Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8225/22.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COISTA
Descritores: EXCEÇÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RP202402228225/22.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na exceção de caso julgado, deve impedir-se a repetição da causa porquanto, esta iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
II - Na autoridade de caso julgado, verificando-se a existência como que de uma dependência do objeto da segunda ação perante o objeto da primeira, as questões comuns não devem ser decididas de modo diferente. Por isso, a decisão da segunda ação deve incorporar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
III - Enquanto a exceção é alegada para impedir que seja proferida uma nova decisão, a autoridade é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão. Esta distinção supõe a identidade dos objetos processuais na exceção e diversidade de objetos processuais na autoridade, caso em que o objeto da primeira ação vale como pressuposto indiscutível da apreciação do objeto da segunda.
IV - No domínio da exceção dilatória de caso julgado, como tal, incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, a sua procedência determina a absolvição do réu da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código.
V - Diferentemente, verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito, que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 8225/22.1T8VNG.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil).
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA, demandou BB e mulher CC tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Serem os Réus condenados a reconhecer a Autora como dona e legítima proprietária das parcelas de terreno ocupadas por estes, e integrantes dos prédios de que a Autora é titular, melhor identificados no capítulo II da presente Petição Inicial;
b) Serem os Réus condenados a desocupar e restituir à Autora as parcelas de terreno melhor identificadas no capítulo IV da presente Petição Inicial;
c) Serem os Réus condenados a pagar à Autora uma indemnização em montante que se vier a liquidar em execução de sentença, nunca inferior a 500,00 Euros (quinhentos euros) por cada dia que os Réus ocuparem as ditas parcelas.
d) Serem os Réus condenados a pagar à Autora uma quantia nunca inferior 5.000,00 Euros (cinco mil euros), a título de danos morais;
Sem prejuízo, se assim não se entender, e subsidiariamente:

Ser Reconhecida e declarada a propriedade da Autora sobre os prédios melhor descritos no capítulo II da presente Petição Inicial, segundo os limites por esta apresentados, nomeadamente com a área e as confrontações que resultam das respetivas Certidões Permanentes, pelo instituto da usucapião.
A ação foi contestada tendo os RR deduzido a exceção de caso julgado.

Invocam que já decorreu ação entre as mesmas partes o processo nº 8506/19.1T8VNG no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2.
Que se verifica identidade das partes, do pedido e da causa de pedir em ambos os processos.

A Ré, respondeu à invocada exceção a sustentar que no mencionado processo judicial e nos presentes autos os Autores invocam situações distintas.
Os RR deduziram ainda pedido reconvencional requerendo:

a) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Réus quanto aos prédios descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob os artigos ..., ... e ..., bem como a reconhecer que a área total da descrição predial nº ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ...;
b) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o traçado do arruamento como sendo o traçado original e primitivo, já assim reconhecido pelos seus antecessores;
c) Ser a Reconvinda condenada a indemnizar os Reconvintes pelos danos de natureza não patrimonial em montante não inferior a € 15.000,00.”.

NO DESPACHO SANEADOR FOI PROFERIDO SANEADOR SENTENÇA QUE DECIDIU:
“ASSIM SENDO, MOSTRA-SE IMPEDIDO O PROSSEGUIMENTO DA PRESENTE AÇÃO E RECONVENÇÃO POR FORÇA DA AUTORIDADE DE CASO JULGADO PROJETADA PELA SENTENÇA JUDICIAL PROFERIDA NO PROCESSO Nº 8506/19.1T8VNG QUE CORREU OS SEUS TERMOS NO JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VILA NOVA DE GAIA – J2, MOTIVO PELO QUAL SE IMPÕE A ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DA INSTÂNCIA DA AÇÃO E A ABSOLVIÇÃO DA AUTORA DA INSTÂNCIA RECONVENCIONAL
POR TODO O EXPOSTO DECIDO: - ABSOLVER OS RÉUS DA INSTÂNCIA; - ABSOLVER A AUTORA DA INSTÂNCIA RECONVENCIONAL”

Sustenta-se a decisão recorrida e ao que interessa ao recurso essencialmente no seguinte:

(…).
Compulsados os presentes autos e os que correram termos sob o processo nº 8506/19.1T8VNG que correu os seus termos no
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2, a que ambas as partes aludem, resultam demonstrados os seguintes factos com relevância para apreciação desta exceção:
1. A Autora é proprietária de 3 (três) prédios urbanos, contíguos entre si, paralelos à linha da Costa, e sitos na Rua ..., lugar ..., Vila Nova de Gaia, que, na totalidade, perfazem 2.507,00 m2: o prédio a nascente tem a área de 717,00 m210; o do meio a área de 913m211 e o terreno a poente a área de 877m212, todos registados na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com as seguintes descrições: ..., ... e ... e inscritos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, sob os artigos matriciais ... (anterior ... rústico); ... (anterior ... rústico) e ... (anterior ... rústico).
2. Os Réus, por documento particular autenticado, outorgado a 08/02/2019, adquiriram a DD e mulher EE, 2 (dois) prédios, ambos descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, um com o número ... e, inscrito na matriz predial rústica do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, sob o artigo ... e o outro com o número ..., inscrito na matriz predial rústica do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia, sob o artigo ....
3.Estes dois prédios resultam de uma desanexação um do outro, tendo sido, num primeiro momento, declarada pelos Réus e pelos vendedores uma área total de 1.184,4 m2.
4. Em 01/07/2022, foi apresentado um novo requerimento de retificação da área passando a constar a área total de 1.443,40m2, alterando também as confrontações do prédio.
5. No processo que correu termos sob o processo nº 8506/19.1T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2 foram partes como Autores: AA, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de FF e Réus: BB, CC, EE e DD. (cf. Certidão junta aos autos a 25.05.2023, que se dá por reproduzida)
6. Nessa ação a Autora formulou o seguinte pedido:
“II - Serem declaradas nulas, por serem falsas, as declarações prestadas e os documentos apresentados para a titulação da compra e venda do prédio com a descrição número ..., desanexado do descrito com o número ..., ambos da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e, consequentemente;
II – Ser declarada nula a compra e venda titulada pelo documento particular autenticado que constitui o doc. nº. 18, dos imóveis ali identificados;
III – Ser ordenado o cancelamento da inscrição efectuada pela Apresentação ..., de 12 de Fevereiro de 2019;
IV – serem os RR. condenados a expensas suas, procederem à imediata reposição da composição dos terrenos de propriedade da A. e a eliminação do arruamento ilegalmente aberto;
V- Serem os RR. condenados a indemnizar a A. por todos os prejuízos, danos e/ou encargos directamente causados pela conduta, em montante a liquidar em sede execução de sentença.”. (cf. Certidão junta aos autos a 25.05.2023, que se dá por reproduzida)
7. No mesmo processo os Réus BB, CC deduziram pedido reconvencional com o seguinte teor:
“a) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Réus quanto aos artigos matriciais ...... e ..., bem como a reconhecer que a área total da descrição predial nº ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ....
b) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o traçado do arruamento como sendo o traçado original e primitivo, já assim reconhecido pelos seus antecessores.
c) Ser a Reconvinda condenada a indemnizar os Reconvintes de todos os prejuízos decorrentes da falta de habitação quando se verificar o regresso destes a Portugal, a liquidar em execução de sentença.
d) Ser a Reconvinda condenada a indenizar os Reconvintes pelos danos de natureza não patrimonial em montante não inferior a € 10.000,00.”. (cf. Certidão junta aos autos a 25.05.2023, que se dá por reproduzida)
8. Nos presentes autos são partes como Autores: AA, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de FF e Réus: BB e CC.
9. Nos autos a Autora formulou o seguinte pedido:
“Serem os Réus condenados a reconhecer a Autora como dona e legítima proprietária das parcelas de terreno ocupadas por estes, e integrantes dos prédios de que a Autora é titular, melhor identificados no capítulo II da presente Petição Inicial; Serem os Réus condenados a desocupar e restituir à Autora as parcelas de terreno melhor identificadas no capítulo IV da presente Petição Inicial;
Serem os Réus condenados a pagar à Autora uma indemnização em montante que se vier a liquidar em execução de sentença, nunca inferior a 500,00 Euros (quinhentos euros) por cada dia que os Réus ocuparem as ditas parcelas.
Serem os Réus condenados a pagar à Autora uma quantia nunca inferior 5.000,00 Euros (cinco mil euros), a título de danos morais;
Sem prejuízo, se assim não se entender, e subsidiariamente:
Ser Reconhecida e declarada a propriedade da Autora sobre os prédios melhor descritos no capítulo II da presente Petição Inicial, segundo os limites por esta apresentados, nomeadamente com a área e as confrontações que resultam das respectivas Certidões Permanentes, pelo instituto da usucapião.”.
10. Nestes autos os Réus deduziram pedido reconvencional com o seguinte teor:
a) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Réus quanto aos prédios descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob os artigos ..., ... e ..., bem como a reconhecer que a área total da descrição predial nº ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ...;
b) Ser a Reconvinda condenada a reconhecer o traçado do arruamento como sendo o traçado original e primitivo, já assim reconhecido pelos seus antecessores;
c) Ser a Reconvinda condenada a indemnizar os Reconvintes pelos danos de natureza não patrimonial em montante não inferior a € 15.000,00.”.
11. Por sentença proferida no processo nº 8506/19.1T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2, transitada em julgado, foi decidido julgar “a ação improcedente e, consequentemente, absolvem-se os Réus dos pedidos contra os mesmos formulados, e julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, nessa conformidade, condena-se a Reconvinda a reconhecer o direito de propriedade dos Reconvintes quanto aos artigos matriciais ...... e ..., bem como a reconhecer que a descrição predial n.º ... tem como limite, a norte, a Rua ..., absolvendo-se a Reconvinda do demais peticionado.” (cf. Certidão junta aos autos a 25.05.2023, que se dá por reproduzida) 12. Nesta sentença foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A Autora é proprietária de três terrenos para construção, contíguos entre si, sitos na Rua ..., no lugar ..., Vila Nova de Gaia, registados na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, todos da freguesia ..., com as descrições números ..., ... e ..., com a área total de 2.507 m2, tendo o terreno a nascente a área de 717 m2, o seu contíguo a área de 913 m2 e o terreno a poente, contíguo ao anterior, a área de 877 m2, inscritos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2 sob os artigos matriciais urbanos ... (anterior ... rústico), ... (anterior ... rústico), e ... (anterior ... rústico) respetivamente, (…).
3- O Prédio ..., correspondente ao artigo ..., tem as seguintes confrontações: Norte: A...; Sul: Rua ...; Nascente e Poente: FF, (…).
4- O Prédio ..., correspondente ao artigo ..., tem as seguintes confrontações: Norte: Caminho; Sul: Rua ...; Nascente: Herdeiros de GG; Poente: Herdeiros de HH, (…).
5- O Prédio ..., correspondente ao artigo ..., tem as seguintes confrontações: Norte: A...; Sul: Rua ...; Nascente: II; Poente: a aqui Autora, (…).
6- O terreno a nascente e o terreno a poente estão descritos e inscritos em nome da Autora por lhe terem advindo de doação feita por seus pais (…) e tios (…), por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Espinho, em 15 de novembro de 1982, (…).
7- Estes terrenos vêm sendo transmitidos entre família da Autora, sendo o documento mais antigo comprovativo deste facto, a partilha efetuada em 21 de junho de 1941, por óbito de JJ, em 13 de outubro de 1939, bisavó da aqui Autora, (…).
8- Da escritura de doação fazem parte duas Certidões emitidas em 26/8/1982, pela Secretaria da Câmara Municipal ..., que narram o seguinte: “(…).
9- Na sequência da doação, foram tais prédios divididos, como se alcança da escritura, ficando os prédios que couberam à Autora a confrontar a Sul com a atual Rua ..., mantendo a confrontação Norte com o A... e Caminho.
10- O Artigo ..., antigo artigo ..., tinha as seguintes confrontações: Norte: Caminho; Nascente: Herdeiros JJ; Sul: Caminho; Poente: JJ, Herdeiros de JJ, (…).
11- O Artigo ..., antigo artigo ..., tinha as seguintes confrontações: Norte: Caminho; Nascente: GG; Sul: Caminho; Poente: HH, Herdeiros, (…).
12- O Artigo ..., antigo artigo ..., tinha as seguintes confrontações: Norte: KK; Nascente: II; Sul: Caminho; Poente: GG Herdeiros, (…).
13- O terceiro prédio que confronta a nascente e poente com os dois mencionados em 6, foi adquirido pela aqui Autora e o seu falecido marido, (…), por compra a (…), por escritura pública outorgada (…), no dia 3 de fevereiro de 1984, do qual a Autora é cabeça de casal da herança ainda indivisa, (…).
15- A Autora nunca tratou de limpar o mato que existia a norte da Rua ..., mas apenas limpou e cuidou do terreno limitado por essa rua.
16- Os 2.ºs Réus adquiriam o prédio descrito com o n.º ... a (…), e registaram essa aquisição em 3 de agosto de 1987, (…), aquisição essa titulada por escritura pública de 10 de abril de 1985, (…).
17- Naquela Escritura Pública, a vendedora declarou que: “Vende ao segundo outorgante um prédio rústico composto de pinhal e covas de lameiro, sito no lugar ..., da dita freguesia ..., a confrontar do norte com ..., do nascente com LL, do sul com MM (sobrinho) e do poente com NN”.
18- Ainda durante aquele ato notarial, a vendedora esclareceu que a composição e confrontações que ali declarou se encontravam em divergência com as constantes do Prédio “mãe” n.º ..., a fls. 127 vº. do Livro ..., divergência essa que teria resultado de “alterações supervenientes”.
19- Aquando da abertura da descrição do novo prédio com o n.º ..., a 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, em 3 de agosto de 1987, manteve a confrontação a sul com “caminho”, não a tendo retificado nos termos declarados por aquela senhora, uma vez que posteriormente a mesma vem, novamente, retificar o anteriormente declarado, no sentido de que a confrontação a sul era com caminho, (…).
20- De acordo com a Descrição aberta em livro em 3/8/1987, (…) o prédio descrito sob o n.º ... corresponde a um prédio rústico composto de “Terreno de lavradio, atravessado por um caminho, designado por “Caminho ...”. Lugar ...”, denominado “Ribeira ...” ou “Ribeira ...”, o qual, segundo tal descrição, tem uma área de 450 m2 e confronta de Norte com uma ..., de Sul com um caminho – não identificado, de Nascente com LL e a Poente com NN, (…).
21- Tal descrição tem origem numa desanexação do prazo descrito em livro sob o número ..., constituído pelas glebas 33ª e 88ª, conforme documento junto a fls. 23.
22- (…)a gleba 33ª é uma “... com alguma água de rega, denominada a Ribeira .... No sítio assim chamado. Tem de comprimento de sul a norte pelo meio, 44 m, pelo norte 6,2 m e pelo sul 5,8 m – Confronta do Sul com caminho do ..., do poente com a gleba 88ª de OO, do norte com o rego foreiro e do nascente com a gleba 26ª de PP”.
23- O Solicitador (…), em representação dos 2.ºs Réus, elaborou um requerimento através do qual se solicita com carácter de urgência a atualização de descrição do prédio ..., acompanhado de um levantamento topográfico (…)
24- Este levantamento topográfico, datado de novembro de 2018, foi efetuado a pedido pelo 1.º Réu, Sr. BB (…).
26- As atuais cadernetas prediais, tanto a relativa ao novo artigo 3490 como a relativa ao novo artigo 3491, mencionam que as retificações derivam de “despacho de 19/02/2019 (…).
28- No dia 8/2/2019, os 2.ºs Réus venderam aos 1.ºs Réus um prédio rústico, composto de terreno a lavradio, com a área de setecentos e vinte e oito metros e quarenta decímetros quadrados, a confinar a norte com ..., do sul com Caminho ..., do nascente com Herdeiros de QQ e do poente com BB e RR, inscrito na matriz sob o artigo ..., e um prédio rústico, composto por terreno a lavradio, com a área de quatrocentos e cinquenta e seis metros quadrados, a confinar a norte com Caminho ..., do sul com Rua ..., do nascente com Herdeiros de QQ e do poente com NN, inscrito na matriz sob o artigo ..., (…).
29- Os referidos prédios encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob os números ... e ..., (…).
30- O prédio ... foi desanexado do n.º .../....
31- Em 12/2/2019, pela Apresentação ..., após a compra e venda dos dois prédios, foi requerida à 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, em simultâneo, os registos de aquisição dos ditos terrenos, a retificação das suas áreas, a retificação das suas confrontações e a desanexação dos dois prédios (…).
34- A Câmara Municipal ... emitiu Certidão referindo que o prédio sito no caminho ..., da freguesia ..., descrito na 1.ª Conservatória do Registo predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., (…), se apresenta fisicamente separado em consequência da abertura de um arruamento e dessa forma não constitui operação de loteamento, (…).
36- O caminho que atravessa o terreno de lavradio, referido na descrição do prédio ..., designado por Caminho .... Lugar .... “Ribeira ...” ou “Ribeira ...”, corresponde ao atual Caminho ...(…). 37- O “Caminho” que confronta a sul, referido na descrição do prédio ..., situava-se a norte da atual Rua ..., e consistia num caminho relativamente a direito, com uma inflexão para norte.
38- Esse caminho existiu ao longo dos tempos e pelo mesmo passavam carros de bois.
39- A Rua ... é uma rua perpendicular ao mar que termina no n.º 46 do lado direito da via e n.º 49 do lado esquerdo da mesma.
40- O caminho referido em 37 manteve-se, pelo menos, até 1981, altura em que foi bloqueado pelas construções edificadas na mencionada Rua ....
41- Em consequência, os utilizadores desse caminho passaram a fazer uma inflexão da ligação, diretamente à mencionada rua, abrindo um caminho encostado ao muro do número 46 da dita Rua ....
42- A Autora e o seu confinante a poente vedaram o terreno, nos anos 90, pelo topo do talude, mas a vedação foi retirada. 43- A Autora e o Sr. SS bloquearam o caminho com a colocação de valas.
44- Face à revolta dos restantes vizinhos, em 2009, o marido da Autora e o Sr. SS alteraram o curso do referido caminho, cujo leito foi desviado para norte, fazendo uma inflexão acentuada logo no início, descendo ao longo da casa situada a nascente, de onde descreve uma curva para poente.
45- Tal atuação motivou que o então proprietário da parcela de terreno que se situa a nascente, encostada à habitação existente no início desse caminho, endereçasse uma carta à Câmara Municipal ... a denunciar a situação, (…).
46- Em fevereiro de 2019, a Autora foi contactada telefonicamente pelo seu confinante a poente, Sr. SS, informando-a de que os 1.ºs Réus estavam a levar a cabo obras de abertura de uma estrada.
47- (…) para essas obras não foi obtido o necessário licenciamento(…).
49- O 1.º Réu havia já vedado as porções de terreno que dizia serem de sua propriedade, mantendo o arruamento de prolongamento da Rua ....
50- A 29 de abril de 2019, a Autora e o seu confinante SS destruíram a vedação colocada pelo 1.º Réu e alteraram o arruamento aí existente.
55- O caminho atualmente existente corresponde à situação correspondente à “Rua ...” na imagem constante de fls. 164.
65- Por contrato de compra e venda celebrado em 8/2/2019, os 1.ºs Réus adquiriram a (…) o prédio rústico composto por terreno a pinhal, denominado ..., sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com área de 140 m2, tendo sido promovida a retificação da sua área, aumentada em 34 m2, conforme documentos juntos a fls. 234v.º a 243v.º, descrito na primeira conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ... inscrito na matriz sob o artigo ..., (…).
66- Esse prédio encontra-se definitivamente inscrito a favor dos Réus e tem as seguintes confrontações: Norte – Caminho ...; Sul – Rua ...; Nascente – TT; Ponte – BB, (…).
67- Os 1.ºs Réus registaram a aquisição, a seu favor, de um outro prédio, pela AP. ... de 12/02/2019, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia com o número ... e inscrito no respetivo serviço de finanças sob o artigo urbano ..., com área de 3.573,3 m2, (…).
68- Os 1.ºs Réus adquiriram ainda o prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia com o número ... [Ap. ... de 2019/04/10] e inscrito no respetivo serviço de finanças sob o artigo rústico ..., com área de 2.650 m2, (…)”.
13. Da mesma sentença constam como não provados os seguintes factos:
1 - A atual Rua ... era correspondente ao antigo caminho de servidão;
2- Os prédios da Autora confrontam com a Rua ..., antigo caminho de servidão;
5- Os Réus, coniventes entre si e com a colaboração do solicitador (…), diligenciaram no sentido de os 1.ºs Réus adquirirem uma porção de terra superior à que efetivamente poderiam adquirir e os 2.ºs Réus beneficiarem de um preço mais elevado;
8- Os 2.ºs Réus asseguraram ao 1.º Réu que o prédio descrito sob o n.º ... tinha efetivamente 1.184,4 m2;
9- Os 2.ºs Réus garantiram ao 1.º Réu que o prédio em questão correspondia ao que estava descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o referido número ...;
10- Os 2.ºs Réus declararam que o prédio que estavam a vender confrontava, a sul, com a Rua ...;
12- Os 2.ºs Réus referiram que não havia dúvidas de que o prédio em questão era atravessado por um caminho, sendo esse caminho, designado por “Caminho ...”.
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Atentos os factos descritos, (…) do ponto de vista da sua qualidade jurídica e para efeitos da presente ação, as partes são as mesmas.
Já quanto ao pedido, resulta de forma evidente a identidade de pedidos dos pedidos reconvencionais, já não se verificando a mesma situação quanto aos pedidos formulados pela Autora uma vez que nessa ação formulou pedido de nulidade de declarações e de compra e venda celebrada entre os Réus nessa ação.
Analisando, no entanto, ambas as petições apresentadas pela Autora e reconvenções apresentadas pelos Réus, resulta que o efeito jurídico que as partes pretendem obter em ambas as ações e reconvenções, entendido como o efeito prático que a Autora e os Réus procuram alcançar, verifica-se que é o mesmo: o reconhecimento de que os seus prédios têm a configuração e confrontações que alegam nos autos. A diferença é que a Autora nos autos alega a configuração e áreas com vista a serem condenados a desocupar e restituir parte de terreno de que se alega proprietária e nos autos em análise alega a mesma configuração e áreas com vista a demonstrar que terceiros (réus nesse processo) venderam aos aqui Réus (também réus nesse processo) prédio que englobava terreno que lhe pertencia (o mesmo que está em causa nos autos), configurando o negócio nulo por venda de bens alheios.
No que se refere à identidade da causa de pedir(…) sendo similares os factos que integram a causa de pedir na ação e reconvenção em que se formou o caso julgado e naquela em que se pretende projetar a sua eficácia, através da invocação da exceção, se poderá afirmar serem idênticas as respetivas causas de pedir quanto aos pedidos formulados.
(…)De facto, em ambas as ações e reconvenções os factos que integram a causa de pedir são os mesmos: factos alegados quanto à configuração, áreas e confrontações de prédios de Autora e Réus (os mesmos prédios em ambas as ações), nomeadamente com a Rua ... e a configuração e traçado desta mesma rua.
Em ambos os processos o que está em causa é parcela de terreno que ambas as partes reivindicam como sua e integrante de prédios de que são proprietários (o que resulta de forma muito clara dos gráficos apresentados na petição inicial destes autos). Veja-se, neste âmbito o que é referido no “objeto do litígio” nas “questões a apreciar” e na fundamentação da sentença proferida no processo nº 8506/19.1T8VNG:
- Quando refere o objeto do litigio engloba no mesmo: “sejam os Réus condenados, a expensas suas, a procederem à imediata reposição da composição dos terrenos propriedade da Autora e à eliminação do arruamento ilegalmente aberto”, acrescido de indemnização por danos, “1.ºs Réus, adquirindo uma porção de terra superior à que efetivamente poderiam adquirir, apropriando-se, indevidamente, de parte de terreno propriedade da Autora”; “o direito dos Reconvintes a que a Reconvinda seja condenada a reconhecer o direito de propriedade daqueles quanto aos artigos matriciais ...... e ..., bem como a reconhecer que a área total da descrição predial n.º ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... (…); a reconhecer o traçado do arruamento como sendo o traçado original e primitivo, já assim reconhecido pelos seus antecessores; a indemnizar os Reconvintes (…) com fundamento na ocupação ilícita, pela Reconvinda, de terreno pertencente aos Reconvintes”.
- Na identificação das “questões a apreciar” consta: “Do demais peticionado em sede de reconvenção, no sentido do reconhecimento da área total da descrição predial n.º ... e seus limites a norte e a sul, bem como do traçado do arruamento como sendo o traçado original; Da pretensão indemnizatória dos Reconvintes à luz do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos”;
- Da fundamentação da decisão proferida consta expressamente que “(…) se apurou que o caminho que atravessa o terreno de lavradio, referido na descrição do prédio ..., designado por Caminho ..., Lugar ..., “Ribeira ...” ou “Ribeira ...”, corresponde ao atual Caminho ... (…). É certo que o “caminho” que confronta a sul, que existiu ao longo dos tempos, consistia num caminho relativamente a direito, com uma inflexão para norte, e situava-se a norte da atual Rua ..., não correspondendo, por isso, à atual Rua ..., como sustentam os 1.ºs Réus. Alega a Autora, de resto, que os seus prédios confinam do Norte com Caminho .... Todavia, resulta do teor do documento junto com a pi sob o n.º 14, que segundo a Autora, atesta a composição dos seus terrenos, que o terreno que fazia parte do artigo ..., correspondente à Gleba 59 do prazo 22.302, e que foi por sua vez dividido em dois terrenos,
com as áreas de 913 m2 (atual artigo urbano ...) e ... m2, confronta do Norte com “Caminho de Servidão”. Posto isto, terá a pretensão da Autora necessariamente que improceder. (…) Em sede de reconvenção, pretendem os Reconvintes, em primeira linha, que a Reconvinda seja condenada a reconhecer o direito de propriedade daqueles quanto aos artigos matriciais ...... e ..., bem como a reconhecer que a área total da descrição predial n.º ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ..., e a reconhecer o traçado do arruamento como sendo o traçado original e primitivo, já assim reconhecido pelos seus antecessores. (…) No que respeita ao demais peticionado, apurou-se que os aludidos prédios confrontam a norte com a Rua ... e, a sul, com um caminho que se situava a norte da atual Rua .... Assim sendo, procede igualmente o pedido de reconhecimento de que a descrição predial n.º ... tem como limite, a norte, a Rua .... Quanto ao demais peticionado sob a al. a), bem como ao peticionado sob a al. b), terá a pretensão dos Reconvintes que improceder, uma vez que por apurar ficou que a atual Rua ... corresponde ao antigo caminho de servidão e, por conseguinte, também não é possível reconhecer que a área total da descrição predial n.º ... corresponde ao total de 1184,4m2, pois que tal área pressupunha que a referida descrição predial tinha como limite a sul a Rua ..., quando tinha efetivamente como limite, o antigo caminho de servidão, que aparece no documento da ..., junto a fls. 161 (Doc. 5 da contestação dos 1.ºs Réus).”
Assim, considerando todo o supra exposto quanto à exceção de caso julgado, verifica-se que, se por um lado, não há identidade absoluta do pedido formulado, o que impede a verificação da exceção de caso julgado, é certo que a presente ação não deixa de ser uma causa se repete, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
(…).
No caso em apreço, importa relevar a autoridade de caso julgado inerente à sentença proferida no processo nº 8506/19.1T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2.
Atentos os factos expostos, entendo que a autora e os Réus não podem, através da presente ação e reconvenção, exercer meios de defesa que na anterior ação já exerceram e já submeteram à apreciação do tribunal, encontrando-se já definitivamente resolvida.
O conhecimento dos pedidos indemnizatórios também se mostra vedado pela decisão em análise na parte em que aí foram formulados e porque os pedidos indemnizatórios formulados nos autos pela Autora eram dependência do conhecimento dos pedidos principais».

DESTA SENTENÇA APELOU A AUTORA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)

3.No caso em apreço, não se verifica minimamente a invocada identidade, o que expressamente se invoca.
(…)
Da análise destes dois processos, verifica-se que existe, efetivamente, identidade das partes. Porém, relativamente ao demais, causa de pedir e pedido, inexiste qualquer identidade destes dois pressupostos.
7.No processo em causa, rectius Proc. nº 8506/19.1T8VNG, havia sido formulado o seguinte pedido: (…)
7.Por outro passo, nestes autos, a Autora pretende ver reconhecido o seu direito de propriedade, nos seguintes termos:
(…)

8.Ou seja: o facto jurídico de que deriva a causa de pedir, bem como a própria causa de pedir e o pedido num e noutro processo são diferentes.
9.Mais, naquele processo inicial

i) a causa de pedir reportava-se a anular um negócio no qual a Autora não foi parte interveniente,

ao passo que nos presentes autos, ii) a Autora pretende que lhe seja reconhecida e declarada a propriedade com a área e confrontações que invoca, mais condenando os Réus a desocupar as parcelas de terreno
10.Verifica-se, destarte, que quer a causa de pedir, quer o pedido, são diversos. (..)
14.A autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva no objeto de uma ação posterior, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. -cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/03/202315.
15.O processo de anulação n.º8506/19.1T8VNG apenas se referia à pretensão da Autora no sentido de anular as declarações prestadas numa titulação de compra e venda na qual nem sequer era interveniente.
16.Esse processo não diz respeito nem decidiu sobre o direito de propriedade que a ora Autora invoca nos presentes autos, nem mesmo sobre a ilícita ocupação dos Réus.
17.Em face do que ficou decidido no processo invocado nos autos não se pode concluir que o aí decidido constitui precedente lógico à decisão a proferir nestes autos nem mesmo que aquela decisão vincula este processo, não ocorrendo qualquer relação de prejudicialidade entre o objeto das ações. 18.Por conseguinte, a decisão que se formou no processo 8506/19.1T8VNG não se impõe enquanto autoridade do caso julgado sobre os presentes autos.
(…)

21.Não se vislumbra minimamente onde é que a decisão a proferir na presente ação pode colidir com a decisão proferida naquela 1ª. ação (ou então que possa haver duplicação/repetição de decisões) se a questão que nela foi submetida a apreciação e decisão, no que concerne aos vários pedidos aqui em causa, nunca foram objeto de pronúncia (expresso ou mesmo implícito) na Sentença proferida naquela primeira.
23.Mesmo que assim não fosse, ainda sobre a “Autoridade do Caso Julgado”

24.Impõe-se, ainda, referir que os factos provados no outro processo, ou qualquer outro, não têm aptidão para se impor como caso julgado nos presentes autos, uma vez que os factos provados e não provados não são suscetíveis de constituir caso julgado, a fim de serem importados para outros processos.
(…)

26.Pela sua clareza e simplicidade, veja-se, entre muitos outros no mesmo sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07.202317, bem como os Acórdãos do STJ de 7/03/2023 (Processo n.º 1628/18.8T8VCT.G1.S1), de 14/01/2021 (Processo n.º 3935/18.0T8LRA.C1.S1), de 11/11/2021 (Processo n.º 1360/20.2T8PNF.P1.S1) e, por fim, de 12/04/2023 (Revista n.º 979/21.9T8VFR.P1.S1).
(…)

29.A autoridade de caso julgado apenas tem aplicação à decisão final proferida, ficando de fora do seu campo de aplicação os factos que foram considerados provados e não provados dessa decisão constantes. A propósito desta questão, Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 716, ensina que: “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
A Sentença proferida violou, entre outros, os artigos 7º, 8º, 580.º, 581.º e 619.º do Código de Processo Civil.
RESPONDERAM OS RR A SUSTENTAR:

IV. As conclusões apresentadas pelos Recorrente nada mais são que uma reprodução integral do corpo das alegações.
V. A reprodução nas “conclusões” do recurso, da respetiva motivação, equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”.
VII. Estando o Recurso em desconformidade com os requisitos do Código de Processo Civil, mormente, pela falta de “Conclusões”, deverá ser indeferido nos termos do Artigo 641º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil.
VIII. Não assiste qualquer razão aos Recorrentes, devendo manter, na íntegra, a sentença proferida e, por isso, a procedência do caso julgado em face da decisão judicial proferida no proc. n.º 8506/19.1T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J2 - do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
XXI. Nos presentes autos a Recorrente vem pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre os artigos matriciais ......, ...... e ......,
XXIX. Uma vez que as exatas parcelas de terreno que a Recorrente alega e marca nos seus coloridos esquemas, foram julgadas como sendo propriedade dos Recorridos, o que está devidamente sentenciado e transitado em julgado.
O pedido formulado pela Recorrente no âmbito da ação que correu os seus termos sob o proc. n.º 8506/19.1T8VNG, ainda que com expressão diferente, mais não pretendia do que aquilo que agora volta a peticionar, sendo certo que já deixou a Recorrente claro, na sua petição inicial que a presente demanda mais não é do que uma correção de anteriores decisões jurídicas.
As causas de pedir são as mesmas, uma vez que os factos invocados e alegados são iguais, sendo que mais não tratam do que o mesmo objeto, nomeadamente a configuração, áreas e confrontações de prédios de uma e de outra parte, bem como a configuração e traçado da Rua ....

Pelo que, todos os requisitos legais se encontram preenchidos, sendo que se deve a sentença proferida
manter-se incólume. Nada obsta ao mérito.

OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente são questões a decidir: saber se (i) as conclusões da apelante são prolixas e determinam o indeferimento do recurso (ii) se existe autoridade de caso julgado entre a sentença proferida no processo anterior e a presente ação (iii) se a autoridade de caso julgado se estende aos factos declarados provados na sentença anterior.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: 1.
Os RR suscitaram prolixidade das conclusões da Autora requerendo por isso o indeferimento do recurso.
Conforme o disposto no artigo 639º, nº 3, do Código de Processo Civil, (diploma a que pertencem as normas doravante indicadas sem outra menção) a complexidade das conclusões no recurso ou quaisquer outros vícios que as afetem determinam o convite ao aperfeiçoamento.
No caso presente não se considera necessário proferir esta decisão porquanto quer os recorridos quer o tribunal ficaram esclarecidos sobre o fundo da discordância da Recorrente quanto à decisão recorrida. 2.
O CONCEITO DE AUTORIDADE DE CASO JULGADO.
O artigo 619.º, estipula que uma vez transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos arts. 696.º-702.º.
Fixa-se nestes preceitos legais o instituto do caso julgado material que tem duas dimensões: a de exceção e a de autoridade. (ver João de Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa, Edições Ática, 1968 pp.38-39; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p.572; José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, pp.599 e ss 5)
2.1
A análise da concreta questão colocada no recurso prescinde da ponderação dos pressupostos e efeitos da exceção de caso julgado, mesmo que em determinados segmentos se coloquem as mesmas questões, porquanto o que aqui se discute é apenas a autoridade de caso julgado, o que é pacífico atenta a míngua da presença dos requisitos da exceção de caso julgado.
Não obstante, as dificuldades práticas na aplicação do instituto de caso julgado e de autoridade de caso julgado a sua concetualização é consensual entre os jurisconsultos e na jurisprudência, não divergindo quanto à mesma, as aqui , partes, e a sentença recorrida, pelo que, não nos alongaremos neste tema, esclarecendo o essencial para que possamos avançar na concreta questão a decidir.
2.1.1
Enquanto a exceção é alegada para impedir que seja proferida uma nova decisão, a autoridade é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão.
Esta distinção supõe a identidade dos objetos processuais na exceção.
Na autoridade há diversidade de objetos processuais, surgindo o objeto da primeira ação como pressuposto da apreciação do objeto da segunda.
Dissecando um pouco mais o conceito, convocamos as palavras de Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pg 305 quando ensina que “A autoridade de caso julgado versa decisões proferidas sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou a situação jurídica deduzida em juízo; as que estatuem sobre a pretensão do autor”.
(…) «Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntio iudicis torna-se incontestável». ibidem pg. 307.
Quanto aos sujeitos, prescindindo da identidade objetiva, a autoridade de caso julgado exige a identidade das partes. "A decisão ou as decisões tomadas na primeira ação vinculam os tribunais em ações posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos". (Mariana França Gouveia, A causa de pedir na ação declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, p.499)
2.1.2
Na exceção, deve impedir-se a repetição, porquanto, esta iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, verificando-se a existência como que de uma dependência do objeto da segunda ação perante o objeto da primeira, as questões comuns não devem ser decididas de modo diferente. Por isso, a decisão da segunda ação deve incorporar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
2.1.3
Importa realçar que a autoridade de caso julgado forma-se sobre os exatos termos definidos pela decisão da sentença, ou seja só subsiste na exata correspondência com o seu conteúdo o que vale por dizer que a autoridade de caso julgado «não pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela não definiu». Manuel de Andrade, ibidem pg 309.
Com efeito, este instituto apenas pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis ( que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), visa impedir que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão.
Reconhecendo a autoridade de caso julgado o juiz deve assimilar o conteúdo da anterior decisão reportando-se a esta pura e simplesmente.
O que adquire força de autoridade de caso julgado «é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens e direitos materiais litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar à conclusão final (pontos ou questões prejudiciais)» ibidem pg 318
É certo que este principio não é absoluto, e há situações em que a autoridade de caso julgado se estende aos motivos objetivos da decisão ou seja aos elementos das relações litigiosas e da sentença que põem termo ao litígio, todavia, o que é em qualquer caso indispensável é que tais motivos objetivos sejam configurantes da decisão.
É que, é o dispositivo da sentença que constitui um autenticum iudicium, do que decorre que qualquer posição tomada pelo tribunal quanto a pontos prejudiciais (salvas certas hipóteses muito particulares) constitui uma simples cognitio insuscetível de valer fora do respetivo processo, se nenhuma das partes deduziu o correspondente pedido de declaração incidental (ver artigos 91º a 93º do Código de Processo Civil).
2.1.4
Acresce, que como vem afirmado no acórdão do STJ de 28-03-2019 (TOMÉ GOMES) 6659/08.3TBCSC.L1.S1 (…) Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido. (…).
(Diferentemente sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código).
Do exposto, decorre que, no caso destes autos, a importação de efeitos de autoridade de caso julgado tem de aferir-se pelos termos da decisão proferida na ação 8506/19.1T8VNG., podendo estender-se às concretas questões que foram antecedentes necessários e condicionantes da mesma.
2.1.5
As partes e tribunal aceitam que em ambos os processos se verifica o requisito da identidade de sujeitos processuais, pelo que esta questão está arrumada.
A discussão surge centrada na verificação dos demais pressupostos deste instituto, pelo que há que avançar desde já para a definição da causa de pedir em ambas as ações pois os respetivos limites e identificação constituem os limites dos efeitos jurídico-processuais da figura que nos ocupa.
Vamos desprezar, como aliás se fez na decisão recorrida e recurso, os pedidos indemnizatórios reclamados, uma vez que a sua sorte depende em primeira linha, da sorte dos pedidos relativos à propriedade.
Vejamos.

A ação 8506/19.1T8VNG, pelo lado dos AA tem como causa de pedir (i) nulidade da compra e venda dos prédios dos AA (ii) fundamentada em declarações falsas, (iii) com a consequente transmissão para os RR em face dos títulos de uma parcela de terreno propriedade dos AA violadora dos seus limites a sul (iv) e posterior alteração dos respetivos limites, pelo lado norte, da propriedade dos RR, a qual, efetuada documentalmente e sem qualquer correspondência com a realidade.
Acresce-lhe o pedido de restituição da parcela que por via disso foi ocupada pelos RR.
Por sua vez os RR na reconvenção defendem o direito real de propriedade sobre os seus prédios, identificados por via da aquisição derivada da compra e venda e registos atualizados requerendo o reconhecimento judicial dos limites da sua propriedade pelo lado sul em conformidade com o que consta dos títulos.
A sentença transitada proferida nesta referida ação decretou:
«Atento o exposto, julga-se a ação improcedente e, consequentemente, «absolvem-se os Réus dos pedidos contra os mesmos formulados, e julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, nessa conformidade, condena-se a Reconvinda a reconhecer o direito de propriedade dos Reconvintes quanto aos artigos matriciais ...... e ..., bem como a reconhecer que a descrição predial n.º ... tem como limite, a norte, a Rua ..., absolvendo-se a Reconvinda do demais peticionado».
Esta decisão de improcedência da ação surge ancorada no «não conhecimento dos pedidos formulados pela autora em face da improcedência da nulidade do negócio», e é de procedência parcial do pedido reconvencional.
Aqui, apenas dá parte da razão aos RR, na medida em que apenas reconheceu o limite norte da sua propriedade.
Não reconheceu, julgando improcedente a definição do limite sul da mesma propriedade, pelo que o que constitui o objeto da autoridade de caso julgado suscetível de ser importado para a presente ação é a definição do objeto do direito real apreciado na sentença, não sendo importável mais nada.
Com efeito, na ação 8506/19.1T8VNG julgou-se improcedente o pedido de nulidade da compra e venda, tendo ficado decidido que a mesma foi efetuada de acordo com o que consta dos títulos. Considerou-se prejudicadas as demais pretensões formuladas pela Autora.
Sabemos que o objeto do direito real pode estar em desconformidade com o que consta do titulo respetivo, donde que a ação que apenas se refere aos títulos do direito real de propriedade não obsta a que em ação posterior se venha discutir qual o seu concreto objeto.
2.1.6
Ora, na presente ação - embora a nosso ver de forma algo complexa, uma vez que se mistura a ocupação/reivindicação com a demarcação - a autora não vem discutir o direito de propriedade dos RR, nem estes discutem o direito de propriedade da autora.
O que aqui se discute tanto pelo lado da autora como pelo lado dos RR é o objeto desse direito real na sua extensão e mais concretamente o limite norte do prédio da autora na confrontação com o limite sul da propriedade dos RR. E são estes limites que constituem o objeto desta ação e reconvenção.
Esta questão não foi decidida na ação anterior.
A discussão sobre a pertença da parcela ocupada é uma consequência da discussão sobre os limites das propriedades identificadas nos títulos apresentados nos autos.
A discordância aqui reside na discordância dos títulos com o concreto objeto do direito real referida exatamente aos limites das propriedades, o que resulta bem claro, designadamente, da articulação constante dos pontos 30 (& ultimo) 80, 81, 104º e 108 º da petição.
Na verdade, a autora depois de desenvolver a factualidade relativa à demonstração do seu direito de propriedade sobre os prédios que identifica e (que declara parcialmente ocupados pela Ré) afirma no artigo 104 expressamente que: (…) “a questão a analisar nos presentes autos saber se os prédios do Réu confrontam a sul com a Rua .... (…) que os RR alteraram as confrontações do prédio que adquiriram dizendo que o mesmo confronta a sul com o prédio da autora (artigo 30º da petição inicial).
Por sua vez, os RR sustentam que os títulos estão em conformidade com o objeto a que respeitam e requerem que lhes seja reconhecido “que a área total da descrição predial nº ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ...”;
O dissenso primário de ambas as partes situa-se pois, e fora de duvida, nestes limites das respetivos prédios.
Isto mesmo de resto foi entendido na sentença recorrida que afirma que a causa de pedir em ambas as ações respeita aos factos alegados quanto «à configuração, áreas e confrontações de prédios de Autora e Réus (os mesmos prédios em ambas as ações), nomeadamente com a Rua ... e a configuração e traçado desta mesma rua».
Ora o diferendo quanto às confrontações dos prédios de A e RR, só se resolve pela demarcação. 2.1.7
Com efeito, se a Autora e os RR discutem os limites dos respetivos prédios (sul da autora e norte dos RR) a decisão sobre esta questão precede qualquer reivindicação, constituindo, isso sim, uma ação de demarcação.
E se na ação anterior estes limites não ficaram fixados como resulta do teor da decisão ali proferida que apenas julgou parcialmente procedente a reconvenção dos RR, não tendo fixado o limite sul dos mesmos e nada definiu quanto ao direito de propriedade da autora, não se pode falar em autoridade de caso julgado, nesta parte, ainda não decidida.
Senão vejamos.
Sabemos que a diferença entre a reivindicação e a demarcação nem sempre é fácil.
Porém, uma coisa é o direito real, outra é coisa é o seu objeto. Este pode ser maior ou menor, e não ser coincidente com o que vem descrito nos títulos mas, aquele mantém-se sempre o mesmo.
E na ação anterior definiu-se o direito real dos RR em face dos títulos. Não se decidiu o concreto objeto deste direito real, salvo quanto ao limite norte deste prédio.
Na sentença proferida, declarou-se prejudicado o conhecimento da pretensão da autora em face da negação da nulidade do negócio não tendo também sido aqui decidida a questão relativa ao limite sul dos seus prédios.
(A discussão sobre a propriedade da faixa de terreno resulta precisamente da discussão das partes quanto aos limites das respetivas propriedades).
2.1.8
O litigio desta causa é um litigio de demarcação de terrenos confinantes que não foi previamente decidido.
Efetivamente,
Na ação de demarcação a causa de pedir é a confinancia dos prédios e a indefinição da linha divisória. Esta indefinição tanto pode resultar do desconhecimento dos limites dos prédios como do desacordo dos proprietários confinantes acerca de tais limites.
As partes nesta ação devem indicar os elementos que constam dos títulos e quaisquer outros elementos probatórios a fim de ser delimitada a propriedade.
Os requisitos da demarcação são: (i) existência de prédios confinantes (ii)pertença a donos diferentes (iii) existência de duvidas quanto a estremas divisórias,
A demarcação dos prédios desdobra-se em três questões: a da titularidade dos prédios confinantes, da respetiva contiguidade e da delimitação ou fixação dos seus limites.
2.1.9
Como acentua António Carvalho Martins in Demarcação 2ª edição Coimbra Edª pp 40: “ se as partes discutem o titulo de aquisição como por exemplo se o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de ou sobre parte dela, porque a adquiriu por usucapião (..:) a ação é de reivindicação. Está em causa o próprio titulo de aquisição. Se pelo contrário não se discute o titulo mas a relevância em relação ao prédio com por exemplo se o autor afirma que o titulo se refere a varas e não metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição mesmo em relação à usucapião, se não se discute o titulo de aquisição do prédio de que faixa faz parte mas a extensão do prédio possuído, a ação é já de demarcação”. (sublinhado nosso)
E prossegue:
«Esta é, pois, uma ação como dizem alguns autores uma ação de acertamento ou de declaração de extensão de propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. É por isso que, segundo a tradição justinianeia, esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa, (cfra artigo 1354º nº 2 e 3 do CC)
As ações de demarcação não se destinam a resolver questões de propriedade. A propriedade dos prédios confinantes é que tem de ser provada como pressuposto da demarcação e quer por parte dos AA quer por parte dos RR em relação aos respetivos prédios».
2.1.10
A distinção entre a reivindicação e a demarcação e bem assim a natureza especifica desta ação foram estabelecidas de forma clara no acórdão do STJ de 10-05-2012 (FERNANDO BENTO) 725/04.1TBSSB.L1.S1, in dgsi, que por isso, aqui, seguimos de perto.
Neste referido aresto, se, esclarece no sumário: “I-Os proprietários de prédios confinantes e contíguos estão reciprocamente obrigados a concorrer para a demarcação dos respetivos prédios – o que bem se compreende pois a determinação dos limites de um prédio tem implicações sobre os dos prédios vizinhos que com ele confinam – quer a linha divisória seja pacífica e indiscutida ou controvertida. III - Assim, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a diferentes proprietários e inexista linha divisória entre eles (seja porque ela, embora indiscutida, não está marcada, seja porque é objeto de controvérsia ou até porque desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a atuação do direito de demarcação».
Pode ainda ler-se no mesmo aresto: «Prescreve o art. 1353º do CC que o proprietário pode obrigar os donos de prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.
Significa isto que os proprietários de prédios confinantes e contíguos estão reciprocamente obrigados a concorrer – isto é, a colaborarem - para a demarcação dos respetivos prédios, entendendo-se por esta a delimitação da extensão horizontal da área sobre a qual exercem o domínio. (…)
A linha divisória entre os prédios confinantes pode ser, entre os respectivos proprietários, pacífica e indiscutida ou controvertida.
Num caso e no outro, assiste a qualquer deles o direito de exigir do outro que concorra, isto é, colabore na demarcação das estremas dos prédios, ou seja, na primeira hipótese (inexistência de litígio), “marcar” no terreno essa linha, essa fronteira entre os prédios, com a aposição de sinais ou marcos que revelem e mostrem os limites dos prédios – o que pode ser feito judicialmente ou extrajudicialmente.
Mas na segunda hipótese (controvérsia sobre a linha divisória), por via de regra, o litígio sobre a localização dos limites carece de ser previamente resolvido; quer dizer: antes da “marcação” dos sinais no terreno (v.g., aposição de marcos) há que decidir os locais da respectiva colocação para, através da respectiva ligação (ideal ou material) definirem os confins dos respectivos prédios confinantes.
A linha divisória entre estes pode mesmo ser desconhecida: os prédios são confinantes e contíguos, pertencem a proprietários diferentes mas ambos (ou só um deles) desconhecem a localização desses limites; o exercício do direito de demarcação soluciona este problema.
O concurso recíproco dos proprietários confinantes visa fazer que cada um exiba os títulos ou as provas que legitimam a extensão do respetivo domínio. É por isso que o direito de demarcação é tido como um direito de natureza pessoal – e, consequentemente, a ação de demarcação é uma ação pessoal - pois que trata, tão-só, de obrigar o proprietário confinante a participar na investigação e marcação dos limites do seu prédio; logo, a uma prestação de natureza pessoal e não real porque não está em causa a propriedade nem o seu desmembramento.
O direito de demarcação – a cujo exercício, até à Reforma Processual de 1995/96, correspondia um processo especial cuja regulamentação processual foi revogada (acção de arbitramento) – é atualmente exercido judicialmente através de uma ação de processo comum.
(…) Desde que, se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada, no terreno, seja porque ela (isto é a sua localização) é objeto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação.
O modo de realizar a demarcação está regulamentado no art. 1354º CC, em termos de subsidiariedade sucessiva:
1 - em primeira linha, pelos títulos de cada um (se determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário);
2 - na falta ou insuficiência de títulos, pela posse ou pelo que resultar de outros meios de prova;
3 – se a demarcação não puder realizar-se pelos modos indicados em 1 e 2, far-se-à então, distribuindo o terreno em litígio, por partes iguais (art. 1354º nº1 e 2 - desinteressando para o nosso caso a previsão do nº3, CC).
Com efeito, nos termos em que se encontra regulada a demarcação no art. 1354º CC, e uma vez verificados os pressupostos do exercício do respetivo direito, não há lugar à improcedência da ação, no sentido de desatender a pretensão de definir os limites dos prédios. (sublinhado nosso)
É que a verificação destes pressupostos determina necessariamente uma área cujos limites divisórios são, no mínimo, desconhecidos dos proprietários confinantes.
Ora, se a questão da divisão dessa área (que, in extremis, pode coincidir com a totalidade das áreas dos prédios) não puder ser resolvida pelos títulos de cada um, será resolvida pela posse destes ou por outros meios de prova e se, mesmo assim, continuar não poder ser resolvida, a área em litígio divide-se, por cada um em partes iguais.
Logo, o autor só tem que alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação, a saber: a confinância de prédios, a titularidade do respetivo direito de propriedade na pessoa dele e do demandado e a inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a (localização da) respetiva linha divisória.
É certo que, normalmente, em caso de litígio e discussão sobre esta, dificilmente deixará de alegar os factos pertinentes que, segundo a sua versão, fixam os limites em determinada linha (ideal ou material).
Por outras palavras, analisando-se o direito à demarcação na faculdade de “marcar” os limites da extensão do prédio, os factos de que resulta a fixação deles em determinados pontos do terreno que funcionarão, assim, como limites ou fronteiras ao exercício da sua soberania dominial.
2.2
Face às posições assumidas pelas partes nos articulados, o litigio circunscreve-se à localização da linha de separação entre os prédios do qual resulta que a porção de terreno compreendida entre essas linhas de separação defendidas por cada uma das partes é litigiosa quanto à titularidade da respetiva propriedade. (sublinhado nosso).
Colocada a questão decidenda por esta forma termos de concluir que se a ação 8506/19.1T8VNG, negou à autora a pretendida nulidade do negócio com fundamento nas falsas declarações e subsequentemente declarou prejudicada a pretensão formulada por esta, naquela ação, quanto aos demais pedidos formulados, em face de ter reconhecido a legitimidade dos vendedores para procederem à venda aos RR dos terrenos constantes dos documentos juntos com as definições também insertas nos mesmos, ou seja, se naquela ação reconheceu-se e definiu-se por modo definitivo que a compra e venda dos prédios discutidos nos autos, efetuada nos exatos termos em que o foi é juridicamente um ato válido e legítimo; não definiu, no entanto, o objeto destes direitos reais respetivos no sentido da sua discutida limitação na zona de confinância entre eles.
Sendo por conseguinte o pressuposto indiscutível na presente ação e que resulta da autoridade de caso julgado formado pela sentença proferida na ação anterior exatamente e apenas o direito real das partes sobre os prédios dos autos.
Esse direito já não é discutível.
A autoridade de caso julgado impõe-se nestes autos pela seguinte forma:
Nesta ação já não se pode discutir o limite norte da propriedade dos RR. Ficou fixado em definitivo na ação anterior. Já não se pode discutir o direito de propriedade dos RR. Também ficou fixado na ação anterior. Está assente o direito de propriedade da Autora.
Com este pressuposto indiscutível deve a presente ação avançar no sentido de definir demarcando com efeitos de caso julgado a propriedade de ambas as partes, quanto ao mais. O pressuposto de autoridade de caso julgado que vem da sentença anterior, não se estende ao objeto concreto do direito real, nomeadamente, quanto aos respetivos limites (norte e sul) que não foram ali definidos e aqui se discutem.
O que se vai agora definir é o objeto do direito na sua extensão/limite norte pela banda da Autora e sul pela banda dos RR, ou seja a correspondência ou não e em que medida do objeto do direito real com o direito real descrito no titulo, na parte sobre a qual há dissenso.
A autora alega os factos indispensáveis para o conhecimento desta pretensão, os quais como referido supra são (i) a confinância de prédios, (ii) a titularidade do respetivo direito de propriedade na pessoa dela e dos RR (iii) e a controvérsia sobre a localização da respetiva linha divisória.
2.2.1
É certo que quanto ao pedido nem a Autora nem os RR concretizam em rigorosos termos formais o pedido de demarcação, mas esta pretensão resulta evidente não só do pedido subsidiário que a mesma formula em que expressamente requer “Ser Reconhecida e declarada a propriedade da Autora sobre os prédios melhor descritos no capítulo II da presente petição inicial, segundo os limites por esta apresentados, nomeadamente com a área e as confrontações que resultam das respetivas Certidões Permanentes, pelo instituto da usucapião.”. como da conjugação deste com o pedido reconvencional dos RR que é de “reconhecer que a área total da descrição predial nº ..., entretanto desanexada para a descrição ..., corresponde ao total de 1184,4 m2, e tem como limite a sul a Rua ... e, a norte, a Rua ....
Assim, controvertida a localização da linha de demarcação, não pode deixar de ser delimitada uma área de terreno que pertence a um prédio ou a outro, consoante a localização que vier a prevalecer, de acordo com os critérios definidos pelo art. 1354.º, n.º 1, do CC, ou a ambos em partes iguais conforme prescrito pelo n.º 2 do mesmo normativo. (cfr citado aresto).
2.2.2
Isto posto, fora destes limites de autoridade caso julgado estão os factos declarados provados na ação anterior que não sejam pressuposto da decisão anterior.
O disposto no artigo 421º do Código de Processo Civil prescreve: “São realidades distintas o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser objeto de apreciação noutro processo) e os factos que no primeiro foram tidos como assentes. O caso julgado não se estende aos fundamentos. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da decisão de que são pressuposto. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 05-05-2005, in DGSI «Transpor os factos provados numa ação para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui». (apud acórdão de 2.12.2021 (desta Relatora) pr 2055/20.2T8PNF.P1 in dgsi.
Menos ainda se estende à fundamentação da sentença. Ver a este respeito, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 12/07/11, 23/11/11 e de 22/9/16, todos in dgsi.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO. REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA. DETERMINA-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA CONHECIMENTO DO MÉRITO.
Custas pelos Recorridos.

Porto 22.02.2024
Isoleta de Almeida Costa
António Carneiro da Silva
Carlos Portela