4. A arguida detinha o produto estupefaciente acima descrito, destinando-o ao seu consumo, por período inferior a 10 dias, sabendo quais eram as suas características, natureza e efeitos estupefacientes e que a sua posse, detenção e consumo são proibidos por lei.
5. A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
6. Nada consta no certificado de registo criminal da arguida.
7. A arguida é solteira e tem um filho de 4 anos de idade, a seu cargo.
8. A arguida tem um companheiro, empregado de copa, e que aufere mensalmente cerca de €550,00.
9. A arguida encontra-se desempregada, beneficiando do RSI no valor mensal de €200,00.
10. A arguida e o seu agregado familiar vivem em casa arrendada, cuja renda se cifra em €200,00.
11. A arguida completou o 9º ano de escolaridade.
12. A arguida beneficia do auxílio material do seu pai.
13. A arguida admitiu factos relevantes.
*
B) Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados, nomeadamente que:
a) A quantidade de canábis resina que a arguida detinha, excedia a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de dez dias.
*
C) Motivação
O decidido fundamenta-se na análise crítica e comparativa da prova produzida, a saber:
A arguida admitiu ser seu o estupefaciente apreendido e nas circunstâncias em que o foi, bem como admitiu destinar o estupefaciente ao seu consumo próprio e exclusivo.
Referiu que não adquiriu o estupefaciente a pessoa da sua confiança.
Mais disse que, por dia, fuma cerca de 5/6 “charros”, pelo que o estupefaciente que detinha era por si consumido num período inferior a 10 dias.
O declarado pela arguida foi ainda conjugado com o auto de apreensão de fls. 4, o teste rápido de fls. 5, o exame pericial de fls. 36, bem como o CRC da arguida.
Ora, in casu o LPC efectuou o exame a que se refere o art. 10º n.º 1 da Portaria n.º 94/96, tendo fixado o grau de pureza do estupefaciente, canábis resina, com o peso líquido de 23,676g, e com um grau de pureza de 8,4% (THC), o que corresponde, segundo a perita responsável pela perícia, Dr.ª C…, a 39 doses. Com efeito, em esclarecimentos, disse a perita que não atendeu ao facto de na tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26/Mar, no que respeita à canabis (resina), ser indicado o valor de 0,5 g, o qual tem por subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis e como referência uma concentração média de 10% de ∆9THC, conforme encontra-se anotado nessa mesma tabela.
A Portaria n.º 94/96, de 26/Mar., que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos art. 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, estabelece segundo o seu art. 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
Nessa tabela e no que respeita à Canabis (resina) é indicado o valor de 0,5 g, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis e como referência uma concentração média de 10% de ∆9THC, como supra referido.
Por sua vez e de acordo 10.º, n.º 1 desta mesma Portaria “Na realização do exame laboratorial referido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 62.º do Dec.-Lei n.º 15/93, …, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência”.
Mas esta tabela passou igualmente a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo [26.º, n.º 3 e 40.º, n.º 2, Dec.-Lei n.º 15/93].
O STJ tomou posição no sentido de recusar a aplicação daquele art. 9.º da Portaria n.º 94/96, desconsiderando “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária”, em virtude do citado art. 71.º, n.º 1, al. a) do Dec.-Lei n.º 15/93, padecer de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica [Ac. STJ de 1998/Mar./26, CJ (S) I/246].
Porém, o Tribunal Constitucional afastou essa inconstitucionalidade e tentando detectar outras, designadamente a compatibilidade daquele complexo normativo com o princípio da legalidade criminal, interpretou o mesmo no sentido de que “os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art. 71.º do Dec.-Lei n.º 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado”, mas antes a “remissão para valores indicativos”, susceptíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal [Ac. 534/98; 559/01 e 43/02].
Relativamente à Canabis sob a forma de resina, tal Portaria veio estabelecer que se cifra em 0,5 gramas o limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária, com base na variação do conteúdo médio de THC existente nos produtos da canabis, a uma concentração média de 10% de Tetraidrocanabinol (∆9THC).
Nos termos e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do DL n.º 15/93, de 22-01, e de acordo com a previsão da Portaria n.º 94/96, de 26-03, para onde remete o artigo 71.º, al. c) do primeiro dos dois diplomas legais referidos, a dose média individual diária de estupefaciente relevante é calculada em razão do limite quantitativo máximo de princípio activo.
Assim uma concentração média superior de Tetraidrocanabinol justifica que proporcionalmente se reduza a quantidade de cannabis necessária à imputação da conduta como crime, do mesmo modo que uma concentração média inferior daquele princípio activo justificará o inverso.
O que não se nos afigura correcto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é considerar como dose média individual diária para a Canabis resina o valor de 0,05g, como esclareceu a perita.
Pelo que não pondo em causa o exame pericial efectuado, já que o mesmo se encontra subtraído à livre apreciação do julgador, não podemos deixar de questionar os cálculos matemáticos efectuados.
Com efeito, para nós, salvo o devido respeito por opinião contrária, perante os resultados da perícia, e respeitando esta, temos que considerar que a arguida detinha 23,676g de canabis-resina, com 8,4% de princípio activo (inferior a 10%), pelo que tal quantidade corresponde a (23,676 x 8,4%) ou seja a aproximadamente 1,988 gramas de princípio activo (e dizemos aproximadamente por nem estamos a levar em linha de conta que a percentagem do princípio activo é inferior a 10%) e a (1,988:0,5 = 3,976), ou seja menos de 5g (10 dias x 0,5), o que, claramente, não excede a quantidade para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Acresce que, a “dose média individual diária”, depende da “capacidade aditiva de cada consumidor em concreto”, e por outro lado, temos que atentar que, uma coisa é a quantidade necessária para o consumo médio individual, outra é o conceito da portaria, de dose média individual diária, durante determinado período de tempo.
Assim, esta matéria (prova da “quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”) não está sujeita à realização de qualquer tipo de prova vinculada, o que inviabiliza, sem mais, o recurso exclusivo à tabela constante da citada Portaria.
Ora, tendo em conta, tudo o que vai exposto, os hábitos aditivos relatados pela arguida, tudo conjugado com as regras da experiência comum e os juízos de normalidade, somos a entender que, não é possível afirmar, com a segurança constitucionalmente exigida, que a quantidade de canábis resina que a arguida detinha excedia a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de dez dias.
Assim a prova produzida foi conjuntamente e criticamente apreciada, de acordo com os princípios da livre apreciação da prova do art. 127º, do CPP, excluindo-se o exame do Laboratório da Polícia Científica na parte em que está subtraídos a tal livre apreciação, pelo que na ausência de qualquer outra prova, atento o declarado pela arguida e de onde resulta que é consumidora de tal tipo de estupefaciente, a quantidade de estupefaciente apreendida, respectivo princípio activo e correspondentes doses calculadas, tudo conjugado com as regras da experiência comum, temos que, nenhuma prova foi produzida tendente a confirmar que a quantidade de produto estupefaciente que a arguida detinha excedia a necessária para o seu consumo médio individual durante um período de dez dias.
Destarte, perante aqueles documentos, a prova por declarações da arguida e o supra explanado, dúvidas não subsistiram quanto à veracidade dos factos levados à matéria de facto provada
Assim e perante o que vai exposto, temos que não foi produzida prova, com a segurança constitucionalmente exigida, relativamente aos factos levados à matéria de facto não provada.
Nenhuma outra prova foi produzida.
***
3. Por seu turno, da apreciação jurídica interessa ponderar o seguinte: (transcrição)
“(…)
Como ponto de partida, e como já referido na motivação da presente sentença, teremos de dilucidar o que se entende por “quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias” (cfr. n.º 2 do art. 2º da Lei n.º 30/2000, norma que pune o consumo como contra-ordenação), o que coloca a questão de saber se o tribunal pode socorrer-se dos valores indicativos constantes do mapa anexo à Portaria n.º 94/96, visto que a mesma, como consta do respectivo preâmbulo, apenas se reporta aos arts. 26º n.º 3 e 40º n.º 2 do DL n.º 15/93 de 22/1.
Ora, tem-se discutido se as considerações feitas no Ac. do TC n.º 534/98, relativas ao recurso aos valores indicativos da “dose média individual diária” constantes do mapa anexo à Portaria n.º 94/96 para integrar o conceito de “consumo médio individual” durante determinados dias (usados nos arts. 26º n.º 3 e 40º n.º 2 - este último no que respeita ao cultivo - ambos do DL n.º 15/93) poderão também aqui ser aplicadas, tendo em vista o disposto no art. 2º n.º 2 da Lei n.º 30/2000.
Propendemos para responder afirmativamente, sob pena de se poder considerar violado o princípio da legalidade, consagrado no n.º 1, do art. 29º, da CRP, também aplicável ao direito de mera ordenação social (art. 3º, do Regime do ilícito de mera ordenação social: cfr. DL n.º 433/82 de 27/10 e respectivas alterações). Assim sendo, os ditos valores indicativos (estatísticos) contidos no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, têm um valor meramente de meio de prova, a apreciar, nos termos da prova pericial, não são de aplicação automática, podendo ser impugnados e afastados pelo tribunal, embora acompanhados da devida fundamentação.
Ora compulsados os factos dados como provados, temos desde logo que a quantidade líquida de canábis resina detida pela arguida, correspondente a 3,976 doses, destinava-se ao consumo próprio e exclusivo da arguida, por período inferior a 10 dias.
Para nós, tanto basta, para qualificar a conduta em apreço como contra-ordenação de consumo p. e p. no art. 2º n.º 1 e 2 da Lei n.º 30/2000, pois não se provaram factos atinentes ao crime imputado à arguida.
(…)”.
*
4. Apreciando do mérito
4.1 Dos Vícios
Consoante evola da síntese recursória, entende o Ministério Público que a arguida deveria ser condenada pelo crime de consumo de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, visto ter na sua posse uma quantidade de cannabis (resina) que destinava ao seu consumo pessoal e que, de harmonia com os parâmetros estabelecidos na Portaria n.º 94/96, de 26/3, excediam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Por seu turno, o tribunal a quo entendeu que não era esse o caso e que a quantidade necessária para o consumo médio individual não está sujeito a prova vinculada, concluindo que face aos hábitos aditivos relatados pela arguida, em conjugação com as doses calculadas, as regras de experiência comum e os juízos de normalidade, não era possível afirmar que a quantidade de estupefaciente detida excedesse a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Pese embora o recurso tenha sido configurado como versando matéria de direito, percorrido o texto decisório, cremos que a subsunção jurídica realizada se mostra inquinada logo a montante, mais propriamente na fundamentação de facto.
Com efeito, é consabido que os Tribunais da Relação podem conhecer de facto [art. 428º, do Cód. Proc. Penal] e que uma das vertentes admitidas nessa sede é a dos vícios documentados no texto da própria decisão, de harmonia com o preceituado no art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Trata-se de erros da decisão, cognoscíveis a requerimento do interessado ou oficiosamente, integrando o chamado recurso de «revista ampliada», permitindo que o tribunal superior possa conhecer os vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo que contendam com a apreciação do facto, ainda que não tenham sido directamente invocados pelo recorrente, ou o tenham sido de forma parcial e deficitária, ou mesmo quando o recurso verse unicamente matéria de direito [daí que não possa recorrer-se para o STJ com fundamento em tais vícios mas esse Tribunal possa, oficiosamente, suscitá-los no âmbito de recurso de direito ante si apresentado].
Trata-se de uma intervenção restrita, já que apenas admissível no tocante às patologias catalogadas nas alíneas do n.º 2 do citado art. 410º e evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem e que, não podendo ser resolvidas pelo tribunal ad quem, ditam o reenvio dos autos para novo julgamento total ou parcial, por força do disposto no art. 426º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica] e o erro notório na apreciação da prova [erro patente que não escapa ao homem comum].
Feito este enquadramento, deve anotar-se que a factualidade descrita se apresenta repetitiva, desconexa e, salvo o devido respeito, até dificilmente inteligível no segmento em causa, especialmente no confronto da parte final do ponto 1 com o ponto 2 da matéria provada, nitidamente contraditórios entre si.
Desde logo, porque a enumeração dos factos provados e não provados, deve ser realizada de forma clara e objectiva e relativamente a materialidade concreta, não contemplando conclusões, juízos de valor e muito menos declarações ou esclarecimentos periciais[2] - “o que corresponde, segundo a perita responsável pela perícia ao estupefaciente e que teve em conta como dose média individual diária o valor de 0,05g, a 39 doses” -, cuja sede própria é a motivação da convicção.
Quer dizer, a fundamentação de facto desdobra-se em dois planos, sendo o primeiro a enumeração da concreta factualidade que, inscrevendo-se no thema decidendum, foi considerada provada ou não. Concluída tal operação, será tempo, então, de esclarecer quais foram as provas atendidas relativamente a cada um desses factos, em que termos foram valoradas e qual a credibilidade que mereceram, bem como as razões dessa opção, caso existam teses divergentes. Estamos, aqui, já no plano da indicação das provas e respectivo exame crítico, habitualmente denominado de motivação da convicção, sendo que o conjunto destas operações constitui a fundamentação decisória pressuposta no art. 374º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Não tem, assim, qualquer cabimento inscrever num facto provado determinada tese para depois a contrariar nos factos seguintes, sobretudo quando tal matéria nem sequer estava vertida na acusação, estando em causa uma divergência sobre os parâmetros em que deve funcionar a Portaria n.º 94/96, a debater na subsunção dos factos à norma penal.
Neste conspecto, cumpre harmonizar os segmentos fácticos em causa, sem necessidade de reenvio, nos termos do art. 426º, do Cód. Proc. Penal, podendo este tribunal ad quem reparar as contradições assinaladas, o que se concretiza nos seguintes moldes:
Factos provados:
1. No dia 23 de Setembro de 2016, cerca das 22h30, a arguida B… encontrava-se no Largo …, no Porto, e tinha na sua posse, junto do soutien que vestia vários pedaços de uma substância que, submetida a exame pericial, revelou tratar-se de cannabis (resina), com o peso líquido de 23,676g, e com um grau de pureza de 8,4% (THC).
Eliminados:
- Parte restante do ponto 1.
- Totalidade do ponto 2.
*
4.1.1. Do consumo médio individual
Com base nos dados objectivos fornecidos pela factualidade vertida no ponto 1 – 23,676g de cannabis (resina) com grau de pureza de 8,4% - concluiu o tribunal a quo, em sede de motivação da convicção, que não estava excedida a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, mesmo à luz do critério resultante da Portaria n.º 94/96 e respectivo Mapa Anexo, por entender que estava em causa a quantidade de apenas 3,976g, por consequência inferior às 5g que aquele pressupõe para o efeito[3] e não as 39 doses referidas no exame pericial e invocadas pelo Ministério Público para sufragar tese oposta.
Abrindo parêntesis para enquadrar a questão – necessariamente breve visto não haver aqui qualquer divergência - cumpre recordar que até à publicação e entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29/11, este tipo de situações encontrava acolhimento incontroverso no art. 40º, do Dec. Lei n.º 15/93, o qual no seu n.º 1, consagrava que “Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparados compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 30 dias”.
Pena esta elevada para prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados cultivada, detida ou adquirida pelo agente excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, por força do preceituado no n.º 2, do art. 40º.
A polémica suscitada pela entrada em vigor, a 1 de Julho de 2001, da citada Lei n.º 30/00, que veio despenalizar o consumo de estupefacientes e passou a sancioná-lo como contra-ordenação[4], mas deixando sem previsão legal expressa a mera posse para consumo próprio quando a quantidade excedesse a necessária para o consumo médio individual durante dez dias, foi, entretanto, resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão n.º 8/2008, de 25/6/2008, publicado no DR, 1ª Série, de 5/8/2008, fixando jurisprudência no sentido de que: “Não obstante a derrogação operada pelo art. 28º, da Lei n.º 30/2000, de 29/11, o art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade necessária para o consumo médio individual para o período de 10 dias”.
Assim, agora apenas subsistem dificuldades no tocante à escolha do critério que deve atender-se para efeitos de apurar o aludido “consumo médio individual”, para aí se deslocando o cerne das divergências.
Densificando a norma prevista no art. 71.º, n.º 1, al. c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1 [Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente], foi publicada a Portaria n.º 94/96, de 26/3, com o propósito expresso não só de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos arts 52.º e 43.º, do Dec. Lei n.º 15/93, mas também de permitir a definição prévia dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao citado Decreto-Lei, de consumo mais frequente, tendo em vista a aplicabilidade, entre o mais, do n.º 2 do seu art. 40.º.
E, no que ao caso interesse, ficou consagrado no art. 9º, da Portaria em causa que: “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
O valor probatório dos exames periciais realizados nesse âmbito, bem como dos limites assim obtidos, é apreciado nos termos do artigo 163.º do Cód. Proc. Penal, por remissão expressa do n.º 3, do art. 71º, do Dec. Lei n.º 15/93, o que quer dizer que o juízo técnico ou científico se presume subtraído à livre apreciação do julgador e sempre que a convicção deste divergir do juízo contido no parecer dos peritos terá que ser devidamente fundamentada a divergência.
Por tal razão, sustenta a jurisprudência dominante que, não existindo nos autos outros elementos de prova sobre o consumo individual diário daquele agente em concreto, deverá considerar-se o valor que resulta do exame do Laboratório de Polícia Científica.
Trata-se, porém, de valor que tem natureza indicativa e não imperativa ou automática, baseado em dados estatísticos de natureza epidemiológica referentes ao uso habitual[5], atendível como meio de prova e a apreciar nos já referidos termos da prova pericial, sendo, em consequência, susceptível de afastamento devidamente fundamentado pelo tribunal.
Fechando parêntesis e retomando o caso em apreço, é ponto assente que está em causa cannabis (resina) com o peso de 23,676g.
É consabido que a cannabis é uma planta, sendo o tetraidrocanabinol, também abreviadamente denominado como THC ou Δ-THC, o seu principal composto responsável pelos efeitos psicotrópicos.
Ora, a concentração desta substância nas plantas de cannabis não é sempre a mesma, pois que é influenciada por factores externos [v.g. características do local de produção] e internos [por exemplo pela parte da planta utilizada], tendo o legislador indicado para a cannabis (resina) a quantidade máxima - para cada dose média individual diária - de 0,5 grama a uma concentração média de 10% de Δ-THC, conforme mapa anexo à Portaria n.º 94/96 e respectiva nota e).
Neste conspecto, facilmente se intui que, por um lado, o peso da cannabis não se identifica nem corresponde ao da substância psicoactiva que a compõe e, por outro lado, a respectiva potência estupefaciente, ou seja a concentração do princípio activo, tem que ser estabelecida por exame pericial em cada caso.
Assim sendo, bem se compreende que quando mais elevada for a concentração de Δ-THC menor será a quantidade de cannabis necessária para se atingir o limite máximo que o legislador consagrou para o efeito e vice-versa, sendo necessário proceder às operações de adaptação desse critério às variáveis resultantes de cada caso concreto [peso da substância e grau de pureza] quando não coincidirem com o exemplo padronizado, como se verifica na presente hipótese.
Ora, concretizando tais procedimentos, divergiu o tribunal a quo do resultado que constava do relatório pericial, não no tocante à natureza do produto estupefaciente e seu grau de pureza (juízo pericial) mas antes quanto ao período de consumo médio individual que o mesmo permitiria, no âmbito do critério estatuído na Portaria n.º 94/96.
Cremos, porém, que o vício de raciocínio que preside a tal conclusão é manifesto e caracteriza um erro notório na apreciação da prova por contrariar frontalmente um critério legal expressamente consagrado, sendo evidente a confusão entre peso/quantidade da cannabis e do respectivo princípio activo.
Na verdade, não podem colocar-se no mesmo plano a quantidade do princípio activo de Δ-THC resultante de 23,676g de cannabis (resina) a 8,4% e a dose média individual diária de 0,5g de cannabis estabelecida com base numa concentração de 10% do mesmo princípio activo. É que a dose média individual diária não é estabelecida pela quantidade do princípio activo mas pela quantidade de cannabis (resina).
Quer dizer, resumindo e concluindo: A dose média individual diária prevista para a cannabis (resina) no âmbito da Portaria n.º 93/96 é de 0,5g, mas a quantidade do princípio activo, ou seja do Δ-THC, é de 0,05g, circunstância que o tribunal a quo não logrou perceber chegando a resultado manifestamente erróneo [veja-se que afirmando-se – e bem - que 5 gramas de cannabis/resina com grau de pureza médio de 10% constituiria a quantidade necessária para o consumo médio individual por 10 dias, logo seria evidente que uma quantidade de cannabis/resina mais de 4 vezes superior (23,676 gramas), com grau de pureza apenas ligeiramente inferior (8,4%) teria necessariamente que exceder esse período temporal][6].
Assim, face ao valor resultante da aplicação do critério previsto na Portaria n.º 94/96, é inegável que, tal como sufraga o recorrente, a conduta da arguida teria que subsumir-se ao crime que lhe estava imputado pois que, tal como referido no exame pericial, correspondia à quantidade necessária para 39 dias [39 doses, sendo a dose individual diária de cannabis pouco inferior a 0,6g].
Ocorre, porém, que, vimos já, esse valor não é inderrogável, automático ou imperativo - daí o Tribunal Constitucional ter negado a existência de problemas de constitucionalidade relativamente a tal previsão normativa[7] – podendo ser afastado se outros dados foram apurados [v.g. o grau de adição e consumo diário] e facultem outro resultado, não bastando para afirmar a responsabilização criminal a constatação de que o número de doses em causa é substancialmente mais elevado[8] porquanto, já se viu, o critério legal assenta em dados estatísticos/epidemiológicos de consumos médios, podendo ser afastados por exagerados relativamente a um consumidor muito esporádico ou por irrisórios no tocante a consumidor com um grau de adição e consumo diário consideráveis.
Acresce que, in casu, o tribunal a quo, além do já referenciado critério legal, concluiu ainda que os hábitos aditivos relatados pela arguida - 5/6 charros por dia –, em conjugação com as doses calculadas, a quantidade de estupefaciente e as regras de experiência, não permitiam estabelecer com segurança que a substância em causa excedesse a necessária para o seu consumo individual durante 10 dias.
Não tendo sido impugnada a matéria de facto, vedado está a este tribunal a quo reapreciar a prova produzida e sindicar a livre convicção do julgador.
Todavia, é patente que na análise da ocorrência submetida a juízo incorreu o tribunal a quo em vícios de raciocínio que corromperam, necessária e indelevelmente, a conclusão formulada a tal propósito, visto que assente na ideia de que estaria em causa um número de doses que nem sequer chegaria às 5 gramas pressupostas na citada Portaria como limite máximo admissível para o consumo médio individual durante 10 dias.
Por outro lado, desconhece-se exactamente a que quantidade de cannabis corresponderá cada referido “charro” que a arguida admitiu fumar diariamente e/ou quantos gramas de cannabis consumia diariamente, não bastando apelar à dúvida para arredar o critério legal, pois que só uma divergência fundamentada justificará o afastamento do juízo pericial e do critério legal.
Deste modo, forçosa é a conclusão que a resposta dada à matéria de facto relativa à questão da quantidade de cannabis detida pela arguida exceder ou não a necessária para o seu consumo individual durante 10 dias se mostra inquinada por erro notório decorrente do desacerto ocorrido no cálculo das doses não estando disponíveis os elementos necessários à reparação, nesta sede, de tal vício pois que dependente de prova a produzir no sentido de esclarecer os hábitos de consumo que a arguida apresentava e bem assim da credibilidade que as suas declarações devem merecer nessa sede, em concatenação com os demais factos objectivos apurados sobre a sua situação pessoal, o que demanda o reenvio parcial do processo para novo julgamento restrito ao esclarecimento de tal factualidade com vista a sanar a patologia assinalada, devendo levar-se em conta a modificação da matéria de facto já realizada e bem assim que, nos termos da previsão da Portaria n.º 94/96, a quantidade de cannabis corresponde a 39 doses médias individuais diárias, excedendo a necessária para o período de consumo durante 10 dias, circunstância que deverá ser atendida se outros elementos concretos e fidedignos não forem obtidos sobre o consumo médio individual da arguida que, fundadamente, permitam concluir de modo diverso, extraindo-se as consequências jurídicas em conformidade.
*
III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal julgar parcialmente procedente o recurso e, modificando a matéria de facto nos moldes supra assinalados, decretam nos termos dos arts. 426º n.º 1 e 426º-A[9], do Cód. Proc. Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento restrito à questão da quantificação concreta do consumo individual médio da arguida com vista a apurar se o produto estupefaciente detido excedia ou não o necessário para 10 dias, com a consequente condenação ou absolvição conforme o caso.
*
Sem tributação – art. 513º n.º 1, a contrario, e 522º, do Cód. Proc. Penal.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[10]]
*
Porto, 30 de Maio de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
______
[1] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[2] Sobretudo quando resulta do ponto 2 dos factos provados e da motivação da convicção que o tribunal não aceitou como correcto tal resultado.
[3] No entanto, contraditoriamente, em sede de subsunção jurídica, disserta o julgador sobre a obrigatoriedade ou não da aplicação de tais valores, o que, obviamente, só se compreenderia se anteriormente tivesse concluído que, à luz dos parâmetros constantes do diploma legal em causa, a quantidade de cannabis excedia a necessária para o consumo durante 10 dias.
[4] No seu art. 28º é expressamente revogado o art. 40º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, excepto quanto ao cultivo.
[5] Cfr. nota 2 do mapa anexo à referida Portaria.
[6] Sabendo-se que 20g de cannabis/resina à concentração média de 10% de THC permitiria consumo médio individual por 40 dias [(5g/10dias)x4], basta ter conhecimentos básicos do cálculo matemático para se perceber que a quantidade de 23,676g à concentração média de 8,4% não poderia nunca afastar-se muito desse resultado. E, considerando a fórmula: massa de cannabis , verifica-se que a quantidade de cannabis apreendida à arguida para não constituir crime não podia exceder 5,952g, o que corresponde à dose diária de 0,5952g. E, uma vez que a arguida detinha 23,676g de cannabis, tal quantidade corresponde às apuradas 39 doses [23,676g:0,5952g=39,77].
[7] Cfr., Ac. do TC n.º 534/98, de 7/8/1998, na Jurisprudência desse Tribunal publicada na página da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, onde, entre o mais, se exarou que: «Não está em causa a remissão para regulamento da definição dos comportamentos puníveis (…) mas tão-só, bem mais modestamente, a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhado da devida fundamentação. Claro que esta conclusão só é legítima porque, por um lado, está em causa uma determinação de natureza eminentemente técnica, própria da prova pericial; e porque, por outro, é sempre por decisão do juiz e não por força da portaria nº 94/96 que se concretiza o conceito de 'princípio activo para cada dose média individual diária' utilizado na lei».
[8] Veja-se o caso da condução em estado de embriaguez com condutores a serem detectados com taxas de álcool no sangue de tal modo elevadas que, em termos médicos/estatísticos, estariam em coma alcoólico.
[9] Ficando impedida a magistrada que presidiu à audiência anterior.
[10] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.