Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2418/12.7T2AVR-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
FUNDAMENTAÇÃO DA RESOLUÇÃO
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP201604072418/12.7T2AVR-E.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 708, FLS.63-68)
Área Temática: .
Sumário: I - Ao comunicar a resolução de um negócio em benefício da massa insolvente, o administrador da insolvência deve indicar os concretos factos que fundamentam essa resolução, por tal ser essencial à possibilidade de o impugnante a contestar. A deficiência de fundamentação do acto não poderá ser suprida ulteriormente, em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.
II - Remeter uma declaração escrita é comunicar o teor dessa mesma declaração. Comunicar é pôr em comum. Pôr em comum o conhecimento de razões e acções é identificá-las e caracterizá-las com factos concretos até onde isso for necessário para que o interlocutor adquira ou possa adquirir a sua consciência. Se o conteúdo da comunicação não facultar a aquisição dessa consciência, não pode ter-se por eficaz.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 2418/12.7T2AVR-E.P1
Comarca de Aveiro - Aveiro
Inst. Central - 1ª Sec.Comércio - J3
REL. N.º 319
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Tomé Ramião
Vitor Amaral
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. - RELATÓRIO

B… e C… intentaram a presente acção de impugnação da resolução em benefício da Massa Insolvente de D…, Lda de um negócio consubstanciado por uma transacção judicial, realizada em 09/12/2011, no âmbito do processo n.º 542/11.2t2AND, do Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, através da qual celebraram com a agora insolvente uma dação em pagamento dos bens móveis da pertença desta, a que atribuíram o valor de €10.000,00 (dez mil euros), para satisfação de uma dívida que se discutia naqueles autos, ao que acresceu um acordo de pagamento do remanescente da divida, no montante de €29.000,00, até 01/01/2014.
Tal resolução foi-lhes declarada por carta registada de 07/05/2013, enviada pela administradora judicial da insolvente, com fundamento nos arts. 120º nº1 a 4 e 5, a) e b), do CIRE.
Os aqui autores fundam a impugnação que agora deduzem na nulidade, por falta de fundamentação, dessa declaração de resolução.
Entendendo ser desnecessária a produção de qualquer outra prova, além da documental já oferecida, e estar devidamente discutida a questão a decidir, o tribunal proferiu de imediato decisão, concluindo pela falta de fundamentação da declaração de resolução produzida e pela sua consequente nulidade. Por isso julgou procedente a acção.
É desta decisão que vem interposto recurso pela Massa Insolvente de D…, Lda, no qual alinha as conclusões que se passam a enunciar, nas quais compreendem os fundamentos do seu recurso:
“I. Procedem as presentes alegações de recurso da sentença, datada de 22.12.2015, que julga procedente a acção de impugnação de resolução, por procedência da invocada falta de fundamentação da declaração resolutícia, emanada nos termos dos art.ºs 120.º e ss. do CIRE, pela Ex.ma Sr.ª Administradora da Insolvência.
II. Acontece porém que a missiva enviada não está eivada de falta de fundamentação.
III. Na verdade, a Massa Insolvente exerceu o acto de resolução em obediência aos desígnios normativos imputáveis ao acto resolúvel exigido pelo art.º 120.º, n.ºs 1 a 5, alíneas a) e b) do C.I.R.E. e, especialmente, o n.º 4 do C.I.R.E.
Logo,
IV. encontra-se salvaguardado nos n.ºs 1 e 4, 1.ª parte do art.º 120.º do C.I.R.E. a resolução de actos transmissivos decorridos nos dois (2) anos anteriores ao início do processo de insolvência e relativamente a terceiros.
V. Retornando ao essencial, redigiu a Administradora da Insolvência a carta resolutória de forma tão clara quanto possível no respeito pelo disposto no art.º 123.º, n.º 1 do C.I.R.E., tipificando – como não poderia deixar de ser – os actos em exercício/resolução, discriminando os preceitos normativos e o diploma de sustento e identificando o acto resolvido, os intervenientes e as consequências da atitude resolutória.
VI. A factualidade subjacente à resolução extrajudicial encetada pela massa é sobejamente conhecida dos próprios AA., visto que a A. B… era a sócia-gerente da sociedade insolvente.
VII. Com este negócio a agora insolvente, conluiada com os aqui AA. dissiparam intencional e irreversivelmente todo o património valorável daquela, único lastro susceptível de permitir o ressarcimento, ainda que relativo dos seus inúmeros credores e beneficiou injustamente os AA.;
VIII. Quando visto está que não pagaram o preço e tinham perfeito conhecimento do estado de insolvência.
IX. Mas, ainda que assim se não entenda e cautelarmente, a carta enviada refere substancialmente factos tendentes a viabilizar e a substanciar a resolução alicerçada na má-fé dos aqui AA.;
X. Referiu a Administradora da Insolvência o acto, remetendo para o acordo celebrado no âmbito do processo n.º 542/11.2T2AND de que os AA. tinham perfeito conhecimento porque nele forma intervenientes, que predispôs a resolução bem assim como a sua prejudicialidade;
XI. Tais factos encontram-se indelevelmente plasmados na carta resolutória, o que consubstancia a sua validade e eficácia e os AA. compreenderam perfeitamente o sentido da missiva, escrita pela Administradora da Insolvência sendo que de tal facto não podem restar dúvidas, na justa medida em que ficou provado que não aceitaram a resolução, impugnando-a processualmente, através de exaustiva contestação!!!
XII. Não poderia proceder – como procedeu –, assim, a argumentação da ausência de fundamentação.
XIII. Não se pode deixar de concluir, atenta toda a factualidade atrás expendida, pela actuação dolosa dos AA., cujo único fito, com o negócio celebrado, foi dissipar conscientemente o património pertença da insolvente, no sentido de evitar a sua avocação pela Massa e, assim, prejudicar os seus credores.
XIV. A atitude consciente e dolosa dos AA., ao proceder da forma como o fizeram, configura, indubitavelmente, os requisitos da resolução condicional contidos nos artigos 120.º, n.ºs 1 a 4 e 5, alíneas a) e b) do C.I.R.E.
XV. A actuação das partes configura os requisitos suficientes e necessários para a declaração de efeitos produzidos pela resolução nos termos previstos no art.º 126.º, n.º 2 do C.I.R.E..
XVI. Pelo que a sentença ora recorrida deverá, ainda e sempre, ser substituída por outra que declare improcedente a presente acção e, na sua sequência, a produção dos efeitos da declaração de resolução ocorrida.
Assim decidindo-se, far-se-á justiça !!!”
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Não foi junta qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo de eventuais questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, a questão a resolver, extraída de tais conclusões, traduz-se exclusivamente na verificação da suficiência da carta remetida pela administradora da Massa Insolvente de D…, Lda aos AA., ora apelados, para satisfazer os fins da notificação da resolução de um negócio em benefício da própria massa, com fundamento no instituto previsto no art. 120º do CIRE.
Não está, pelo contrário, em causa neste recurso, a verificação dos pressupostos do acto de resolução, que os AA. punham igualmente em discussão e que ficou prejudicada pela solução decretada pelo tribunal a quo. Com efeito, na decisão recorrida, o tribunal concluiu que a comunicação dirigida pela Sra. Administradora Massa Insolvente de D…, Lda aos AA. se encontrava desprovida de suporte factual essencial para que servisse os objectivos a que se destinava, suporte esse que só foi adicionado na contestação oferecida à presente acção, isto é, extemporaneamente e em termos, por isso, ineficazes. E, com isso, não se chegou sequer a apreciar a presença daqueles pressupostos.
Em qualquer caso, por ora, atento o teor da decisão e o objecto do recurso, é essencial ter presente o texto da referida comunicação. Traduziu-se ela no seguinte numa carta registada, de 07/05/2013, com o seguinte teor:
“Resolução de acto jurídico, nos termos dos arts. 120º nº1 a 4 e 5 a) e b) do CIRE.
“Exmos. Senhores,
“Na qualidade de Administradora de Insolvência, nomeada por sentença de 4 de Fevereiro de 2013, nos Autos de Insolvência de Pessoa Colectiva n.º 2418/12.7T2AVR – “D…, LDA”, que corre termos pelo Juízo do Comércio do Baixo de Vouga – Aveiro, na sequência da Assembleia de Credores realizada a 21 de Março de 2013, venho pela presente comunicar a V.Exas a resolução do acto jurídico de transmissão consubstanciado no acordo celebrado, no âmbito do processo n.º 542/11.2T2AND a 9 de Dezembro de 2011.
“A resolução do presente acto jurídico é determinada pela verificação de que todos os intervenientes, a saber: pais, filha e genro sabiam que a situação era irreversível e de conhecimento público.
“Como tal, resulta, além de presumida, provada a má-fé dos intervenientes, sócios da insolvente, já que todos mais não pretenderam do que prejudicar os credores da ora insolvente, dissolvendo conscientemente o seu parco património passível de constituir garantia de pagamento, ainda que parcial, dos débitos daquela, mantendo-o ainda assim na esfera patrimonial de um dos sócios, agindo em tal propósito e com perfeita consciência do alcance dos seus actos.
“O acto agora resolvido consubstancia actividade prejudicial aos interesses da massa, mormente, por força da impossibilidade de apreensão e alienação do património objecto de transacção, o que diminui substancialmente o valor da massa em detrimento dos interesses dos credores.
“Neste sentido, sou a solicitar se digne a confirmar a resolução do negócio supra referenciado mediante declaração por escrito, uma vez que tal actuação da parte de V.Exas poderá revelar cooperação no âmbito do processo de Insolvência e relevar em sede de qualificação da mesma.”
A análise da relevância deste acto exige igualmente a compreensão do seu contexto, em relação ao que o tribunal a quo deu por provada a seguinte factualidade:
1. Por sentença proferida em 04/02/2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de D…, Lda.
2. Por transacção judicial datada de 09/12/2011, realizada no âmbito do processo n.º 542/11.2t2AND, que correu termos no Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, J2, os aqui Autores, B… e C…, acordaram com a sociedade D…, Lda uma dação em pagamento dos bens móveis propriedade desta, como meio de pagamento da dívida que se discutia naqueles autos, a que atribuíram o valor de €10.000,00 (dez mil euros), fazendo um acordo do pagamento do remanescente da divida, no montante de €29.000,00, até 01/01/2014.
Por outro lado, e tal como resulta da carta citada (bem como da certidão junta a fls. 38 e ss.), a A. era, ao tempo da transacção, sócia da Casa das Fontes – Empreendimentos Turísticos, Lda.
Como já resulta do anteriormente exposto, concluiu a Sra. Administradora que o negócio em questão foi prejudicial para a Massa Insolvente, pelo que entendeu dever declarar a sua resolução, com fundamento no regime legal aplicável, a propósito do que invocou o disposto nos “arts. 120º nº1 a 4 e 5 a) e b) do CIRE”.
Dispõe esta norma:
“1. Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;”
Uma forma admissível para se operar esta resolução é o envio da respectiva declaração, por carta registada, aos intervenientes no negócio, como previsto no art. 123º do CIRE.
O que deva conter essa carta é alvo de alguma controvérsia, nem tanto na doutrina, mas sobretudo na jurisprudência.
Gravato de Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente” pág. 54, aponta a necessidade de uma motivação específica, compreendendo os factos que originam a resolução, pois caberá ao administrador da insolvência “fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125.º CIRE. Realce-se que se impõe, de todo o modo, que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução”. E prossegue o autor “Para além da invocação do acto em concreto há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art.º 120.º, n.º 3 do CIRE, a causa que leva a considerar aquele acto como prejudicial, assim como, o circunstancialismo que envolve a má-fé, quando não funcione a presunção juris tantum do art.º 120.º n.º 4 do CIRE.”
Já a jurisprudência, naquilo que se pode designar como posição mais moderada, afirma que o terceiro tem o direito de impugnar o acto de resolução, pelo que ele não pode deixar de conhecer os concretos factos ou fundamentos que contra ele foram invocados. Sem prejuízo, a declaração de resolução apenas carece da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada.
Numa compreensão mais rigorosa do regime, afirma-se que o administrador da insolvência deve indicar os concretos factos que são o fundamento da resolução, por tal ser essencial à possibilidade de o impugnante a contestar. A deficiência de fundamentação do acto não poderá ser suprida ulteriormente, em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios. (cfr. Ac. do STJ de 17.09.2009, proc. nº 307/09.1YFLSB, cujo sumário refere precisamente isso).
Esta última compreensão do regime legal descrito é a que vem sendo genericamente seguida neste TRP, como se verifica designadamente no Ac. desta secção, proferido em 11-11-2014, no proc. nº 616/13.5TJVNF-C.P1: (II- O referido direito de resolução, porém, tal como no regime geral, é um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento. III - Esse fundamento deve ser exteriorizado na carta de resolução, através de factos concretos que permitam ao destinatário saber, claramente, o porquê da resolução. IV - Em qualquer caso, nunca o resolvente pode invocar na acção de impugnação factos que não indicou na comunicação à contraparte).
Como aí se entendeu, deve ter-se presente o objectivo do envio da declaração de resolução. Esse envio só realiza o seu fim se facultar ao destinatário a percepção dos elementos que necessariamente compreende, seja quanto à identificação do negócio resolvido, seja quanto aos fundamentos dessa resolução. Estes elementos, sejam de ordem cronológica, material, psicológica ou jurídica não podem deixar de ser plasmados na declaração, sob pena de ela ser reduzida a um acto formal e vazio de significado.
Remeter uma declaração escrita é comunicar o teor dessa mesma declaração. Comunicar é pôr em comum. Pôr em comum o conhecimento de razões e acções é identificá-las e caracterizá-las até onde isso for necessário para que o interlocutor adquira ou possa adquirir a sua consciência. Se a declaração comunicada não facultar a aquisição dessa consciência, não pode ter-se por eficaz.
Em resumo, partilhando tal entendimento e a forma como foi enunciado no Ac. deste TRP de 1/10/2013, (proc. nº 251/09.2TYVNG-H.P1) concluímos que: “na carta pela qual exerce a resolução do contrato, terá de concretizar quais os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa (ou, quando haja presunção desta, ao abrigo do nº3 do art. 120º, pelo menos identificar o acto em causa, a data da sua celebração e as circunstâncias que reconduzam a algum dos casos previstos no nº1 do art. 121º) e o circunstancialismo que envolve a má-fé do terceiro (quando não funcione a presunção iuris tantum prevista no nº4 do art. 120º).
Só no caso de se tratar de resolução incondicional, dispensado que está da alegação da prejudicialidade e da má-fé do terceiro (que se presumem), lhe bastará proceder à indicação precisa do acto em causa, data da sua celebração e data do início do processo de insolvência, permitindo ao destinatário perceber em qual das alíneas do nº1, do art. 121º, pretende o AI enquadrar o negócio a resolver.”
No caso, a Sra. Administradora da insolvência não invocou qualquer dos fundamentos descritos no art. 121º do CIRE, como motivo da resolução. Estamos, pois perante uma hipótese de resolução sob condição. Por isso, na declaração de resolução, não poderiam deixar de ser enunciados:
1 - o acto jurídico que é objecto da resolução;
2 - a data da sua celebração;
3 - a sua aptidão de ser prejudicial para a massa (já que não foi invocada qualquer circunstância que faça presumir essa vocação para o prejuízo, ao abrigo do nº3 do art. 120º;
4 - o circunstancialismo que envolve a má-fé do terceiro (quando não funcione a presunção prevista no nº4 do art. 120º, ou os factos de onde decorra essa presunção).
A decisão recorrida concluiu pela ausência desses elementos, no texto da carta remetida aos AA, ora apelados, sem prejuízo de aí identificar alguns conceitos que, por conclusivos, de nenhuma eficácia se revestem; e isso porquanto só na contestação da presente acção é que foram alegados os factos que já deveriam constar daquela carta.
Vejamos se é assim, à luz do que se referiu sobre o regime aplicável e os interesses que salvaguarda, onde se inscreve a impossibilidade de adição ulterior de factos ou vícios do negócio alvo.
O negócio alvo da resolução mostra-se inequivocamente identificado na declaração sindicada: a transacção judicial celebrada em 9/12/2011, no âmbito do processo judicial n.º 542/11.2T2AND. Perante esta referência, aos AA. não poderia sobejar qualquer dúvida sobre a identificação do negócio.
A par disso, a própria situação de insolvência da D…, Lda, resulta igualmente identificada, tanto mais quanto se atente na natureza dos destinatários: a autora e seu cônjuge, aqui também autor, sendo ela sócia da insolvente, tal como consta da certidão de matrícula da sociedade em questão. A sentença foi proferida em 4/2/2013 e transitou em 25/2/2013, conforme se encontra publicado e registado, o que é apto a garantir o respectivo conhecimento, designadamente pelos autores. De resto, na própria carta se menciona uma Assembleia de Credores da Insolvência, realizada em 21/3/2013, o que inequivocamente invoca a situação de insolvência em que a D…, Lda havia incorrido.
Da conjugação destas circunstâncias resulta que a comunicação dirigida aos ora apelantes os habilitou a perceber qual o negócio resolvido, bem como a sua inserção temporal no período suspeito definido no nº 1 do art. 120º do CIRE.
De seguida, deveria a declaração de resolução elencar factos de onde resultasse a qualificação do negócio resolvido como prejudicial para a massa.
A esse respeito, a Sra. Administradora referiu que esse negócio concretizou uma dissolução consciente do parco património da sociedade que veio a ser declarada insolvente, obstando a que ele pudesse garantir, ainda que parcialmente, a satisfação das respectivas dívidas, já que foi transferido para o património de um dos sócios. Com isso, os bens que foram objecto dessa dação em pagamento não puderam ser apreendidos, o que constituiu uma diminuição substancial do valor da massa e a sua aptidão para satisfazer os interesses dos credores.
Por fim, deveria a declaração invocar factos aptos a fazerem funcionar a presunção de má fé constante do nº 4 do art. 120º, ou alegar factos integradores do conceito de má fé tal como descrito nas als. a) e b) do nº 5 da mesma norma.
A este propósito, a carta refere que os intervenientes no negócio alvo da resolução eram pais, filha e genro e que todos sabiam que a situação de insolvência da D…, Lda era irreversível, pois que dela eram sócios, todos pretendendo evitar que o património dado em pagamento servisse para o pagamento de todos os credores.
Perante um tal teor da carta remetida aos aqui apelados, só podemos concluir, em concordância com o tribunal a quo, pela natureza conclusiva das afirmações ali inseridas, na ausência de factos concretos aptos a permitirem aos declaratários saber o que haveriam de contestar, para afastar o resultado pretendido.
No respeitante ao resultado prejudicial para a massa, determinado pelo negócio alvo da resolução, como concluir por esse prejuízo? Inexistia o crédito alegadamente satisfeito? Os bens dados eram de valor superior ao crédito existente ou foram subavaliados? Qual a relevância proporcional negativa da saída desses bens do património da insolvente? Este património, que apenas é descrito como “parco”, ficou desprovido de bens para satisfazer os credores, ou o que restou permitiu de alguma forma essa satisfação e em que medida? Alega-se uma “diminuição substancial do valor da massa: o que é uma diminuição substancial?
A carta remetida aos apelados não permite responder minimamente a estas questões, o que nos leva a concluir pela sua insuficiência quanto ao cumprimento do correspondente requisito. Ela não era apta a permitir aos destinatários o conhecimento dos pressupostos em questão, subjacentes à decisão de resolução. E isso, desde logo, prejudicava o seu direito à respectiva impugnação.
Mas essa insuficiência alastra-se ao requisito da má fé. A Sra. Administradora de insolvência limita-se a invocar uma relação de parentesco e um paralelo relacionamento societário que não descreve e não se mostra inteligível, prejudicando sequer a especulação que de qualquer desses relacionamentos adviesse necessariamente o conhecimento sobre o que, também apenas conclusivamente afirma, ser em 2011 uma situação de insolvência irreversível da D…, Lda.
Perante tais afirmações, como impugnar aquele conhecimento ou a alegada irreversibilidade da insolvência da empresa? E em que factos se sustentam esse conhecimento e essa irreversibilidade? E em que se alicerça a conclusão de que com o negócio alvo da resolução os apelados visaram evitar o pagamento dos credores? Ele tinha por consequência necessária a frustração desses pagamentos?
Analisado o teor da carta remetida aos apelados, isto é, a motivação da declaração de resolução em causa, é forçoso concluir pela ausência de factos que facultem a resposta às interrogações formuladas. De resto, tal como o afirmou o tribunal a quo, na decisão sob recurso. Tal ausência nem sequer resulta suprida pela invocação das regras constantes do art 120º do CIRE, que sempre carecem da alegação dos factos habilitantes do preenchimento da sua previsão legal.
Na impossibilidade de se concluir que a carta remetida aos apelados continha tais factos, não podemos justificar esse modus faciendi, sequer, por uma qualquer dificuldade na sua indicação, ou considerar que exigi-lo constituísse uma manifestação excessiva e desproporcionada de rigor. É que da análise da própria contestação da acção bem se verifica a facilidade com que a ora apelante poderia ter complementado a declaração emitida com factos aptos a preencherem os pressupostos do regime jurídico em questão, prevenindo a actual discussão sobre a questão.
Em qualquer caso, o que não pode deixar de se reconhecer é que a comunicação remetida aos ora apelantes não satisfez os objectivos que lhe eram essenciais e, nessa medida, exactamente como foi considerado pelo tribunal a quo e nos mesmos termos, só pode ter-se por nula.
Restará, assim, confirmar a decisão recorrida, na improcedência da presente apelação.
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Em conclusão, (art. 663º, nº 7 do CPC):
- Ao comunicar a resolução de um negócio em benefício da massa insolvente, o administrador da insolvência deve indicar os concretos factos que fundamentam essa resolução, por tal ser essencial à possibilidade de o impugnante a contestar. A deficiência de fundamentação do acto não poderá ser suprida ulteriormente, em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.
- Remeter uma declaração escrita é comunicar o teor dessa mesma declaração. Comunicar é pôr em comum. Pôr em comum o conhecimento de razões e acções é identificá-las e caracterizá-las com factos concretos até onde isso for necessário para que o interlocutor adquira ou possa adquirir a sua consciência. Se o conteúdo da comunicação não facultar a aquisição dessa consciência, não pode ter-se por eficaz.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta decisão recorrida.
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Custas pela apelante.

Porto, 7/4/2016
Rui Moreira
Tomé Ramião
Vítor Amaral