Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
68/23.1PFMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: PROCESSO PENAL
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
APLICABILIDADE
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP2024022168/23.1PFMTS.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A finalidade da taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531º do Código de Processo Civil é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados.
II – Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido ou, sendo jurídico-processualmente estéreis, não poderem produzir qualquer efeito processual útil.
III – São pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excepcional a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória, a actuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula ou apresenta e o seu efeito dilatório.
IV – A utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva integram uma previsão legal, pois constituem a prática de actos meramente dilatórios completamente infundados.
V – Para concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais e só neste último caso se justificando o sancionamento nos termos daquela supra citado normativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Abreviado nº 68/23.1PFMTS.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

Após realização da audiência de julgamento no Processo Abreviado nº 68/23.1PFMTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos (J1) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi em 11.09.2023 proferida sentença oralmente, na qual se decidiu (transcrição):

“Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, o Tribunal decide:
1) Condenar o arguido AA pela prática em 26-05-2023 em autoria material, na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, alínea ap), 3º, nº 1, alínea f), 4º, nº 1 e 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redação introduzida pela Lei nº 50/2019, de 24 de Julho), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 12,00 (doze euros) o que perfaz a quantia € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros).
2) Custas e demais encargos pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC e ½, já reduzida a metade atenta a confissão.”

Inconformado com a sentença proferida, o arguido AA interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões: (transcrição)

“1. A sentença recorrida apenas dá como provado que o arguido aufere a quantia mensal de 2000€.
2. Porém, mas pesquisas feitas às bases de dados fácil seria o tribunal de concluir que o mesmo não poderia dispor de tal rendimento.
3. Fácil seria de comprovar através da análise do Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023, data anterior ao julgamento e que demonstra de forma clara e inequívoca que o arguido se encontra desempregado.
4. Além disso, nos presentes autos não foi feito relatório social para aferir dessa factualidade.
5. Logo, apenas e tão só com aquela declaração quando nos autos haviam indícios que tal declaração não corresponderia à verdade não deveria o tribunal a quo ter dado como provado o rendimento mensal do arguido/recorrente em 2000€.
6. Atento isso, forçoso é concluir que, o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social.
7. Impugna-se assim a decisão sobre a matéria de facto provada neste segmento da Sentença proferida na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de 2000€ (encontra-se na gravação da diligência de julgamento datada de 11/09/2023).
8. Pois em face dos elementos constantes do processo tal facto deveria ter sido julgado como não provado, ou havendo dúvidas, ter sido requerido o relatório social do aqui arguido/recorrente.
9. Não pode o arguido concordar nem conformar-se com a pena que lhe foi aplicada, pois a mesma revela-se excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das normas que determinam a escolha e medida da pena, ínsitas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
10. A arguido não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza.
11. O artigo 40.º do Código Penal determina que a pena visa a protecção de bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade e que, em caso algum, a pena aplicada pode ultrapassar a medida da culpa. As penas têm, pois, uma dupla finalidade: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas tal desiderato deve ser sempre limitado pelo princípio da estrita necessidade da reacção sancionatória à medida da culpa.
12. Como nos ensina FIGUEIREDO DIAS a este respeito (in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2.ª Reimpressão, 2009, p. 84): “(...) O art.º 18.º-2 da CRP, por seu lado, deve porventura reputar-se o preceito político criminalmente mais relevante de todo o texto constitucional: vinculando a uma estreita analogia material entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais, e subordinando toda a intervenção penal a um estrito princípio de necessidade, ele obriga, por um lado, a toda a descriminalização possível; proíbe, por outro lado, qualquer criminalização dispensável, o que vale por dizer que não impõe, em via de princípio, qualquer criminalização em função exclusiva de um certo bem jurídico; e sugere, ainda por outro lado, que só razões de prevenção geral de integração, podem justificar a aplicação de reacções criminais. Este pensamento básico sobre a essência, o fundamento e o sentido de tais reacções é, porém, completado em outras duas vertentes: na necessária intervenção do princípio da culpa, como consequência da exigência incondicional de defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos art.ºs 13.º-1 e 25.º-1 da CRP; e no reconhecimento do princípio da socialidade que resulta, com suficiente clareza, do modelo do Estado de Direito social sem o qual a CRP não pode ser compreendida. (...)”.
13. Por outro lado, no que respeita à determinação da medida da pena, o Tribunal deve atentar no que dispõe o artigo 71.º do Código Penal. Pelo que, e no caso concreto, o Tribunal a quo deveria ter atendido ao grau de ilicitude do facto e ao modo de execução deste, à intensidade do dolo, não olvidando que, como o próprio Tribunal admite, à prática deste tipo de ilícito criminal está associado o temor de sofrer represálias; a situação económica do arguido e condições pessoais como sejam a ausência de rendimentos, e a certamente idade avançada da sua mãe.
14. A pena aplicada deve ainda obedecer ao princípio basilar que se funda na necessidade, adequação, razoabilidade, e proporcionalidade. Em consonância com estes critérios, as penas aplicadas devem ser necessárias para satisfazer as exigências de prevenção, não devendo nunca ser fixada uma pena excessiva e que ultrapasse o limite do razoável e do adequado.
15. Não sendo razoável nem proporcional a pena aplicada pelo Tribunal a quo, violando o preceituado no artigo 18.º da CRP quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, deve a pena ser diminuída em conformidade com as citadas normas legais.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser alterada e substituída por outra que colha as conclusões ora elencadas, e em consequência a condenação do arguido/recorrente seja fixada perto no mínimo legal.
Decidindo deste modo, farão Vªs. Exªs., aliás como sempre, um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA”

Por despacho proferido em 16.10.2023 foi o recurso regularmente admitido, com regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta e sustenta que o recurso do arguido não merece provimento porquanto atenderam-se às declarações do arguido quanto às suas condições sócias económicas e, a pena aplicada respeita as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa do agente, nos termos dos artigos 40º e 70º, ambos do Código Penal, integrando a conduta do arguido o tipo legal de crime pelo qual foi condenado.
A sentença recorrida deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.

Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação, e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual manifesta concordância com a posição assumida pela Procuradora da República em 1ª instância, sendo manifesta a improcedência do recurso, acentuando que:
- os factos pessoais dados como provados foram fornecidos pelo próprio arguido;
- nenhum dos pressupostos do artigo 72.º do Código Penal, para a atenuação especial da pena se verificam em concreto;
- a taxa diária aplicada é completamente ajustada, considerando a margem de valores fixada na lei (entre 5 /500 euros);
- considerando a moldura abstrata da pena do crime cometido pelo arguido e a opção pela pena de multa- prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias- é plenamente ajustada a medida concreta da pena encontrada.

Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante designado por CPP), nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt. “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões a apreciar no presente recurso prendem-se com:

- Impugnação da matéria de facto provada na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de €2.000,00”.
- A excessividade da medida da pena e que, por isso, deve ser reduzida – até pela questão do facto que se requer que se dê como não provado, estando reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do CP.
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Com relevo para a resolução da questão objeto do presente recurso importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida e a respetiva fundamentação que se transcreve:

Os factos dados como provados:
1.º No passado dia 26 de Maio de 2023, pela 04H00m, no âmbito da realização de uma fiscalização rodoviária a um motociclo eléctrico, então conduzido pelo arguido AA na Rua ..., neste concelho de Matosinhos, veio a ser apreendido, na posse deste último, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava,
a) um «boxer»/soqueira, com 11,3cm de comprimento, 7,9cm de altura e 1,57cm de espessura, com quatro orifícios circulares com 2,41cm de diâmetro – próprios para a introdução de dedos de uma mão com excepção do polegar - composto exclusivamente, por uma liga metálica;
2.º O arguido AA, contudo, não possuía a necessária e impreterível licença/autorização para a detenção de tal «boxer»/soqueira;
3.º O arguido AA bem sabia, porém, que o aludido «boxer»/soqueira, era pelas suas evidentes características, as quais conhecia, uma arma e instrumento de agressão e, por conseguinte, uma arma proibida, cuja detenção se lhe encontrava vedada e que, como tal, não o podia deter na sua posse sem que para tal tivesse a imprescindível licença de detenção e autorização, a qual, por conseguinte, se lhe encontrava, legalmente, vedada;
4.º Agiu ainda o arguido AA, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era contrária ao direito e criminalmente punível;
Mais se provou que o arguido foi condenado:
- no PCC nº 111/15.8PHMTS por decisão proferida em 29/04/2016 transitada em julgado em 30/05/2016 pela prática em 05/06/2015 de um crime de roubo na forma tentada na pena de três meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.
- no PCS nº 485/16.3PFPRT por decisão proferida em 08/06/2017 transitada em julgado em 13/11/2017 pela prática em 29/08/2016 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 7,00.
- no PCS nº 717/17.0PBMTS por decisão proferida em 14/01/2019 transitada em julgado em 13/02/2019 pela prática em 05/06/2017 de um crime de dano simples na pena de 4 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
Quanto às condições pessoais do arguido:
O arguido trabalha como tatuador desde há cerca de 2 anos.
Reside em casa arrendada que partilha com um colega, cabendo-lhe a renda de €250,00 por mês.
Aufere em média o rendimento de 2 mil euros.
Tem o 9º ano de escolaridade.
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O tribunal atendeu às declarações do arguido que confessou os factos integralmente e sem reservas, ao CRC do arguido e em relação às condições pessoais atendeu às suas declarações.

Progredindo para a apreciação do mérito do recurso:

- Impugnação da matéria de facto provada na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de €2.000,00

O recorrente impugna o assinalado facto, entendendo que o mesmo deve ser dado como não provado, apesar de ter prestado declarações em juízo e resultou por este dito que auferia o rendimento mensal de €2000. Porém, alega que das pesquisas feitas às bases de dados fácil seria o tribunal de concluir que o mesmo não poderia dispor de tal rendimento, até porque, o que faz são uns “biscates”.
E acrescenta que fácil seria de comprovar através da análise do Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023, data anterior ao julgamento e que demonstra de forma clara e inequívoca que o arguido se encontra desempregado.
Além disso, nos presentes autos não foi feito relatório social para aferir dessa factualidade.
Logo, apenas e tão só com aquela declaração quando nos autos haviam indícios que tal declaração não corresponderia à verdade não deveria o tribunal a quo ter dado como provado o rendimento mensal do arguido/recorrente em 2000€.
Atento isso, forçoso é concluir que, o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social.
Vejamos.
O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.
A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo, ou se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto: no recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida.
Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no art. 412º, 3 e 4, do CPP, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
- os pontos sob censura na decisão recorrida; e
- as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no art. 364º, 2, do CPP e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Por conseguinte, impõe-se apurar se o meio probatório sindicado sustenta a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova.
Feito o necessário enquadramento cumpre agora examinar a questão suscitada.
O facto que o recorrente pretende que seja considerado não provado foi objeto de prova, concretamente as declarações por aquele prestadas quando questionado acerca das suas condições sócio económicas. (declarações prestadas em sede de ADJ de 11.09.2023, minuto 03:42 ao minuto 06:28).
Por conseguinte, no que concerne às condições pessoais e à situação económica e financeira actuais do arguido, o Tribunal estribou-se nas suas próprias declarações, que foram valoradas como credíveis e sinceras, como aliás sucedeu em relação aos demais factos atinentes ao crime praticado, que o arguido confessou integralmente e sem reservas.
Pelo que e desde já se adianta que nada há que anule, nem apague o que ficou dito e sobejamente gravado no julgamento. O que afirmou em audiência deve ser valorado na sua totalidade.
Assim, o arguido prestou declarações sobre o objecto do processo, no início do seu julgamento e fê-lo de forma legítima e legalmente válida. Prestou declarações também quando questionado acerca das suas condições sócio económicas, e será o próprio, mais do que ninguém a conhecer a sua situação económico-financeira, quer na vertente dos rendimentos, quer das despesas.
Obviamente que o arguido respondeu com prontidão acerca dos aludidos aspectos, sem cuidar de avaliar se tais declarações, que o tribunal considerou suficientemente credíveis, eram compatíveis com a situação declarada ao fisco, o que aliás não causa qualquer estranheza, pois estamos bem cientes do peso da economia paralela. Mais se diga que o documento a que alude em recurso - Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023 – não prova que o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social como pretende agora fazer crer, mas apenas que a última remuneração declarada á Segurança Social data de julho de 2022.
Sendo que uma realidade é o rendimento coletável e outra é o rendimento real, tendo o facto provado apurado este último.
Não há incerteza que declarou que sempre trabalhou, actualmente por conta própria, tatuador,
há cerca de dois anos. Recebe em média 2 mil euros, por mês, já com as contas pagas, é o que leva para casa, tem como despesa fixa o valor de €250,00, a título de renda, dividindo residência com outra pessoa.
Nessa medida, foi sob o impulso do arguido que se apuraram os anteditos factos, e que por existirem dúvidas, se deu como assente o sobredito rendimento. Foi por isso tal factualidade vertida no elenco dos factos provados.
Mais se diga que à luz do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração, podendo em relação às declarações do arguido dar-lhes ou não crédito.
In casu, não se vislumbraram razões para o tribunal recorrido suspeitar da veracidade ou do carácter livre das declarações confessórias e das concernentes às suas condições sócio económicas, e nessa decorrência valorizou-as, as quais tiveram um caracter decisivo na formação da sua convicção.
E porque o arguido decidiu colaborar nesse particular, não se afigurou ao tribunal recorrido necessário fazer averiguações suplementares sobre as suas condições socioeconómicas e familiares, mormente por recurso a relatório social – ou uma sumária informação social – previsto no art. 370º do CPP.
Daí que, tendo o arguido mantido um normal diálogo com a Mmª Juiz a quo, não só quando prestou declarações sobre o objeto do processo, mas também, quando questionado, sobre as suas condições sociais e económicas, tais declarações, foram nessa parte valoradas, como tinham que ser, fundamentaram os factos provados quanto às referidas condições.
Por seu turno, não há, nem houve durante o julgamento, quaisquer razões para considerar que o arguido não percebeu o que lhe fora dito e perguntado, ou que tenha respondido incorretamente às questões que lhe foram colocadas.
Por conseguinte, conclui-se pelo demérito dos argumentos aduzidos pelo recorrente.
Tanto basta para a improcedência da impugnação efetuada.

- A excessividade da medida da pena e que, por isso, deve ser reduzida – até pela questão do facto que se requer que se dê como não provado, estando reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do CP.

Avançando para as demais questões propostas no recurso, entende o recorrente estavam reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do Código Penal, até pela sua confissão integral e sem reserva dos factos com relevância criminal.
E ainda que assim não se considerasse, acrescenta, o recorrente tem ainda a considerar que a determinação da pena pelo Tribunal extrapola os motivos de prevenção especial da pena, que não respeita, em simultâneo, a medida da culpa do ora recorrente.
Mais refere que não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza e não sendo razoável nem proporcional a pena aplicada pelo Tribunal a quo, violando o preceituado no artigo 18.º da CRP quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, deve a pena ser diminuída para próximo do mínimo legal, remata o recorrente.
O recorrente preconiza dever beneficiar da atenuação especial da medida da pena, por referência ao art. 72º, alegando essencialmente que confessou integralmente e sem reservas a prática do crime pelo qual vinha acusado e foi julgado.
Ora, dispõe o nº 1 do antedito normativo que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, exemplificando-se, no seu n.º 2, circunstâncias que são susceptíveis de relevar para esse efeito.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 305, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
Trata-se, assim, da consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” – o que aliás o recorrente aceita - perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.
Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena.
Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla. – vide Ac. do STJ de 10.06.2021 proferido no Proc. nº 401/20.8PAVNF.S1 acessível in www.dgsi.pt.
Em suma, a atenuação especial da pena está reservada para os casos extraordinários ou excecionais. Para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.
O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.
Transpondo estes ensinamentos para a situação em análise, é manifesto que é de rejeitar que o recorrente usufrua dessa atenuação especial, uma vez que não se mostra preenchida condição alguma que se apresente como tendente a diminuição, e acentuada como seria necessário, da ilicitude e/ou culpa, prevista no nº 2 do art. 72º ou outra qualquer.
Aceitando-se, e assim tendo tribunal a quo considerado, que o grau de intensidade do ilícito não foi elevado, não é ainda assim bastante para perspectivar a adequação da excepcionalidade de que a atenuação especial se reveste.
O mesmo se diga dos factores apontados pelo recorrente – em realidade aponta apenas para a confissão integral e sem reservas – que igualmente não servem esse desiderato.
Não pode haver, pois, lugar a atenuação especial da pena.
Improcede este concreto segmento do recurso.
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Já no que respeita à redução da medida concreta da pena:
Fazendo-se apenas valer do argumento de que não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza, defende que a pena se revela excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das normas que determinam a escolha e medida da pena, ínsitas nos arts. 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
Alude ainda (apenas nas conclusões do recurso) que à prática deste tipo de ilícito criminal está associado o temor de sofrer represálias; a situação económica do arguido e condições pessoais como sejam a ausência de rendimentos, e a certamente idade avançada da sua mãe.
Como é bom de ver, nem o arguido é pessoa desempregada, e inexiste nos autos qualquer facto relacionado com a sua mãe.
Mas vejamos.
Como emerge do art. 40º, n.º 1, do CP, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP).
A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).
E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.
A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.
As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244, a propósito do critério da prevenção geral positiva, “A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”.
E, relativamente ao critério da prevenção especial, acrescenta o citado Autor, “Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).
A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena”.
A medida da pena corresponderá, então, a um quantum que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Assim, no caso vertente, será a finalidade de tutela e protecção do bem jurídico em causa - segurança e tranquilidade públicas - que há-de constituir o motivo fundamento da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma, que a prevenção geral impõe, sendo de destacar, em concreto, as relevantes exigências de prevenção geral, atenta a frequência de delitos da natureza daquele que o recorrente cometeu, potenciando sentimentos de insegurança na sociedade.
Com efeito, o bem jurídico tutelado é a ordem, segurança e tranquilidade pública, ou seja, a segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, para o qual o legislador estabeleceu várias molduras penais, em função da perigosidade dos materiais e objectos.
Isto dito, importa ainda referir que, no que à aplicação da pena de multa tange, acolhendo o ensinamento de Figueiredo Dias in ob. citada, p. 119, indispensável é que “a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada… com a clara consciência tanto para o legislador, como para o juiz, de que o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições socioeconómicas…”.
Regressando ao caso vertente, dir-se-á primeiramente que se revela acertada a opção pela pena de multa ante o estipulado no art. 70º do Código Penal e face à moldura aplicável entre 10 e 480 dias de pena de multa – art. 47º, nº1 do CP, podemos desde já adiantar que, face ao condicionalismo que a factualidade apurada permite efetuar no seio do citado art. 71º, a pena aplicada pelo tribunal recorrido - 120 (cento e vinte) dias de multa - se mostra perfeitamente doseada e adequada no caso concreto, bem como salvaguarda as necessidades de prevenção geral e especial que urge acautelar.
Com efeito, atentos os já enunciados princípios que norteiam a determinação da medida das penas, quer por referência ao limite da culpa, quer por referência às necessidades de prevenção (geral de prevenção e especial de socialização), relembra-se que o tribunal recorrido valorou o grau de ilicitude dos factos – mediano – e a intensidade do dolo na sua forma mais elevada de dolo directo, e todo o demais circunstancialismo apurado, sendo certo que as exigências de prevenção especial não são assaz reduzidas, pois, não obstante denotar estar inserido social e profissionalmente, possui os antecedentes criminais vertidos na sentença, ainda que não por crime da mesma natureza.
O tribunal atentou por isso nos factores reputados como favoráveis ao recorrente (as convocadas circunstâncias atenuantes), isto é, à sua confissão, às suas condições pessoais e na ausência de antecedentes criminais deste tipo legal de crime.
Na verdade, a medida da prisão em 120 dias situou-se bem distante do ponto médio da moldura abstrata e não consente, de modo algum, a sua redução.
Do que resulta evidente que o tribunal recorrido valorou todos e cada um dos aspetos que aqui se impunha apreciar, não se vislumbrando qualquer exagero na encetada valoração.
Falece, assim, a aduzida argumentação recursiva.
De todo o modo, considerando a moldura abstrata da pena de multa em causa, obviamente, respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, sem esquecer o caráter de penosidade que as condenações haverão de conter, sob pena de se tornar inerte e, por isso, socialmente incompreendida a própria sanção aplicada, e ainda que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção.
No elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010, aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt., sustentou-se que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”, sendo este o entendimento que sufragamos.
Ora porque não ocorreu tal desrespeito, não se vislumbra que a pena de multa aplicada seja exagerada, desproporcionada e/ou injusta, pelo que deverá manter-se.
E no que tange ao montante da taxa diária de € 12,00 (doze euros) fixada pelo tribunal recorrido, também neste aspeto, não colhe a pretensão do recorrente em face das demonstradas condições pessoais e da sua situação económica.
O recorrente tem rendimentos bem acima do salário mínimo nacional, pelo que não pode beneficiar do mínimo legal previsto, que só terá cabimento para os casos de carência económica extrema e tão pouco demonstrou despesas/gastos significativos.
Deste modo, nenhum excesso ou desproporção se deteta na fixação do quantitativo diário da pena de multa – que deverá corresponder a uma quantia entre 5 e 500 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, nos termos previstos pelo art. 47º, nº 2, do CP.
Donde, e para além de a situação económico-financeira do recorrente se revelar desafogada, não ficou demonstrado que suporta despesas de monta, para além daquelas com que qualquer pessoa normalmente tem que contar na gestão da sua vida diária.
Concluímos, pois, que o tribunal a quo se decidiu pela aplicação de pena de multa adequada e proporcionada à situação vertente, mostrando-se outrossim ajustada a fixação do quantitativo diário, respeitando o disposto nos arts. 40º, 47º, 70º e 71º, todos do CP.
Em conformidade, nada cumpre alterar em relação ao decidido pela 1ª instância.
Destarte, improcede, igualmente sob este aspecto, a pretensão recursiva, e o recurso na totalidade.
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Taxa sancionatória excecional

Nos termos do art. 521º, nº 1 do CPP, “À prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional.”
Por outro lado, dispõe o art. 531º do Código de Processo Civil que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado “quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
A taxa sancionatória excecional, de acordo com o disposto no art. 10º do Regulamento das Custas Processuais, pode ser fixada entre 2 e 15 UC.
A finalidade desta taxa sancionatória excecional é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02.
Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido ou sendo jurídico-processualmente estéreis não poderem produzir a qualquer efeito processual útil, para além claro da aptidão para desencadearem o mecanismo da taxa sancionatória excecional.
São pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excecional:
- a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória;
- a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta;
- o seu efeito dilatório.
Vide Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, p. 1274-1275); o Ac. do STJ de 09-05-2019 (Conceição Gomes) e o Ac. TRC de 19-12-2018 (Maria José Nogueira), in www.dgsi.pt, afirmando este que a taxa sancionatória excecional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.
A utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva integram a previsão do art. 531º do CPC, pois constituem a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.
Para concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o Tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais. Só neste último caso se justificando o sancionamento nos termos do citado artigo 531.º, do Código Processo Civil - vide neste sentido o Ac. STJ de 29-05-2019 (Maia Costa), in dgs.pt.
No caso vertente, como ficou bem patente, o recorrente questiona/impugna no recurso factualidade que o próprio confirmou em julgamento. Pelo que vem agora num claro venire contra factum proprium fazer uso manifestamente abusivo do direito ao recurso sobre a matéria de facto, impugnando o que antes reconheceu/admitiu em julgamento como verdadeiro.
O arguido age inegavelmente com má-fé processual por inaceitável uso abusivo do recurso sobre a matéria de facto.
Insiste-se, não é aceitável a utilização dos instrumentos recursórios em situação de incompatibilidade com o respeito pelos princípios da boa-fé e da cooperação processuais e da diligência e prudência minimamente exigíveis.
Deste modo, nessa parte o recurso interposto pelo arguido mais não é do que um ato meramente dilatório, imprudente, abusivo e entorpecedor da ação da justiça.
Determina-se, pois, a condenação da recorrente em taxa sancionatória excecional, que se mostra adequado fixar, em 2 (duas) UCs – arts. 521º, nº 1, do CPP, 531º do CPC, e 10º do RCP.
O benefício do apoio judiciário não abrange a responsabilidade pelo pagamento de multas, penalidades ou taxa sancionatória excecional, que não constituem qualquer encargo ou custo do processo, mas sim penalidade por comportamento indevido no processo (violação da lei na regular tramitação do processo) – arts. 27º, nº 4 e 28º, nº 4, do RCP.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (art. 513º, nº1, do CPP).

Notifique.

Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP).

Porto, 21 de fevereiro de 2024
Cláudia Rodrigues
Jorge Langweg
José António Rodrigues da Cunha