Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9452/18.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: FUTEBOL
ADMISSÃO DE DOCUMENTOS
MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA
PROVA OBTIDA ILICITAMENTE
SIGILO DA CORRESPONDÊNCIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
ABUSIVA INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA
PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO E DA PROPORCIONALIDADE
PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DA INDEFESA
DIVULGAÇÃO DE FACTOS FALSOS
EXPRESSÃO DE JUÍZOS VALORATIVOS E DE OPINIÕES
UTILIZAÇÃO DE SEGREDOS DO NEGÓCIO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
EQUIDADE E LIQUIDAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO EM OPORTUNA LIQUIDAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
PUBLICAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP202209139452/18.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, na correspondência ou nas telecomunicações são nulas;
II - Porém, neste domínio da prova ilícita, chocam-se frequentemente interesses conflituantes, isto quando, por um lado, a conduta que dá lugar ao aparecimento de um meio de prova é ilícita, porque reprovada pela lei, e quando, por outro lado, simultaneamente, a prova assim obtida é suscetível de tornar conhecido facto relevante para que o tribunal possa formar a sua convicção;
III - Só caso a caso este conflito de interesses pode ser resolvido, mediante a apreciação de todas as circunstâncias concretas e consoante os valores em jogo, aí desempenhando papel primacial o critério da proporcionalidade;
IV - Admitida a junção aos autos de prova obtida ilicitamente, porque a mesma se mostra estruturante para a decisão da ação, ambas as partes, aí se incluindo a que obteve essa prova ilicitamente, a podem utilizar a seu favor, exibindo-as às testemunhas.
V - Solução diferente desta iria contrariar o princípio da proibição da indefesa decorrente do art. 20º da Constituição da República.
VI - A lei prevê, no art. 423º do Cód. de Proc. Civil, três momentos distintos para a apresentação de documentos: a) com o articulado respetivo - o que constitui regra geral -, sem cominação de qualquer sanção [nº 1]; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação em multa, exceto se a parte provar que não os pôde oferecer com o articulado [nº 2]; c) após este marco temporal e até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, neste caso, somente daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior [nº 3];
VII - A parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 423º do Cód. de Proc. Civil deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção em momento anterior ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior;
VIII – Se a parte apresenta tardiamente documentos, para além da justificação temporal prevista no art. 423º, nºs 2 e 3 do Cód. de Proc. Civil, deverá indicar também os factos a que tal prova se destina, por dois motivos: i) para a parte contrária poder exercer o direito ao contraditório, estatuído no artigo 427.º; e ii) para o juiz poder cumprir o determinado no artigo 443.º, n.º 1, ou seja, verificar da impertinência ou desnecessidade da junção tardia de documentos, ainda que de forma perfunctória;
IX - A proteção legal do segredo de negócios pressupõe três requisitos: i) o carácter sigiloso do conhecimento; ii) o valor comercial desse conhecimento; iii) a vontade objetiva de o titular o manter oculto;
X – Verifica-se ato ilícito quando ocorre divulgação, aquisição ou utilização de segredos de negócio de um concorrente, sem o consentimento deste, desde que preenchidos, quanto a esses segredos, os requisitos referidos em IX;
XI – Assim, para que haja violação de segredos de negócio não é necessário que haja utilização desses segredos, bastando o mero conhecimento destes segredos, sem o consentimento do concorrente;
XII – Constituem concorrência desleal os atos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam suscetíveis de criar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela;
XIII - Pressupondo um ato de concorrência desleal a reunião de três requisitos [a. um ato de concorrência; b. contrário às normas e usos honestos; c. de qualquer ramo de atividade económica] este conceito é transponível para a específica área do futebol, onde há concorrência, designadamente, na angariação de patrocínios e na contratação de atletas;
XIV – O acesso à lista de scouting, o conhecimento do plano estratégico, de contactos comerciais e de condições contratuais são, pela sua natureza, elementos dos quais flui aquela potencial perda de clientela, sem prejuízo de que um padrão de agir honesto sempre pressuporia o respeito pela propriedade privada de outrem e pelos seus direitos de personalidade;
XV – Da conjugação dos arts. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil e 566º, nº 3 do Cód. Civil decorre a natureza subsidiária da fixação dos danos com base na equidade, que não pode ser feita enquanto houver a possibilidade de esse valor ser apurado em posterior liquidação;
XVI – Numa sociedade democrática como a nossa se a liberdade de expressão é um valor constitucional cimeiro, também o é o sigilo da correspondência, sendo que este sigilo abrange igualmente a correspondência mantida através de telecomunicações, designadamente as mensagens eletrónicas de pessoa para pessoa (emails e SMSs);
XVII - Uma sociedade centrada no respeito pela reserva da vida privada não pactua com a devassa da correspondência alheia, de tal modo que o acesso lícito à correspondência e a intromissão lícita nas telecomunicações não fica na livre disponibilidade de quem quer que seja, mesmo invocando este interesse público, antes impõe um regime excecional, que pressupõe a intervenção judicial;
XVIII – A tensão entre os direitos tendencialmente absolutos da liberdade de expressão e informação e da inviolabilidade da correspondência terá que ser resolvido com apelo aos princípios da adequação e da proporcionalidade;
XIX - Sendo várias as pessoas responsáveis pelos danos a sua responsabilidade é solidária, o que significa, conforme decorre do art. 512º do Cód. Civil, que o lesado pode exigir de cada uma delas o cumprimento da obrigação de indemnizar, na sua integralidade, e que a realização da obrigação integral por qualquer uma das pessoas responsáveis a todos libera perante o lesado;
XX - Este artigo afasta assim, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, o regime da conjunção ou da parciariedade que em regra vale para as obrigações plurais salvo se a solidariedade resultar da lei ou da vontade das partes (art. 513º do Cód. Civil);
XXI – O montante da indemnização por danos resultantes da divulgação de correspondência privada, a fixar de acordo com um juízo equitativo, deve ser norteado por critérios de adequação e proporcionalidade;
XXII – Se o operador de televisão que, por força do imperativo constitucional do art. 34º, nº 1 da Constituição da República, tinha o dever de impedir a divulgação de correspondência privada – o que se prolongou por mais de 10 meses -, nada faz, deverá também ser responsabilizado pela reparação dos danos daí decorrentes;
XXIII – A responsabilização dos administradores ao abrigo do art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais pressupõe que a conduta pessoal destes tenha uma participação essencial no processo causal que provocou o dano, sem interferência – total ou parcial – da sociedade;
XXIV – Responsabilizar os administradores com fundamento numa geral “posição de garante” significaria uma extensão ilimitada da responsabilidade dos administradores perante terceiros;
XXV – A afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida, pelo que o agente que com dolo ou negligência adote esse comportamento responde pelos danos causados ao visado;
XXVI – Os juízos valorativos e as opiniões, ainda que ofensivos do bom nome, desde que tenham suporte factual, encontram-se legitimados ao abrigo do direito à liberdade de expressão e não podem fundar qualquer indemnização;
XXVII – A intimação para que não continue a violação de um direito reconhecido, ou de um interesse juridicamente tutelado pelo Cód. da Prop. Industrial deve ser decretada, e acompanhada de sanção pecuniária compulsória se o ofendido o requerer, quando se verifique que a infração cometida foi largamente repetida e só cessou quando o infrator foi notificado da providência cautelar ordenada, na qual se determinou que se abstivesse de continuar tal infração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 9452/18.1 T8PRT.P1
Comarca do ... – Juízo Central Cível do ... – Juiz 7
Apelação
Recorrentes: X... e “X1..., SAD”;
Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A.” e AA
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do ...:

RELATÓRIO
Os autores X... e “X1..., SAD”, intentam a presente ação comum contra os réus Y1..., SAD”, “Y2..., S.A.”, “A..., S.A.” e AA pedindo que estes sejam condenados a:
a) Pagarem aos autores o montante de 17.000.000,00€ (dezassete milhões de euros), a título de indemnização equitativa pelos danos de difícil quantificação causados até à presente data, acrescido dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;
b) Pagarem aos autores o montante de 784.579,56€ (setecentos e oitenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos custos e despesas diretamente incorridos para mitigar os efeitos das lesões às autoras até à presente data, bem como no pagamento das quantias que se vencerem futuramente e que as autoras tenham de incorrer com a mesma finalidade, acrescido aquele montante dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;
c) Absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio@X....pt – ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio destes;
d) Absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt – ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio destes;
e) Absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt – ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio destes; e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;
f) Retirarem e apagarem todos os suportes de comunicação dos réus que se encontrem (ou venham a ser) publicados, seja em meios digitais e/ou em papel, controlados pelos réus ou por terceiros, incluindo Youtube e outras plataformas similares, contendo alusões à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt – ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores, e todos os documentos contendo segredos de negócio destes;
g) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 338º-C, n.º 1 do CPI[1], todos os suportes em seu poder contendo correspondência (ou suposta correspondência) privada das autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados e segredos de negócio destes;
h) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos dos arts. 338º-C e 338º-H do CPI, a listagem com a identificação das entidades às quais os suportes referidos na alínea g) anterior foram – total ou parcialmente – entregues ou transmitidos;
i) Publicarem, a suas expensas, nos termos do disposto no art. 338º-O do CPI, em dois jornais diários de circulação nacional e grande tiragem, o extrato da sentença condenatória, contendo a identificação dos autores e dos réus, bem como o teor integral das decisões condenatórias, no prazo máximo de 5 dias após o respetivo trânsito em julgado, e bem assim através de nota lida no programa ... (ou, se este deixar de existir, o programa sucedâneo de cariz similar), ordenando-se concomitantemente a sanção pecuniária compulsória de 30.000,00€ (trinta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento tempestivo da obrigação de publicação declarada;
j) Pagarem as quantias adicionais que vierem a ser reclamadas, a título de indemnização pelos danos supervenientes que a atuação dos réus continuará a causar aos autores, incluindo designadamente o aproveitamento de segredos de comércio dos autores, remetendo-se a sua liquidação para momento oportuno - após o seu conhecimento ou a sua ocorrência – ou em sede de execução de sentença, tudo com juros e o mais que for de lei;
k) Pagarem, ao abrigo do art. 338º-N, n.º 4, do CPI e do art. 829.º-A, do Cód. Civil, a sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento do(s) pedido(s) condenatório(s) nas alíneas c) a h) supra, em valor que se sugere não inferior a 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), por cada infracção da decisão judicial e/ou das injunções nela determinadas que venha a ocorrer desde a data da sua notificação aos réus.
Para tal alegaram, como causa de pedir que, são concorrentes diretos nas competições desportivas nacionais e internacionais. E os dois clubes são constituídos por uma multiplicidade de sociedades comerciais.
Afirmam que o comportamento dos réus tem colocado em causa os princípios, normas de lealdade e usos honestos da concorrência. E que estes, de forma concertada, divulgam, e prometem continuar a fazê-lo, alegados factos contidos em correspondência privada trocada entre membros dos órgãos sociais e administradores dos autores.
Dizem que são distorcidas de forma intencional frases ou excertos de frases, atribuindo-lhes sentidos que deslustram a reputação e a imagem dos autores.
Concluem que os comportamentos dos réus são ilícitos à luz, nomeadamente, dos arts. 317º e 318º do Cód. da Propriedade Industrial, Identificam ainda os seus principais patrocinadores. Dizem que para o desenvolvimento da sua atividade os autores dispõem de um sistema informático e serviços de comunicações, que contêm dados sigilosos. Alegam que o acesso, aproveitamento ou divulgação por terceiros da informação privilegiada secreta da X1... SAD seria idónea para influenciar de maneira sensível o preço dos valores mobiliários ou dos instrumentos subjacentes ou derivados. E que a divulgação de correspondência e comunicações privadas resulta de uma estratégia concertada do Grupo Y..., que tem como objetivo imediato a descredibilização desportiva e social e o enfraquecimento económico dos autores.
Alegam depois um conjunto de factos com os quais pretendem demonstrar a subordinação dos réus ao grupo Y... e seus interesses.
Alegaram também um conjunto de factos que na sua versão fundamentam a inexistência de qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta dos réus ao abrigo da liberdade de expressão e de imprensa e terminam com a alegação de factos relativos aos danos já causados, ações a que deram causa necessárias para mitigar a situação e seus custos bem como os perigos de lesão grave e irreparável, tal como os danos existentes e potenciais do simples acesso e divulgação dos seus segredos.
Os réus contestaram, alegando, em suma que:
- Os e-mails revelados pelo réu AA foram obtidos pelo mesmo de um modo lícito, por fonte anónima, não tendo havido qualquer acesso ilegítimo por este ou outro réu a correspondência ou comunicações dos autores, de natureza privada e confidencial, o qual se convenceu da sua fidedignidade;
- De entre os milhares destes e-mails, este réu só divulgou uma ínfima parte deles, depois do seu conteúdo ser analisado e triado, em função do seu interesse público e mesmo em relação aos e-mails e anexos que foram selecionados houve o cuidado de não se divulgar partes do seu teor irrelevantes do ponto de vista do interesse público ou que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas;
- Dada (1) a veracidade das informações divulgadas; (2) o interesse público inerente ao conteúdo das respetivas correspondência e comunicações; (3) o estatuto de figura pública dos visados (autores) pelas imputações do facto; (4) a sua qualidade de pessoa coletiva; (5) a circunstância de a divulgação ter ocorrido através de um órgão de comunicação social, e de aos mesmos factos ter sido dada cobertura por outros meios de comunicação social; e ainda (6) o cuidado que foi observado na seleção da informação (em função do interesse público e com proteção da vida privada dos próprios e de terceiros), não existe ilicitude dos atos que os autores imputam aos réus;
- Por outro lado, a ter existido ato de concorrência desleal, só poderia o mesmo, traduzir-se num ato de «intromissão na concorrência». No entanto, um tal ato não foi praticado, já que a intenção da ré “A...” e do réu AA foi exclusivamente a de informar o público em geral, e os participantes ativos no mercado da indústria do futebol, em especial, sobre acontecimentos relevantes para a formação de opinião, atuando no exercício do seu direito de informar;
-Ainda que se entendesse que estamos perante um ato de concorrência, o mesmo não seria desleal ou ilícito, na medida em que não foram divulgados factos falsos;
- Mesmo que o réu AA e o B... não tivessem procedido à revelação dos e-mails, os mesmos viriam a público (que mais não seja, em virtude da pendência de processos crime e dos respetivos desenvolvimentos), como se comprova pelo facto de, mesmo após aqueles réus terem parado com a divulgação dos e-mails, continuarem a existir manchetes de jornal dedicadas, por motivos relacionados com o caso dos “e-mails do X...”, a pessoas ligadas aos autores.
Terminam pedindo a sua absolvição do pedido.
Nos arts. 686º e segs. da contestação o réu Y1..., SAD deduziu pedido reconvencional contra a autora X1... SAD pedindo a condenação desta no pagamento da quantia que se vier a liquidar.
Para tal alega, em suma, que os emails em causa revelam um quadro de comportamento da autora violador das regras de probidade, lealdade e verdade desportiva, o qual lhe provocou a perda da chance de ganhar as competições desportivas e, por via disso, viu diminuídas as suas receitas resultantes do patrocínio e sponsorização.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após instrução procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, no decurso da qual os autores vieram apresentar articulado superveniente e liquidar a quantia ilíquida por incidente.
Foram juntos diversos pareceres jurídicos.
Mostram-se interpostos 4 recursos com subida em separado, mas cuja apreciação, por razões de economia e boa gestão processual, se determinou que se efetuasse em conjunto com os interpostos nos autos principais, posição esta que foi aceite pelas partes.
Iremos então principiar pela apreciação destes quatro recursos.
*
1º Recurso (apenso B)
Na audiência prévia, realizada em 11.1.2019, relativamente ao pedido reconvencional deduzido pela ré Y1..., SAD, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Da reconvenção
No seu artigo 686 e segs. a Ré Y1..., SAD deduz um pedido reconvencional contra a autora X1... SAD pedindo a condenação desta no pagamento da quantia que se vier a liquidar.
Para tal alega, em suma, que os emails em causa comprovam um quadro de comportamento da autora violadora das regras de probidade, lealdade e verdade desportiva a qual lhe provocou a perda da chance de ganhar as competições desportivas.
Veio a autora, B... SAD, deduzir oposição a fls. 1069 à admissão dessa reconvenção alegando, em suma que a mesma não cumpre os requisitos de admissibilidade do artigo 266º, do CPC.
Decidindo
Uma coisa é a admissão processual da reconvenção e outra inteiramente diferente a procedência final da mesma.
Ora, a reconvenção é tempestiva, foi deduzida discriminadamente e o seu valor foi indicado, sendo que visa obter o pagamento de uma quantia monetária ilíquida contra uma das autoras.
Por isso, nos termos do art. 266º, nº 2, do CPC a mesma sempre seria admissível, pois, poderá constituir o direito de compensação face ao alegado crédito da AA.
Acresce que nesta parte a Ré Y1..., SAD faz apelo ao mesmo instituto que fundamenta a pretensão da autora (concorrência desleal), e pretende obter o mesmo efeito jurídico que a autora pretende, ou seja, uma indemnização (art. 266º, nº 2, al c), do CPC).
Por tudo isso, admite-se a reconvenção formulada.”
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores X... e “X1..., SAD” tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem como objeto a decisão que, em sede de audiência prévia, admitiu a reconvenção deduzida pelos Réus/Recorridos.
B. Salvo o devido respeito, as Autoras/Recorrentes consideram que não andou bem o douto Tribunal a quo ao decidir da forma descrita, motivo pelo qual pretendem, por via do presente recurso, demonstrar a improcedência dos fundamentos em que se funda a decisão recorrida e a necessidade da sua substituição por outra que rejeite a reconvenção deduzida pelos Réus/Recorridos.
C. Sustenta o douto Tribunal a quo que a reconvenção foi apresentada tempestivamente pelos Réus/Recorridos, deduzida discriminadamente e com a indicação do seu valor, visando obter o pagamento de uma quantia monetária ilíquida.
D. Sucede que a decisão de admissão da reconvenção não se pode bastar com a sustentação da tempestividade da sua apresentação, da sua dedução autonomizada ou da indicação do seu valor, sendo imprescindível que se verifique uma das situações taxativamente elencadas no art. 266.º, n.º 2, do CPC.
E. Quanto a este requisito, o Tribunal a quo fundamentou a decisão de admitir a reconvenção na circunstância de com ela se ter em vista o pagamento de uma quantia ilíquida, motivo pelo qual considerou estarmos perante a eventualidade de o pedido reconvencional vir a constituir direito de compensação face ao crédito alegado pelas Autoras/Recorrentes.
F. Assim, sustenta a decisão recorrida que a reconvenção «sempre seria admissível, pois, poderá constituir o direito de compensação face ao alegado crédito das AA.», enquadrando, portanto, o caso sub judice na situação prevista na alínea c), do n.º 2, do art. 266.º do CPC – o que faz em contradição com o alegado pelos próprios Réus/Recorridos na sua reconvenção.
G. Desde logo, em primeiro lugar, a reconvenção não é admissível em absoluto neste caso, com base no mecanismo da compensação, uma vez que o mesmo é proibido pelo disposto no artigo 853º, n.º 1, alínea a) do Código Civil.
H. Não é legalmente admissível a compensação quando estão em causa créditos com origem em factos ilícitos dolosos - o que é o caso nos autos -, logo não pode tal causa de extinção das obrigações fundamentar a admissibilidade do pedido reconvencional.
Sem prescindir,
I. Em momento algum os Réus/Recorridos fazem apelo ao instituto da compensação ou invocam o pressuposto de admissão previsto no art. 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC, limitando-se a pugnar pela admissão da reconvenção por supostamente o pedido reconvencional emergir do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação, ou seja, com base no art. 266.º, n.º 2, alínea a) – o que se retira com clareza dos arts. 685.º a 688.º da contestação-reconvenção.
J. Tornando-se evidente, por conseguinte, que com a dedução da reconvenção, os Réus/Recorridos não têm qualquer intuito de lançar mão do instituto da compensação – sendo certo que também não pode ser o Tribunal a quo a fazê-lo –, nem tão-pouco nos encontramos perante uma situação suscetível de justificar a aplicação do art. 847.º do Código Civil.
K. Apesar disso, o Tribunal a quo fez assentar a decisão de admitir a reconvenção na assunção (errada) de que os Réus/Recorridos pretendem o reconhecimento de um crédito para obtenção da compensação.
L. Sucede que, na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.07.2018 (processo 1630/17.7T8VRL-A.G1), o réu está obrigado a invocar expressamente a compensação, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe para esse efeito.
M. Ora, atendendo a que não foi invocada qualquer compensação de créditos pelos Réus/Recorrentes, em momento algum da reconvenção, é lógico que, operando a compensação necessariamente por via de declaração de uma parte à outra e vigorando no seio do processo civil o princípio do dispositivo, não poderia o Tribunal a quo ter-se substituído àquela não invocação, reconhecendo a eventualidade de compensação e fazendo repousar em tal raciocínio a decisão de admitir a reconvenção!
N. O Tribunal a quo errou, por isso, quando decidiu admitir a reconvenção com base na possibilidade de o pedido reconvencional poder constituir direito de compensação, sem que os Réus/Recorridos tivessem feito qualquer declaração no sentido de pretender acionar tal instituto.
O. Não menos relevante é o facto de o recurso à compensação assentar no obrigatório reconhecimento de um crédito, ao qual se irá opor um contra crédito, motivo pelo qual não pode um réu negar a existência de um crédito do autor e simultaneamente reconvir, na mesma ação, invocando a compensação.
P. Assim, ao negarem a existência do direito das Autoras/Recorrentes a ser indemnizadas, em sede de contestação-defesa, estão os Réus/Recorridos a amputar à partida qualquer possibilidade de recurso ao instituto da compensação – conforme sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.09.2010 (processo 652/07.0TVPRT.P1.S1).
Q. Motivos pelos quais deve ser revogada a decisão que admitiu a reconvenção apresentada pelos Réus/Recorridos, com base no art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, e ser substituída por outra que rejeite a reconvenção, por processualmente inadmissível, poupando-se a prática de atos inúteis e obstando-se a uma injustificada perturbação da tramitação regular do processo.
R. Por outro lado, também é evidente que, contrariamente ao sustentado pelos Réus/Recorridos na sua contestação, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, motivo pelo qual não pode integrar a situação prevista no art. 266.º, n.º 2, al. a), do CPC.
S. Resulta, antes, claro o objetivo pretendido pelos Réus/Recorridos com a dedução da reconvenção: o que os Réus/Recorridos pretendem, verdadeiramente, é transformar esta ação no processo do julgamento dos e-mails do X....
T. A reconvenção deduzida mais não é do que um mecanismo de diversão com vista a provocar a perturbação ao desenvolvimento natural da ação, ao seu desfecho, suscitando a apreciação condicionante de supostas questões tão alheias quanto inúteis e desnecessárias à solução desta lide, de acordo com as várias posições processualmente relevantes e admissíveis.
U. Também não se pode considerar que o pedido reconvencional provenha de facto jurídico que sirva de fundamento à defesa.
V. Assim é porque a contestação-defesa formulada pelos Réus/Recorridos de que as Autoras/Recorrentes praticaram atos de concorrência desleal contra aqueles, mesmo que hipoteticamente fosse provada – o que apenas se enuncia a benefício de raciocínio e sem conceder –, não seria suscetível de reduzir, modificar ou extinguir a pretensão deduzida em juízo pelas Autoras/Recorrentes ou de eximir os Réus/Recorridos das responsabilidades decorrentes dos diversos ilícitos por estes praticados, aliás já confessados.
W. Com efeito, os Réus/Recorridos podiam até basear o pedido reconvencional em facto jurídico que servisse de fundamento à sua defesa – o que, em todo o caso, não fazem –, mas seria sempre imprescindível, para a admissão da reconvenção, a verificação do designado efeito defensivo útil, ou seja, a suscetibilidade de o pedido reconvencional reduzir, modificar ou extinguir os pedidos das Autoras/Recorrentes.
X. No caso concreto, afigura-se evidente que nem os mesmos “e-mails” seriam aptos a produzir qualquer efeito útil defensivo, pois a reclamada (pelos Réus/Recorridos) veracidade não é legalmente exequível, e mesmo que o fosse – o que apenas se ilustra a benefício de raciocínio e sem conceder –, jamais teria a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir os pedidos formulados pelas Autoras/Recorrentes.
Y. Motivo pelo qual também não é possível enquadrar a reconvenção sub judice na salvaguarda de admissibilidade prevista no art. 266.º, n.º 2 al. a), in fine.
Z. Por último, é ainda claro que o pedido reconvencional não corresponde ao mesmo efeito jurídico pretendido pelas Autoras/Recorrentes, nem mesmo de forma parcial, pelo que também não é subsumível no art. 266.º, n.º 2, al. d), do CPC.
AA. Em suma, a decisão recorrida viola a lei, incluindo nomeadamente as seguintes disposições: artigos 847º, 848º, n.º1, 853º, nº 1, alínea a) do Código Civil, 3º, n.º 1, 266º, n.º 2, alíneas a) a d), 609º, n.º 1 e 615º, n.º1, alínea e) do CPC,
BB. Por tudo o exposto, não deveria ter sido admitida a reconvenção deduzida pelos Réus/Recorridos, devendo tal decisão ser substituída por outra que rejeite a reconvenção, por legalmente inadmissível.
Os réus apresentaram contra-alegações nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido, sustentando, porém, a falta de legitimidade recursória passiva quanto aos réus Y..., “Y2...”, “A...”, AA, BB, CC e DD e ativa quanto ao autor X....
O Mmº Juiz “a quo” proferiu depois o seguinte despacho:
“Por ser legal e tempestivo admite-se o recurso que é de apelação (artigo 644º, nº 2, alíneas d) e h), do CPC), com efeito devolutivo e subida em separado (artigo 645º, nº 2, e 647º, nº 1 do CPC).
Todavia para o mesmo só possui legitimidade como apelada a Ré/reconvinte Y1..., SAD, pois, só esta deduziu reconvenção que agora se pretende não admitir.
Face ao exposto não se admite, parcialmente o recurso, quanto a todos os restantes RR para além do Y1..., SAD.”
O presente relator, por entender que não havia que conhecer do objeto deste recurso, ordenou o cumprimento do disposto no art. 655º do Cód. de Proc. Civil, por despacho de 21.1.2022.
Nenhuma das partes se opôs a este despacho, nesta parte.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
Resulta dos autos que na sentença proferida em 6.6.2019 o pedido reconvencional formulado pela ré/reconvinte Y1..., SAD viria a ser julgado improcedente, por não provado, e consequentemente a autora/reconvinda dele foi absolvida.
Sucede que no recurso interposto dessa sentença os réus pugnam pela absolvição dos pedidos que contra eles foram formulados pelos autores, mas não pela procedência do pedido reconvencional deduzido pela ré Y1..., SAD.
Daqui decorre que a sentença recorrida quanto ao pedido reconvencional da ré Y1..., SAD se mostra definitiva no sentido da sua improcedência, não podendo a respetiva parte decisória ser já alterada, daí decorrendo que a apreciação do presente recurso interposto pelos autores perdeu interesse.
Conforme assinala ABRANTES GERALDES (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 3ª ed., pág. 212) “em relação a alguns recursos que tenham subido imediatamente pode verificar-se a perda de interesse na sua apreciação se acaso a decisão final se mostrar favorável ao recorrente e a parte contrária não a impugnar.”
Neste caso, a decisão final de improcedência do pedido reconvencional mostrou-se favorável aos aqui recorrentes e a parte contrária, embora se tenha insurgido por via recursiva contra a sentença recorrida, não impugnou a decisão desta no tocante à reconvenção.
Assim, mesmo que ele viesse a obter provimento, nenhuma utilidade se poderia extrair do conhecimento deste recurso, porquanto a decisão, já final, que incidiu sobre o pedido reconvencional foi inteiramente favorável aos interesses dos aqui recorrentes, sendo ainda de realçar que a lei processual, no art. 130º do Cód. de Proc. Civil, estatui não ser lícito realizar no processo atos inúteis.
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar, quanto a este recurso, extinta a respetiva instância por inutilidade superveniente.
Sem custas.
*
2º Recurso (apenso C)
Na sua réplica os autores vieram alegar o seguinte:
“1. Os Réus juntaram na sua contestação com reconvenção diversa documentação reportada a emails, textos e anexos atinentes ao domínio @X....pt, a qual afirmaram ter sido recebida de modo anónimo a partir do correio eletrónico 1...@....com (juntos nomeadamente sob os n.ºs 10, 10-A, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 20-A, 20-B, 20-C, 20-D, 20-E, 20-F, 20-G, 21, 22, 23, 24, 25, 25-A, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 32-A, 33, 33-A, 34, 34-A, 34-B, 35 a 41, inclusive, 43, 44, 45, 46, 48, 48-A e B, 49, 49-A a 49-K, 50, 51-A, 52, 52-A a 52-D, 53, 53-A, 54, 54-a a 54-D, 55, 56, 57, 57-A, 58, 59, 60, 62, 63, 63-A, 65, 66, 68, 69, 69-A, 69-B, 71, 72, 73, 74, 77, 78, 79, 79-A, entre outros, da contestação com reconvenção).
2. Toda a aludida documentação respeita a correspondência (ou alegada correspondência) conexa ao domínio @X….pt propriedade das Autoras e exclusivamente usado por estas para a sua comunicação privada, nas condições detalhadamente descritas na petição inicial.
3. O acesso e a divulgação não autorizada de comunicações eletrónicas privadas violam o direito ao sigilo da correspondência de todos os remetentes e destinatários das referidas mensagens, bem como o direito ao sigilo das comunicações privadas das Autoras X... e X1... SAD.
4. Os Réus ou obtiveram eles mesmo a informação proveniente do domínio “@X....pt” e incorrem no crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo artigo 194.º, n.º 2, do CP pela intromissão na rede informática, ou lhes veio ter a dita informação, tomando dela conhecimento, por via de atividade criminosa disso o devendo saber ou precaver por tais comunicações privadas não serem dirigidas aos Réus, tendo aí incorrido no mesmo crime.
5. Conforme escreve o Professor Jorge Coutinho de Abreu no seu parecer junto a fls. dos autos,
Esta divulgação não autorizada de comunicações eletrónicas privadas viola, como é evidente, o direito ao sigilo da correspondência de todos os remetentes e destinatários das referidas mensagens. E é irrelevante a alegação de que AA e o B.../A..., S.A. se “limitaram” a divulgar correspondência que lhes chegou de fonte anónima, a qual por isso não teriam obtido por “meios ilícitos”: o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas “implica não apenas o direito a que ninguém as viole ou devasse, mas também o direito de que terceiros que a elas tenham acesso as não divulguem”.
Mas entendemos igualmente que se pode dizer violado o direito ao sigilo das comunicações privadas de X... e X1... SAD. Na verdade, nos termos do art. 34º, 4, da CRP (norma que, como vimos, é decisiva para densificar o conteúdo do sigilo das comunicações enquanto direito de personalidade), proíbe-se toda e qualquer ingerência na correspondência e nos sistemas de comunicações dos privados. Ora, a obtenção das mensagens de correio eletrónico implicou uma evidente ingerência no sistema de comunicações privadas do Grupo X..., ingerência que de alguma forma se repercute e amplifica com a posterior divulgação.
Isto porque X... e X1... SAD dispõem de um sistema informático, incluindo bases de dados e um domínio (X….pt), onde estão registadas as contas de email dos seus diversos colaboradores e cujo acesso depende de autenticações e certificações específicas, encontrando-se os respetivos servidores de dados instalados em locais reservados e protegidos, com regras de acesso e circulação igualmente estritas. Este sistema privado e reservado de comunicações foi vulnerado para a obtenção dos e-mails divulgados, e os Requeridos não poderiam deixar de ter consciência de que foi essa ingerência que lhes facultou o material a cuja divulgação subsequentemente procederam.
É forçoso reconhecer que as liberdades de imprensa e expressão invocadas pelos Réus, admitidas nos termos dos artigos 37.º e 38.º da CRP, veem as respetivas previsões peremptória e inequivocamente demarcadas pela norma excecional do artigo 34.º da Constituição, que as proíbe, tais como a quaisquer outras, quando tenham origem ou resultem na violação da correspondência privada, como é patentemente o caso dos autos.
6. Não há exercício de liberdade de expressão, de pensamento ou de imprensa dentro da violação do sigilo da correspondência privada, de pessoa a pessoa.
7. Este entendimento decorre da direta interpretação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da CRP, nos quais os sucessivos legisladores constituinte e de revisão constitucional não se limitaram a enunciar normas segundo as quais “é reconhecida a inviolabilidade da correspondência privada”, ou semelhantes.
8. Normas essas, hipotéticas, em perspetiva das quais se diria ter de se proceder a uma concordância prática entre liberdade de imprensa e reconhecimento da inviolabilidade.
9. Na verdade, o legislador constituinte sempre deixou vincado o carácter de regra perentória e densa do artigo 34.º da CRP.
10. A Constituição é bem clara no imperativo, ao nela se afirmar, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, que “o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis” e “é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.
11. Não se trata assim de dois núcleos de liberdades, protegendo bens jurídicos entre si opostos e potencialmente conflituantes em áreas extremas, ao passo que praticamente concordantes noutras.
12. Não se trata aqui de uma zona cinzenta mas de um verdadeiro passar da linha de proibição que a norma do artigo 34.º da CRP tão claramente traçou nos seus n.ºs 1 e 4.
13. Trata-se sim, e analiticamente, de normas-regra (n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º da CRP) a delimitar o conteúdo de normas-princípio (artigos 37.º e 38.º da CRP).
14. Trata-se de travar comportamentos assentes na putativa liberdade de expressão ou de imprensa, ou na alegada prossecução de valores como o do interesse público na informação, através de duas proibições terminantes e estritas, com exceções apenas para prosseguir fins de processo penal, que não de outro tipo de interesses públicos.
15. Em última análise, não há interesse público que resista, nos termos da Constituição, ao incumprimento da violação da correspondência privada e ingerência na mesma.
16. Mais ainda, a única forma legalmente prevista para violações da correspondência é através dos mecanismos normativos próprios e típicos do processo penal.
17. No mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do ..., processo n.º 10795/08.8TBVNG-A.P1, relator Teixeira Ribeiro:
I - Não sendo o CPC tão claro como o C. Proc. Pen. (art. 126º) quanto à nulidade das provas e à sua inadmissibilidade no processo civil, hão-de, todavia, as suas normas conformar-se – tal como as demais de todo o nosso ordenamento jurídico – às normas e princípios constitucionais em vigor (art. 204º da CRP), particularmente, e no que agora releva, às dos arts. 26º, nº1 e 32º, nº8, da CRP.
II – Por isso, a disciplina normativa deste art. 32º, nº8, apesar de epigraficamente referenciada para o processo penal, tem aplicação analógica ao processo cível, sendo a interpretação por analogia possível devido a não ser excepcional a regra deste art., nem as suas razões justificativas (dimanadas dos direitos individualmente reconhecidos no art. 26º, nº1 da mesma Constituição) serem válidas apenas para o processo penal (art. 126º, nº3 do Cod. Proc. Pen.).
18. Bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 595/07.8TMBRG, relator Manso Rainho:
Conforme o também estabelecido na Constituição (v. art. 18º nº 1), este princípio é diretamente aplicável (e exequível por si mesmo, sem necessitar pois [e nas palavras de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, p.313] da intervenção da lei ordinária), e vincula entidades públicas (a começar pelos tribunais) e privadas.
Nos termos do nº 8 do art. 32º da CRP, é nula – logo necessariamente ilícita e proibida – a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada. Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida tanto pelas entidades públicas como pelas entidades particulares (v. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, p. 348, Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, p. 239). De resto, da al. b) do nº 3 do art. 519º do CPC [atual al. b) do n.º3 do artigo 417 do CPC] resulta claramente, embora de forma indirecta, a inadmissibilidade de prova que tal. […]
19. E ainda que As proibições de prova produzem, na sua atendibilidade e valoração, aquilo a que se costuma chamar “efeito à distância”, no sentido (que porém não esgota o conteúdo da figura) de que da mesma maneira que não é admissível a prova proibida directa, também não é tolerável a prova mediata, fundada naquela outra. Isto está claro na doutrina de Costa Andrade (v. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, p.169 e sgts e 182 e sgts) e na de Isabel Alexandre (ob. cit., p., 151). Ainda, significam Isabel Alexandre (ob. cit., p. 162) e Capelo de Sousa (v. O Direito Geral de Personalidade, p. 317 e 318) […] – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 595/07.8TMBRG, relator Manso Rainho (...).
20. Em suma, e conforme foi já invocado na petição inicial que aqui se reitera, toda a documentação junta pelos Réus reportando direta ou indiretamente a alegados emails atinentes ao domínio @X….pt, incluindo relatos e notícias baseadas na documentação privada subtraída às Autoras, é necessariamente ilícita proibida para os fins da defesa e reconvenção dos Réus, seja para benefício da posição substantiva ou processual destes e/ou de quaisquer atos de terceiros contra os direitos das Autoras, conforme determina o estatuído nos artigos 26º, n.º 1 e 34º, n.º 1 da CRP, consubstanciando nulidade insanável que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.”
Os réus responderam a esta questão, pugnando no sentido da licitude dos meios probatórios em causa e também da inexistência de qualquer nulidade insanável.
Na audiência prévia, realizada em 11.1.2019, o Mmº Juiz “a quo” proferiu despacho em que considerou procedente, por provada, a nulidade invocada pelos autores e, por via disso, considerou ilícita a junção da prova realizada pelos réus.
Mas depois nesse mesmo despacho consignou ainda o seguinte:
“Todavia face ao princípio da economia processual não faz sentido desentranhar inúmeros documentos, que irão ser juntos mais tarde nos termos do mecanismo do art. 429º, do CPC, já que, como é evidente os mesmos são estruturantes para a decisão desta acção e as AA. pedem até a junção destes e outros documentos na posse das RR.[2]
Assim ao abrigo do art. 436º do CPC determina-se que esses documentos se mantenham juntos aos autos já que a ilicitude dos mesmos deriva da entidade que efectuou a junção e não da natureza dos mesmos.”
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os réus que finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Impõe-se a revogação da decisão do Tribunal a quo que se pronunciou pela ilegalidade da prova (emails) junta pelos Réus/Recorrentes, dando provimento à arguição de nulidade apresentada pelos Autores/Recorridos.
II. Antes de mais, não se verifica a premissa, invocada pelo Tribunal a quo, que justificaria a convocação do art.º 34.º- da CRP e o consequente afastamento da sobredita prova – obtenção dos emails “sem autorização dos seus titulares”; e a certeza de que assumem a natureza de correspondência.
III. Note-se que é questão dos temas da prova, precisamente, “determinar a forma pela qual os RR obtiveram a correspondência ou comunicações dos Autores”, pelo que se trata, inequivocamente, de questão ainda controvertida.
IV. Por outro lado, certo é que os sobreditos emails, que constituem a prova aqui declarada ilegal, chegaram à posse do Ré/Recorrente AA sem ou independentemente de qualquer actuação sua, pelo que nenhuma intercepção ou acesso indevido dos recorrentes houve à correspondência do domínio @X....pt.
V. AA limitou-se a recebê-los, a verificar o seu conteúdo e a divulgá-lo, convencido do relevantíssimo interesse público da informação.
VI. Ademais, porque recebidos pelos destinatários, os sobreditos emails deixam de integrar uma telecomunicação em curso, caindo fora do âmbito de protecção do direito fundamental à inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações, previsto no art.º 34.º- da CRP e no art.º 194.º do CP.
VII. Não houve por parte dos Recorrentes nenhum comportamento de devassa ou intromissão na correspondência alheia, sendo o seu comportamento absolutamente lícito.
VIII. Mesmo que se entendesse que os sobreditos emails tiveram origem num comportamento ilícito dos Recorrentes, ainda que por interposta pessoa, sempre seria de ponderar a possibilidade da sua valoração como meio de prova, não sendo hoje líquido, na doutrina e na jurisprudência, que uma proibição de obtenção de prova envolva, irremediavelmente, uma proibição de valoração.
IX. Ao contrário do que se verificava no tradicional domínio das proibições de prova, a evolução do direito probatório vem reclamando a necessidade de encontrar novas soluções, utilitaristas e pragmáticas, que conduzam à descoberta da verdade material e permitam uma composição mais justa do litígio.
X. Assiste-se a uma mudança de paradigma, na esteira da doutrina Alemã (assim, entre nós, MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992), que convoca a “teoria da ponderação no caso concreto”.
XI. No caso concreto, tratando-se de prova documental pré-existente ao acto alegadamente ilícito, o legislador não previu uma expressa proibição de utilização da prova (ainda que ilicitamente obtida) – ao contrário do que sucede com as disposições previstas nos arts. 58.º-4, 125.º-1 e 3 e 167.º do CPP, entre outras –, sendo, pois, legítima a sua valoração.
XII. É neste preciso sentido que se têm pronunciado vários altos tribunais europeus, justamente a propósito da admissibilidade da valoração probatória de elementos de prova obtidos de forma ilícita, mediante intromissão na esfera de segredo de uma organização empresarial.
Mas mais:
XIII. Se é lícito falar, no âmbito do ordenamento processual penal, de um carácter verdadeiramente relativo das proibições de prova – afastando-se, em certos casos, o seu carácter, à partida, absoluto, para assim se dar prevalência à sua valoração –, tal relatividade acentua-se no seio do direito processual e probatório civil (neste sentido, Salazar Casanova, apud CARLOS CASTELO BRANCO, A Prova ilícita: verdade ou lealdade?, Almedina, Maio 2018, pág. 218).
XIV. A ponderação acerca da ilicitude e subsequente valoração da prova haverá de ser feita sempre pelo concreto julgador, com base no princípio da proporcionalidade.
XV. Afinal, a finalidade primordial do processo civil é, precisamente, a composição justa do litígio; o que implica, ab initio, a descoberta da verdade material (art.º 6.º do CPC) – intento relativamente ao qual a prova desempenha uma função vital.
XVI. Trata-se, de longe, da solução mais compatível com o fim do processo, capaz de proteger caso a caso os bens jurídicos em jogo, levando em consideração os interesses dos envolvidos, e permitindo ao juiz decidir de forma a tutelar os bens que se mostrem merecedores de maior protecção. (Veja-se, neste sentido, os considerandos vertidos pelo STJ no acórdão de 03-06-2004, proc. n.º 1107/2004-6).
XVII. É, pois, flagrante, que o critério da necessidade que vem fazendo curso na doutrina e na jurisprudência não corresponde àquele mobilizado pelo Tribunal a quo.
XVIII. O que importa é saber se a prova em questão é relevante para a descoberta da verdade e para que os Réus/Recorrentes possam fazer no processo a demonstração probatória daquilo que alegam; e sobre isto o Tribunal a quo disse tudo o que havia para dizer: os documentos em apreço “são estruturantes para a decisão desta acção”.
XIX. A inadmissibilidade de utilização das mensagens de correio electrónico para prova da verdade dos factos alegados pelos Réus/Recorrentes equivaleria a um absoluto aniquilamento da possibilidade do exercício da defesa, traduzindo uma autêntica violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
XX. É, aliás, paradoxal que num processo sobre emails não se possa juntar, nem valorar esses próprios emails!
XXI. Sendo de concluir que não há fundamento legal ou constitucional que justifique a consideração da ilicitude dos emails, impondo-se que seja declarada inexistente a nulidade arguida, com as legais consequências.
XXII. A iniquidade da tese de que é ilícita a prova junta pelos Réus/Recorrentes é ainda mais notória quando se atende ao facto de terem sido os próprios Autores/Recorridos a requerer, no seu articulado inicial, a exibição dos documentos, pedido este reiterado no seu requerimento de 21.09.2019.
XXIII. Com efeito, falece qualquer razão à tese de que a prova está ferida de ilicitude, dado o modo como a mesma foi obtida, quando são os próprios Autores a requerer a sua junção.
XXIV. Se alguma nulidade existisse, a mesma sempre estaria sanada, não podendo os Autores/Recorridos proceder à sua invocação, em virtude do disposto na norma do artigo 197.º, n.º 2 CPC.
XXV. Ao requererem a junção dos documentos e virem depois arguir a nulidade desta junção os Autores/Recorridos, incorrem mesmo num comportamento abusivo, num autêntico venire contra factum proprium.
XXVI. A pretensão dos Autores/Recorridos de que os documentos sejam utilizados apenas para prova da sua posição jurídica está em manifesta colisão com algumas normas e princípios fundamentais do processo civil, em particular, do princípio da aquisição processual e da verdade material, traduzindo uma agressão ao direito à prova de que os Réus e a Reconvinte Y1..., SAD são titulares, e do princípio da igualdade.
Pretendem assim que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que considere lícita a prova junta pelos réus e pela reconvinte Y1..., SAD.
Os autores apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram no sentido da confirmação do decidido.
O Mmº Juiz “a quo” proferiu depois o seguinte despacho:
“Suscitam-se dúvidas sobre a admissibilidade do recurso, pois, a parte tem direito ao mesmo para recorrer de decisões que o prejudiquem e não de fundamentações que não lhe agradem.
Ora, o efeito útil da decisão agora recorrida é integralmente favorável às RR, que mantém nos autos todos os documentos.
Nesses termos, sem prejuízo de ulterior e sempre melhor entendimento, admite-se o recurso de fls. 2, que é de apelação (artigo 644º, nº 2, alíneas d) e h), do CPC), com efeito devolutivo e subida em separado (artigo 645º, nº 2, e 647º, nº 1 do CPC).”
*
O presente relator, em linha com as dúvidas que haviam sido colocadas pelo Mmº Juiz “a quo”, entendendo que não havia que conhecer do objeto deste recurso, ordenou o cumprimento do disposto no art. 655º do Cód. de Proc. Civil, por despacho de 21.1.2022 com o seguinte teor, nesta parte:
“Do art. 631º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil[3] decorre que, por regra, só a parte principal que tenha ficado vencida na causa pode recorrer, importando verificar em que medida a decisão proferida lhe é ou não objetivamente e diretamente desfavorável.
Assim, parte vencida é aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não haja obtido a decisão mais favorável aos seus interesses, independentemente da posição assumida nos autos.[4]
A legitimidade para recorrer afere-se, pois, através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente e, aqui, o que mais releva é o resultado final e não tanto o percurso seguido pelo tribunal para o atingir.[5]
Ou seja, a legitimidade para interpor recurso só existe quando se esteja perante decisão que objetivamente prejudique o recorrente, sendo que essa legitimidade já falha quando apenas a fundamentação explanada na decisão recorrida o descontenta.
No caso do presente recurso interposto pelos réus não se pode abstrair da parte final da decisão recorrida, onde, apelando-se ao princípio da economia processual, não se determinou o desentranhamento da documentação por aqueles junta na sua contestação reportada a emails, textos e anexos atinentes ao domínio @X….pt, a qual afirmaram ter sido recebida de modo anónimo a partir do correio eletrónico 1...@....com.
Conforme bem referiu o Mmº Juiz “a quo” tratam-se de documentos estruturantes para a decisão da presente causa e a sua junção, bem como de outros documentos na posse dos réus, é até pedida pelos próprios autores, impondo-se pois que os mesmos se mantenham nos autos, o que foi ordenado com referência também ao art. 436º do Cód. de Proc. Civil[6] e com a consideração de que a sua ilicitude não deriva da natureza dos mesmos.
Neste contexto, é de concluir que o efeito útil da decisão recorrida, ao manterem-se os documentos em causa nos autos, não desfavorece os réus, de tal forma que a este faltará a necessária legitimidade para interpor recurso – cfr. art. 631º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.”
*
Os réus/recorrentes opuseram-se a este despacho, em 2.2.2022, com os seguintes fundamentos:
“ (…)
b) Do recurso interposto pelos Réus [que] tem por objecto o douto Despacho de 11.01.2019, na parte que considerou ilícita a prova junta nos respectivos articulados («apenso C»).
10. Entende o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator que os Réus, ora Requerentes, carecem de legitimidade recursória para impugnar o douto Despacho de 11.01.2019, na parte em que considerou ilícita a prova por aqueles oferecida nos respectivos articulados, na medida em que tal decisão, não obstante tenha concluído pela ilicitude na obtenção da prova apresentada e julgado procedente a nulidade arguida pelas Autoras, determinou, ao abrigo do princípio da economia processual, que os documentos oferecidos pelos Réus ainda assim se mantivessem nos autos, nos termos do disposto no artigo 436.º do Código de Processo Civil.
11. Em consequência, sustenta-se no mui douto Despacho, ora em resposta, que, tendo tal prova permanecido nos autos, será de concluir que “(…) o efeito útil da decisão recorrida, ao manterem-se os documentos em causa nos autos, não desfavorece os réus, de tal forma que a estes faltará a necessária legitimidade para interpor recurso.”. – vide p. 5 do douto Despacho em resposta.
12. Salvo o muito e sentido respeito, não podem os Réus/Recorrentes sufragar este entendimento.
13. Desde logo, a finalidade precípua do recurso interposto pelos Réus não foi, sequer, a de discutir a manutenção ou desentranhamento da prova documental junta aos autos; com efeito, a finalidade do recurso interposto pelos Réus, na sequência do provimento da nulidade arguida pelas Autoras, foi a de refutar, terminantemente, a interpretação segundo a qual a prova em causa se afigurava ilícita e, bem assim, colocar perante o Tribunal ad quem a reapreciação da questão, pugnando pela admissibilidade dos documentos juntos com os articulados e pela sua consequente valoração, ou seja, sustentando a admissibilidade da junção e da valoração de tais documentos.
14. Neste conspecto, a única e axial questão sobre a qual incide a Apelação interposta pelos Réus não se prende com a “manutenção” dos documentos nos autos, mas com a licitude na obtenção e valoração daquele acervo documental.
15. Com efeito, aquilo que no mui douto Despacho aqui em pronúncia, é vislumbrado como sendo o atingimento de um alegado “efeito favorável” às pretensões dos Reús, traduzido unicamente no não desentranhamento ou manutenção dos documentos nos presentes autos, constitui uma análise imediatista e linear da questão impugnada, uma vez que a manutenção dos documentos nos autos não equivale à afirmação ou assunção de que os mesmo[s] foram licitamente obtidos e que serão, em tempo útil, valorados por parte do Tribunal ad quem (e este é, repise-se, o punctum crucis da impugnação dos Réus).
16. Isto porque, o simples facto de o Tribunal a quo haver determinado que tais documentos se mantivessem nos autos não traduz uma decisão favorável aos Réus; em sentido diametralmente contrário, dir-se-á mesmo que tal corresponde a uma decisão inteiramente desfavorável às pretensões destes, na medida em que: (i) a prova documental apresentada encontra-se, ab initio, sob a “chancela” da inadmissibilidade, ou seja, sob a assunção de que foi obtida através da intromissão indevida na correspondência das Autoras (pressuposto este, que as Rés convictamente impugnam, e que impacta e influi, determinantemente, na apreciação de outras questões atinentes ao mérito da Apelação entretanto interposta, concretamente na (im)procedência dos pedidos indemnizatórios formulados pelas Autoras); (ii) a consideração da ilicitude da admissibilidade da prova, poderá determinar (com base naquele mesmíssimo argumento) a proibição de valoração dos documentos juntos aos autos, ou seja, correm as Rés o sério e fundado risco de o Venerando Tribunal ad quem, assentando o seu argumentário na existência de uma alegada ilicitude na obtenção da prova (tal como, de resto, sustenta o mui douto Despacho recorrido) abster-se de valorar o acervo documental apresentado, com o fundamento de que tal prova foi ilicitamente obtida.
17. A este propósito, acertadamente se decidiu entre nós: “Ora, no direito nacional consagrou-se um critério material de legitimidade para recorrer, e não meramente um critério de legitimidade formal, em que não se obteve o que se pediu ou requereu.
Coincidindo de modo geral ambos os critérios, pode não ser assim, em face das circunstâncias do caso concreto. Por exemplo, se forem formulados pedidos alternativos, fundados em mais que um fundamento é indiferente que tenha sido acolhido um ou outro, ainda que o autor tenha invocado um como principal e o outro como subsidiário. O que verdadeiramente e decisivamente conta é, assim, o prejuízo causado pela decisão desfavorável (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 680º do anterior CPC, pág. 25/26 e Ac. do STJ de 15.1.2004, Proc.03B3904, em www.dgsi.pt).”.
18. Como, de resto, observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA: “O interesse em recorrer e, consequentemente, a legitimidade ad recursum, ao contrário do que é característico da legitimidade processual, não assenta numa relação da parte com o objecto da causa, mas antes nas consequências que uma decisão pode produzir na esfera jurídica de um sujeito: este sujeito pode recorrer se a decisão lhe for prejudicial e, portanto, se ele pretender afastar esse prejuízo através da revogação da decisão pelo tribunal de recurso.”
19. Por tudo o exposto, não aderem os Réus/Recorrentes ao entendimento que promana do mui douto Despacho, ora em resposta, posto que se lhes afigura evidente que a decisão do Despacho impugnado, no segmento que julga ilícita a obtenção da prova oferecida, conquanto determine a sua manutenção nos autos, é totalmente desfavorável às pretensões que aqueles deduzem, o que conduz à verificação do pressuposto processual exigido no artigo 631.º, número 1 do Código de Processo Civil.
Termos em que, mui respeitosamente, requerem a V. Exa se digne:
(…)
b) Admitir o recurso de Apelação entretanto interposto pelos Réus, tendo por objecto o douto Despacho de [11.01.2019], na parte que julgou ilícita a prova junta aos autos, nos termos expendidos e com fundamento na observância da norma do artigo 631.º, número 1 do Código de Processo Civil.”
Cumpre decidir.
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Após melhor avaliação do caso dos autos e do disposto no art. 631º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil entendemos, em consonância com a argumentação que se mostra produzida pelos réus/recorrentes, que o recurso por estes interposto deve ser conhecido.
É certo que no despacho recorrido se determinou que os documentos apresentados pelos réus na sua contestação/reconvenção, referentes a emails e anexos atinentes ao domínio @X….pt., se mantivessem nos autos.
Mas tal não traduz uma efetiva decisão favorável aos réus.
Com efeito, a questão central que se apreciou no despacho proferido em 11.1.2019 foi a da nulidade invocada pelos autores relativamente a essa prova, pretendendo estes que a mesma seja havida como necessariamente ilícita e proibida seja para efeitos de defesa e reconvenção dos réus, seja para benefício da posição substantiva ou processual destes, colhendo essa ilicitude fundamento nos arts. 26º, nº 1 e 34º, nº 1 da Constituição da República.
Acontece que no despacho recorrido o tribunal veio a julgar procedente a nulidade invocada pelos autores e, em consequência, considerou ilícita a junção da prova realizada pelos réus.
Mesmo que depois essa prova tenha permanecido nos autos, tal significa, naquilo que é fulcral, a prolação de uma decisão desfavorável aos réus em que estes assumem as vestes de parte vencida, daí resultando a sua legitimidade para recorrer ao abrigo do preceituado no art. 631º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.
Ir-se-á então apreciar este recurso.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se foi correta a decisão da 1ª Instância que se pronunciou no sentido da ilicitude da prova junta pelos réus e julgou procedente a nulidade invocada pelos autores.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à sua apreciação.
O teor integral do despacho recorrido é o seguinte:
“Pretendem as AA que as RR cometeram uma nulidade ao utilizarem como meio de prova nestes autos documentos consistentes na sua correspondência privada obtidos ilicitamente (cfr. réplica a fls. 1066 e segs.).
Vieram as RR responder sobre esta questão esgrimindo, em suma, argumentos relativos à jurisdição penal no sentido que essa junção era necessária para a sua defesa.
Decidindo.
Essa questão tem sido longa e doutamente debatida na doutrina nacional e estrangeira.
O princípio geral, nesta matéria, deriva da Constituição da República nos termos do qual a busca da verdade material e da realização da justiça, mesmo em matéria de funcionalidade da justiça, têm limites, impostos pela dignidade e pelos direitos fundamentais das pessoas, que se traduzem processualmente nas limitações à produção de determinados meios de prova.
Nessa medida o sigilo da correspondência e comunicações está protegido em várias normas (cfr. art. 34.º, n.º 1 da CRP) e impõe um limite ao Estado e a particulares no sentido de que todos os cidadãos podem emitir, ou receber informação produzida para ou por terceiro, desenvolvendo ideias e valorações, relativamente às quais lhes assiste um direito de preservar tal informação, impedindo o seu acesso por outrem.
Ora, se algo é certo nesta acção é que não há duvidas que os emails usados pelas RR assumem essa natureza e foram obtidos sem autorização dos seus titulares.
Por isso, seja por aplicação directa dos preceitos constitucionais[7], seja pela aplicação analógica das normas processuais penais[8] de proibição de prova é evidente que esses documentos constituem um meio de prova ilícita.
Nesta situação a doutrina processual civil subdivide-se, basicamente em duas correntes.
A corrente tradicional[9], que se iniciou com o caso “... vs ...”, em ... (1934), foi comentado por CARNELUTTI, o qual defendeu a chamada teoria da inadmissibilidade total segundo a qual: “quem se apossa ilicitamente das cartas de propriedade de outrem não pode utilizá-las como prova, sendo a mesma, portanto, rejeitada”.[10]
Nesse comentário, CARNELUTTI salientava que “a exibição do documento obtido ilicitamente deve ser considerada ineficaz, uma vez que não faria qualquer sentido conceder mais vantagem a alguém que pratique uma conduta ilícita do que a quem haja de forma lícita”.
Outra corrente defende que, em determinadas situações as provas mesmo que ilícitas que sejam relevantes para a demonstração dos factos podem ser produzidas em juízo.
Mas, mesmo os defensores dessa posição intermédia exigem alguns requisitos para que essa admissibilidade seja concedida. Nessa medida a mesma depende de um juízo de necessidade da produção de prova e relevância da mesma para o objecto da acção.
Segundo MICHELE TARUFFO[11] será possível produzir-se prova ilícita mas é necessário que esta seja relevante.[12]
Mas, para além da mera utilidade esse meio de prova terá, numa posição intermédia, de respeitar os princípios da proporcionalidade e necessidade.[13]
Ou seja, “a liberdade dos meios de prova não significa a obtenção da verdade real a qualquer preço”, mas poderá em determinados casos ser admitida quando o meio de prova assumir, pelo menos, uma dupla natureza: ser essencial para a defesa da prova e o facto a provar não poder ser demonstrado de outra forma.[14]
Esta posição é defendida entre nós.[15]
Segundo João Abrantes[16] a liberdade de prova não deve pôr em causa valores como a intimidade da vida privada, a dignidade da pessoa humana ou a integridade pessoal, a que se refere o art. 25º da CRP, defendendo que o art. 32º da Lei Fundamental é aplicável não só ao processo criminal, como, por interpretação analógica, ao processo civil, com as necessárias adaptações.
Para este autor é possível “encontrar na Constituição a fonte para afastar certos meios de prova cuja admissibilidade não é expressamente repudiada pelo legislador ordinário: os meios de prova obtidos de uma forma imoral ou que implique violência, grosso modo os que são obtidos pela violação de direitos individuais (...) Essas provas são em princípio inadmissíveis, só assim não sendo quando se mostrar serem a única via possível e razoável de proteger outros valores quem no caso concreto, devam ser prioritários.” (sublinhado nosso).
O qual conclui, por fim, que “o problema é de conflito de interesses: a garantia constitucional dos direitos fundamentais funcionará sempre que aos interesses nela tutelados não se sobreponham outros interesses, que no caso concreto (...) se mostrem merecedores de maior protecção. O mesmo é dizer-se que será sempre necessário o recurso às regras respeitantes ao conflito de direitos ou valores – e nomeadamente ao critério da proporcionalidade”.
Ora, in casu é evidente que as RR não possuem qualquer necessidade de juntar esses documentos ilícitos, pois, os mesmos podem ser obtidos licitamente, seja através do mecanismo do art. 429º, do CPC; seja até mediante junção dos mesmos […] através do processo criminal a que as partes fazem referência.[17]
Pelo exposto, o tribunal considera procedente por provada a nulidade invocada pelas AA e por via disso considera ilícita a junção da prova realizada pelas RR.
Sem custas.”
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Todavia face ao princípio da economia processual não faz sentido desentranhar inúmeros documentos, que irão ser juntos mais tarde nos termos do mecanismo do art. 429º, do CPC, já que, como é evidente os mesmos são estruturantes para a decisão desta acção e as AA. pedem até a junção destes e outros documentos na posse das RR.[18]
Assim ao abrigo do art. 436º do CPC determina-se que esses documentos se mantenham juntos aos autos já que a ilicitude dos mesmos deriva da entidade que efectuou a junção e não da natureza dos mesmos.”
Os réus discordam deste despacho e nas suas alegações de recurso sustentam a licitude da junção aos autos, com a contestação, dos documentos referentes a emails, textos e anexos respeitantes ao domínio @X….pt, e, por consequência, consideram que não se verifica a nulidade arguida pelos autores.
Não oferece dúvidas, até porque tal é um aspeto central da presente ação, por todos aceite, que os mails usados pelos réus foram obtidos sem autorização dos respetivos titulares, donde decorre que os mesmos constituem um meio de prova ilícito.
Isto porque o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada é inviolável, tal como flui do art. 34º, nº 1 da Constituição da República e também porque nos termos do art. 32º, nº 8 deste mesmo diploma são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, na correspondência ou nas telecomunicações.
A prova ilícita traduz, pois, um desvalor na formação da prova, a qual, sem afetar a sua natureza extrínseca ou a finalidade probatória da mesma, foi produzida (extraprocessualmente) ou ingressou no processo, por meios ilegais ou ilegítimos, colidindo com valores e direitos protegidos, via de regra, pela própria Constituição, ou seja, violando ou postergando princípios fundamentais ou normas de direito material” – cfr. CARLOS CASTELO BRANCO, “A Prova Ilícita – Verdade ou Lealdade?”, Almedina, 2019, pág. 87.[19]
Prosseguindo, há a salientar que o terreno da prova ilícita coloca várias questões, uma vez que nele se chocam frequentemente interesses conflituantes. Se, por um lado, a conduta que dá lugar ao aparecimento do meio de prova é uma conduta ilícita, porque reprovada por lei, por outro, a prova assim obtida é suscetível de tornar conhecidos factos relevantes para que o tribunal possa formar a sua convicção.
A complexidade da matéria é evidente.
Tal ocorre, conforme escreve CARLOS CASTELO BRANCO (in ob. cit., pág. 127), “…quer pela inexistência de regulamentação específica quanto a esta matéria na maioria dos ordenamentos jurídicos, quer pela multiplicidade de fundamentos onde se pretende basear e, bem assim, pela incapacidade de se adoptarem regras estritas e uniformes sobre a matéria.”
As diferentes teses sobre a matéria acabam por se agrupar em torno de dois princípios fundamentais:
- o princípio da investigação da verdade para defender a tese favorável à admissão sem restrições da prova ilícita;
- o princípio da unidade do ordenamento jurídico, para fundamentar a tese oposta.
A obtenção da verdade funda a tese favorável à admissão da prova ilícita, enquanto a lealdade - corolário da adoção de um processo justo em todos os sentidos - fundamenta a tese contrária.
“Posteriormente, foram-se desenvolvendo teses intermédias ou mistas, sensíveis aos argumentos contrapostos de cada uma das posições radicais iniciais e que procuram atenuar os efeitos perniciosos da adopção inflexível de cada uma das teses de origem.”
Estas teses intermédias tendem a encarar a questão da prova ilícita como configurando, na sua essência, um conflito de interesses que, só caso a caso, pode ser resolvido, mediante a apreciação de todas as circunstâncias concretas e consoante os valores em jogo. Entende-se que, em certos casos, o interesse da descoberta da verdade pode ser preterido por outros valores, apelando-se a uma ponderação dos concretos interesses em confronto – cfr. CARLOS CASTELO BRANCO, ob. cit., pág. 137.
Para JOÃO ABRANTES, citado na decisão recorrida acima transcrita, a liberdade de prova não deve pôr em causa valores como a intimidade da vida privada, a dignidade da pessoa humana ou a integridade pessoal, defendendo que o art. 32º da nossa Lei Fundamental é aplicável não só ao processo criminal, como, por interpretação analógica, ao processo civil, com as necessárias adaptações.
Para este autor é possível “encontrar na Constituição a fonte para afastar certos meios de prova cuja admissibilidade não é expressamente repudiada pelo legislador ordinário: os meios de prova obtidos de uma forma imoral ou que implique violência, grosso modo os que são obtidos pela violação de direitos individuais (...) Essas provas são em princípio inadmissíveis, só assim não sendo quando se mostrar serem a única via possível e razoável de proteger outros valores que no caso concreto, devam ser prioritários.” (…).
E conclui este que “o problema é de conflito de interesses: a garantia constitucional dos direitos fundamentais funcionará sempre que aos interesses nela tutelados não se sobreponham outros interesses, que no caso concreto (...) se mostrem merecedores de maior protecção. O mesmo é dizer-se que será sempre necessário o recurso às regras respeitantes ao conflito de direitos ou valores – e nomeadamente ao critério da proporcionalidade”.[20]
Acontece que no caso dos autos, tal como se refere na decisão recorrida, os réus não tinham qualquer necessidade de vir juntar aos autos, por sua própria iniciativa, a documentação ilícita referente a emails, textos e anexos respeitantes ao domínio @X….pt, pois todos estes documentos podiam ser obtidos para o processo licitamente mediante o expediente processual previsto no art. 429º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil[21] que já tinha sido requerido, inclusive, pelos próprios autores ou mediante a sua junção através do processo criminal, atendendo a que se mostra assente que os réus entregaram à Polícia Judiciária a documentação aqui em causa.
Neste contexto, mostra-se, a nosso ver, acertada a decisão recorrida que considerou ilícita a junção da prova realizada pelos réus e julgou procedente a nulidade invocada pelos autores, havendo assim que confirmá-la.
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o presente recurso interposto pelos réus e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em sede de audiência prévia no dia 11.1.2019.
Custas a cargo dos réus/recorrentes.
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3º Recurso (apenso E)
Na sessão de julgamento realizada em 7.3.2019 os autores apresentaram o seguinte requerimento:
“As testemunhas [EE e FF] foram confrontadas com os e-mails constantes de Docs. 18 e 19 e Docs. 11 e 11-A da contestação, respetivamente.
Estes e-mails respeitam a correspondência (ou alegada correspondência) conexa ao domínio @X….pt propriedade das Autoras e exclusivamente usado por estas para a sua comunicação privada, nas condições detalhadamente descritas na petição inicial.
O acesso e a divulgação não autorizada de comunicações eletrónicas privadas violam o direito ao sigilo da correspondência de todos os remetentes e destinatários das referidas mensagens, bem como o direito ao sigilo das comunicações privadas das Autoras X... e X1... SAD.
Os Réus ou obtiveram eles mesmo a informação proveniente do domínio “@X....pt” e incorrem no crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo artigo 194.º, n.º 2, do CP pela intromissão na rede informática, ou lhes veio ter a dita informação, tomando dela conhecimento, por via de atividade criminosa disso o devendo saber ou precaver por tais comunicações privadas não serem dirigidas aos Réus, tendo aí incorrido no mesmo crime.
Conforme foi já invocado na petição inicial que aqui se reitera, toda a documentação junta pelos Réus reportando direta ou indiretamente a alegados emails atinentes ao domínio @X….pt, incluindo relatos e notícias baseadas na documentação privada subtraída às Autoras, é necessariamente ilícita e proibida para os fins da defesa e reconvenção dos Réus, seja para benefício da posição substantiva ou processual destes e/ou de quaisquer atos de terceiros contra os direitos das Autoras, conforme determina o estatuído nos artigos 26º, n.º 1 e 34º, n.º 1 da CRP, consubstanciando nulidade insanável que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
Acrescente-se, conforme invocado na réplica, oportunamente apresentada (vide artigos 18º e 19º), e citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 595/07.8TMBRG, relator Manso Rainho:
As proibições de prova produzem, na sua atendibilidade e valoração, aquilo a que se costuma chamar “efeito à distância”, no sentido (que porém não esgota o conteúdo da figura) de que da mesma maneira que não é admissível a prova proibida directa, também não é tolerável a prova mediata, fundada naquela outra.
Resulta daqui que a prova que a partir dessa correspondência privada se possa querer fazer valer será ilícita assim como toda a prova sucedânea (como é o caso da presente prova testemunhal), a qual é igualmente inadmissível e nula para os fins da defesa e reconvenção dos Réus.
Pelo que se disse, expressamente se invoca a nulidade da parte do depoimento das testemunhas EE e FF, nos termos dos artigos 195º e 199º do Código de Processo Civil, quando confrontadas, ainda que indiretamente, com a correspondência privada das Autoras que lhe foi ilicitamente subtraída, requerendo-se que tal nulidade seja extensiva a eventuais futuros depoimentos que tenham o mesmo objeto, não sendo admitidos nos termos expostos, devendo assim o Tribunal tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.”
Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho judicial, proferido nessa mesma sessão de 7.3.2019:
“A questão já foi decidida por despacho de fls. 1330 que quanto à Autora formou caso julgado.
Estando juntos aos autos esses documentos, face ao princípio da aquisição processual, ao princípio do contraditório e ao princípio da livre valoração da prova, parece-nos seguro que podem ser exibidos nesta audiência por qualquer parte, pois, não existe ónus da prova subjectivo.
Assim, indefere-se o requerido.”
Inconformados com o decidido, interpuseram recurso os autores que finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem como objeto a decisão que, em sede da sessão da Audiência de Julgamento realizada no passado dia 07.03.2019, indeferiu a nulidade requerida pelas Autoras/Recorrentes relativamente às partes dos depoimentos de testemunhas em que estas foram confrontadas com meio de prova ilícito pelos Réus/Recorridos e que admitiu a mobilização de tais elementos ilícitos para produção de prova testemunhal por parte dos Réus/Recorridos.
B. Salvo o devido respeito, as Autoras/Recorrentes discordam do Tribunal a quo ao decidir da forma descrita, motivo pelo qual pretendem, por via do presente recurso, demonstrar a improcedência dos fundamentos em que se funda a decisão recorrida e a necessidade da sua substituição por outra que julgue procedente a nulidade invocada e que não admita a produção de prova (testemunhal) por parte dos Réus/Recorridos com base na prova declarada ilícita, mais determinando a nulidade das partes dos depoimentos produzidos a partir de tais meios ilícitos, por iniciativa dos Réus/Recorridos.
C. A decisão recorrida alicerça-se, desde logo, no Despacho proferido em sede de Audiência Prévia, constante de fls. 1330, considerando que a questão levantada pelas Autoras/Recorrentes na sessão da Audiência de Julgamento já havia sido decidida naquele Despacho.
D. Sucede que, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, estamos agora na presença de uma matéria nova, sobre a qual o Tribunal a quo ainda não se havia pronunciado, constituindo a decisão recorrida uma decisão nova, sobre objeto diferente daquele decidido no Despacho de fls. 1330.
E. A decisão de manutenção daqueles elementos nos autos não se pode confundir com a decisão que admite a mobilização de tais elementos por parte dos Réus/Recorridos para produção de prova no processo.
F. Não pode inferir-se da admissibilidade da junção a admissibilidade da mobilização dos elementos ilícitos pelos Réus/Recorridos, em prejuízo da parte que se viu ofendida no seu direito fundamental ao sigilo da correspondência com a obtenção e produção da referida prova ilícita.
G. Mais se refira que a existir alguma ponderação acerca desta matéria no Despacho de fls. 1330, só poderia extrair-se a interpretação da necessária inadmissibilidade da mobilização dos elementos ilícitos pelos Réus/Recorridos, para prova das suas pretensões, atendendo a que o Tribunal a quo julgou ilícita a prova junta pelos Réus/Recorridos!
H. O Despacho de fls. 1330 decidiu em sentido favorável às pretensões das Autoras/Recorrentes: dispõe que a junção era necessária mas que a sua junção pelos Réus/Recorridos configurava nulidade processual, por se tratar de prova ilícita.
I. Se é o próprio Tribunal a quo a julgar a prova junta pelos Réus/Recorridos como ilícita, mais determinando que estes não têm qualquer necessidade de a juntar, justificando que a manutenção da mesma nos autos se deve ao pedido pelas Autoras/Recorrentes para prova dos seus direitos, como pode vir, afinal, o mesmo Tribunal a admitir a mobilização de tal prova para produção de prova por aqueles, abrindo mesmo a porta à possibilidade de admitir a sua posterior valoração de forma tendente às pretensões dos Réus/Recorridos?
J. Ainda que fosse esta a “pré-compreensão” do tribunal, só agora foi revelada, encontra-se simplesmente ausente do enunciado expresso do Despacho de fls. 1330, e qualquer esforço interpretativo não permitiria sequer intuir racionalmente que tendo o tribunal considerado procedente a nulidade invocada pelas Autoras/Recorrentes e por via disso considerado ilícita a junção da prova realizada pelos RR, tal não conduziria a qualquer efeito ou consequência em termos de mobilização da prova e sua consequente valoração.
K. Então a junção da prova pelos RR é ilícita e não se retiram consequências?
L. Então a junção é declarada nula por ilícita, de acordo com o peticionado pelas Autoras/Recorrentes, e as consequências que se querem fixar – e ainda assim a posteriori porque não declaradas no Despacho de fls. 1330 – são, afinal, as que permitem a mobilização da prova para benefício da parte que ilicitamente dela se apropriou e ilicitamente a juntou aos autos?
M. Não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando refere que o requerimento apresentado pelas Autoras/Recorrentes na sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 07.03.2019 incidiu sobre questão já resolvida pelo Tribunal, circunstância que determina desde logo a falência da decisão recorrida e a necessidade da sua substituição por outra.
N. Também não é verdade que o facto de estarem juntos aos autos tais documentos ilícitos permita a sua mobilização por qualquer parte, designadamente através da exibição e confronto de testemunhas em audiência, pois a circunstância de o meio probatório ter sido junto ao processo não branqueia o seu caráter ilícito, nem faz cessar a sua qualificação como meio proibido.
O. Qualquer prova que se possa querer produzir a partir da prova declarada ilícita, como é o caso da prova testemunhal em causa, é igualmente ilícita, não sendo lícito aos Réus/Recorridos a mobilização da prova ilícita para a produção de prova (nova).
P. Os documentos com que os Réus/Recorridos confrontaram as testemunhas respeitam a correspondência (ou alegada correspondência) conexa ao domínio “@X....pt”, fazendo parte de um acervo de documentos que os Réus/Recorridos afirmaram ter sido recebida de modo anónimo, estando sujeitos à proteção constitucional garantida pelos n.º s 1 e 4 do art. 34.º da CRP, que determinam a inviolabilidade do sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privada e proíbem toda a ingerência na correspondência e outros meios de comunicação.
Q. Os Réus/Recorridos ou obtiveram eles mesmos a informação e incorreram no crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo artigo 194.º, n.º 2, do Código Penal, pela intromissão na rede informática das Autoras/Recorrentes; ou lhes veio ter a dita informação por via de atividade criminosa, disso o devendo saber ou precaver, por tais comunicações privadas não serem dirigidas aos Réus/Recorridos, tendo aí incorrido no mesmo crime, tomando dela conhecimento.
R. A natureza ilícita da prova junta pelos Réus/Recorridos foi reconhecida pelo Tribunal a quo em sede de Audiência Prévia, no Despacho a que já se fez referência, o qual considerou «procedente por provada a nulidade invocada pelas AA e por via disso considera ilícita a junção de prova realizada pelas RR».
S. Acrescente-se que «as proibições de prova produzem, na sua atendibilidade e valoração, aquilo a que se costuma chamar “efeito à distância”, no sentido (que porém não esgota o conteúdo da figura) de que da mesma maneira que não é admissível a prova proibida directa, também não é tolerável a prova mediata, fundada naquela outra» (cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-04-2009, relativo ao processo n.º 595/07.8TMBRG).
T. Não sendo admissível um determinado meio de prova, também o não serão os atos de produção de prova que assentem naquele meio de prova proibida, como por exemplo o depoimento testemunhal produzido a partir de meio de prova proibida (neste sentido, veja-se ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., pp. 148 ss).
U. Por conseguinte, a mobilização de prova declarada ilícita, pelos Réus/Recorridos, para produção de prova testemunhal, torna ilícita a parte da prova testemunhal que tenha sido produzida a partir da declarada ilícita – ou seja, in casu, as partes dos depoimentos das testemunhas que tenham resultado da exibição dos documentos ilícitos promovida pelos Réus/Recorridos.
V. A prova que se possa querer fazer a partir dos elementos declarados ilícitos, como é o caso da prova testemunhal em causa no despacho recorrido, é necessariamente inadmissível, devendo as partes dos depoimentos em que as testemunhas tenham sido confrontadas com prova ilícita ser consideradas nulas, sendo que a nulidade do ato de produção de um meio de prova ilícito decorre do disposto no art. 195.º, n.º 1, do CPC.
W. O Tribunal a quo errou ao admitir a produção de prova testemunhal, por iniciativa dos Réus/Recorridos, a partir dos elementos que julgou ilícitos.
X. O caráter ilícito da prova junta pelos Réus/Recorridos implica necessariamente a inadmissibilidade da sua mobilização por estes, isto é, a proibição da sua utilização, seja para fins da defesa e reconvenção dos Réus/Recorridos, seja para benefício da posição substantiva ou processual destes, de acordo com o disposto nos arts. 34.º, n.º s 1 e 4, e 32.º, n.º 8, ambos da CRP, do art. 126.º, n.º s 3 e 4 do CPP e do art. 10.º, n.º 2, do CC.
Y. A observância dos princípios invocados na decisão recorrida deve ser compreendida à luz do dever de o Tribunal recusar a admissão e a produção dos meios de prova ilícitos, obtidos mediante a ou derivados da violação de direito fundamental de uma das partes em litígio, em sentido desfavorável à parte ofendida naquele direito constitucionalmente consagrado, o que se impõe precisamente em nome do direito fundamental violado com a obtenção ou produção daquela prova.
Z. O princípio da livre valoração da prova não pode justificar que o Tribunal admita a utilização da prova que declarou ilícita para produção de prova pelos Réus/Recorridos, na medida em que está aqui em causa uma fase que, embora tenha de estar positivamente afirmada antes da fase da apreciação para que esta última tenha lugar, é prévia a ela, devendo ser observadas pelo julgador as limitações traçadas pelo legislador relativamente à admissão e produção da prova.
AA. Ademais, note-se que jamais a prova ilícita pode aproveitar a quem a obtém ilicitamente, conforme pretendem os Réus/Recorridos e como permite a decisão recorrida.
BB. Não se podem valer os Réus/Recorridos de prerrogativas processuais cuja realização implique retirar consequências favoráveis de prova obtida por meio criminoso: seria prevalecer-se do seu próprio ilícito, o que é juridicamente proibido em Portugal e em qualquer Estado de Direito.
CC. Admitir a mobilização da referida prova ilícita pelos Réus/Recorridos, em benefício da sua posição, corresponde ao completo desvirtuamento do direito a um processo justo, legal e equitativo e a um atentado à realização do Direito.
DD. A decisão do Tribunal a quo, ao permitir a utilização da prova ilícita pelos Réus/Recorridos, colide diretamente com um princípio estruturante do Estado de Direito: o de que ninguém pode beneficiar do seu próprio ilícito.
EE. Também não se pode argumentar que o facto de as Autoras/Recorrentes terem requerido a entrega judicial dos referidos documentos torna admissível a mobilização dos mesmos por qualquer das partes.
FF. Sempre seria essencial para o exercício do direito à prova pelas Autoras/Recorrentes que os elementos ilícitos fossem juntos aos autos e valorados como prova do resultado ilícito da ingerência na privacidade e dos danos por si sofridos e respetiva extensão, sendo que o direito fundamental das Autoras/Recorrentes a aceder ao Direito não consente uma solução diversa.
GG. As Autoras/Recorrentes, quer na petição inicial quer em sede de réplica, sempre tomaram uma posição clara no sentido de pretender, tão-só, com o pedido de junção dessa documentação (ilícita), fazer prova dos factos por si alegados, designadamente no que concerne ao acesso pelos Réus/Recorridos aos segredos de negócio nela contidos e extensão desse acesso, não dando consentimento na sua utilização para quaisquer outros fins, perante os quais a mobilização do meio de prova ilícito é inadmissível.
HH. É aqui ainda convocável a aplicação analógica do disposto no art. 126.º, n.º 4, do CPP, devendo ser admitida a utilização das provas ilícitas exclusivamente para prova das pretensões das lesadas pela atuação ilícita, ou seja, in casu, para prova da posição jurídica das Autoras/Recorrentes, sendo inadmissível, conforme vimos referindo, a utilização de tais elementos pelos Réus/Recorridos.
II. A possibilidade de os Réus/Recorridos utilizarem a prova ilícita para produção de prova tendente às suas pretensões renova a ofensa ilícita ao direito fundamental das Autoras/Recorrentes ao sigilo da correspondência, ao passo que as Autoras/Recorrentes se vêm numa situação pior do que aquela em que estariam se não se tivesse verificado a ingerência abusiva e se tivesse cessado o evento lesivo do seu direito.
JJ. Finalmente, se a normas do n.º 3 do art. 126.º do CPP, ou do n.º 4 do mesmo artigo, isoladas ou conjugadas entre si, devessem ser interpretadas no sentido de que provas obtidas mediante intromissão na correspondência ou nas telecomunicações e declaradas ilícitas podem ser mobilizadas para produção de prova pela parte cujo comportamento concorreu para a ilicitude, em prejuízo da parte que se viu ofendida naquele direito fundamental, em obediência ao princípio da aquisição processual, tal implicaria de plano a inconstitucionalidade das referidas normas, aqui arguida para todos os efeitos legais, uma vez que incorreriam em violação:
a) Da norma do n.º 8 do art. 32.º da CRP, na parte em que qualifica como nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações;
b) Da norma do n.º 1 do art. 34.º da CRP, na parte em que consagra a inviolabilidade do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada;
c) Da norma do n.º 4 do mesmo art. 34.º, combinada com o art. 18.º, n.º 1 da CRP, na parte em que proíbe a ingerência de entidades privadas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação;
d) Da norma do art. 18.º, n.º 2, da CRP, quando conjugada com a norma do art. 32.º, n.º 8, com a norma do art. 34.º, n.º 1, e ainda com a norma do art. 34.º, n.º 4, todas da CRP;
e) Da norma do n.º 4 do art. 20.º da CRP, na parte em que confere o direito a um processo equitativo;
f) Da norma n.º 1 do art. 20.º da CRP, na parte em que consagra o direito de acesso ao Direito e aos tribunais.
KK. Por outro lado, se as normas do n.º 3 do art. 126.º do CPP, ou do n.º 4 do mesmo artigo, isoladas ou conjugadas entre si, devessem ser interpretadas no sentido de que não proíbem a mobilização de provas ilícitas ou obtidas ilicitamente, em prejuízo da parte que se viu ofendida num seu direito fundamental por via daquela ilicitude, igualmente deveriam tais normas ser consideradas inconstitucionais, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais, por violação:
a) Da norma do n.º 8 do art. 32.º da CRP, na parte em que qualifica como nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações;
b) Da norma do n.º 1 do art. 34.º da CRP, na parte em que consagra a inviolabilidade do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada;
c) Da norma do n.º 4 do mesmo art. 34.º, combinada com o art. 18.º, n.º 1 da CRP, na parte em que proíbe a ingerência de entidades privadas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação;
d) Da norma do art. 18.º, n.º 2, da CRP, quando conjugada com a norma do art. 32.º, n.º 8, com a norma do art. 34.º, n.º 1, e ainda com a norma do art. 34.º, n.º 4, todas da CRP;
e) Da norma do n.º 4 do art. 20.º da CRP, na parte em que confere o direito a um processo equitativo.
LL. Por último, se as normas do n.º 3 do art. 126.º do CPP, ou do n.º 4 do mesmo artigo, isoladas ou conjugadas entre si, devessem ser interpretadas no sentido de que é admissível a mobilização para produção de prova, pela parte que as juntou, de provas ilícitas ou obtidas ilicitamente quando a outra parte, ofendida num seu direito fundamental com a obtenção ou produção da prova ilícita, tenha requerido essa junção para efeitos de prossecução judicial dos seus direitos de ação, tais normas deveriam ser consideradas inconstitucionais, por violação:
a) Da norma do n.º 8 do art. 32.º da CRP, na parte em que qualifica como nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações;
b) Da norma do n.º 1 do art. 34.º da CRP, na parte em que consagra a inviolabilidade do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada;
c) Da norma do n.º 4 do mesmo art. 34.º, combinada com o art. 18.º, n.º 1 da CRP, na parte em que proíbe a ingerência de entidades privadas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação;
d) Da norma do art. 18.º, n.º 2, da CRP, quando conjugada com a norma do art. 32.º, n.º 8, com a norma do art. 34.º, n.º 1, e ainda com a norma do art. 34.º, n.º 4, todas da CRP;
e) Da norma do n.º 4 do art. 20.º da CRP, na parte em que confere o direito a um processo equitativo;
f) Da norma n.º 1 do art. 20.º da CRP, na parte em que consagra o direito de acesso ao Direito e aos tribunais.
Pretendem assim que a decisão recorrida seja revogada, sendo substituída por outra que julgue procedente a nulidade invocada pelas autoras/recorrentes em sede de audiência de julgamento e que não admita a produção de prova (testemunhal) por parte dos réus/recorridos com base na prova declarada ilícita, declarando nulas as partes dos depoimentos das testemunhas que por iniciativa dos réus/recorridos tenham sido produzidas a partir de tais meios ilícitos e determinando a inadmissibilidade de qualquer prova que venha a ser produzida a partir de tais elementos ilícitos, por iniciativa dos réus/recorridos, e consequente anulação de todo o processado com as legais consequências.
Os réus apresentaram contra-alegações nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se foi correta a decisão da 1ª Instância proferida na sessão de julgamento de 7.3.2019, na qual se permitiu que toda a prova existente nos autos – incluindo os mails referentes ao domínio @X….pt, propriedade das Autoras, acedidos ilegitimamente – fosse utilizada por ambas as partes.
*
Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
*
Passemos à sua apreciação.
Antes de mais, impõe-se referir que através do despacho proferido em 11.1.2019 na audiência prévia o Mmº Juiz “a quo” determinou que os documentos provenientes da correspondência privada dos autores, que foram acedidos ilicitamente por inexistir autorização destes, se mantivessem nos autos, isto porque tais documentos surgem como estruturantes para a decisão dos autos.
Salientou-se nessa decisão que, em sintonia com o princípio da economia processual, não faria sentido desentranhar esses documentos que, pela sua natureza essencial para o processo, mais tarde iriam ser inevitavelmente juntos por via do disposto no art. 429º do Cód. de Proc. Civil, norma que, inclusive, já havia sido invocada pelos autores no seu requerimento probatório.
Acontece que esta decisão, na parte em que admitiu a permanência nos autos de tal documentação, não foi objeto de recurso e, por essa razão, terá que se considerar a mesma transitada em julgado – cfr. art. 628º do Cód. de Proc. Civil.
E estando esses documentos nos autos, conforme entende o Mmº Juiz “a quo”, os princípios da aquisição processual, do contraditório e da livre apreciação da prova levam a que eles possam ser utilizados em audiência por qualquer uma das partes.
Ora, os autores/recorrentes, nas suas alegações de recurso, vêm realçar que a sua discordância não é relativamente à manutenção daqueles documentos nos autos, mas sim no que toca à mobilização de tais elementos por parte dos réus/recorridos para produção de prova, a seu favor, no processo.
Ou seja, entendem que da admissibilidade da junção não se pode inferir a admissibilidade da mobilização pelos réus desses documentos em prejuízo da parte que com a sua obtenção se viu ofendida no seu direito à inviolabilidade da correspondência.
Assim, a mobilização de prova declarada ilícita pelos réus torna ilícita a prova testemunhal que a partir dela tenha sido produzida, isto é, as partes dos depoimentos testemunhais que tenham resultado da exibição dos documentos ilícitos por parte dos réus.
Na perspetiva dos autores, a utilização pelos réus desses elementos documentais significaria que não estaríamos perante um processo justo e equitativo, pois estes iriam beneficiar do seu próprio ilícito.
Em suma, sustentam os autores/recorrentes que aos réus deveria ser negada a possibilidade de produzirem prova – designadamente testemunhal – a partir da documentação proveniente da sua correspondência privada e que foi acedida sem a sua autorização.
Esta questão é, ao cabo e ao resto, o alfa e o ómega dos presentes autos, pois tudo neles se reconduz ao conteúdo dos mails obtidos ilicitamente, de tal modo que o Mmº Juiz “a quo” bem os referenciou como estruturantes para a decisão da ação.
Neste contexto, face ao seu conteúdo essencial para o processo e para a justa composição do litígio, entendemos que a correspondência privada dos autores, figurando nos autos, como não podia deixar de figurar, se pode ser mobilizada pelos autores a seu favor, também poderá ser mobilizada pelos réus, nada impedindo que estes a exibam às testemunhas.
Com efeito, apesar da argumentação nesse sentido expendida pelos autores, ancorada em pareceres jurídicos apresentados, a tese por estes defendida, em que pretendem que os documentos ora em causa apenas possam ser valorados para prova dos factos que os beneficiam, não poderá ser acolhida por significar uma manifesta violação do direito de defesa dos réus.
Para além de contrariar também de forma evidente o princípio da aquisição processual consagrado no art. 413º do Cód. de Proc. Civil, onde se dispõe que «O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las…».
Conforme escreve JOSÉ ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., 1985, Coimbra Editora, pág. 273), “o juiz, quando decide a matéria de facto da acção, há-de tomar em consideração todas as provas constantes dos autos, quer elas tenham chegado a juízo por impulso da parte sobre que pesava o ónus de as produzir, quer por impulso da parte contrária, quer pela sua própria iniciativa.
O que importa, pois, é que os factos relevantes estejam apurados no processo; que a prova haja sido fornecida pela parte onerada com o encargo de demonstrar a existência deles ou por outra pessoa, é indiferente. Quer dizer, passa para plano secundário o ónus subjectivo e fica em primeiro plano o ónus chamado objectivo, ou seja a necessidade real e efectiva de que tais e tais factos se achem suficientemente provados.”
Por seu turno, LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª ed., pág. 213), sobre o princípio da aquisição processual, escrevem que “no momento da decisão, é irrelevante que a proposição do meio de prova tenha provindo de uma ou outra parte, ou ainda que a produção do meio de prova constituindo ou a apresentação no processo do meio de prova pré-constituído tenha resultado de iniciativa oficiosa; uma vez produzida a prova constituenda ou admitida a prova pré-constituída, ela deve ser considerada na decisão; por isso, não pode a parte retirar do processo, para nele não ser considerado, o meio de prova por si proposto, sem prejuízo de o poder fazer antes de produzido (se se tratar de prova constituenda).”
E se a solução propugnada pelos autores contraria o princípio da aquisição processual, também dificilmente se compagina com o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º do Cód. de Proc. Civil, onde se estatui que «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer
Flui deste princípio que o juiz, quando determina oficiosamente a realização de diligências probatórias, tem como finalidade o apuramento da verdade, independentemente da prova poder beneficiar o autor ou o réu.
Por conseguinte, tal como considera a Sr.ª Prof.ª Maria José Capelo, no seu parecer jurídico junto aos autos pelos réus, a posição defendida pelos autores – no sentido de que a prova aqui em causa só deverá ser utilizada para demonstrar os factos essenciais às suas pretensões – dificilmente poderá coabitar com um regime em que vigore a iniciativa oficiosa.
“O nosso sistema não chancela qualquer regime de “ineficácia relativa/subjetiva” de um meio de prova, não podendo uma das partes solicitar a desconsideração/desentranhamento para efeitos probatórios de factos relativos à parte contrária ou a “divisibilidade” do resultado da prova (no sentido de não servir para demonstrar factos que lhe são desfavoráveis).”
O que interessa, primacialmente, é a verdade material em relação aos factos alegados pelas partes, nada impedindo que a prova de um facto se faça sobre elementos carreados para o processo, não pela parte a quem o facto aproveita, mas sim pela parte contrária, a quem o facto prejudica.
Não pode, assim, merecer acolhimento, de acordo com alguns dos princípios fundamentais que norteiam o nosso ordenamento jurídico-processual (princípios da aquisição processual, do inquisitório, do contraditório, da livre apreciação da prova) a tese dos autores, em que estas procuram sustentar a valoração da prova aqui em causa, face à sua ilicitude, apenas “in bonam partem”, impedindo os réus de dela se poderem valer.
Ao invés, impõe-se que a prova concernente à correspondência privada dos autores (mails) possa ser utilizada tanto por estes como pelos réus, podendo pois ser exibida, por estes últimos, aquando da produção da prova testemunhal.
Tal como bem escreve a Sr.ª Prof.ª Maria José Capelo no seu parecer “de acordo com as regras do ónus da prova, recairá sobre os Autores a demonstração da realidade dos factos constitutivos das suas pretensões, e aos Réus, em exercício de contraditório e em vista dos mesmos e-mails, assiste o direito de contrariar as pretensões dos Autores, assim como de, legitimamente, discutir pretensões próprias intrinsecamente conexas com o objeto tal como foi conformado pelos Autores.”
Por outro lado, em sentido concordante, se mostra também o parecer do Prof. Michele Taruffo junto aos autos, que reconhecendo na interceção de numerosas mensagens eletrónicas do X... um grave e repetido acesso ilegítimo ao sistema informático desta entidade, entende não ser inadmissível a junção ao processo do registo dessas mensagens.
Escreve este que “o princípio generalíssimo de descoberta da verdade judicial prevalece, com efeito, sobre quaisquer considerações contrárias, e determina a admissibilidade da prova em questão, não obstante a ilicitude originária do acesso ao arquivo de e-mails do X....”
Deste modo, “sendo a prova admissível em linha geral, a mesma deve ser valorada pelo juiz relativamente a todos os factos aos quais a mesma se refere, já que se trata de alcançar uma decisão fundada no acertamento da verdade destes factos. Eventuais preferências ou indicações das partes não têm nenhum relevo no sentido de influenciar a decisão do juiz: esta deve simplesmente fundar-se sobre todas as informações atendíveis, fornecidas pelas provas de que o mesmo dispõe.”
Neste contexto, sempre salvo melhor entendimento, não se nos afigura que possa ser sustentável a posição dos autores que pretendem que a prova atinente aos mails seja valorada apenas em função dos seus interesses, surgindo, nesta perspetiva, manifesta confusão entre a sua posição processual e a posição do próprio tribunal.
Só que ao tribunal não importam os interesses particulares de cada uma das partes, mas tão-só a justa composição do litígio a a atingência da verdade judicial e, por isso, os meios documentais reunidos nos autos, e aqui em causa, reportar-se-ão ao universo dos factos controvertidos e não são mobilizáveis apenas por uma das partes para prova da sua posição.
Aliás, o princípio da proibição da indefesa, decorrente do art. 20º da Constituição da República, sempre impediria que os mails fossem utilizados somente em benefício dos autores.
Com efeito, não pode ser coartada aos réus a possibilidade de se defenderem e o exercício desse direito – de defesa – implicará, na situação dos presentes autos, a utilização dos mails no julgamento e a exibição dos mesmos às testemunhas para prova da sua versão dos factos.
Prosseguindo, entende-se ainda que a possibilidade de utilização pelos réus, neste caso, da prova acedida ilicitamente também na sua defesa, de modo a demonstrar as suas pretensões, não envolve violação de qualquer preceito constitucional e designadamente daqueles que vêm mencionados nas alegações de recurso dos autores [arts. 32º, nº 8, 34º, nºs 1 e 4, 18º, nºs 1 e 2 e 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República].
Antes se compagina, a nosso ver, com as normas e princípios constitucionais, em particular com o já referido princípio da proibição da indefesa, a cujo desrespeito conduziria a adoção da posição sustentada pelos autores.
Além do mais, haverá também a salientar que a posição processual assumida, neste segmento, pelos autores, perfila-se como contraditória, atendendo a que estes, num primeiro momento, vêm requerer, em termos probatórios, que os réus entreguem nos autos a correspondência privada das autoras [mails] que foi obtida ilegitimamente e, num segundo momento, pretendem que os réus não se possam valer, para sua defesa, dessa mesma correspondência.
Os referidos mails são os elementos esturuturantes e axiais da presente acção, é a eles que tudo se reconduz na procura da justa composição do litígio e, por isso, em nome dos acima mencionados princípios fundamentais que regem o processo civil - aquisição processual, inquisitório, contraditório, livre apreciação da prova – aos réus, na perspetiva da sua defesa, foi acertadamente concedida a possibilidade de exibirem esses mails aquando da produção da prova testemunhal, o que implica a confirmação do despacho recorrido proferido na sessão de julgamento efectuada em 7.3.2019.
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida na sessão de julgamento de 7.3.2019.
Custas a cargo dos autores/recorrentes.
*
4º recurso (apenso F)
O réu AA, em 4.4.2019, invocando o disposto no art. 423º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil e para corroboração de prova testemunhal produzida na audiência de julgamento de 29.3.2019, veio requerer a junção aos autos de documentos referentes à divulgação e disponibilização para download, por parte do Blog “...”, de dezenas de gigabytes de ficheiros de e-mail pertencentes a caixas de correio eletrónico com domínio @X....pt.
É o seguinte o teor deste requerimento, com a referência 32073975:
1º O “...”, com endereço eletrónico, entre outros sites, em ..., é um Blog que se vem dedicando à divulgação de conteúdos de carácter desportivo relacionados, sobretudo, com o X... e a X1..., SAD. Trata-se de um Blog disponível em acesso aberto pela internet.
2.º Desde meados de Dezembro de 2017 até inícios de Janeiro de 2019, o referido Blog divulgou e disponibilizou dezenas de gigabytes de conteúdos referentes a ficheiros de e-mail de caixas de correio electrónico pertencentes ao domínio @X....pt.
3.º Tal divulgação foi sendo feita de forma faseada, ficando os conteúdos disponíveis para download durante um dado período de tempo. Podendo, todos os diversos conteúdos, ser livremente acedidos e descarregados por qualquer pessoa que acedesse ao dito Blog através do site ....
4.º De entre os vários gigabytes de conteúdo disponibilizados pelo Blog “...”, destacam-se, nomeadamente, as caixas de correio de GG (Presidente da Direção do X... e do Conselho de Administração da X1..., SAD), HH (Administrador da X1..., SAD), II (...), JJ (antigo Director de conteúdos da X2...), KK (Director Financeiro dos A.A.), EE (Director de comunicação), LL (à data dos factos objecto da presente acção, assessor jurídico dos AA.), MM (actual assessora jurídica dos A.A.), entre outros.
5.º À medida que iam ocorrendo, estas disponibilizações de e-mails do @X....pt eram de imediato noticiadas nos mais diversos meios de comunicação social e sites da internet (blogs, fóruns de adeptos, redes sociais, etc.), todos anunciando a divulgação reiterada, e em massa, de caixas de correio electrónico (@X....pt) por parte do dito Blog “...”.
Vejamos:
⎯ 11/12/2017 – jornal ... online – “Foi divulgado um arquivo com várias conversas do comentador ...”: “Foi divulgada na internet uma página que contém um arquivo com cerca de 6GB de emails de JJ, comentador ... e antigo diretor de conteúdos da X2.... Os emails foram enviados entre Maio de 2010 e Março de 2017. Segundo a …, os autores da página também revelaram centenas de emails e passwords de dirigentes e funcionários do X....
... – cf. doc. 1.
⎯ 11/12/2017 – ... online – “Email e palavra passe de GG também foram divulgados. Assim como de outros dirigentes do X...”: “Informações pessoais de GG e de outros dirigentes do X... surgiram na Internet na sequência da divulgação de alegados emails de JJ, ficheiro que compreende cerca de 6 GB de suposta correspondência eletrónica do comentador afeto aos encarnados e antigo diretor de conteúdos da X2....”
.... – cf. doc. 2.
⎯ 08/02/2018 – ... – “Como o mundo é pequeno...”: “Nos arquivos de email divulgados pelo ... há um episódio que é bem demo[n]strativo da célebre expressão "como o mundo é pequeno", senão vejamos: II é actualmente treinador adjunto dos ... do X..., cargo que acumula com o de comentador da X2.... Para quem já não se recorda este senhor é um dos cartilheiros ao serviço de NN. Quando ingressou no X..., II mudou para uma habitação em .... No arquivo de email de II há uma factura da água da morada onde reside que foi passada em nome de um tal de OO (…)” – cf. doc. 3.
⎯ 21/03/2018 – ... online – “PP pediu bilhetes para ... ...-..., QQ também pediu bilhetes para os filhos em 2012”: “(…) Estas informações constam de uma série de e-mails revelados no blogue ...”. ... – cf. doc. 4.
⎯ 22/03/2018 – ... online – “X... recusou oferecer bilhetes a vereador da Câmara ... porque não teria retorno”: “(…) Em conversa com o RR [director do departamento de Casas do X...], parece que este “vereador” já teve algumas benesses de Tribuna Presidencial por parte das Casas e que não está a haver qualquer retorno para o Dpto e para o X.... O RR concorda que possam ser concedidos dois convites para o ..., mas não para o Presidencial ou Executive Seats. Quanto ao Museu, não acha que devamos atender”, diz o email reencaminhado pelo diretor de segurança dos encarnados a 12 de abril de 2014, e que consta do leque de emails divulgados este domingo pelo blogue “...” – que tem divulgado nos últimos meses não só os emails de alguns dirigentes e funcionários do clube da luz, como também da própria investigação ao caso ... (o caso em que funcionários judiciais acederam ilegalmente a processos do interesse do X..., alegadamente em troca de bilhetes para jogos e outras benesses) (…)”. ... – cf. doc. 5.
⎯ 29/03/2018 – Revista ... – “Quanto custa um bilhete de borla?”: “(…) Os emails divulgados pelo blogue ..., e analisados pela ..., mostram que, além dos pedidos dos três membros do Governo de QQ, chegaram a SS "encomendas" do próprio primeiro-ministro. Em novembro de 2012, quando era presidente da Câmara ..., e conforme divulgado pela ...o, QQ pediu bilhetes para os dois filhos assistirem à partida com o .... À mesma caixa de correio chegaram ainda 12 pedidos do primeiro Executivo de TT (…)” ... – cf. doc. 6.
⎯ 20/04/2018 – Público online – “Influência na arbitragem, poder político e judicial era objetivo da SAD do X...”: “(…) A informação foi apresentada num PowerPoint durante a reunião, e foi agora divulgada pelo blogue ... e pelo site da revista …. A apresentação estaria na caixa de correio de HH, administrador da SAD entre 2009 e 2012. Na troca de e-mails, que agora foi tornada pública, ultimavam-se os pormenores do PowerPoint de exposição dos “desafios” dos próximos cinco anos para a sociedade desportiva (…). De acordo com a nova leva de e-mails revelados pelo blogue ..., há ainda indícios de que foi o clube da Luz a pagar as despesas judiciais dos dois funcionários da C..., envolvidos em agressões com cinco jogadores do Y... e condenados a penas de multa pelo Tribunal da Relação de Lisboa. (…)”.
... – cf. doc. 7.
⎯ 20/04/2018 – ... online – “Caso dos emails. X... já discutia influência na arbitragem e na Federação em 2012”: “Novos emails que se tornaram públicos através do blogue ... apontarão para uma tentativa de controlo da arbitragem e da Federação, entre outros, por parte dos encarnados em 2012. O blogue ... revelou esta semana, mais concretamente na quarta-feira, mais alguns emails que terão sido alegadamente trocados por elementos da estrutura diretiva dos encarnados, neste caso por HH, administrador da SAD (…). Por fim, a correspondência agora divulgada mostrará também alegados indícios de que terá sido o X... a pagar as despesas judiciais dos dois funcionários da empresa de segurança C... envolvidos no mediático “caso do túnel”(…)”.
... – cf. doc. 8.
⎯ 21/04/2018 – ... online – “Emails do X... estão de regresso às manchetes: houve um plano de controlo nas diferentes áreas do poder no futebol português?”: “A revelação do jornal surge na sequência da publicação, sexta-feira, pela revista "…" de um artigo com base num novo conjunto de emails divulgado pelo blogue "...", a envolver correspondência eletrónica do administrador-executivo do X... HH (…)”. ...- – cf. doc. 9.
⎯ 25/04/2018 – ... online – “Mais emails prometidos para hoje pelo blogue ‘...’”: “O blogue ‘...’ promete revelar hoje, às 15 horas, mais emails do administrador do X..., HH. Como é anunciado, são 14 gigabytes de informação alegadamente relacionada com correspondência eletrónica do dirigente. Há uma semana, foram disponibilizados 4 gigabytes de emails do CEO, relativos ao período entre 2009 e 2012. Em março passado, a procuradora do DIAP Lisboa, UU, pediu a colaboração da D..., serviço onde está alojado o ‘...’, para saber quem está por detrás do blogue”.
... – cf. doc. 10.
⎯ 28/04/2018 – Jornal ... – “Justiça investiga últimas cinco épocas do X...”: “(…) Os e-mails de HH, CEO do X..., têm sido despejados na internet na página “...”. (…) Enquanto as diligências prosseguem, a página “...” continua a despejar correspondência eletrónica de elementos da estrutura encarnada. O caso mais recente é o de HH, CEO do clube, cujos e-mails foram divulgados no referido site (…)”.
... – cf. doc. 11.
⎯ 24/05/2018 – Revista ... – “Isto não é o da Tia Alice”: “(…) De acordo com os emails divulgados pelo blogue ..., e analisados pela ..., o administrador, que tinha a última palavra — juntamente com o presidente GG — sobre quem era ou não convidado para os jogos dos encarnados, também rejeitou borlas a outros políticos e até a banqueiros (…)”.
...-
775acaf3b7d2&cp=1 – cf. doc. 12.
⎯ 18/07/2018 – ... – “VV com cláusula anti-E... e Y...”: “Acordo de empréstimo do jogador ao ... caiu na internet. O X... incluiu uma cláusula anti-rivais no acordo com o ... para o empréstimo de VV, que foi divulgado esta quarta-feira pelo site ... (…)”.
... – cf. doc. 13.
⎯ Divulgação de contratos que motivou, aliás, a pronta reacção da SAD do X..., através de comunicado publicado no seu site oficial, nos seguintes termos: "Confrontada com mais uma divulgação criminosa de documentação privada, por parte do blogue '...', desta vez sobre os contratos firmados recentemente com os jogadores WW e XX, a X1..., SAD informa: 1. Estes contratos foram objecto de registo em quatro entidades diferentes, a saber: plataforma FIFA TMS, na Liga Portugal, Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e, por se tratar de jogadores estrangeiros, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF); 2. Estamos a analisar a situação e divulgação, sendo que para cada um dos contratos foram feitas marcas personalizadas encapotadas que permitirão identificar a origem do documento em causa; 3. Como tal será efetuada a participação criminal competente logo após esta análise."
... – cf. doc. 14.
⎯ 19/07/2018 – Comunicado do X...: “A X1..., SAD esclarece que os diversos emails divulgados pela notícia do site da revista …, com base em alegados emails publicados no blogue clandestino “...”, são falsos no conteúdo e nos endereços referidos (…)”.
... – cf. doc. 15.
⎯ 20/07/2018 – Jornal ... – “X... defende-se dos emails «falsos»”, “YY volta a surgir na polémica”, “.... Blogue ... divulgou emails que o X... diz serem falsos”: “(…) O X... garante que os últimos emails divulgados pelo blogue ... dão conta de que, alegadamente, os encarnados terão entregado prendas a árbitros a pedido de ZZ - "são falsos no conteúdo e nos endereços referidos". Nesta nova vaga de correspondência que caiu na internet surgem quase 20 emails, datados de janeiro a maio de 2013, enviados a GG por um remetente com o nome `.... Segundo a revista '…', alguns dos textos foram remetidos em ficheiros Word, sendo que, nestes, surge o nome de ZZ, ex- árbitro da AF ... já ligado a este caso dos emails, como autor desses mesmos documentos (…). YY, antigo delegado da Liga e um dos nomes centrais deste caso dos emails, voltou a surgir no 'olho do furacão' nesta nova vaga de correspondência divulgada pelo blogue ... (…)”.
... – cf. doc. 16.
⎯ 20/07/2018 – jornal ... – “Prendas pedidas para árbitros”: “(…) Entretanto o X... já negou a veracidade dos emails: "A SAD esclarece que os diversos emails divulgados pela notícia do site da revista '…', com base em alegados emails publicados no blogue clandestino `...', são falsos no conteúdo e nos endereços referidos".
...-
775acaf3b7d2&cp=1 – cf. doc. 17.
⎯ 24/07/2018 – jornal ... – “Novo ‘caso AAA’ agora nos emails”: “(…) Cinco anos depois, o caso AAA volta a dar que falar. Os alegados emails de LL, assessor jurídico das águias, divulgados na semana passada pelo blogue ..., indiciam que o clube da Luz estava a preparar um ataque ao então jovem craque do E..., mesmo antes de este avançar com a ação legal com que declarava nulo o contrato que tinha com os leões para a temporada 2013/14 (…)”.
... – cf. doc. 18.
⎯ 26/07/2018 – Jornal ... e ... online – “Transferência de BBB para o X... volta a ser notícia”: “O contrato de intermediação com vista à contratação de BBB pelo X... foi o mais recente a cair na internet, divulgado pelo blogue ..., permitindo perceber que o processo avançou em maio de 2017 (…)”.
...
... – cf. docs. 19.
⎯ 19/09/2018 – ... online – “Novos emails questionam valores da transferência de CCC, revelam ofertas a ex-dirigente da Liga e conversas no Facebook”: “O blogue ‘...’ divulgou, na madrugada desta quarta-feira, nova correspondência ligada ao clube da Luz, onde LL diz a GG que “seria simpático homenagear” DDD com a possibilidade de acompanhar o X... a ..., em ..., onde os encarnados defrontaram o ... na final da Liga Europa de 2014, depois deste lhe ter pedido dois bilhetes, a pagar, para ele e o sogro (…). Mas o ‘...’ não ficou por aqui e divulgou ainda uma troca de mensagens no Facebook entre o árbitro EEE e o então delegado da Liga YY, que acabaria por trabalhar na Luz como especialista em arbitragem (…)”. ... – cf. doc. 20.
⎯ 20/09/2018 – ... online – “X.... Nos emails revelam contactos e preços de prostitutas”: “(…) O blog ..., associado ao hacker FFF, voltou a divulgar esta quarta-feira novas mensagens trocadas entre o assessor jurídico do X..., LL, e YY, que foi delegado da Liga. Tal como noticiado pelo ..., que esta quinta-feira também revela o conteúdo de algumas dessas conversas feitas em 2013 e 2014, as mensagens indiciam que o ex-delegado da Liga colaborava com o clube encarnado e acompanhava as equipas de arbitragem (…)”.
... – cf. doc. 21.
- 20/09/2018 – Jornal ... e ... online – “‘Fruta’ de 200 euros no X...”, “GG controlava bilhetes”: “São vários os mails entre YY, ex-delegado da Liga, e LL, agora tornados públicos pelo blog ..., que envolvem o ex-assessor jurídico dos encarnados (…)”.
...-
7dfa312aa028&analises=1&cp=1&userid=290822e4-4e13-4f2c-be3b-775acaf3b7d2&cp=1
... – cf. docs. 22.
⎯ 21/09/2018 – jornal ... – X... pagou 165 mil€ a LL em 2013”: “O X... pagou mais de 165 mil euros a LL, assessor jurídico da SAD, em 2013, como se pode confirmar na declaração de IRS passada pelo clube e que está incluída no último rol de mails divulgados pelo blog ... (…)”.
... – cf. doc. 23.
- 21/09/2018 – ... online – “Fomos hoje a ... ao terço.” As mensagens de LL sobre os árbitros e o X...”: “(…) Já esta semana, o blogue ... (associado ao hacker FFF) revelava novos e-mails que davam conta de como funcionaria o alegado esquema de corrupção envolvendo LL e o ex-delegado da Liga, YY, que serviria de ligação a árbitros (…)”. ... – cf. doc. 24.
- 22/09/2018 – ... online – “Novas revelações dos emails: YY queria o irmão como delegado”: “Uma série de novos emails divulgados pelo blogue ..., alegadamente gerido pelo ‘hacker’ FFF, mostram uma conversa entre YY e LL, na qual o então delegado da Liga enviava ao agora ex-assessor jurídico da SAD encarnada um pedido para que o irmão – GGG, que foi árbitro da AF ... – fosse ‘promovido’ a delegado. Essa seria a melhor forma para que ambos pudessem estar ‘em cima dos acontecimentos’ (…)”. ... – cf. doc. 25.
- 19/10/2018 – ... – “Processo acaba se X... não notificar bloggers”: “(…) Mais e-mails internos do X... foram ontem revelados pelo ...". Desta vez, foram libertados nove gigabytes de correspondência com origem numa antiga funcionária do clube encarnado. Contudo, e contrariamente ao que tem sido habitual sempre que é tornada pública informação privada do X..., nenhum dos blogues e páginas de Internet afetas ao Y... e ao E... replicaram as comunicações eletrónicas entre funcionários, colaboradores e dirigentes da Luz (…)”.
... – cf. doc. 26.
- 18/10/2018 – ... online – “Nova remessa de emails do X... chegou a estar indisponível”: “Blogue ... prometia nova remessa de emails a partir das 18 horas desta quinta-feira e tal foi cumprido, ainda que o endereço para o descarregamento do mesmo estivesse operacional durante apenas oito minutos. O ficheiro de aproximadamente 7,7 gigabytes acabou por ficar em baixo e um novo endereço reapareceu para o efeito mas com o mesmo fim: sem sucesso para conclusão do download. Recorde-se que já a 18 de setembro, há exatamente um mês, o referido blogue prometia mais revelações em relação ao X... que acabaram por ser travadas. Posteriormente, o endereço para descarregar os emails acabou mesmo por ficar disponível para download”.
... – cf. doc. 27.
... – cf. doc. 27-A.
- 19/11/2018 – Rádio ... online – “Novos mails apontam para manipulação da PSP sobre apreensão de pirotecnia”: “(…) Um novo conjunto de "e-mails" divulgado pelo ..." e replicados em diversos órgãos de imprensa e redes sociais apontam para o facto de a Polícia de Segurança Pública ter manipulado os números sobre a apreensão de artefactos de pirotecnia no decorrer do ...-..., jogado a 26 de abril de 2015 e que terminou sem golos (…)”. ... – cf. doc. 28.
- 09/01/2019 – ... online – “Blogue ... transferiu-se para o Irão mas voltou a ser encerrado”, “Polémico blogue divulgou nos últimos dias documentos referentes à Operação ... e ao caso ..., conseguidos no âmbito de um ataque informático à F...”: “O blogue que divulgou emails do X... já tinha sido encerrado, quando estava alojado na plataforma D..., tendo sido reaberto na blogsky.com, sediada no Irão. No entanto, os conteúdos publicados nos últimos dias, referentes a vários casos polémicos como a Operação ..., os ... e o caso ..., que terão sido conseguidos após um ataque informático à sociedade de advogados F..., já não podem ser consultados. Em ..., onde estava alojado o Blogue do X..., pode agora ler-se: “Esta página foi encerrada por violar os nossos termos e condições (…). O ... divulgou durante vários meses a informação sigilosa do X.... Apesar de, aparentemente, nada ter sido feito para travar, a verdade é que nos bastidores o Ministério Público e a Polícia Judiciária estiveram sempre atentos. Uma fonte próxima da investigação explicava ontem ao i que nestes casos “é preciso considerar que a internet é um espaço de liberdade, que não tem fronteiras”.
... – cf. doc. 29.
- 18/01/2019 – ... online – “Novos emails do ... carregados há dez dias”: “O Blog "..." tem disponível um link para descarregar e-mails de KK, diretor financeiro do clube encarnado, mas os ficheiros foram alojados num servidor de partilha de dados, no dia 8 de janeiro, ou seja, antes da detenção de FFF (…)”.
... – cf. doc. 30.
- 19/01/2019 – ... online – “Blog revela novos emails do X...”: “Blog ... volta a revelar emails do clube, isto já depois da detenção de FFF, na Hungria. O blog ... disponibilizou esta sexta-feira uma nova caixa de correio, desta vez, de KK, CEO da SAD do X..., avança a revista … (…)”.
... – cf. doc. 31.
6.º Ora, apesar de a plataforma D..., onde se encontrava sediado o “...”, ter sido suprimida – assim impossibilitando o acesso aos conteúdos do Blog – estas disponibilizações de e-mails atinentes ao domínio @X....pt (as quais incluíam, as mais das vezes, caixas de correio eletrónico completas de dirigentes e colaboradores dos A.A.) estão, ainda hoje, evidenciadas em diversos fóruns e páginas de internet, como é o caso do “FórumE...”, disponível em ... – cf. doc. 32.
7.º Uma consulta rápida dos vários links constantes da aludida página da internet, permite, desde logo, perceber de que forma eram feitas as divulgações dos ficheiros por parte do “...”, estando ainda disponíveis algumas das ligações (publicadas no dito Blog) que davam acesso directo à descarga do correio eletrónico.
8.º Assim temos, por exemplo, no dia 18/04/2018 o anúncio da iminente publicação no Blog “...” das caixas de correio de HH, ao que se seguiu a efectiva disponibilização dos ficheiros – acompanhada com a publicação de diversos post por parte dos moderadores do fórum contendo afirmações como “Já saíram. Toca a descarregar.” – cf. doc. 33.
9.º Também em relação à divulgação do correio eletrónico de GG, foram publicados, dia 02/01/2018, vários comentários informando “Já há link.” e “HÁ FOGO! JÁ SAÍU O ARQUIVO!”, referindo-se à disponibilização dos ficheiros de e-mail no “...”– cf. doc. 34.
10.º Sucessão de acontecimentos que se verificou igualmente aquando da divulgação da caixa de correio de JJ no dia 10/12/2017 (cf. doc. 35), LL em 01/01/2018 (cf. doc. 36), e II em 15/01/2018 (cf. doc. 37).
Os autores responderam, em 9.4.2019, sustentando que o requerimento apresentado pelo réu constituía novo articulado superveniente inadmissível, que a junção de documentos se afigurava manifestamente extemporânea e irrelevante para a decisão da causa e que parte dos documentos constituía prova ilícita.
Foi depois proferido o seguinte despacho judicial na sessão de 10.4.2019:
“No que respeita à junção de documentos:
1 - Quanto à existência de um articulado superveniente:
Nada a determinar já que se entende o requerimento como fazendo menção, por resumo, do teor dos documentos juntos.
2 - Quanto à oportunidade da junção:
Têm toda a razão os Autores X..., já que de acordo com o art.º 423.º do C.P.C. deveria ser rejeitada a junção. Todavia o tribunal entende que estamos perante a segunda parte da previsão do n.º 3, ou seja - aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior - porque essa materialidade só foi aflorada pela primeira vez em sede de audiência de julgamento, apesar de já estar nos temas da prova. Logo parcialmente os documentos enquadram-se na parte final desta norma, sendo que não são desde já manifestamente inúteis para a boa decisão da causa, pelo que se admite a sua junção, condenando-se porém os Réus nas custas da junção tardia em 1 UC.
3 - Quanto ao conteúdo material da junção:
Pretendem novamente os Autores que essa prova é ilícita.
Estamos perante documentos que fazem menção à divulgação e publicitação em vários jornais ou sítios de jornais, pelo que está em causa a liberdade de informação e não o conteúdo intrínseco dos e-mails, o que só por si torna lícitos os documentos.
Logo existe uma causa de exclusão e por isso não está em causa nem foi abordado (em nenhum parecer) esta situação, isto é, as notícias sobre os emails através de jornais.
Aliás, os Autores tanto concordam que não demandam qualquer ordem de informação neste processo. Aceitam por isso que o exercício de liberdade de imprensa faz parte do corolário de uma sociedade democrática o que torna lícitos esse[s] documentos.
Em segundo lugar, a natureza lícita ou ilícita dos mesmos é além do mais uma questão central da ação, pelo que poderia ser determinada apenas a final. Aliás é o argumento que já foi usado várias vezes nos autos.
Por último dois desses documentos são comunicados das AA pelo que estranho seria que fossem ilícitos.
Assim nada obsta a que seja admitida a junção dos 32 (trinta e dois) documentos feitos pelos Réus.”
Os autores, inconformados com este despacho, dele interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem como objeto a decisão proferida pelo Tribunal a quo na sessão da Audiência de Julgamento realizada no passado dia 10.04.2019, que admitiu o requerimento apresentado pelo Recorrido em 04.04.2019, admitindo igualmente a junção por este requerida de 38 (trinta e oito) documentos.
B. Salvo o devido respeito, as Recorrentes discordam do Tribunal a quo ao decidir da forma descrita, motivo pelo qual pretendem, por via do presente recurso, demonstrar a improcedência dos fundamentos em que se funda esta decisão e a necessidade da sua substituição por outra que não admita o requerimento apresentado pelo Recorrido, rejeitando a junção de documentos que o acompanha, os quais deverão ser desentranhados dos autos.
C. O requerimento apresentado pelo Recorrido constitui um novo articulado, mais concretamente um articulado não admissível, uma vez que o Recorrido não se limitou a requerer a junção aos autos dos referidos documentos ou a apresentar naquele requerimento uma súmula do teor dos mesmos, antes se servindo do expediente previsto no art. 423.º, n.º 3, do CPC, para fazer uma extensa alegação de factos (novos), tecer um conjunto de considerações e reproduzir uma série de recortes noticiosos e comentários de frequentadores da blogosfera, sem qualquer relação com o que se discute nos presentes autos.
D. O Recorrido narra alegadas publicações no blog/site “...” de elementos de correspondência eletrónica supostamente pertencente às Recorrentes, descreve o modo de disponibilização dos conteúdos e de acesso aos mesmos, bem como os tipos de publicações, visados ou a sua repercussão nos media e blogosfera, mais descrevendo supostos resquícios daquelas publicações em fórum de internautas afetos ao E..., chegando mesmo a reproduzir comentários dos utilizadores anónimos daquele fórum, o que faz detalhadamente ao longo de 15 (quinze) páginas (!).
E. Sucede que a apresentação posterior de documentos não se confunde com a articulação de factos (novos), pois que o mecanismo da junção tardia de documentos não serve para trazer aos autos factos que ainda não haviam sido invocados, antes destinando-se a facilitar a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido até então possível.
F. O âmbito do requerimento de junção (posterior) de documentos esgota-se com a enunciação dos motivos determinantes da junção, justificação da apresentação extemporânea e indicação dos factos e/ou temas de prova a que se referem os documentos cuja junção se pretende; pelo que não estamos aqui perante uma junção de documentos, mas antes perante algo diferente: a apresentação de um extenso articulado de quinze páginas contendo uma alegação de factos novos, com junção dos documentos destinados a corroborar os factos que nele são apresentados.
G. O Recorrido vai muito para além do mero requerimento de junção tardia de documentos, o que resulta inequívoco dos factos narrados e da extensão do articulado, mais sendo demonstrativo disso mesmo o facto de o Recorrido nem sequer procurar justificar a apresentação extemporânea ou cuidar de indicar os temas da prova a que os mesmos respeitam, tendo errado o Tribunal a quo, na decisão recorrida, ao ter-se atido a julgar o requerimento «como fazendo menção, por resumo, do teor dos documentos juntos».
H. Fenece por isso, desde logo, a douta decisão recorrida, ao não considerar o requerimento apresentado pelo Recorrido como um articulado, pois que deveria o Tribunal a quo, em face de tal circunstância ter aferido da conveniência e oportunidade de tal articulado, em função do estatuído no art. 588.º e seguintes do CPC, ultrapassada que está há muito a fase dos articulados.
I. Todos os factos invocados pelo Recorrido se reportam a circunstâncias, alegados documentos disponibilizados e/ou notícias de jornais que foram divulgados ou ocorreram em datas anteriores à audiência prévia (com exceção dos docs. 30 e 31), não tendo o Recorrido alegado, nem provado, em momento algum, o seu desconhecimento dos mesmos ao tempo da sua ocorrência/divulgação.
J. Os factos alegados, com exceção das duas notícias assinaladas, não são supervenientes, nem tão-pouco de conhecimento superveniente, pressuposto cuja verificação sempre seria necessária para a admissão do articulado, nos termos do que dispõe o art. 588.º, n.º 2, do CPC, pelo que deveria o Tribunal a quo ter rejeitado liminarmente o articulado, atendendo, desde logo, à extemporaneidade do mesmo, nos termos do disposto no art. 588.º, n.º 4.
K. Por outro lado, não são carreados quaisquer factos essenciais suscetíveis de impedir, modificar ou extinguir os direitos alegados pelas Recorrentes, nem tal circunstância é sequer alegada pelo Recorrido, sendo certo que «O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC» (nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.04.2014, relativo ao processo n.º 387/11.0TBPTL-B.G1).
L. Não está assim verificada a essencialidade necessária à admissão de factos supervenientes – os quais, em todo o caso, não são supervenientes na presente situação, conforme acima se deixou demonstrado –, pelo que o requerimento apresentado pelo Recorrido deveria ter sido, também por aqui, liminarmente rejeitado, devendo ter sido correspondentemente ordenado o seu desentranhamento, de acordo com o art. 588.º do CPC.
M. Adicionalmente, todos os documentos juntos pelo Recorrido têm data anterior à correspondente aos 20 dias anteriores à data da realização da audiência final, pelo que deveriam ter sido apresentados no tempo devido, com respeito pelo regime legalmente consagrado no art. 423.º do CPC, uma vez que parte deles já se encontrava disponível ao tempo dos articulados, sendo que os restantes se tornaram públicos em datas anteriores ao limite temporal para a apresentação de documentos definido no n.º 2.
N. Refira-se ainda que o Recorrido não alegou, muito menos demonstrou, qualquer vestígio de impossibilidade de os documentos terem sido anteriormente juntos, no tempo devido, também não cuidando de alegar qualquer eventual desconhecimento sobre os mesmos ao tempo em que foram publicados, pelo que não se verifica a hipótese de admissão da junção prevista no art. 423.º, n.º 3 (primeira parte).
O. É curial chamar à colação o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.12.2015 (processo n.º 1395/08.3TBLRA-B.C1), que se subscreve: «Não estando demonstrado que não foi possível aos recorrentes apresentar os documentos atempadamente, não se pode ter como preenchido o requisito a que se alude no artigo 423.º, n.º 3 do NCPC, para que fosse admitida a junção dos referidos documentos».
P. Nessa medida, a apresentação pelo Recorrido dos referidos documentos, no momento em que o foi, mostra-se claramente extemporânea, pelo que deveria ter sido rejeitada, de harmonia com o disposto no art. 423.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC.
Q. Por outro lado, o Recorrido não indicou tão-pouco os factos da causa que pretendia provar, nem a que temas de prova pretendia dirigir a junção de documentos requerida, ónus a que estava obrigado, na senda da jurisprudência preconizada no Acórdão do Tribunal da Relação do ... de 15-02-2016 (referente ao processo n.º 96/14.8TTVFR-A.P1), o que justificava igualmente a rejeição da junção requerida.
R. Apesar de reconhecer o caráter extemporâneo da apresentação de documentos o Tribunal a quo decidiu admitir a mesma, invocando o disposto no art. 423.º, n.º 3, in fine, do CPC, isto é, entendendo estar perante «a segunda parte da previsão do n.º 3, ou seja – aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – porque essa materialidade só foi aflorada pela primeira vez em sede de audiência de julgamento, apesar de já estar nos temas da prova. Logo parcialmente os documentos enquadram-se a parte final da norma (…)» (cf. decisão recorrida).
S. Entendeu o Tribunal a quo que a prova testemunhal produzida na sessão da audiência de julgamento do dia 29.03.2019, conforme alegado pelo Recorrido, em que tinha sido abordada pela primeira vez a matéria das divulgações do site “...”, designadamente no depoimento da testemunha HHH, consubstanciava a “ocorrência posterior” que justificava a apresentação dos ditos documentos.
T. Sobre esta matéria, deveria porém ter sido seguida a jurisprudência absolutamente clarividente do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2017, referente ao processo n.º 3410-12.7TCLRS-A.L1-6: «– O depoimento de testemunhas arroladas nos autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do nº3 do artº 423 do C.P.C.».
U. A circunstância de determinada matéria só ter sido “aflorada” pela primeira vez em sede de audiência não possibilita a junção tardia de documentos destinados à compreensão de tal matéria, pois que os mesmos sempre deveriam ter sido juntos no momento próprio, com respeito pela disciplina do art. 423.º do CPC, responsabilidade que incumbia exclusivamente ao Recorrido.
V. Mesmo que o Tribunal a quo tivesse entendido o requerimento apresentado pelo Recorrido como um requerimento de junção de documentos e não como um articulado (superveniente), a junção deveria ter sido rejeitada, ao abrigo do disposto no art. 423.º, n.º 3, do CPC, uma vez que não se demonstrou que a apresentação só foi possível naquele momento – nem tão pouco se alegou sequer tal circunstância –, nem se logrou demonstrar que a junção se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior – sendo certo que o depoimento de testemunhas arroladas não constitui ocorrência posterior que permita a junção tardia de documentos, não se vislumbrando, nem sendo alegada, qualquer outra situação que possa constituir ocorrência posterior determinante da junção.
W. De acordo com o referido pelo próprio Recorrido, de entre os documentos juntos constam notícias, textos de blogues e prints de fóruns que se baseiam em alegada correspondência eletrónica conexa ao domínio “@X....pt”, domínio que é da propriedade das Recorrentes e exclusivamente utilizado por estas para a sua comunicação privada, sendo que a alegada correspondência terá sido disponibilizada no site/blog já referido, com violação da proteção constitucional garantida pelos n.ºs 1 e 4 do art. 34.º da CRP e mediante a prática do crime de violação da correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo art. 194.º do CP.
X. A esmagadora maioria dos documentos juntos pelo Recorrido é dedicada à reprodução e/ou especulação do suposto conteúdo da alegada correspondência privada que terá sido disponibilizada por aquele site/blog, o que se verifica designadamente com os documentos n.ºs 3 a 9, 11 a 14, 16 a 26, 28 e 32 a 37.
Y. Toda a documentação junta pelo Recorrido que reporta, direta ou indiretamente, a alegados emails atinentes ao domínio “@X....pt”, incluindo notícias e relatos baseados em suposta documentação privada subtraída às Recorrentes, é necessariamente ilícita e proibida para os fins da defesa e reconvenção do Recorrido, seja para benefício da posição substantiva ou processual deste e/ou de quaisquer atos de terceiros contra os direitos das Recorrentes, conforme determina o estatuído nos artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 1 e n.º 4, todos da CRP, bem como no art. 126.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sentido que é apontado nos Pareceres preparados pelos Senhores Professores José Lebre de Freitas, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, por referência à correspondência eletrónica (ou alegada correspondência eletrónica) propriedade das Recorrentes, trazida aos autos pelos Réus na sua contestação.
Z. Acrescente-se, citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, referente ao processo 595/07.8TMBRG (relator Manso Rainho), que «as proibições de prova produzem, na sua atendibilidade e valoração, aquilo a que se costuma chamar “efeito à distância”, no sentido (que porém não esgota o conteúdo da figura) de que da mesma maneira que não é admissível a prova proibida directa, também não é tolerável a prova mediata, fundada naquela outra.».
AA. Toda a prova que se possa querer fazer a partir da recolha e divulgação de elementos ilícitos, como é o caso de boa parte dos documentos juntos pelo Recorrido e em causa no despacho recorrido, é necessariamente ilícita, o que decorre aliás do disposto no art. 195.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC.
BB. Pelo que se disse, a referida prova é ilícita, designadamente os documentos n.ºs 3 a 9, 11 a 14, 16 a 26, 28 e 32 a 37, não podendo ser admitidos em juízo, o que se impõe nos termos do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP, bem como no art. 126.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
CC. Finalmente, ao contrário do que é fundamentado no despacho recorrido, não está em causa, de modo algum, a liberdade de informação, mas antes (a ilicitude) do ingresso no processo, como meios de prova, de elementos produzidos a partir de meios ilícitos, para prova de determinadas pretensões do Recorrido e dos demais co-Réus; sendo que urge esclarecer que não é verdade que estejamos perante meras menções a divulgações, uma vez que os documentos referidos se dedicam à reprodução e/ou especulação do suposto conteúdo da alegada correspondência divulgada e não a simples alusões à existência de divulgações.
DD. Uma coisa é a liberdade de noticiar as divulgações, que não está aqui em causa; coisa diferente é a utilização, como meio de prova, de documentos baseados em elementos ilícitos e obtidos através de atuação criminosa, sendo que é isso que agora se discute.
EE. Só se poderia falar em causa de exclusão da ilicitude se tivesse a ser julgada a cobertura noticiosa dada à situação, o que manifestamente não se coloca, pois que não é seguramente a liberdade de informação que funda a mobilização dos referidos documentos para o processo como meios probatórios pelo Recorrido; sendo que o que está aqui a ser analisado é tão somente a admissibilidade da junção de documentos baseados em meios ilícitos, não a conduta dos meios de comunicação ou dos jornalistas responsáveis pela produção dos documentos juntos.
FF. Também não é de aceitar a conclusão de que a natureza lícita ou ilícita dos documentos seja uma questão a ser decidida a final, pois que as normas imperativas citadas determinam, sem qualquer margem para ponderação, que tais documentos são inevitavelmente ilícitos.
GG. A decisão recorrida colide frontalmente com normas e princípios jurídicos basilares do ordenamento jurídico nacional, violando, designadamente, os arts. 588.º e 423.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC e, bem assim, os arts. 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 1 e n.º 4, todos da CRP, bem como no art. 126.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
HH. Perante o exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que rejeite o requerimento apresentado pelo Recorrido, por não admissível, ordenando ainda o desentranhamento dos documentos juntos e a inadmissibilidade de os mesmos poderem ser utilizados como meio de prova.
O réu/recorrido AA apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação da decisão recorrida.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a junção dos documentos apresentados pelo réu AA, com o seu requerimento de 4.4.2019, é ou não admissível ao abrigo do disposto no art. 423º do Cód. de Proc. Civil.
*
Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
*
Passemos então à sua apreciação.
Os autores insurgem-se contra o despacho proferido na sessão de julgamento de 10.4.2019, que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo réu AA através do requerimento de 4.4.2019, entendendo que essa junção foi intempestiva e ainda que tal requerimento consubstancia articulado superveniente inadmissível.
Vejamos.
Antes de mais, há a assinalar que no requerimento de 4.4.2019, acima transcrito, o réu AA se limitou a fazer um resumo do conteúdo dos documentos que juntou, de tal forma que o mesmo não é suscetível de integrar qualquer articulado superveniente nos termos dos arts. 588º e 589º do Cód. de Proc. Civil.
Mas, prosseguindo, será que foi acertado o despacho do Mmº Juiz “a quo” que admitiu a junção dos documentos então apresentados por aquele réu?
O art. 423º do Cód. de Proc. Civil, que regula o momento de apresentação da prova documental, estatui o seguinte:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
Reconhecem-se assim três momentos distintos para a apresentação de documentos em 1ª instância:
a) com o articulado respetivo - o que constitui regra geral -, sem cominação de qualquer sanção;
b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação em multa, exceto se a parte provar que não os pôde oferecer com o articulado;
c) após este marco temporal e até ao encerramento da discussão em 1ª instância[22], mas, neste caso, somente daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.[23]
Com a inovação do nº 2 do art. 423º do Cód. de Proc. Civil, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.[24]
Com efeito, em sede de apresentação de prova documental havia uma certa tendência, convertida em autêntica estratégia processual, traduzida em protelar a junção de documentos para o decurso da audiência final. Os efeitos negativos que isso determinava, com o arrastamento das audiências e a perturbação do decurso dos depoimentos, levaram o legislador a adotar uma solução mais rígida, sem que daí resulte, todavia, prejuízo para a descoberta da verdade. Vigorando, embora, o ónus de apresentação da prova documental com o articulado em que são alegados os factos correspondentes, foi definido um termo ad quem no vigésimo dia anterior à data designada para a realização da audiência final, o que significa que até àquele momento as partes podem apresentar documentos, sujeitando-se ao pagamento de multa, salvo se a apresentação extemporânea for considerada justificada.[25]
Assim, ultrapassado que esteja o prazo de vinte dias antes da data da realização da audiência final, apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, ou seja, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento.
Por outro lado, também é admissível a junção de documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, cuja natureza deve ser casuisticamente averiguada.[26]
Daqui decorre que a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 423º do Cód. de Proc. Civil deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção em momento anterior ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
No caso dos autos, o réu AA para a pretendida junção de documentos invocou o preceituado no art. 423º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, referindo tão-só que o fazia para corroboração da prova testemunhal produzida na sessão de julgamento de 29.3.2019.
Atendendo a que os documentos apresentados pelo réu se reconduzem a notícias, textos de blogues, comunicados de imprensa da X1... SAD e prints de comentários em fóruns datados do período compreendido entre 11.12.2017 e 19.1.2019, logo se terá de concluir que todos eles têm data anterior à que corresponde aos vinte dias que antecederam a da realização da audiência final, que se iniciou no dia 7.3.2019.
Tal significa que todos esses documentos poderiam ter sido apresentados em tempo devido, ou com o articulado respetivo ou dentro do limite temporal previsto no nº 2 do art. 423º do Cód. de Proc. Civil.
Não pode, pois, a junção dos documentos, ocorrida fora daquele limite temporal, fundar-se no disposto na primeira parte do nº 3 do art. 423º do Cód. de Proc. Civil.
A questão que então se colocará é a de saber se essa junção se poderá concretizar com apelo à segunda parte desta mesma disposição legal, por se ter tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Ora, constata-se que a alegação do réu no sentido de justificar a apresentação tardia dos documentos se mostra muito parcimoniosa, uma vez que este apenas alega que a junção destes se destina à corroboração da prova testemunhal produzida na sessão de julgamento de 29.3.2019.
Para além do réu também não indicar quais os factos da causa que pretende provar com aqueles documentos, nem a que temas da prova se dirige a sua junção, o que deveria ter sido feito.
Neste sentido, no Acórdão da Relação do ... de 15.2.2016 (proc. 96/14.8 TTVFR-A.P1, relator Domingos Morais, disponível in www.dgsi.pt.) entendeu-se que no ato de apresentação tardia do documento escrito a parte interessada deverá indicar, de forma discriminada, os factos a que tal prova se destina, para além da justificação temporal prevista no art. 423º, nºs 2 e 3 do Cód. de Proc. Civil.
Aí se refere que esta indicação discriminada é fundamental por dois motivos:
- para a parte contrária poder exercer o direito ao contraditório, estatuído no artigo 427.º; e
- para o juiz poder cumprir o determinado no artigo 443.º, n.º 1, ou seja, verificar da impertinência ou desnecessidade da junção tardia de documentos, ainda que de forma perfunctória.
Pode assim concluir-se que ao apresentante de um documento ao abrigo do art. 423º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil incumbe um duplo ónus: o da justificação temporal da apresentação tardia e o da indicação discriminada e fundamentada dos factos a que esse documento se destina.
Na situação “sub judice” o réu, conforme já se referiu, não indicou quais os factos que visa provar com os documentos cuja junção pretende e na justificação relativa ao momento temporal da mesma apenas aludiu à prova testemunhal produzida na sessão de julgamento realizada em 29.3.2019.
Uma justificação vaga e difusa.
Sucede que o depoimento de testemunhas, só por si, não constitui ocorrência posterior que torne necessária a junção de documentos
Escreve-se o seguinte no Acórdão da Relação de Lisboa de 6.12.2017 (proc. 3410-12.7 TCLRS-A.L1-6, relatora Cristina Neves, disponível in www.dgsi.pt.) que se passa a citar:
“Os meios de prova destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.”
A necessidade de junção ou não de documentos reporta-se sempre aos factos integrados nos temas de prova e visa a sua prova ou contraprova.
O depoimento de uma testemunha, arrolada nos autos, não constitui nunca ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer com esta norma.” – o art. 423º, nºs 2 e 3.
Permitir que os depoimentos de sucessivas testemunhas sirvam, como ocorrência posterior, para fundar a constante apresentação de novos documentos poderá conduzir à subversão do espírito disciplinador que emergiu da nova redação do art. 423º do Cód. de Proc. Civil.
Com efeito, não é admissível que a cada novo depoimento testemunhal, a cada nova sessão de prova, as partes valendo-se da novidade dos depoimentos venham juntar novos documentos.
Tal significaria a persistência de uma prática que o legislador, de forma assumida, quis abolir.
Porém, esta solução não pode deixar de ser vista com alguma cautela, de tal forma que em certas circunstâncias a prestação de um depoimento testemunhal, mesmo não sendo a regra, poderá constituir ocorrência posterior justificativa da apresentação de documentos, fora dos tempos legalmente previstos para tal efeito, desde que o afirmado pela testemunha integre facto novo e não facto já alegado no processo.
Uma vez que os factos essenciais têm de constar necessariamente de articulado ordinário ou extraordinário, poderá concluir-se que este facto novo terá de ser natureza instrumental, complementar ou concretizadora.
Neste contexto, a introdução de um facto com tal natureza em sede de depoimento de uma testemunha, sempre autorizaria, ao abrigo do art. 523º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, a produção de prova, documental, em momento ulterior aos previstos nos nºs 1 e 2 deste preceito.
E, por isso, se conclui no Ac. Rel. Lisboa de 29.6.2019 (proc. nº 27/18.6 T8ALQ-A.L1-6, relatora Ana Azeredo Coelho, disponível in www.dgsi.pt.) que “os factos instrumentais, indiciários ou probatórios, serão assim o campo natural de aplicação da norma da IIª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC.”[27]
Deste modo, o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torne necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos no art. 423.º, n.º 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil, desde que no seu depoimento invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como factos essenciais.
Regressando ao caso dos autos, o que se constata é que o requerimento apresentado pelo réu AA em 4.4.2019 é muito singelo e apenas se refere de forma vaga e genérica à prova testemunhal produzida na sessão de julgamento realizada em 29.3.2019, sem especificar qualquer concreto depoimento, ou parte do mesmo, em que tenham sido referidos factos novos que sirvam de justificação à junção dos documentos que nessa ocasião apresenta.
Tal como nesse requerimento nenhuma referência é feita aos factos que se visam provar com tais documentos.
Assim, porque o réu não concretiza devidamente a ocorrência posterior justificativa da apresentação dos documentos para além dos marcos temporais referidos no art. 423º, nºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil, cingindo-se a uma referência genérica à prova testemunhal produzida na sessão de 29.3.2019, e também porque não indica os factos a cuja prova se destinariam os ditos documentos, há que rejeitar a sua junção, o que implica a revogação do despacho recorrido.
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o presente recurso interposto pelos autores e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por outra que indefere o requerimento do réu AA apresentado em 4.4.2019, julgando-se intempestiva a junção dos documentos e ordenando-se a sua devolução ao apresentante.
Custas deste recurso a cargo do réu/recorrido.
*
A audiência de discussão e julgamento efetuou-se com observância do legal formalismo.
Seguidamente foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e por via disso:
1. Absolveu os réus “A..., S.A.”; BB; CC; e DD, de todos os pedidos contra si formulados;
2. Condenou os réus Y...; “Y1..., SAD”, “Y2..., S.A.”; e AA a pagar aos autores a quantia de 523.023,04 euros (quinhentos e vinte e três mil, vinte e três euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes;
3. Condenou os réus Y...; “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A.”; e AA a pagar aos autoras a quantia de 1.430.000,00 euros (um milhão quatrocentos e trinta mil euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência;
4. Condenou os réus Y...; “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133;
5. Julgou-se extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido formulado em g) nos termos do art. 276º, al e), do CPC;
6. Julgaram-se improcedentes todos os demais pedidos formulados pelos autores absolvendo os restantes réus em conformidade;
7. Julgou-se improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado e por via disso absolveu-se a reconvinda do mesmo;
8. Decidiu-se que todas as injunções do procedimento cautelar mantêm a sua validade até ao trânsito em julgado desta decisão.
*
Inconformados com o decidido na parte em que decaíram, interpuseram recurso os autores, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
Impugnação da Matéria de Facto
1. As Recorrentes pelo presente impugnam a decisão que foi tomada pelo Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto dada como provada (pp. 7 a 64 da sentença recorrida), nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640.º/1 CPC.
Em cumprimento do disposto no art. 640.º/1 CPC, as Recorrentes indicam seguidamente: (i) os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados; (ii) as concretas normas e/ou meios probatórios que impunham decisão diversa; (iii) a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, devem ser aditados os factos provados seguintes, os quais o Tribunal a quo, embora não especificando, não deu como provados, bem como devem ser alterados os factos dados como provados que igualmente se enunciam, todos com relevância para a boa decisão da causa:
Facto Um, a aditar: “Os Réus prometem publicamente continuar a divulgar alegados “factos” que afirmam estar documentados em correspondência privada das Autoras sem o consentimento das Autoras.”
Fundamento: Este facto tem relevância para a boa decisão da causa, uma vez que indica a intenção concertada dos Réus no sentido de continuarem a divulgar correspondência privada das Autoras, que os Réus confessam ter ainda em seu poder.
A promessa de divulgação constitui fundamento-base para identificação do justo receio de continuação da atividade ilícita dos Réus, pressuposto da manutenção futura e permanente das providências cautelares decretadas no Proc. n.º 17448/17.4T8PRT e da sanção pecuniária compulsória que visou e visa o seu cumprimento pontual.
Este facto foi alegado no art. 9.º da petição inicial e deve ser aditado em razão da matéria constante dos §§93, 23, 24, 25, 59, 81 e 178 da matéria de facto provada. Por outro lado, o Réu AA confessou que os Réus mantêm ainda na sua posse os ficheiros originais, conforme declarações de parte do Réu AA que se transcreveram supra. Acresce que o perigo de continuação da atividade ilícita pelos Réus é comprovado pelas declarações do Réu AA publicadas no artigo da revista ... da edição de 3 de junho de 2019, que se junta como Documentos n.ºs 2, 3 e 4, que atestam a declarada intenção dos Réus no sentido da continuação da atividade ilícita empreendida contra as Autoras.
Facto Dois, a aditar: “No programa do dia 27.06.2017, os Réus retomam, por outro lado, as acusações anteriores de corrupção e tráfico de influências, recorrendo à imagem do “...” e anunciam novas “revelações”: [00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do ..., mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.”
Fundamento: O facto em apreço tem relevância central para a boa decisão da causa, uma vez que indica a intenção concertada dos Réus, expressa aqui pelo Réu AA, no sentido de continuar a divulgar correspondência privada das Autoras ou, pelo menos assim alegada, que os Réus confessam ter ainda em seu poder contra a vontade das Autoras, da qual é ilustrativa a expressão “o melhor está para vir”.
Este facto foi alegado no art. 177.º da petição inicial, não foi impugnado pelos Réus, sendo que consiste numa declaração do Réu AA no programa “...”, transmitido no B..., de 27 de junho de 2017 (cuja transcrição e respetiva gravação em CD se encontram junto aos autos como Documentos n.º 11 e n.º 12 do requerimento inicial do procedimento cautelar). Este facto foi dado por provado no Acórdão TRP – cfr. facto sob o ponto 32, págs. 72 e 73 do Acórdão TRP.
Facto Três, a aditar: “A 13.10.2017, por ocasião da divulgação da decisão do Tribunal Judicial da Comarca do ... no sentido de indeferir a providência cautelar apresentada pelas Autoras – a qual viria naturalmente a ser revertida, como é consabido –, o Réu AA regressou ao tema, aproveitando essa decisão para relançar insinuações insidiosas sobre as Autoras, designadamente através da sua página da rede social Twitter, onde publicou a imagem de um ..., à qual apôs a legenda «O ... começa a perder força. O caminho é continuar a desmascarar a farsa. Por um futebol limpo», conforme Documento n.º 15 e 16 juntos com a petição inicial.”
Fundamento: O facto em apreço tem relevância central para a boa decisão da causa, uma vez que indica a intenção concertada dos Réus, expressa aqui na pessoa do Réu AA, no sentido de continuar a divulgar correspondência privada das Autoras ou, pelo menos assim alegada, que os Réus confessam ter ainda em seu poder contra a vontade das Autoras, da qual é ilustrativa a expressão “O caminho é continuar a desmascarar a farsa”.
Este facto foi alegado no art. 242.º da petição inicial, consta dos Documentos n.ºs 15 e 16 da petição inicial e foi aceite no art. 45.º da contestação (com exceção do segmento “aproveitando essa decisão para relançar insinuações insidiosas sobre as Autoras”).
Acresce que a ameaça dos Réus no sentido de continuação das referidas divulgações consta ainda no §178 da matéria de facto provada.
Facto Quatro, a aditar: “Em entrevista, referindo-se sempre às Autoras, o Réu AA diz: «Parece-me claro, e evidente, hoje, que o futebol português não pode albergar esta gente, com os dados que conhecemos. Estas práticas irregulares de um clube não podem contaminar toda a atividade e colocar todo o futebol português sob suspeita. É preciso extirpar esta gente, o quanto antes. O Y... fará sempre a defesa do futebol português. E, se para isso, tiver que tornar públicas práticas que são completamente irregulares, e eticamente muito reprováveis, para não ir mais longe, o Y... estará sempre na linha da frente».”
Fundamento: O facto em apreço tem relevância central para a boa decisão da causa, uma vez que indica a intenção concertada dos Réus, expressa aqui na pessoa do Réu AA, no sentido de continuar a divulgar correspondência privada das Autoras ou, pelo menos assim alegada, que os Réus confessam ter ainda em seu poder contra a vontade das Autoras.
Este facto foi alegado no art. 252.º da petição inicial, foi aceite no art. 45.º da contestação (com exceção da expressão “continua o seu ataque cerrado”) e assenta em declarações prestadas pelo Réu AA à Rádio ..., em 20 de outubro de 2017, conforme Documentos n.º s 20 e 21 da petição inicial.
Facto Cinco, a aditar: “Em publicação na revista “...”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do Conselho de Administração da B..., Presidente da Y1..., SAD e do Y..., escreveu, na rubrica designada “...”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar” – cfr. documento n.º 13 do requerimento inicial da providência cautelar.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a liderança direta e o compromisso público do Réu BB, presidente dos órgãos de administração/direção da Ré A..., e dos Réus Y1..., SAD e Y..., na prossecução das atividades ilícitas que lesaram as Autoras, uma vez que o segmento “os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar” se refere aos pretensos factos que os Réus vinham imputando às Autoras.
Este facto foi alegado no art. 57.º da petição inicial, foi aceite no art. 20.º da contestação e resulta do Documento n.º 13 do requerimento inicial do procedimento cautelar, tendo sido dado como provado no Acórdão TRP (cfr. Facto R), no §94 do Acórdão TRP – p. 43).
Facto Seis, a aditar: “Pode ler-se no Jornal ..., edição de 20.12.2017: “Tal como habitual, a Comissão de Apoio à Recandidatura de BB organizou ontem o jantar de Natal e, como presente, ofereceu ao líder portista uma caneta banhada em prata. "É muito útil porque continuo a escrever, porque não tenho email", disse de imediato BB, numa noite em que fez um novo ataque cerrado ao X... e ao tão propagado ‘Caso dos emails’. "Não há ninguém neste Mundo que possa dizer que não são verdade. E as pessoas tentam difamar porque sabem que são verdade. Há alguns com história no clube e no futebol português, como o III, que já se envergonham com as atitudes de determinados clubes. É por isso que temos de lutar. É essa guerra que temos de manter, para que a verdade do futebol não seja deturpada em mais um campeonato como foi deturpada noutros", atirou o presidente portista, acrescentando que, sem influência externa, a seca de títulos vai terminar esta época: "Sabemos o que se passou na ... e no clássico do .... Por isso temos de estar atentos, se não houver mais episódios como esses não temos dúvidas de que estaremos nos ... em maio”.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto ilustra mais uma intervenção pública do Réu BB que demonstra a participação e a responsabilidade direta da administração/direção dos Réus Y1..., SAD e Clube, designadamente do seu presidente, na atividade ilícita de divulgação de factos alegadamente constantes de e-mails com o domínio “@X....pt”.
Este facto foi alegado nos arts. 92.º e 576.º da petição inicial e corresponde a uma notícia do Jornal ..., do dia 20 de dezembro de 2017, que foi transcrita no art. 576.º da petição inicial, cujo teor não foi impugnado pelos Réus, tendo por isso sido aceite por se tratar de facto pessoal.
Facto Sete, a aditar: “O Réu AA declarou no programa “...”, do dia 28 de Junho de 2017, cuja transcrição se juntou como documento n.º 11 do requerimento inicial do procedimento cautelar: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contra-informação, mas pronto, o que… da nossa parte, Y..., nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue.””
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra o envolvimento direto da Y1..., SAD e seus administradores na determinação e prossecução da atividade ilícita em causa nos autos e do facto desta [ter] sido determinada e levada a cabo no interesse do Grupo Y..., sob a direção e com o apoio dos seus dirigentes máximos, os Réus BB, DD e CC, atenta a referência “da nossa parte, Y...”.
Este facto foi alegado no art. 112.º da petição inicial, foi aceite no art. 20.º da contestação e resulta das transcrições do programa “...” juntas como Documento n.º 11 do requerimento inicial do procedimento cautelar (cfr. p. 162, ao minuto [00:02:51]), tendo sido dado como provado em sede cautelar sob o signo HHH) – cfr. p. 62 do Acórdão TRP.
Facto Oito, a aditar: “No habitual jantar de Natal organizado pela Comissão de Recandidatura do líder 'azul e branco', BB recebeu uma réplica do troféu da Taça dos Campeões Europeus conquistada em 1987, bem com uma caneta em prata, aproveitando o momento para ironizar. "É muito útil, porque, como não tenho email, continuo a escrever com caneta", afirmou BB. O presidente dos '...' garantiu que a luta pela verdade desportiva vai continuar a ser levada a cabo. "Hoje toda a gente compreende como foram construídas muitas das vitórias de um nosso adversário. Assumimos a missão de denunciar, só com a verdade – porque já ninguém duvida da veracidade dos emails -, e foi isso que fizemos" – cfr. ...; “Líder dos ... fala em "colossal esquema de condicionamento e manipulação". BB apela ao Governo que "deixe de fingir que nada se passa" no editorial da revista ... de dezembro em que fala de um "colossal esquema de condicionamento e manipulação de pessoas e instituições em favor do X...". O presidente do Y... justifica o insucesso portista das últimas […] nomeadamente "pelo controlo irregular, à margem da lei e dos regulamentos, que o X... exerce no futebol". Para o BB "é tempo, de uma vez por todas, de todos se dedicarem aos conteúdos revelados, porque já ninguém põe em causa a veracidade das informações tornadas públicas" no chamado 'caso dos emails'. O líder dos ... faz votos que "Y... possa rapidamente voltar a ser apenas decidido dentro do campo" e é nesse sentido que apela à intervenção do Governo. – cfr. ...; “Sócios do Y... pediram a BB para continuar com os emails”, Assembleia Geral dos ‘...’ ficou marcada pelos pedidos. Os sócios do Y... que marcaram presença na Assembleia Geral (AG) do clube terão pedido a BB para levar a questão dos emails até ao fim. De acordo com o jornal ..., houve várias abordagens por parte dos quase 200 sócios presentes para que continuasse a denunciar todas as alegadas questões duvidosas. Recorde-se de que o caso do Emails começou quando AA, diretor de comunicação do Y..., começou a revelar emails trocados entre dirigentes do X... com pessoas ligadas ao futebol. As acusações de AA colocavam as ‘águias’ num alegado esquema de corrupção. Na AG do clube, foi BB a ser abordado para não deixar a questão ‘morrer’” cfr. ...; “BB destacou a importância do diretor de comunicação do clube na denúncia do caso dos e-mails” - cfr. ...; “Temos de manter a guerra dos emails”. Se alguém duvida que o caso dos emails vai adensar-se em 2018, esta afirmação de BB, presidente do Y..., não deixa dúvidas. cfr. ....”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa uma vez que indica o envolvimento direto da administração do Grupo Y..., designadamente dos Réus administradores, na determinação das atividades que lesaram e lesam gravemente os direitos das Autoras, o que se encontra espelhado nas notícias transcritas, que constam do Documento n.º 3 da petição inicial.
Este facto foi alegado no art. 118.º da petição inicial e resulta demonstrado por várias declarações públicas do Réu BB, que foram amplamente difundidas pela comunicação social, sem qualquer desmentido, e se encontram no Documento n.º 3 da petição inicial. Este facto resulta dos §§30, 31, 46 a 48 e 56 da matéria de facto provada e foi ainda corroborado pela testemunha, Sr. JJJ, assessor da Administração da Ré Y1..., SAD, que referiu a sua convicção acerca da concordância dos Réus administradores em relação à atuação ilícita do Réu AA, conforme transcrito supra. Por outro lado, os Réus não realizaram qualquer contraprova de que tais declarações e notícias não existiram ou foram diversas das noticiadas.
Facto Nove, a aditar: “No discurso durante a entrega dos ..., BB, presidente do Y..., fez questão de deixar um elogio a AA, diretor de comunicação do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano. E fê-lo com ironia. "O ... para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho", prosseguiu. cfr. ....”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia o apoio direto e o reconhecimento público da administração do Grupo Y... pelos feitos do Réu AA no caso dos emails, mediante a atribuição a este de um prémio, por decisão unânime da Direção do Y....
Este facto foi alegado no art. 119.º da petição inicial, foi confessado no art. 20.º da contestação (com exceção do segmento “E fê-lo com ironia”) e consta do Documento n.º 3 da petição inicial. Acresce que este facto é referido na nota de rodapé n.º 3 da p. 73 da sentença e é corroborado pelo §32 da matéria de facto provada. Por outro lado, este facto foi ainda corroborado pelo depoimento prestado ao Tribunal a quo pela testemunha, Sr. JJJ, conforme transcrito supra.
Facto Dez, a aditar: “Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este .... Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no ..., na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-geral KKK, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o Y... português” – declarações de AA na cerimónia de entrega do ... de Funcionário do Ano, cfr. ... (vide, em especial, minuto 1:22:20 a 1:25:00).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia o papel de liderança e de apoio da administração do Grupo Y..., em particular do seu presidente, na determinação e prossecução da atividade ilícita em causa nos autos, o que mereceu o agradecimento público do Réu AA.
Este facto foi alegado no art. 120.º da petição inicial e foi confessado no art. 20.º da contestação, tendo o vídeo em questão sido exibido em audiência de julgamento e não contestado. Este facto é corroborado pelo §32 da matéria de facto provada.
Facto Onze, a aditar: “O próprio presidente do clube, o Réu BB, manifestou o seu apoio no que toca à divulgação contínua de alegados emails, através de entrevistas à imprensa desportiva – cfr. a título de exemplo, Documento n.º 31 junta com a petição inicial: ... Online, edição de 08.12.2017, BB: “Quando é o X..., o Governo assobia para o lado”, BB critica o Governo português por nada fazer perante as denúncias que o Y... tem apresentado. O presidente portista já perdeu a esperança numa intervenção política, porque, assinala em entrevista ao jornal "...", "quando é o X..., o Governo assobia para o lado". Em causa está o caso dos e-mails divulgados pelo Y... e a ilegalidade das claques do X.... "O Governo assobia para o lado. Não espero nada do Governo, mas da Polícia Judiciária espero, porque sei que estão a trabalhar no assunto. Pelos dados que nos têm pedido estão a trabalhar com seriedade e rigor", sublinhou. Em relação aos e-mails, BB defende que a sua divulgação "veio contribuir para a moralização do futebol". "Não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos á polícia", acrescentou.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a liderança direta do Réu BB na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram as Autoras, na medida em que este Réu assume que “[nós] não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos á polícia”. Esta declaração, considerada conjuntamente com declarações do Réu AA e com outras posições públicas assumidas pelo Réu BB acima referidas (v. Factos Cinco, Seis, Sete, Oito, Nove e Dez, todos a aditar), demonstram o envolvimento direto da estrutura diretiva do Grupo Y..., em particular do seu presidente, na determinação das atividades ilícitas em causa nos presentes autos.
Este facto foi alegado no art. 275.º da petição inicial e consiste numa declaração pública do Réu BB, que consta do Documento n.º 31 da petição inicial, não tendo o teor da notícia sido impugnado, pelo que deve ter-se por confessado pelos Réus.
Facto Doze, a aditar: “Nesta fase, mais uma vez no cumprimento de uma estratégia concertada e coordenada pelo Y..., o próprio presidente do clube, BB, na revista “...”, profere as seguintes declarações: «O ano que está prestes a terminar fica marcado pela revelação do chamado escândalo dos emails, mas que hoje ninguém duvida que é muito mais do que isso, tratando-se de um colossal esquema de condicionamento e manipulação de pessoas e instituições a favor do X...», ao que prossegue insinuando «Percebe-se agora porque é que tanta coisa estranha sucedeu nos últimos anos e o nosso insucesso das últimas épocas também se explica pelo controlo irregular, à margem da lei e dos regulamentos, que o X... exerce no futebol. É tempo, de uma vez por todas, de todos se dedicarem aos conteúdos revelados, porque já ninguém põe em causa a veracidade das informações tornadas públicas», conforme notícia junta como Documento n.º 33 da petição inicial.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra o apoio e o compromisso públicos do Réu BB na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram e lesam as Autoras.
Este facto foi alegado no art. 278.º da petição inicial e consiste numa declaração pública do Réu BB, na última edição de 2017 da revista “...”, replicada no Jornal ..., de 16 de dezembro de 2017, constante do Documento n.º 33 da petição inicial, não tendo sido impugnado pelos Réus. O segmento de se tratar “de uma estratégia concertada e coordenada pelo Y...” é corroborado pelos §§30, 47, 56 e 69 da matéria de facto provada.
Facto Um, a modificar: do §93 da matéria de facto provada deve passar a constar o seguinte (matéria aditada com relevância para a decisão identificada a negrito): “O Réu AA durante o programa de televisão “...”, transmitido no “B...”, de 28 de junho de 2017 afirmou: O segredo de justiça impede a qualquer pessoa que, de alguma maneira seja interveniente num processo, de divulgar tudo o que obtém conhecimento por ser parte integrante do processo, agora, eu já tinha conhecimento daquilo prévio, portanto, o que eu já tenho conhecimento prévio não estou impedido e, neste mesmo programa, nós hoje vamos fazer algumas revelações (…) [00:04:34] Agora, nós não estamos impedidos de dizer o que quer que seja e a contra-informação do X... anda a espalhar, a dizer mal, aos portugueses, a dizer: “Ai meu Deus agora o segredo de justiça”, não, o segredo de justiça impede de revelar coisas de que se obtenha conhecimento através do processo, eu não tenho conhecimento dos e-mails através do processo, até fui eu que cedi os e-mails à polícia judiciária, cedi todos, todos, os que já aqui tínhamos revelado e todos os outros, que é muita informação, que não tínhamos relevado, portanto, desengane-se quem pensa que, por causa disso, nós estamos impedidos de revelar o que quer que seja. Não estamos. Moderador - [01:18:03] AA, está prometido, a próxima temporada? AA - [01:18:06] Sim, voltamos em Agosto e para a despedida recordar só que o melhor está para vir. Moderador - [01:18:11] O melhor ainda está para vir. Muito bem. Fica aqui a promessa. Esta mesma afirmação (“o melhor está para vir”) foi corroborada e repetida pela Ré Y... na sua newsletter diária, “...”, na edição do dia 20 de julho (conforme notícias do jornal “...” e do “...”, cfr. Documentos n.ºs 57 e 58 juntos com o requerimento inicial da providência cautelar).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto revela a intenção dos Réus de continuar a sua atividade ilícita, na medida em que o Réu AA exalta um suposto desimpedimento quanto a novas divulgações, prometendo continuar a divulgação [d]os referidos elementos que, note-se, confessaram ainda se encontrarem na sua posse. A promessa de divulgação constitui fundamento-base para identificação do justo receio de continuação da atividade ilícita dos Réus, pressuposto da manutenção futura e permanente das providências cautelares decretadas no Proc. n.º 17448/17.4T8PRT e da sanção pecuniária compulsória que visou e visa o seu cumprimento pontual.
Este facto foi alegado no art. 322.º da petição inicial, sendo que a matéria que agora se acrescenta consiste em declarações proferidas no programa “...”, transmitido no B..., cuja transcrição e respetiva gravação em CD se encontram junto como Documentos n.º 11 n.º 12 do requerimento inicial do procedimento cautelar, não tendo sido impugnadas pelos Réus, tendo sido dado por provada pelo Acórdão TRP por confissão dos Réus (facto ínsito sob o ponto 51 - cfr. pp. 74 e 75).
Facto Dois, a modificar: do §67 da matéria de facto provada deve passar a constar o seguinte (matéria aditada com relevância para a decisão identificada a negrito): “No dia 8 de Agosto de 2017, os Réus AA e A..., S.A. divulgaram no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar).”
Fundamento: Esta matéria é relevante para a boa decisão da causa porquanto indica a participação ativa da Ré A..., S.A., detentora do B..., na prática dos comportamentos ilícitos em causa nos autos. A matéria foi alegada no art. 192.º da petição inicial, foi aceite no art. 45.º da contestação, pelo que se mostra confessada pelos Réus e é corroborada pelo que consta nos §§74 e 116 da matéria de facto provada.
Facto Treze, a aditar: “Em sede do processo disciplinar n.º ..., que lhe foi movido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, AA declarou, quando questionado sobre as funções que exerce e quanto à estrutura organizacional do Y... e Y1..., SAD, “Eu sou Diretor de Comunicação e Informação, ou seja, engloba para além da comunicação, o site, a revista e o B.... (…) eu não acompanho a equipa, não desempenho essas funções, quem as desempenha é um dos assessores LLL. (…) agora não quem faz essas funções é o LLL, do qual sou superior hierárquico e com quem articula ações, estratégias em reuniões que têm de fazer para o efeito”.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a extensão das funções desempenhadas pelo Réu AA no Grupo Y..., designadamente nos Réus Y... e Y1..., SAD, mas também no B..., pelo qual assume ser responsável, a par da comunicação, site e revista.
Este facto foi alegado no art. 107.º da petição inicial, foi aceite no art. 20.º da contestação, tendo por isso sido confessado pelos Réus, e foi dado como provado no procedimento cautelar com o mesmo fundamento (cfr. factos CCC) e DDD), pp. 61 e 62 do Acórdão TRP).
Facto Catorze, a aditar: “AA reconheceu também a autoria da newsletter do Y... denominada “...”, conforme suas declarações no âmbito do processo disciplinar acima referido: (…) eu sou o Diretor de Comunicação e Informação, ou seja, engloba para além da comunicação, o site, a revista e o B... (…).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a extensão das funções desempenhadas pelo Réu AA no Grupo Y..., especificamente no B..., assumindo ser responsável pela comunicação, site, revista e B.... De igual modo, evidencia as funções do Réu AA nas restantes Rés, assim lhes reconduzindo a imputação dos ilícitos aqui em causa.
Este facto foi alegado no art. 108.º da petição inicial, foi aceite no art. 20.º da contestação, consta do Documento n.º 28 do requerimento inicial do procedimento cautelar) e foi dado como provado pelo Acórdão TRP com o mesmo fundamento (confissão) e por isso indicado como facto provado DDD) – cfr. p. 62 do referido Acórdão.
Facto Quinze, a aditar: “O Conselho de Disciplina não teve dúvidas quanto ao estatuto jurídico e à relação de dependência funcional deste relativamente à Y1..., SAD, conforme excerto “Não restam, por conseguinte, dúvidas quanto ao estatuto jurídico e à relação de dependência funcional do arguido à F... SAD, tratando-se de uma colaboração qualificada e com âmbito de intervenção e autonomia elevada no domínio da comunicação e informação, designadamente no que respeita às competições de futebol reconhecidas como profissionais.””
Fundamento: O facto em apreço é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia a posição/funções do Réu AA em relação aos restantes Réus, especialmente na atividade probatória já realizad[a] pelos órgãos de disciplina que atuam no setor do futebol, assim lhe reconduzindo a ele e aos restantes Réus a imputação dos ilícitos aqui em causa.
Este facto foi alegado no art. 109.º da petição inicial, consta do Documento n.º 28 do requerimento inicial do procedimento cautelar, não foi impugnado pelos Réus e foi igualmente dado como provado (por confissão dos Réus) pelo Acórdão TRP como facto EEE) – cfr. p. 62 do referido Acórdão.
Facto Dezasseis, a aditar: “AA acabou por reconhecer igualmente a sua qualidade de diretor de comunicação e informação do Y... e da Y1..., SAD ao assinar um comunicado conjunto com o E..., em representação do Y..., sobre diversos aspetos das competições profissionais de futebol em Portugal (competições essas que estão diretamente relacionadas com as atividades da sociedade anónima desportiva Y1..., SAD.)”
Fundamento: O facto em apreço é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia a posição/funções do Réu AA em relação aos restantes Réus, especialmente em declarações do próprio, assim lhe reconduzindo a ele e aos restantes Réus a imputação dos ilícitos aqui em causa.
Este facto foi alegado no art. 110.º da petição inicial, consta do Documento n.º 29 do requerimento inicial do procedimento cautelar, não foi impugnado pelos Réus e foi, por confissão dos Réus, dado como provado pelo Acórdão TRP como facto FFF) – cfr. p. 62 do referido Acórdão.
Facto Dezassete, a aditar: “Ao assumir-se como a única fonte para a libertação da informação ao público – os Réus afirmaram repetidamente que a obtenção da informação fez-se no âmbito de uma “investigação” da B..., portanto que tinham a exclusividade da informação que transmitiam – os Réus beneficiaram do ponto de vista da sua marca e do ponto de vista de proveitos com a venda de informação na imprensa, nomeadamente televisiva, através do canal que gerem – a B....”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto indica os benefícios retirados pelos Réus, especialmente pela Ré A..., das condutas ilícitas por si praticadas e causadoras de danos às Autoras, que constitui um dos possíveis vetores da decisão sobre o mérito (cfr. art. 494.º e art. 496.º/4 CC).
Este facto foi alegado no art. 718.º da petição inicial, resulta dos §§ 74, 113, 114, 115, 116, 117, 140 e 142 dos factos provados e foi corroborado pela testemunha Sr. MMM, Diretor-geral do B..., que assumiu os bons níveis de audiência do programa “...” nos dias das “divulgações” e o impacto positivo das boas audiências na projeção da marca e dos valores do clube, conforme transcrito supra. Acresce que esta matéria consta dos Documentos n.º s 11, 12, 53 e 54 do requerimento inicial do procedimento cautelar, Documento n.º 19 da petição inicial, bem como no documento junto na sessão da audiência realizada no dia 28 de março de 2019, relativo às audiências do programa “...”, os quais não foram impugnados nem refutados pelos Réus.
Facto Dezoito, a aditar: “As repercussões do “caso dos e-mails do X...” nos meios de comunicação social portugueses e estrangeiros foram numerosas, não havendo um único dia seguinte à transmissão do programa ... sem que passem nos jornais, rádios e televisões, generalistas ou desportivos, referências ao tema ou sem que se transmitam debates ou comentários sobre aquilo que é já conhecido como o “...”, em alusão ao histórico escândalo de corrupção da política norte-americana “Watergate” – cfr. Documento n.º 49 junto com a petição inicial.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto indica as repercussões da conduta ilícita dos Réus nos meios de comunicação social portugueses e estrangeiros e as consequências altamente danosas do comportamento dos Réus para a reputação e o prestígio das Autoras.
Este facto foi alegado no art. 664.º da petição inicial, não foi impugnado pelos Réus e resulta dos §§109, 110 e 111 da matéria de facto provada. Acresce que esta matéria consta dos Documentos n.ºs 37, 38, 39, 40, 42, 49 e 51 do requerimento inicial do procedimento cautelar e dos Documentos n.ºs 5, 8, 10, 14, 21, 23, 28, 30, 31, 32, 36, 40, 42, 44 e 46 da petição inicial.
Facto Dezanove, a aditar: “No estudo de opinião efetuado de 10 a 12 de julho de 2017, precisamente na sequência das imputações feitas pelo B..., pela “G... S.A.” para o “...” e para a “SIC”, resulta que 58,3% dos inquiridos consideram que no futebol “há tráfico de influências ou corrupção ativa” (vide notícia do jornal “...” de 14 de julho de 2017, que se juntou como Documento n.º 48 com o requerimento inicial do procedimento cautelar).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia a gravidade e profundidade do impacto da conduta ilícita dos Réus na opinião pública portuguesa (o estudo de opinião foi realizado em Julho de 2017 aquando das emissões dos Programas do B...) relativamente à reputação e credibilidade das Autoras.
Este facto foi alegado no art. 665.º da petição inicial, consta do Documento n.º 48 do requerimento inicial do procedimento cautelar e não foi impugnado pelos Réus, devendo por isso ter-se por assente.
Facto Vinte, a aditar: “O X... é participante regular da mais importante competição mundial de clubes, onde nas últimas épocas figurou entre os 16 melhores clubes da competição.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto indica a repercussão altamente negativa da conduta ilícita dos Réus para a reputação e o prestígio internacionais das Autoras, efeitos que são ampliados pelo facto do X... ser participante regular da UEFA Champions League e de figurar nos lugares cimeiros do ranking europeu de clubes.
Este facto foi alegado no art. 681.º da petição inicial, não foi impugnado pelos Réus e resulta dos §§42, 109, 110, 111 e 138 da matéria de facto provada.
Facto Vinte e um, a aditar: “A ampliação dos danos é uma consequência inevitável do lugar cimeiro que o X... ocupa ao nível das competições europeias, como se pode constatar pelo quadro abaixo: o X... constava, no final da época passada, como o 9.º classificado do “Ranking das competições de clubes da UEFA”, no cômputo global das últimas 5 épocas desportivas, a par dos maiores clubes europeus (...).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia a repercussão altamente negativa da conduta ilícita dos Réus para a reputação e o prestígio internacionais das Autoras, efeito que é ampliado pelo facto do X... ser participante regular da UEFA Champions League e de figurar nos lugares cimeiros do ranking europeu de clubes.
Este facto foi alegado no art. 682.º da petição inicial, decorre da informação oficial fornecida pela UEFA, não foi impugnado pelos Réus e resulta dos §§109, 110, 111 e 138 da matéria de facto provada.
Facto Vinte e dois, a aditar: “Em consequência da atuação dos Réus, as Autoras perderam o contrato de patrocínio de uma empresa de serviços no valor total de €1.500.000 por 3 anos.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a ocorrência de danos causados por conduta ilícita dos Recorridos na esfera das Recorrentes, sendo pressuposto essencial à prova da pretensão destas.
Este facto foi alegado, nomeadamente, nos arts. 437.º, 443.º, 612.º, 613.º, 735.º/11 e 755.º da petição inicial e resulta do depoimento da testemunha Sr. NNN, diretor comercial e de marketing das Autoras, conforme transcrito supra.
Facto Vinte e três, a aditar: “A loja do estádio ... teve uma quebra de 37% dos clientes de Abril até ao final do ano de 2017 e um aumento de desistências de sócios face ao ano anterior de 68%.”
Fundamento: O facto em apreço é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a ocorrência de danos causados por conduta ilícita dos Réus na esfera das Recorrentes, sendo pressuposto essencial à prova da pretensão destas.
Este facto foi alegado nomeadamente nos arts. 613.º, 775.º, 776.º e 779.º da petição inicial e resulta comprovado pelo depoimento da testemunha Sr. NNN, diretor comercial e de marketing das Autoras, conforme transcrito supra.
Facto Vinte e quatro, a aditar: “Em consequência das imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, as Autoras perderam o contrato de renovação por 8 anos de um dos camarotes mais caros do estádio, no valor de €210.000/ano.”
Fundamento: O facto em apreço é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a ocorrência de danos causados por conduta ilícita dos Recorridos na esfera das Recorrentes, sendo pressuposto essencial à prova da pretensão destas.
Este facto foi alegado, nomeadamente, nos arts. 437.º, 612.º, 613.º e 666.º da petição inicial e resulta do depoimento da testemunha Sr. NNN, diretor comercial e de marketing das Autoras, conforme transcrito supra. Também a testemunha Sr. OOO, diretor de vendas e expansão internacional das Autoras, corroborou a ocorrência do referido dano, conforme transcrito supra.
Facto Vinte e cinco, a aditar: “Em consequência das imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, as Autoras perderam o negócio do licenciamento da marca e merchandising na China no valor de 85 milhões de euros durante 20 anos.”
Fundamento: Este facto tem relevância para a boa decisão da causa, pelos mesmos fundamentos indicados em Facto vinte e três, a aditar, para os quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Este facto foi alegado, nomeadamente, nos arts. 437.º, 612.º, 613.º e 666.º da petição inicial e resulta demonstrado pelo depoimento da testemunha Sr. OOO, diretor de vendas e expansão internacional das Autoras, conforme transcrito supra.
Facto Vinte e seis, a aditar: “O X... na classificação geral da UEFA no agregado das épocas de .../... a .../..., ocupou o sexto lugar (6º), à frente de clubes como o ..., a ... ou o ..., o que demonstra o valor dos investimentos e do trabalho das Autoras consubstanciado na sua informação confidencial e segredos do negócio (...).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia o reflexo do investimento das Autoras, materializado na informação confidencial e segredos de negócio, no desempenho da sua equipa de futebol profissional nas provas da UEFA, o que é demonstrativo do valor dessa informação confidencial e dos prejuízos advindos do acesso e manutenção pelos Réus de tais informações.
Este facto foi alegado no art. 815.º da petição inicial, decorre da informação oficial fornecida pela UEFA, não foi impugnado pelos Réus e resulta dos §§128, 129, 130, 131, 132, 133, 134 e 138 da matéria de facto provada.
Facto Vinte e sete, a aditar: “O resultado que todo este investimento e know-how representam na prática é o facto de o X... ter, na época desportiva de 2014-2015, amealhado 20 títulos distribuídos por 6 modalidades distintas (...).”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto evidencia o reflexo do investimento das Autoras, materializado na sua informação confidencial e segredos de negócio, na performance das equipas das Autoras nas diversas modalidades desportivas, o que é demonstrativo do valor da informação confidencial e dos prejuízos advindos do acesso e manutenção pelos Réus de tais informações.
Este facto foi alegado no art. 816.º da petição inicial, consta de notícia do Jornal ... de 20 de junho de 2015, não foi impugnado pelos Réus e consta designadamente dos §§8, 128, 129, 130, 131, 132, 133 e 134 da matéria de facto provada.
2. As Recorrentes pelo presente impugnam igualmente a decisão do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto especificadamente dada como não provada (§§ 1 a 12, do ponto 3.2 Factos não provados, pp. 64 a 67 da sentença recorrida), com vista a aditar à matéria de facto dada por provada os seguintes factos que, por demonstrados, devem dela constar:
Facto Vinte e oito, a aditar: “Os Réus acederam, guardaram, trataram, copiaram e expuseram informação comercial confidencial das Autoras”.
Fundamento: Este facto tem relevância para a boa decisão da causa, porquanto demonstra o cometimento de ilícito relacionado com as normas de proteção dos segredos de negócio, o que tem consequências indemnizatórias relevantes à procedência dos pedidos das Autoras.
Ao contrário do referido nos §§1 e 9 da matéria de facto não provada, ficou demonstrado o acesso, a conservação, a reprodução e a triagem/tratamento da informação comercial confidencial das Autoras pelos Réus, sendo certo que no uso de um segredo de negócio se inclui o manuseamento, o tratamento da informação dele constante e a sua reprodução.
Este facto resulta do depoimento do Réu AA, que confessou o referido contacto, manuseamento e tratamento da informação, conforme transcrito supra, igualmente corroborado em detalhe pela testemunha Sr. HHH, conforme igualmente transcrito supra. Esta matéria resulta ainda do que consta nos §§29, 48, 102 e 134 da matéria de facto provada. Acresce que, muito significativamente, os Réus entregaram nos autos um ficheiro informático contendo uma cópia contendo informação confidencial – incluindo os segredos de negócio - que foi subtraída às Autoras, a qual mantêm guardada nos seus computadores, dentro das suas instalações e sob seu controlo, conforme foi confessado em julgamento pelo Réu AA.
Por outro lado, os Réus expuseram elementos confidenciais, entre outros, do contrato de EE, no programa de 16 de junho de 2017 (o que consta do §66 da matéria de facto provada), revelaram dados do contrato de um jogador (conforme é reconhecido na p. 72 da sentença recorrida), divulgaram vários factos relativos à conduta e relacionamento comercial e desportivo das Autoras (que consubstanciam segredo de negócio e têm alto valor comercial por secretos e apenas conhecidos das Autoras), o que é aliás reconhecido pelo próprio Tribunal a quo na p. 72 da sentença recorrida. O segredo de negócio não se reduz ao “know-how” ou aos “dados e contratos desportivos” ou “contratos de patrocínio”, etc., inclui naturalmente e abrange todas as comunicações privadas, informações e dados que contendo informação comercial, de negócio ou de relação com terceiros, parceiros ou outros, seja valiosa por ser secreta e conhecida apenas dos seus interlocutores diretos na esfera das Autoras. O seu contato, acesso, tratamento e divulgação pública configuram modos de violação do segredo de negócio das Autoras e os exemplos do seu uso e exposição pública pelos Réus, que constam dos autos, são inúmeros!
Facto Vinte e nove, a aditar: “Considerando todas as variações ao longo do período e as “revelações” da B..., constata-se que os atos lesivos dos Réus provocaram uma erosão patrimonial do valor dos títulos da X1... SAD”.
Fundamento: Este facto, alegado no art. 673.º da petição inicial, é relevante para a boa decisão da causa na medida em que constitui pressuposto de prova do dano, elementar para a procedência dos pedidos indemnizatórios das Autoras.
Pese embora o Tribunal a quo tenha considerado que não seria possível quantificar a média de 2,9% de erosão patrimonial do valor dos títulos da X1... SAD como consequência da atuação ilícita dos Réus (cf. §3 da matéria dada como não provada), reconheceu a verificação dessa erosão patrimonial como consequência da atuação ilícita dos Réus, designadamente nos §§ 104 a 107, 111, 125 e 126 da matéria de facto provada, pelo que deve este facto ser aditado à matéria de facto dada como provada.
Facto Trinta, a aditar: “Com o mesmo intuito de descredibilizar e ofender, AA chegou ao ponto de comparar as Autoras com os esbirros do regime nazi”.
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa na medida em que constitui pressuposto de prova do ilícito, ou pelo menos da sua qualificação, elementar para a procedência e fixação do quantum dos pedidos indemnizatórios das Autoras.
Este facto foi alegado no art. 194.º da petição inicial, consta do Documento n.º 47 do requerimento inicial do procedimento cautelar, o qual não foi impugnado pelos Réus. Dele consta que o Réu AA declarou publicamente «O problema não é a existência da cartilha, é tratar os adversários da maneira que trata e ser caucionada pelo presidente do X.... Não me venham dizer que é clube muito organizado e muito à frente. Os comentadores do Y... não são inundados com propaganda. Isto é Goebbels. Isto é uma vergonha».
Este facto foi igualmente corroborado pela testemunha Sr. EE, diretor de comunicação das Autoras, conforme transcrito supra, devendo assim ser retirado do §12 da matéria dada como não provada e adicionado à matéria de facto provada.
Facto Trinta e um, a aditar: “A conduta das RR é adequada a causar distúrbio emocional dos jogadores e consequentemente potenciar danos à sua saúde física, com prejuízo para as Autoras.”
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa na medida em que é pressuposto de prova do dano e da sua qualificação, elementar para a procedência e fixação do quantum dos pedidos indemnizatórios das Autoras.
Este facto foi alegado nos arts. 246.º e 282.º da petição inicial, tendo sido produzida prova testemunhal idónea a demonstrar que as divulgações no B... são causa adequada à produção de danos no desempenho e saúde física dos jogadores, com prejuízo para as Autoras, designadamente pela testemunha Dr. PPP, médico do departamento médico das Autoras, conforme transcrito supra, e pela testemunha Sr. QQQ, treinador da Equipa ... do X..., conforme transcrito supra, devendo assim ser retirado do §6 da matéria dada como não provada e adicionado à matéria de facto provada.
Facto Trinta e dois, a aditar: “As RR são responsáveis porque muitos adeptos, simpatizantes e sócios do X... sofreram e se sentiram vexados, assim se erodindo o aviamento das Autoras junto da sua maior base de apoio quanto à exponenciação do seu goodwill”.
Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão porquanto indica o impacto da conduta dos Réus ao nível do aviamento/goodwill das Autoras.
Este facto foi alegado no art. 776.º da petição inicial, resulta dos §§92, 102, 103, 104, 111 e 122 a 126 da matéria de facto provada e foi corroborado pela testemunha Sr. FF, diretor comercial e de marketing das Autoras, conforme transcrito supra, e, talqualmente, pela testemunha Sr. RRR, economista e Presidente da Mesa da AG da X1... SAD, conforme transcrito supra. Também o que vem alegado nos arts. 779.º e 780º da petição inicial e o depoimento da testemunha Sr. SSS, engenheiro e diretor técnico de instalações, sistemas de informação e património cultura[l] do X..., conforme transcrito supra, determinam que deva ser retirado do §8 da matéria dada como não provada e adicionado à matéria de facto provada.
Facto Trinta e três, a aditar: “Os atos de aquisição, tomada de conhecimento, utilização e divulgação dos ficheiros identificados como sendo do domínio @X....pt, diga respeito a alegada correspondência ou constituindo segredo de negócio das Autoras, são imputáveis a todos os Réus:
4) ao Réu AA, pela prática material dos referidos atos;
5) à Ré Y2... S.A. e à Ré A..., S.A., pela prática dos atos de disponibilização dos meios humanos e materiais para a efetivação dos referidos ilícitos (em especial a tomada de conhecimento, utilização e divulgação); e
6) aos Réus Y..., Y1..., SAD, BB, CC e DD, pela autorização, expressa ou tácita, ativa ou omissiva, necessária para que tais ilícitos se tivessem efetivado no contexto comercial/concorrencial em que o foram”.
Fundamento: Este facto é importante para a decisão da causa pois, com base na alegada falta de prova do mesmo, decidiu o Tribunal absolver quatro dos oito Réus (v. §10 da matéria de facto dada por não provada). Esta conclusão do Tribunal a quo está em contradição patente com a matéria dada por provada constante dos pontos 30, 35, 46, 48, 55, 56, 74 e 157, entre outros, da douta sentença recorrida.
Este facto foi alegado, designadamente, nos arts. 555.º e seguintes da petição inicial, em especial no art. 579.º, e deve ser dado como provado pelos motivos indicados na parte respeitante à impugnação do §144 da matéria de facto provada e, bem assim, pelos outros alegados na parte de Direito relativa à necessidade de condenação dos Réus absolvidos – para os quais se remete e que aqui se dão por reproduzidos. O mesmo resulta do depoimento do Réu AA, na parte transcrita supra, e do depoimento da testemunha Sr. JJJ na parte transcrita supra, os quais corroboraram este facto erradamente dado como não provado.
Em consequência, deve ser excluído da matéria não provada o facto 10 do ponto 3.2. da douta sentença recorrida e adicionado à matéria de facto provada.
3. As Recorrentes pelo presente impugnam igualmente a decisão que foi tomada pelo Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto dada como provada relativa à contestação (§§143 a 195 da matéria de facto provada), com vista a alterar, retirar ou aditar à referida matéria, os seguintes factos.
As Recorrentes impugnam o teor do §144 da matéria de facto provada, o qual deverá passar a englobar todos os Réus, passando a ter a seguinte redação: “O conteúdo do programa “...” foi determinado pelos Réus e não constitui um programa noticioso.”
Este ponto deve passar a constar da matéria dada como provada com a redacção indicada porquanto deriva da confissão dos Réus, designadamente nos arts. 6.º/xi), 6.º/xvii), 74.º, 77.º, 83.º, 86.º, 102.º, 105.º, 187.º, 227.º e 285.º da contestação. O mesmo resulta dos §§46, 30, 48, 50 e 56 da matéria dada como provada e foi confirmado pela testemunha Sr. MMM, conforme transcrito supra, e pela testemunha Sr. JJJ, já transcrito supra.
As Recorrentes impugnam o teor do §154 da matéria de facto provada, o qual deverá passar a ter a seguinte redação: “As características dos ficheiros informáticos recebidos, o seu conteúdo, o volume de e-mails em questão convenceram aquele Réu [AA] da sua fidedignidade”.
Este ponto deve passar a constar da matéria dada como provada com a redacção indicada porquanto as Autoras sempre refutaram tal facto e nunca foi feita qualquer análise às propriedades dos ficheiros por técnico especializado, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo neste §154. O técnico informático Sr. TTT limitou-se a auxiliar no descarregamento, descompactação e preparação dos ficheiros para visualização, conforme o depoimento por este prestado, na parte que se transcreveu supra. Por outro lado, as regras da experiência não podem habilitar um juízo de certeza sobre a (suposta e nunca provada) genuinidade de todos os ficheiros informáticos entregues pelos Réus nos presentes autos, como tendo sido extraídos das Autoras.
As Recorrentes impugnam o teor do §155 da matéria de facto provada, o qual deverá passar a ter a seguinte redação: “Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que o referido Réu considerou ser de interesse público”.
Este ponto deve passar a constar da matéria dada como provada com a redacção indicada porquanto a fórmula adotada pelo Tribunal a quo se encontra provida de um pendor jurídico que cabe equacionar apenas em sede da subsunção jurídica da matéria de facto, ao determinar que parte da alegada correspondência das Autoras foi divulgada com base em motivos de interesse público.
As Recorrentes impugnam ainda o §193 da matéria de facto provada, o qual deverá ser retirado da matéria de facto dada como provada, com base no que já se referiu quanto à impugnação do §154, i.e., no facto de sobre as propriedades das comunicações não ter recaído qualquer análise técnica/pericial, não dispondo o Tribunal a quo de aptidões técnicas para fixar o que fixou neste §193 da matéria de facto dada provada.
Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e alterada por outra decisão que julgue procedente a impugnação da matéria de facto e, em consequência, adite, retire e altere a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, consoante acima especificado nos termos desta alegação de recurso, conforme o disposto nos artigos 607.º/4, 640.º/1, 574.º/2 e 621.º do CPC.
Impugnação da Matéria de Direito
As Recorrentes pelo presente impugnam a decisão que foi tomada pelo Tribunal a quo no que concerne à matéria de direito (pp. 82 ss da sentença recorrida), nos termos e para os efeitos do disposto no art. 639.º/2 CPC.
4. Sem a colaboração ativa da Ré A..., S.A., (“B...”), que proporcionou o medium da divulgação, não teria sido materialmente possível a atuação lesiva. Também pelos olhos dos Réus o B..., é vista como (co-)autora. Com efeito, são (todos) eles que dizem na Contestação: “[…] não existe uma relação de concorrência entre os autores dos atos de revelação dos e-mails (o réu AA e o B...) e a X1... SAD […]” – art. 285º; “Pelo que é absolutamente justificável (e lógico) o comportamento do Réu AA e do B... que, conscientes do agudíssimo interesse público dos factos, os decidem dar a conhecer no meio de comunicação social que tinham para esse efeito” (art. 555º).
5. Olhe-se agora para os “factos provados” na sentença. Diz-se no nº 55. (p.16): “No exercício das suas funções, os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC [administradores de todas as RR., incluindo a A...] exercem de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., bem como do seu funcionário Réu AA.”. Consequentemente, os mesmos administradores – diz-se no nº 56. – “definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., o seu posicionamento no caso dos ‘emails’, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob liderança do primeiro.” Como é sabido, o B... atua, também e primordial-decisivamente, por intermédio dos seus administradores.
6. De novo a palavra aos (a todos os) Réus: “O serviço de televisão B..., reconhecendo o inequívoco interesse público envolto no conteúdo dos e-mails e a premência de veicular a informação ao público em geral, convidou o Réu AA que, no programa ‘...’, fez a divulgação de alguns desses e-mails […]” – Contestação, art. 83º.
7. O B... escancarou as portas dos seus estúdios uma vez por semana, durante meses, deixando entrar AA para aí prosseguir a atividade ilícita e danosa.
8. O B... tinha também, por força da lei – antes do mais a lei constitucional (v. os arts. 18º, 1, 34º, 1, da CRP) –, o dever de impedir a divulgação da correspondência das Autoras. Intencionalmente, não cumpriu o dever.
9. É dito na sentença (p. 120-121) que o B... “não teve qualquer intervenção no conteúdo do programa em causa”. Ainda que assim fosse – inconciliavelmente com as confissões de todos os RR. e os factos provados transcritos (supra, sob 5. e 6.) –, isso não obstaria à responsabilidade do B.... A divulgação ilícita da correspondência no programa referido perdurou mais de dez meses (v. factos provados nºs 57. e 91.); em algumas sessões do programa foi anunciada a continuação da divulgação da correspondência (v. factos provados nºs 82. e 93.). Por conseguinte, o B... (pelos seus administradores, pessoal dirigente, etc.) não podia ignorar o conteúdo ilícito dos sucessivos episódios ou sessões do programa. Não obstante, nada fez para impedir a continuação da atividade ilícita, nem para remover ou minorar os danos causados às Autoras. Pelo contrário!
10. Seja qual for a perspetiva por que se olhe para os factos, teremos de concluir que também o B... é civilmente responsável. É possível ver o B... atuando em qualquer uma destas qualidades: (co-)autora, instigadora, ou auxiliar ou cúmplice.
11. O B..., por ação – mas também por omissão – cometeu, em co-autoria, um conjunto de ilícitos culposos e danosos – conforme confessado designadamente nos arts. 83.º, 285.º e 555.º da contestação –, tendo atuado como meio para efetivação do ilícito, pelo que tem de ser civilmente responsabilizada, nos termos do disposto nos arts. 490.º e 497.º do CC, devendo substituir-se o §1 da sentença por outro que condene o B..., solidariamente com os demais Réus, ao pagamento de indemnização às Autoras, tendo o Tribunal a quo violado, nesta parte, arts. 490.º e 497.º do CC, 70.º/2 LdT, 607.º/4, 640.º/1, 574.º/2 e 621.º do CPC.
12. A sentença recorrida erra também ao absolver os Réus administradores, BB, CC e DD, em virtude do que resulta da factualidade dada como provada e se afigura desconforme com a correta aplicação dos preceitos normativos aplicáveis (arts. 6.º/5 e 79.º/1 CSC).
13. Ficou provado que a divulgação resultou “de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Y...”, que integra os três mencionados administradores (facto provado nº 30.). E ficou provado que estes administradores “definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., o seu posicionamento no caso dos ‘emails’ […], incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro” (facto provado nº 56.). Expressivas são também algumas afirmações públicas do administrador BB em 2017: “… acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar”; “[m]ostrámos os e-mails e depois entregámos à polícia”.
14. Atos continuados de tamanha gravidade e impacto como a divulgação de alegada correspondência confidencial de terceiros não podiam ser executados sem autorização ou consentimento dos órgãos de administração das sociedades Rés.
15. Por outro lado, a apropriação de segredos de negócios de terceiros constitui ofensa, quer de direitos absolutos, quer de normas legais de proteção de terceiros (art. 318º do CPI2003 e os arts. 313º, s. do CPI atual). E não se concebe que segredos de negócios das Autoras estejam mais de dois anos na posse das sociedades Rés sem que os respetivos administradores tenham conhecimento disso e aprovem ou consintam nessa posse ilícita.
16. Já em 2010, COUTINHO DE ABREU havia colocado a violação de direitos absolutos de terceiros e a participação em estratégia de concorrência desleal num catálogo não exaustivo de situações subsumíveis ao art. 79.º/1 CSC50: “A conduta dos administradores terá, pois, de ser ilícita. Quando sucede tal? Esquematicamente, quando os administradores violam (a) direitos (absolutos) de sócios ou de terceiros, (b) normas legais de proteção de uns ou de outros, (c) ou certos deveres jurídicos específicos. (…) Por ordem ou participação direta dos administradores, a sociedade (…) pratica ato de concorrência desleal (…)”.
17. A correta interpretação dos arts. 6.º/5 e 79.º/1 CSC impõe a responsabilidade cumulativa e solidária da sociedade e dos administradores que, por ação e/ou omissão, no exercício das suas funções, cometerem ilícitos culposos e danosos (como sejam a violação de direitos absolutos ou práticas concorrenciais desleais) contra terceiros, sendo os administradores responsáveis pelos danos diretos causados. Tal resulta da circunstância do segmento “danos que diretamente lhes causarem” do art. 79.º/1 CSC se referir à indemnizabilidade do dano e não à limitação da responsabilidade.
18. Cada um dos Réus administradores autorizou e/ou consentiu na divulgação de correspondência confidencial e na apropriação de segredos de negócio das Autoras, o que é evidenciado pelo teor dos §§ 30 e 56 da matéria de facto provada e foi também corroborado pelo depoimento da testemunha JJJ, conforme transcrito supra. Nessa medida, deve substituir-se o §1 da decisão por outro que condene os Réus BB, CC e DD, solidariamente entre si e com todos os outros Réus, ao pagamento de indemnização às Autoras, nos termos do disposto nos arts. 6.º/5 e 79.º/1 CSC e arts. 483.º e 490.º CC, preceitos que o Tribunal a quo violou.
19. É redutora a conclusão do Tribunal a quo que considera que os juízos e opiniões usados pelos Réus estão legitimados ao abrigo da liberdade de expressão e por isso não podem fundar qualquer indemnização ao abrigo do art. 484.º CC, entendimento para o qual convoca jurisprudência do STJ e TEDH. Desde logo, porque olvida o contexto de flagrante dolo direto/má-fé em que surgem tais comportamentos – dado como provado, entre outros, nos §§103, 104 e 92 da matéria de facto provada e referido na sentença recorrida a pp. 105, 110 e 111 –, contexto que sempre implicaria, de acordo com o critério utilizado pelo TEDH convocado pelo próprio Tribunal a quo, a exclusão da guarida da liberdade de expressão. A idêntica conclusão chegara já o Acórdão do TRL de 21 de maio de 1987, que incluiu, no âmbito do art. 484.º CC, os factos verdadeiros dolosa ou culposamente apresentados em condições desleais ou deformadoras (também os Acórdãos do STJ de 14 de fevereiro de 2012 e de 29 de janeiro de 2015 se pronunciaram nesse sentido – v. o art. 373.º da petição inicial).
20. Tendo dado como provada a intenção descrebibilizadora e o contexto de flagrante dolo direto/má-fé em que se verificaram os atos ilícitos dos Réus, não poderia o Tribunal a quo considerar estarmos perante um caso de liberdade de expressão: não há liberdade de expressão onde se ultrapassam as barreiras da difamação e do abuso do direito. Considerando a essencialidade do critério da boa-fé para o recurso à liberdade de expressão enquanto cláusula de exclusão da aplicação do art. 484.º CC, e uma vez firmado o contexto de dolo direto/má-fé em que atuaram os Réus, deveria o Tribunal a quo ter condenado os Réus também com base neste normativo, devendo portanto a sentença recorrida ser revogada nesta parte e substituída por outra consequente com esta conclusão.
21. O Tribunal a quo andou mal ao desqualificar o comportamento dos Réus como ato de concorrência desleal ao abrigo do disposto no art. 317.º/1 b) do CPI2003, com base numa alegada consumpção normativa, desde logo por julgar não ser de aplicar ao caso o art. 484.º CC. Estando já demonstrad[o] o dolo direto/má-fé com que atuaram os Réus e a necessária aplicação do art. 484.º CC, mais o caráter descredibilizador da atuação daqueles (v. §92 da matéria de facto provada), não subsistem dúvidas de que tal atuação constitui igualmente um ato de concorrência desleal, uma infração do disposto no art. 317.º/1 b) do CPI2003.
22. Os comportamentos comprovadamente adotados pelos Réus assumem uma relevância típica plúrima. Por um lado, eles constituem uma forma de lesão ilícita do direito à inviolabilidade da correspondência e da reserva da vida privada (arts. 76.º e 483.º, n.º 1 CC). Por outro lado, eles consubstanciam uma infração à proibição da concorrência desleal, seja ela na forma especial-típica do descrédito do concorrente (art. 317.º, n.º 1, al. b) CPI), seja na proibição geral de actos de concorrência desconformes com os usos honestos do comércio (proémio do art. 317.º, n.º 1 CPI).
23. Para chegar à conclusão da inaplicabilidade do art. 317.º/1 b) do CPI2003, o Tribunal a quo terá confundido a suposta base das afirmações dos Réus com as afirmações em si mesmas e, relativamente a estas últimas, está por demais evidenciada a truncagem dos e-mails, a seleção enviesada, a ocultação de excertos e a deturpação de informação (v. designadamente os §§200, 201, 203, 204, 46, 105, 106 e 221 da Deliberação da ERC/2018/112), o que determina a falsidade de tais afirmações. Sendo as afirmações falsas e visando o descrédito das Autoras (v. §92 da matéria de facto provada, bem como o ponto 13 da sentença recorrida, a pp. 110 ss), é evidente que constituem ato de concorrência desleal, nos termos do art. 317.º/1, alínea b), do CPI2003.
24. Da leitura destes factos provados retira-se que, entre muitas outras afirmações, os Recorridos referem explicitamente que: (i) existe um esquema de corrupção de árbitros a favor do X...; (ii) o X... está envolvido em cambalachos e vigarice; (iii) o X... está implicado num esquema que envolve arbitragem e que adultera a verdade desportiva; (iv) os árbitros são umas marionetas nas mãos do X...; (v) o X... age de forma anti-regulamentar; (vi) o X... está envolvido na maior mentira do futebol Português; (vii) o X... é um competidor falso; (viii) o X... pratica actos ilícitos e criminais. Esta matéria foi aliás dada como igualmente provada na sentença cautelar, designadamente nas alíneas KKK), LLL), OOO), PPP), QQQ), RRR), SSS), UUU), VVV), YYY), entre outros – cfr. sentença de 1ª instância da providência cautelar e acórdão da Relação do ... de 21 de fevereiro de 2018, designadamente o ponto 74, a p. 39 (ou igualmente §60, 61, 62, 63, 65, 166, entre outros da sentença recorrida).
25. Sem embargo, adicionalmente, conforme salientado pelo Prof. COUTINHO DE ABREU, o requisito das “falsas afirmações” inclui não só a afirmação de factualidade falsa mas também a afirmação tendenciosamente apresentada: “Não podem ser (…) elaboradas e apresentadas de modo tendencioso, ou falaciosas (fazendo do particular ou acidental, que até pode ser verdadeiro, o universal ou essencial), ou exagerada ou desproporcionadamente depreciativas, ou desabridas, agressivas ou insultuosas – excedendo e prejudicando, portanto, as exigências de informação do público” – cfr. o Parecer junto no procedimento cautelar, a pp. 8 e 9. Também no mesmo sentido segue o entendimento da Prof.ª PAULA COSTA E SILVA, referindo-se à “verdade tendenciosa” como incluindo as “falsas afirmações” (cf. o Parecer junto no procedimento cautelar, a p. 62). Também o Acórdão do TRL de 21.05.1987 julgou neste sentido, ao incluir no art. 484.º CC “os factos verdadeiros mas dolosa ou culposamente apresentados em condições desleais ou deformadoras” – idêntico raciocínio é de aplicar ao art. 317.º/1 b) do CPI2003. Por conseguinte, as afirmações dos Réus são sempre falsas para efeitos do instituto da concorrência desleal.
26. Também não pode proceder o argumento avançado pelo Tribunal a quo, que tem por base a doutrina de CARLOS OLAVO, ao excluir afirmações verdadeiras das “falsas declarações” do art. 317.º/1 b) do CPI2003, no caso de tais afirmações “verdadeiras” beneficiarem o regular funcionamento do mercado, pois que as declarações dos Réus – que não são verdadeiras, mas mesmo que o fossem – em nada beneficiaram o regular funcionamento do mercado futebolístico português, muito pelo contrário.
27. Atendendo a tudo quanto vem sendo exposto, deveria o Tribunal a quo ter enquadrado o comportamento dos Réus como ato de concorrência desleal, nos termos e para os efeitos do art. 317.º/1, alínea b), do CPI2003, devendo por isso ser revogada nesta parte e substituída por outra que condene igualmente os Réus por infracção deste normativo.
28. Não ocorre qualquer inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido formulado pelas Autoras em G), porquanto ficou demonstrado que os Réus entregaram nos autos cópias dos suportes que ainda mantêm na sua posse. Os Réus não só acederam àqueles ficheiros, como os copiaram e mantêm na sua posse, conforme consta do §81 da matéria de facto provada e foi confirmado no depoimento de AA, transcrito supra (v. ainda o Facto Um a aditar supra). Prova cabal de que não há qualquer inutilidade superveniente da lide são aliás as declarações deste Réu à ..., em 27.05.2019, em que este declarou já depois da audiência de julgamento, recusar-se a entregar aqueles ficheiros na sua posse. Com tal decisão, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 277.º e) CPC, devendo o §5 do dispositivo da sentença ser substituído por decisão que condene os Réus no pedido formulado em G) pelas Autoras.
29. O Tribunal a quo errou ao decidir que “todas as injunções do procedimento cautelar mantêm a sua validade até ao trânsito em julgado desta decisão” (§8 do dispositivo da decisão recorrida), o que concluiu com base na suposta ausência de elevada previsibilidade da repetição/continuação dos comportamentos ilícitos e danosos por parte dos Réus e remetendo para o disposto no art. 564.º/2 CPC. Tal decisão constitui, na prática, um indeferimento da pretensão de manutenção das providências cautelares decretadas, atendendo ao art. 373.º/1 c) CPC, indeferimento esse que as Recorrentes aqui impugnam para os devidos efeitos, devendo em consequência ser revogado e substituído por outro que declare a manutenção das providências cautelares, conforme pedido das Autoras, ora Recorrentes.
30. O que está aqui em causa (v.g. nos pedidos C), D) e E) formulados pelas Autoras) não é qualquer pretensão indemnizatória de dano futuro (para o que remete o art. 564.º/2 CC), mas a pretensão de abstenção/cessação definitiva da conduta lesiva levada a cabo pelos Réus, cuja efetividade deve ser assegurada mediante a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória. Não cabia ao Tribunal a quo fazer um qualquer juízo de prognose em termos da alta probabilidade da continuação do comportamento danoso dos Réus, pois que para a decisão de inibição, seja a título cautelar ou definitivo, importa antes o receio objetivamente justificado da continuação daquela violação (v. art. 362.º/1 CPC) – o que manifestamente se verifica (v. conclusão §4 do Parecer do Prof. LEBRE DE FREITAS junto com este recurso).
31. Mesmo que fosse exigível esse juízo de alta probabilidade de repetição ou continuação do comportamento danoso, os Réus só interromperam a divulgação ilícita porque tal lhes foi ordenado pelo Tribunal da Relação do ..., sendo que toda a conduta e declarações dos Réus apontam para a continuação daquela atividade; conclusão que é reforçada pelo teor das últimas declarações do Réu AA à ..., em 27 de maio de 2019 e que se transcreveram supra (conforme os documentos n.º 2, 3 e 4 cuja junção se requereu supra e se conclui de seguida).
32. A junção dos documentos n.º 2, 3 e 4 que respeitosamente se requer é necessária e justificada nos termos do disposto no artigo 651.º do CPC, devendo ser admitida, uma vez que tais documentos são posteriores à data de encerramento da audiência de julgamento e porque comprovam o perigo real e atual da continuação dos factos ilícitos pelos Réus, contrariando o sentido da decisão recorrida, pois confirmam a intenção dos Réus, reiterada expressamente pelo Réu AA, já num contexto de existência da ordem de restrição da providência cautelar e após a realização do julgamento, o que comprova mais uma vez – se dúvidas houvesse – o dolo direto/má fé dos Réus na prossecução do seu desiderato (“Isto é uma guerra”).
33. A interrupção do comportamento ilícito e danoso dos Réus após o decretamento das várias providências cautelares requeridas não é suficiente para acautelar o receio de continuação da violação dos direitos das Autoras, servindo antes para demonstrar que foi necessária uma decisão judicial para que aquele comportamento de divulgação ilícita cessasse. Por outro lado, os Réus continuam na posse ilegítima e ilícita de segredos de negócio das Recorrentes, sendo que a atuação passada dos Réus, insistentemente reiterada, nos termos que se conhecem, determina avisadamente o decretamento definitivo de tais providências, só assim se podendo assegurar a cessação definitiva da violação dos direitos das Autoras e, com isso, o restabelecimento funcional da ordem jurídica.
34. O Tribunal a quo não pode antecipar e decidir com base em eventuais recursos das partes para inferir que a sentença se vai manter pendente do trânsito em julgado durante tempo suficiente à adequada tutela das Autoras.
35. O Tribunal a quo deveria, tal qual ora se requer ao Venerando Tribunal ad quem, valorar os comportamentos e declarações dos Réus no sentido da necessidade da determinação e manutenção definitivas das providências cautelares decretadas, o mesmo fazendo em relação à sanção pecuniária compulsória, conforme o impõe o art. 611.º/1 CPC. Assim, atendendo a que o §8 do dispositivo da decisão recorrida viola o disposto nos arts. 313.º/1 c), 362.º/1 e 611.º/1 CPC, deverá a mesma ser nesta parte revogada e substituída por uma que mantenha válidas e eficazes, definitivamente, as providências cautelares decretadas e, bem assim, proceda à fixação de sanção pecuniária compulsória no valor de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), nos termos peticionados.
36. O Tribunal a quo errou ao julgar improcedente o pedido das Autoras em F) da sua PI, por o considerar impossível (§27, p. 134 da decisão recorrida). A impossibilidade do pedido constitui exceção dilatória atípica que obriga o Tribunal a proferir despacho pré-saneador, a fim de providenciar o seu suprimento (arts. 590.º/2 a) e 6.º/2 CPC), sendo que o conhecimento de tal exceção deve ser feito em despacho saneador (art. 595.º/1 a) CPC), o que Tribunal a quo não fez, vindo agora declarar tal impossibilidade em sede de sentença. Ora, tendo o Tribunal a quo já decidido, em despacho saneador, que inexistiam exceções, nulidades ou questões prévias que obstassem ao mérito da causa, esgotou o seu poder jurisdicional quanto a tais questões (art. 613.º/1 CPC), pelo que cometeu excesso de pronúncia na sua sentença, devendo considerar-se nula nesta parte (art. 615.º/1, d) CPC). Em consequência, deve tal nulidade ser corrigida e decidida a procedência do pedido das Autoras em F) da sua PI.
37. Sem embargo, foi pelos meios controlados pelos Réus, especialmente o B..., que se perpetraram as divulgações e ataques às Autoras, pelo que não se compreende como pode o Tribunal a quo concluir que “não resulta dos factos provados a publicação de qualquer ofensa (…)”. Atendendo também a que os suportes em causa pertencem aos Réus e estão cobertos pela proteção conferida pelo Direito intelectual, é evidente que o pedido não é impossível, pois têm os Réus o poder de impedir/bloquear a sua propagação, inclusivamente aquela que se verifique através de meios controlados por terceiros. Deve assim esta decisão do Tribunal a quo ser revogada nesta parte e substituída por outra que condene os Réus no pedido formulado em F) da PI pelas Autoras.
38. Nada impede a publicação da decisão no programa do B..., que serviu como meio das divulgações ilícitas, o que se impõe nos termos do disposto nos arts. 91.º/1 LdT, 34.º/1 e 34.º/4 da LdI, 70.º CC e 338.º-O CPI2003, contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo no §30 a p. 135 da sentença recorrida. Por outro lado, por a atuação dos Réus constituir ato de concorrência desleal ao abrigo do art. 317.º/1 b) CPI2003, deve a publicação ao abrigo do 338.º-O CPI2003 abranger ambas as formas de concorrência desleal, isto é, incluir aquilo que o Tribunal a quo designou de “[atos de] ofensa ao bom nome”(v. §30 a p. 135 da sentença recorrida).
39. A publicação da sentença condenatória não tem de aguardar a liquidação da sentença, pois a decisão recorrida constitui decisão final de condenação (v. art. 609.º e art. 152.º/2 CPC), idónea à publicação prevista no art. 338.º-O CPI2003. A sentença recorrida é ainda nula, por omissão de pronúncia, na parte em que nada decidiu acerca do pedido das Autoras formulado em I) da PI na parte em que requerem a publicação “em dois jornais diários de circulação nacional e grande tiragem, [d]o extrato da sentença condenatória, contendo a identificação da Autora e dos Réus, bem como o teor integral das decisões condenatórias”, nos termos do disposto nos arts. 608.º/2 e 615.º/1 d) do CPC. Em suma, deve substituir-se nesta parte a sentença recorrida por uma que condene os Réus em toda a extensão do pedido formulado pelas Autoras em I) da PI.
40. No que respeita à matéria da proibição de prova, resulta do disposto nos arts. 126.º/3 e 4 do CPP, 20.º, 32.º/8 e 34.º da CRP e 417.º/3 do CPC que os e-mails e demais ficheiros constantes dos Documentos n.ºs 10 e 10-A da contestação podem ser usados, irrestritamente, pelas Autoras para prova de tudo quanto seja coberto pelo seu ónus da prova; e não podem ser usados pelos Réus para prova de qualquer facto incluído no ónus da prova que por si corre (pedido reconvencional e exceções perentórias), salvo o estritamente necessário para acautelar o princípio da proibição da indefesa (impugnação). É este o sentido claramente apoiado pelos Pareceres PCS/NTR e JLF que foram juntos aos autos com o recurso intercalar das Autoras sobre este tema no dia 27 de março de 2019.
41. O Tribunal a quo errou ao valorar e verter na sentença os Documentos n.ºs 10 e 10-A e, bem assim, a prova indireta deles produzida em audiência de julgamento, como fundamento para decidir, salvo in bonam partem e nos casos de estrita necessidade do princípio da proibição da indefesa em relação aos Réus, designadamente: ao dar como provados os §§193 e 196 da matéria de facto provada; ao referir, no §1 da fundamentação da matéria de facto provada que “o tribunal não pode considerar que o teor dos emails objeto deste litígio são apenas “alegadamente” correspondentes à realidade (…). Para o tribunal o teor literal desses documentos corresponde ao teor literal das comunicações que constam do documento nº 10 e 10-A (emails divulgados)”; ao tomar em consideração o teor dos e-mails para a fundamentação da decisão, incluindo para prova da exceptio veritatis e interesse público (v. §13 da fundamentação da matéria de facto provada e p. 131 da sentença recorrida); e por, em consequência do §193 da matéria de facto provada, dar por assente que os (alegados) e-mails são verdadeiros quando a eles se refere nos §§ 58, 64, 68, 69, 70, 77, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 91, 163, 164, 165, 169 a 180, 182, 184 a 191, da matéria de facto provada, não incluindo – como fez em relação a outros, cfr., v.g., §§57, 61 e 78 da matéria de facto provada – expressões como “segundo afirmou”, “faz as seguintes afirmações”, “alegadamente” ou “supostos”. Ao ter procedido como elencado, violou o Tribunal a quo o vertido nos arts. 126.º/3 e 4 do CPP, 20.º, 32.º/8 e 34.º da CRP e 417.º/3 do CPC.
42. Não pode confundir-se a proibição de mobilização com a proibição de valoração da prova: a correspondência do lesado ilicitamente obtida pode ser utilizada pelo próprio para provar o ilícito cometido a fim de poder ser ressarcido dos danos sofridos, sem que para isso tenha de consentir em que tal correspondência seja utilizada na mesma ação para provar factos que aproveitem aos lesantes. A solução de admitir a valoração da prova in bonam partem e de proibi-la in malem partem é a única que assegura as razões determinantes da proibição da prova (art. 32.º, n.º 8 CRP) e é plenamente compatível com o princípio da aquisição processual.
43. A pretensão de utilizar no processo a correspondência alheia, sem o consentimento do respetivo titular, de modo a persuadir o Tribunal quanto à realidade de um conjunto de factos favoráveis à parte que os pretende mobilizar, constitui uma forma de lesão do direito à reserva da intimidade e à inviolabilidade da correspondência. A sua consequência não pode deixar de ser a da proibição de valoração da prova (art. 32.º, n.º 8 CRP).
44. A utilização da correspondência das Autoras para prova de factos favoráveis aos Réus viola o princípio geral segundo o qual ninguém pode aproveitar do seu próprio ilícito, e esvazia de alcance prático a proteção instituída pelos direitos fundamentais do lesado, subtraindo-lhe o domínio exclusivo sobre a informação respeitante à sua organização interna de vida (incluindo os segredos de negócio que lhe estão afetos).
45. Por seu turno, a proibição do aproveitamento processual da sua própria correspondência pelo lesado significaria tratar como ilícito um meio de prova que é, relativamente a ele, inequivocamente lícito, e colocá-lo numa situação pior do que aquela em que estaria se o evento lesivo não se tivesse verificado.
46. O entendimento que o Tribunal acabou por perfilhar delapida injustificadamente as razões que determinam a proibição de prova, as quais não se limitam a impedir que certo meio de prova seja mobilizado na ação, antes visam sobretudo restringir o âmbito em que esse meio de prova pode ser licitamente valorado na ação, ie., os factos relativamente aos quais o meio de prova pode constituir um fundamento.
47. Tal entendimento conduz a um resultado não apenas ilegal (art. 32.º, n.º 8 CRP), mas também manifestamente injusto, na medida em que obriga o lesado a optar entre exercer plenamente o seu direito de ação, utilizando a prova ilícita em seu favor, mas pagando por isso o preço da sua instrumentalização aos fins processuais da contraparte, ou renunciar a um meio de prova que é apenas lícito relativamente a ela (e eventualmente determinante para a sua pretensão), para se não se render ao resultado da renovação da devassa no processo e ao agravamento dos prejuízos emergentes do ilícito primário da devassa.
48. Ao contrário daquilo que surge afirmado na sentença recorrida (pp. 6 e 7), a questão relativa à admissibilidade da valoração da correspondência do X... não foi definitivamente apreciada pelo despacho que determinou aos Réus a sua junção ao processo. As Autoras requereram na réplica que o juiz determinasse «a proibição da utilização de toda a documentação junta pelos Réus reportando direta ou indiretamente a alegados emails atinentes ao domínio @X….pt [...] seja como meio de prova da defesa e da reconvenção, seja para benefício da posição substantiva ou processual destes e/ou de quaisquer actos de terceiros contra os direitos das Autoras». E é também certo que os Réus se opuseram, pedindo que fosse julgada «totalmente improcedente a nulidade arguida pelos Autores».
49. Da admissibilidade da junção de um meio de prova ao processo não pode inferir-se a admissibilidade da sua valoração. Uma vez que a relação entre os dois resultados em causa - o meio de prova ser admitido nos autos e poder ser utilizado para a prova de todos os factos controvertidos - não é necessária, e que o próprio Tribunal declarou julgar procedente a pretensão das Autoras, não podia ser imputado ao despacho judicial, que determinou a junção dos documentos ao processo, o sentido de admitir que aqueles documentos pudessem ser utilizados para fundar a convicção do decisor quanto aos factos que fundamentam as pretensões dos Réus.
50. Assim, ao contrário do que se sustenta na sentença recorrida, a questão relativa ao sentido e ao alcance da proibição de valoração da correspondência das Autoras como meio de provar factos que lhe são desfavoráveis não está abrangida pelo efeito do caso julgado do despacho proferido em audiência preliminar, que apenas […] incidiu sobre a questão da admissibilidade da junção daquela correspondência aos autos.
51. O Tribunal a quo, ao valorar aquele meio de prova como argumento para formar a sua convicção sobre a realidade de factos desfavoráveis às Autoras, violou as regras sobre a proibição de prova, designadamente o disposto no art. 32.º, n.º 8, CRP, incorrendo no vício de violação de lei, e consequente nulidade, nos termos do disposto no art. 195.º/1 CPC, que aqui expressamente se invoca, o que torna a sentença nula, devendo a mesma ser substituída por outra que sane tal nulidade.
52. O Tribunal a quo fez uso de norma de decisão que se pode sintetizar da seguinte forma: «Os meios de prova que sejam considerados de valoração proibida devido à sua obtenção extrajudicial ter ocorrido com violação do direito fundamental à privacidade da comunicação podem ser juntos aos autos a requerimento da parte relativamente à qual a norma proibitiva foi estabelecida mas fica, desde aí, sujeita às regras gerais do princípio da aquisição processual, do princípio da verdade material e do princípio do contraditório, todos corolários do direito fundamental ao processo equitativo, podendo ser mobilizada por todos os sujeitos do Tribunal (partes e Tribunal) como se fosse lícita ab initio» - cfr. pp. 6 e 7 sobre a valoração da prova documental junta pelos Réus.
53. A referida norma decisória assume-se como uma aplicação do princípio da aquisição processual e, ainda, dos princípios da verdade material e do princípio do contraditório, mas, na realidade, viola esses mesmos princípios ao dar-lhes uma incorrecta interpretação e aplicação, aproveitando-os – mal – para decidir que os meios de prova considerados pela lei como de valoração proibida que foram juntos aos autos podem ser mobilizados por todos os sujeitos do Tribunal (partes e Tribunal) como se a prova fosse lícita ab initio.
54. A interpretação e aplicação nesses termos do princípio da aquisição processual, e subsidiariamente dos restantes princípios invocados, não retira as necessárias consequências de o regime da prova proibida se encontrar instrumentalmente conexionado com os Direitos, Liberdades e Garantias e, logo, prevalecer sobre o princípio da aquisição processual, restringindo o âmbito deste no caso de provas obtidas ilicitamente em violação de Direitos, Liberdades e Garantias.
55. Porém, e caso se entenda que o princípio da aquisição processual consagrado no art. 413.º do CPC foi corretamente interpretado pelo Tribunal ad quem, vêm as Autoras aqui arguir também, para todos os efeitos legais, a inconstitucionalidade da referida norma quando interpretada, em conjugação com os princípios da verdade material e do contraditório, no sentido de que “todos os elementos que cheguem aos autos, por qualquer meio, passem a fazer parte integrante dos mesmos e possam ser valorados, ainda que contra os interesses dos autores da junção”, ainda que tais elementos “sejam considerados de valoração proibida devido à sua obtenção extrajudicial ter ocorrido com violação do direito fundamental à privacidade da comunicação”.
56. A possibilidade de, nesses casos, a prova proibida poder ser mobilizada “por todos os sujeitos do Tribunal (partes e Tribunal) como se fosse lícita ab initio” viola o direito à efetiva tutela jurisdicional (art. 20.º da Constituição) dos Direitos, Liberdades e Garantias ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privadas fundamental à inviolabilidade do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada, nas suas vertentes processual e substantiva (art. 32.º/8 e 34.º da Constituição), ao direito fundamental implícito à reserva da intimidade da vida empresarial (art. 26.º, n.º 2, da Constituição), assim como viola o princípio do Estado de Direito democrático na vertente de “garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 2.º da Constituição), pelos motivos melhor expostos supra.
57. Em suma, a norma de decisão (e a sentença recorrida que a incorpora) fundamentada no disposto no artigo 413º do CPC (indicado “artigo 515.º” na sentença), ou este normativo caso a norma de decisão fosse com ele conforme, violam diretamente:
a) A norma do n.º 8 do art. 32.º da CRP, na parte em que qualifica como nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações;
b) A norma do n.º 1 do art. 34.º da CRP, na parte em que consagra a inviolabilidade do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada;
c) A norma do n.º 4 do mesmo art. 34.º, combinada com o art. 18.º, n.º 1 da CRP, na parte em que proíbe a ingerência de entidades privadas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação;
d) A norma do art. 18.º, n.º 2, da CRP, quando conjugada com a norma do art. 32.º, n.º 8, com a norma do art. 34.º, n.º 1, e ainda com a norma do art. 34.º, n.º 4, todas da CRP;
e) A norma do n.º 4 do art. 20.º da CRP, na parte em que confere o direito a um processo equitativo;
f) A norma n.º 1 do art. 20.º da CRP, na parte em que consagra o direito de acesso ao Direito e aos tribunais; e, ainda,
g) As normas contidas nos n.º 3 e 4 do artigo 126º do CPP que aqui devem ser aplicadas diretamente e que constituem emanação ordinária dos princípios constitucionais incorporados nas normas indicadas de a) a f) supra, devendo assim, em consequência, tal norma de decisão ser revogada, ou tal artigo 413º do CPC ser desaplicado, consoante o caso, e declarada a proibição de valoração da prova a favor dos Réus nos termos destas conclusões.
58. No que concerne à indemnização arbitrada a título de danos emergentes (§2 do dispositivo da decisão), o Tribunal a quo errou ao reduzir o valor total dos danos reclamados em 1/3.
59. O princípio primeiro do direito da obrigação de indemnizar é o do ressarcimento integral dos danos (arts. 562.º e 566.º, n.º 2 CC). Uma vez preenchidos os pressupostos fundamentadores da responsabilidade, a indemnização só excecionalmente pode ser fixada em montante inferior ao dano real sofrido pelo lesado, mediante o preenchimento de algum tipo legal modificativo do direito à reparação integral dos danos.
60. Perante os factos provados na presente ação, nenhuma razão existe que permita estabelecer uma indemnização com um montante inferior ao valor dos danos efetivamente suportados pelas Autoras, porquanto os Réus agiram com dolo direto e até com intenção específica de prejudicarem as Autoras (art. 494.º CC).
61. Seja qual for a natureza do concurso entre as condutas dos Réus e os factos praticados por outros órgãos de comunicação social, os primeiros estarão, em qualquer caso, obrigados a reparar integralmente os danos sofridos pelas Autoras. Esta é a consequência que inequivocamente se extrai do disposto no art. 497.º, n.º 1 CC, ao consagrar a solidariedade da obrigação de todos os agentes responsáveis pelos danos sofridos pelo lesado (in casu, as Autoras).
62. Ao determinar que a responsabilidade dos Réus deveria ser reduzida na medida da contribuição para os prejuízos sofridos pelas Autoras, a sentença recorrida apresenta-se manifestamente desconforme com a norma presente no art. 497.º, n.º 1 CC, devendo, por isso, ser revogada também nesta parte.
63. A conduta dos terceiros constitui a concretização do risco ilicitamente criado pelos Réus, ao divulgarem publicamente a correspondência eletrónica das Autoras pela primeira vez, o autor de um primeiro evento lesivo deve responder pelas consequências emergentes de um evento posterior, sob a forma de um comportamento de um terceiro.
64. A existência de condutas lesivas de terceiros não justificam a atenuação da responsabilidade dos Réus, antes impõe, precisamente, o resultado contrário. A responsabilidade dos Réus é, na verdade, agravada pelo facto de certos órgãos de comunicação social terem posteriormente reproduzido os email e terem, com isso, amplificado as consequências prejudiciais da devassa primeiramente cometida.
65. Todas as reproduções por terceiros dos email das Autoras e das notícias lesivas da reserva da vida privada e do seu bom nome, tenham estas origem em órgãos de comunicação social nacionais ou estrangeiros, não podem deixar de contar-se como eventos danosos (art. 496.º, n.º 1 CC) ou, pelo menos, como «circunstâncias do caso» que justificam o agravamento da compensação, por sinalizarem um especial desvalor do resultado da conduta dos Réus e uma dimensão agravada dos prejuízos do lesado (arts. 496.º, n.º 4 e 494.º CC).
66. Por outro lado, a fixação da indemnização devida pelos Réus em valor inferior aos danos reais sofridos pelas Autoras não pode ser justificada pelo argumento de que a danosidade das condutas lesivas se deveu também ao conteúdo dos email e de que esta circunstância só pode ser imputadas às próprias lesadas.
67. As “vantagens” obtidas pelas Autoras com a campanha de marketing com a finalidade de minorar os danos sofridos com a divulgação dos seus email, traduzidas na manutenção ou aumento de subscritores do «...», não excluem o direito a serem integralmente reembolsadas das despesas que investiram em tais campanhas. Aquelas “vantagens” foram obtidas a partir de um comportamento que excede os constrangimentos que poderiam ser exigidos às Autoras nos termos da culpa do lesado (art. 570.º, n.º 1 CC), e a sua aquisição decorre da exploração de bens que lhes estão exclusivamente afetos, do seu esforço, e dos riscos que aceitaram assumir.
68. Os dispêndios assumidos pelas Autoras com o reforço da segurança do sistema informático e com a contratação de novos colaboradores são integralmente imputáveis aos Réus. São despesas assumidas com a finalidade de afastar um perigo sério e atual de verificação de novos prejuízos, os quais, se viessem a ocorrer, seriam também imputáveis aos Réus, conduzindo a um agravamento da sua responsabilidade. Por outro lado, o montante das despesas era previsivelmente inferior ao valor do dano que elas visavam evitar, o que conduz à valoração do comportamento do lesado como razoável e justificado, à luz do art. 570.º, n.º 1 CC.
69. A circunstância de o perigo de novos danos poder eventualmente não ser exclusivamente imputável aos Réus não afasta a responsabilidade solidária destes pelo valor integral das despesas razoavelmente assumidas pelo lesado com a finalidade de impedir a sua concretização.
70. Pelo exposto, deve substituir-se a sentença recorrida por uma que condene os Réus pagar às Autoras o montante integral de danos patrimoniais provados, no valor de €784.579,56 e juros conforme peticionado.
71. Por outro lado, ao nível da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais pela divulgação, o Tribunal a quo fez assentar o seu raciocínio em vários pressupostos errados, que conduziram a que, a final, viesse a fixar um montante consideravelmente inferior àquele que devia ter fixado.
72. Desde logo, o art. 494.º CC, utilizado pelo Tribunal a quo como ponto de partida para balizar o juízo de equidade, deve ser interpretado em conjugação com o art. 496.º/4 CC, donde resulta que o Tribunal deve atender às circunstâncias previstas no art. 494.º CC como ponto de partida mínimo, sendo certo que este último dispositivo, per si, funciona como limitação do dano indemnizável no caso de baixa censurabilidade da conduta (“mera culpa”).
73. O que resulta do disposto nos arts. 4.º a), 494.º e 496.º/4 CC é que o Tribunal fixa equitativamente o montante indemnizatório de acordo com o seu melhor juízo, podendo ter em consideração outros critérios para lá dos enunciados no art. 494.º, uma vez que o escopo do art. 496.º/4 é garantir que os danos não patrimoniais infligidos com dolo não tenham indemnização menor que aqueles fundados na mera culpa. Não foi essa a interpretação do Tribunal a quo que se circunscreveu ao critério do art. 494.º, partindo para a fixação do montante indemnizatório como se os Réus tivessem agido com mera culpa, i.e., quedando-se pelos critérios mínimos do art. 494.º, que serve para a menos intensa das censurabilidades, quando a atuação dos Réus foi feita com reconhecido dolo direto (v. p. 129 da sentença recorrida). Este raciocínio do Tribunal a quo é, portanto, contrário à correta interpretação conjugada dos arts. 4.º a), 494.º e 496.º/4 CC, devendo ter procedido aos agravamentos que julgou não poder fazer.
74. Por outro lado, aos fatores de dedução não pode concorrer o argumento do Tribunal a quo acerca da suposta veracidade dos e-mails (v. p. 129 da sentença recorrida), desde logo porque o §193 da matéria de facto provado nunca deveria ter sido dado como provado, pelas razões que se apontaram supra a propósito da matéria da proibição da prova e que aqui se dão por reproduzidas, sendo que a consequência dessa errada decisão vem agora defluir em sede dos critérios de arbitramento indemnizatório. Ao considerar esta circunstância para efeitos de limitação do montante indemnizatório, o Tribunal a quo violou o vertido nos arts. 126.º/3 e 4 do CPP, 20.º, 32.º/8 e 34.º da CRP e 417.º/3 do CPC, por tal análise assentar em prova proibida (Documentos n.ºs 10 e 10-A da contestação).
75. O caso análogo usado pelo Tribunal a quo para dar cumprimento ao art. 8.º/3 CC constitui apenas o ... de partida do juízo de valoração dos danos não patrimoniais causados às Autoras, dada a gravidade dos factos, a sua intensidade e reiteração, bem como a altíssima danosidade decorrente da atividade dos Réus, à luz de critérios de justa adequação e equidade.
76. Esta evidência é, aliás, reconhecida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos: “Note-se aliás que neste caso a conduta divulgada é bem mais grave do que no caso E...: as acusações são: apoio material a claques desportivas; Anuência a solicitações de “bilhetes baratos”; Corrupção desportiva e tráfico de influências junto dos árbitros; Espionagem e devassa da vida privada; Recurso a bruxaria como garante de melhores resultados desportivos; Invasão informática aos dados e informações pessoais de UUU.” – cfr. nota de rodapé 109 a p. 130 da decisão recorrida.
77. Este ataque dos Réus às Autoras é uma coisa nunca vista na justiça portuguesa, um ataque dirigido, planeado sistematicamente para remover do caminho o concorrente principal, retirar-lhe patrocinadores, decapitar a sua estrutura diretiva, partir-lhe a espinha, promover uma fissura indelével e permanente, uma vergonha irreparável e não sublimável para os adeptos e simpatizantes das Autoras!
“Isto é uma guerra!” - AA.
78. Este caso não é simplesmente comparável ao caso da divulgação de uma suposta dívida fiscal realizada por um jornal contra um clube desportivo.
79. A afetação exponencial causada às Autoras é evidentemente muitíssimo superior ao dano causado ao clube desportivo ali atingido. Quem se lembra da notícia que deu lugar à indemnização no “caso análogo”? E quem esquece do “caso dos emails”, o “...”? Acaso alguém supõe que os danos exponenciais provocados às Autoras pelos Réus – tendo em atenção os valores e ativos intangíveis atingidos – poderão alguma vez ser razoavelmente determinados e/ou plenamente ressarcidos?
Entendem as Recorrentes que se justifica a consideração do caso apontado pelo Tribunal a quo como análogo, mas unicamente como ... de partida do juízo que incumbe ao Tribunal, o qual deverá na sua modelação concreta ponderar e valorar de todas as diferenças que resultam nomeadamente da gravidade dos factos, da sua intensidade e reiteração, da altíssima danosidade causada, da situação económica e financeira dos Réus, do seu comportamento continuado e atual, da expressão pública deste caso e das suas naturais consequências no âmbito da sua conformação social futura, etc. Se a justiça não for exemplar, que exemplo se deve seguir?
80. Ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo (v. pp. 132-133 da sentença recorrida), o instituto da solidariedade obrigacional não serve como critério para aferir do bom arbitramento da indemnização, não podendo os Réus pessoas coletivas beneficiar da precariedade patrimonial do Réu pessoa singular, interpretação que viola o disposto nos arts. 500.º, 497.º/2 e 526.º CC.
81. Ainda em matéria de adequação, não podem as Recorrentes deixar de considerar o montante médio de cerca de €29.000 por divulgação como bem abaixo do exigível no caso vertente, considerando especialmente que, no caso análogo utilizado pelo Tribunal a quo, uma única divulgação, feita após diligências de caráter jornalístico e num contexto bem menos grave que aquele que nos ocupa, deu origem a uma indemnização de €75.000. Considerando o caso apontado como análogo pelo Tribunal a quo, verificam as Recorrentes que a uma única divulgação feita nos melhores termos jornalísticos, sobre incumprimento de dívida fiscal cujo enquadramento era confuso à época, foi arbitrada uma quantia indemnizatória mais elevada que aquela que mereceu o comportamento dos Réus que, num ato de contínua devassidão, voyeurismo e descrédito, com dolo direto, propagação televisiva e via Internet, ao longo de quase um ano atacaram as Autoras, nas condições que se conhecem e que o Tribunal a quo deu como provadas.
82. A sentença deve ser substituída por decisão que tome em devida […] todos os elementos adicionais aos do caso usado como análogo e que não faça uso de critérios de dedução e de adequação que não podem ter atendimento jurídico, nos termos do disposto nos arts. 8.º/3, 4.º a), 494.º, 496-º/4, 500.º, 497.º/2 e 526.º CC e com respeito pelos arts. 126.º/3 e 4 do CPP, 20.º, 32.º/8 e 34.º da CRP e 417.º/3 do CPC.
83. A medida da valoração do dano causado pelos Réus, desta afetação exponencial e irreversível, deve pois computar-se no montante de 17 milhões de euros, acrescidos dos juros legais, tal como reclamado sopesadamente pelas Autoras, nos termos designadamente do disposto nos arts. 494.º, 496.º/4, 497.º/2, 500.º, 562.º e 566.º/3 do CC. A sentença deve pois ser revogada e substituída por outra que declare a condenação solidária dos Réus a indemnizar as Autoras no montante peticionado de €17.000.000,00 e juros conforme peticionado, a título de danos não patrimoniais.
84. Andou mal o Tribunal a quo ao relegar para execução de sentença a liquidação dos danos pela violação dos segredos de negócio das Autoras ao abrigo do art. 609.º/2 CPC (§4 do dispositivo da sentença), negando o pedido das Autoras para que tal liquidação fosse feita na sentença com recurso à equidade (art. 566.º/3 CC).
85. Quando os elementos do processo levarem, como levam, à conclusão de que é praticamente impossível a prova da extensão do dano, o juiz – e a Relação, se ele o não fizer – deve fixar logo uma indemnização equitativa, nos termos do art. 566-3 CC, tendo nomeadamente em conta, para assim decidir, que o incidente de liquidação depende da iniciativa do autor e, se este afirma não ter prova que permita liquidar o dano segundo o critério da diferença, constituirá, em princípio, ato inútil o processamento dum novo incidente de liquidação – cfr. Ac. do STJ de 9.10.13 (proc. 444/10) e Ac. da Relação de Coimbra de 11.10.2017 (Processo n.º 228/15.9 T8ELC1).
86. Desta forma, considerando por um lado todos os meios de prova apreciados, designadamente aqueles que resultaram da admissão da entrega do acervo de comunicações e documentação das Autoras efetuada pelos Réus, e da sua aferição e comprovação em sede de julgamento, bem como os depoimentos das testemunhas, e tendo em conta por outro lado que a aplicação da equidade deve ser feita num quadro da boa prudência, da justa medida das coisas, ponderando a realidade da vida, o contexto nacional e as instituições em causa, entendem as Autoras que a justa medida desta apreciação equitativa no caso em apreço se mostra plenamente robustecida e permite a necessária certeza moral da condenação solidária dos Réus ao pagamento às Autoras, a título de indemnização equitativa, no montante de €17.000.000,00 (dezassete milhões de euros) e juros como peticionado.
87. Assim, tal como de resto consta do incidente de liquidação oportunamente apresentado, as Autoras (pese embora os incalculáveis prejuízos sofridos), entenderam (e reiteram), de uma forma que se quis prudente, razoável e rigorosa, não aumentar o pedido em termos quantitativos considerando que a medida de indemnização equitativa devida pelas perdas e danos que a atuação dos Réus causou às Autoras, também a título de violação dos segredos de comércio das Autoras, está preenchido e se integra no montante já peticionado dos referidos €17.000.000,00 e juros.
88. Deverá assim a sentença recorrida ser substituída por outra decisão que efectivamente decida a fixação de indemnização global devida pelos danos não patrimoniais e por violação do segredo de negócio, conforme peticionado pelas Autoras, nos termos dos arts. 566.º/3 CC e 609.º/2 do CPC, dispositivos que o Tribunal a quo violou ao remeter tal questão para incidente de liquidação.
89. A sentença recorrida viola a lei, incluindo nomeadamente as seguintes disposições: arts. 490.º e 497.º do CC e 70.º/2 LdT; arts. 6.º/5 e 79.º/1 CSC e arts. 483.º e 490.º CC; art. 484.º CC; arts. 317.º/1 b) e 318.º do CPI2003; art. 277.º e) CPC; arts. 313.º/1 c), 362.º/1, 413.º, 611.º/1 CPC; arts. 590.º/2 a), 6.º/2, 595.º/1 a), 613.º/1 e 615.º/1, d) CPC; arts. 91.º/1 LdT, 34.º/1 e 34.º/4 da LdI, 70.º CC e 338.º-O CPI2003; arts. 608.º/2 e 615/1 d) do CPC; arts. 126.º/3 e 4 do CPP, 20.º, 32.º/8 e 34.º da CRP e 417.º/3 do CPC; art. 563.º CC; arts. 8.º/3, 4.º a), 494.º e 496.º/4 CC; arts. 500.º, 497.º/2 e 526.º CC; e art. 566.º/3 CC, bem como em matéria provada e não provada o disposto nos artigos 607.º/4, 640.º/1, 574.º/2 e 621.º do CPC.
Os autores pretendem assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que dê cumprimento ao conteúdo das suas alegações.
*
Também inconformados com o decidido interpuseram recurso os réus Y..., “Y1..., SAD”, Y2... S.A e AA que finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
- Da impugnação da decisão da matéria de facto/da reapreciação da prova gravada -
5. Em primeiro lugar, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo deu erradamente como não provado que os e-mails contendo os alegados segredos de negócio dos Recorridos foram publicados na internet, através de blogs: foi feita prova deste facto (documental, testemunhal e por declarações de parte), resultando do mesmo que os tais segredos de negócio não passam de documentos que estiveram disponíveis para qualquer pessoa, em qualquer local, com acesso à internet.
6. Em segundo lugar, não é verdade que os Recorrentes se tenham apropriado de segredos de negócio dos Recorrentes: a pessoa responsável pela triagem da informação recebida pelo Recorrente AA foi a testemunha HHH, a qual desconsiderou a caixa de correio de II (onde se encontram a maior parte dos alegados segredos de negócio), por, numa primeira análise, ter percebido que esta caixa não continha informação relevante do ponto de vista da investigação levada em curso.
7. O Recorrente AA não viu esses documentos e muito menos os viu a administração do Y..., desconhecendo uns e outros que a mesma se encontrava entre a massa de e-mails.
8. O facto de a administração do Y... não se ter oposto a que o trabalho de investigação jornalística fosse levado a cabo não constitui razão para se concluir que a mesma se apropriou de segredos de negócio dos Recorridos, cuja existência a mesma, pura e simplesmente, desconhecia, que não lhe foi comunicada, a que não teve acesso e que, para além do mais, nenhum interesse ou valor para si tinha, além do mais, por dizer respeito, na maior parte dos casos, a anos muito anteriores.
9. Por último, erra o Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes no que se vier a liquidar, quando os Recorridos não foram capazes de fazer prova de um único dano, como, aliás, o mesmo Tribunal reconhece: com isto, fez o Tribunal a quo uma errada aplicação da norma do artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
10. Impugnam-se os factos constantes dos pontos 1., 2., 5., artigo 7. (na parte “reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas”), 15. (na parte “constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social”), 21., 22., 23., 24., 25., 26., 30., 47., 55., 56., 92., 98., 102., 103., 104., 118., 119., 120., 121., 122., 125., 134., 155. e 197.:
11. Quanto aos factos 1., 2., e 5., importa começar por assinalar que o Tribunal confunde a competição entre os clubes, com uma alegada competição entre “grupos comerciais”, destinada à aquisição de clientela.
12. Não existe uma relação concorrencial do ponto de vista comercial entre os Grupos Y... e X..., destinada à conquista de clientela no mesmo mercado concorrencial, pois não deve confundir-se rivalidade desportiva/clubística e concorrência entre um mesmo “ramo de atividade económica, com o objetivo essencial de desviar clientela”.
13. A aceitação de que existe uma relação de concorrência entre o Y1..., SAD e a X1... SAD não corresponde à aceitação de que exista uma relação concorrencial no mesmo ramo de atividade económica, com o objetivo essencial de desviar clientela – facto que não deveria ter sido dado como provado, já que não foi produzida nenhuma prova que o sustente, nem se encontra justificação para o mesmo na fundamentação da decisão.
14. E o mesmo vale, por identidade de razão, para o facto 5: não se tratando de um facto notório (note-se que o mesmo foi levado aos temas de prova), aplica-se aqui, por identidade de razão, o que antes se disse. Trata-se, pois, de um facto que não devia ter sido dado como provado pelo Tribunal.
15. Os Recorrentes discordam também da decisão tomada pelo Tribunal a quo relativamente aos factos constantes do ponto 7, na parte “reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas”, e do ponto 15 na parte “constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social”. Na verdade, não estamos perante factos, mas juízos conclusivos ou meras opiniões do Tribunal sem assento na prova produzida.
16. Quanto aos factos assentes nos pontos 21. e 134., que se impugnam, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que houve uma perda de vantagem concorrencial decorrente do alegado conhecimento de informação confidencial pelo Y..., na medida em que, para isso, não bastaria que se fizesse prova da natureza confidencial da informação, mas também de que a mesma constitui, concretamente, uma vantagem concorrencial para o X....
17. Constitui um erro flagrante a tendência do Tribunal a quo em considerar que o valor alegadamente despendido pelos Autores/Recorridos na elaboração dos planos de treino, planos de marketing, etc., de que não foi, tão-pouco, feita prova, corresponde ao valor comercial/concorrencial dessa informação; sendo certo, aliás, que o Tribunal a quo deu como não provado que os Recorrentes tivessem feito uso da informação confidencial dos Autores (cfr. ponto 1 da matéria de facto dada como não provada).
18. O Tribunal não podia ter dado como provado que os Recorrentes tomaram conhecimento de segredos de negócio dos Autores, na medida em que resulta exactamente o contrário disto da prova produzida em audiência de julgamento (veja-se, nesta senda, as declarações prestadas pelo Recorrente AA, na sessão do dia 10/04/2019, ficheiro 20190410154100_15181604_2871444, minutos 00:26:36 a 00:29:00 e de minutos 00:30:33 a 00:44:03; depoimento da testemunha HHH, prestado na sessão do dia 29/03/2019, ficheiro 20190329101100_15181604_2871444, minutos 00:35:23 a 01:49:23; e depoimento da testemunha TTT na sessão de dia 29/03/2019, ficheiro 20190329153958_15181604_2871444, minutos 00:03:07 a 00:25:22).
19. O Recorrente AA não leu nenhum email, nem abriu qualquer anexo a email de onde constasse informação confidencial dos Autores, o que é reconhecido pelo próprio Tribunal a quo, na fundamentação da sua decisão, na parte em que admite que o Recorrente AA não teve conhecimento (directo) dos anexos contendo a alegada informação confidencial dos Autores (“eu não mas o HHH disse-me”).
20. O facto de o Recorrente AA saber que na “massa de emails” alguns emails/anexos existiam contendo coisas como planos de treino da equipa junior do X... (é apenas disto que o Recorrente se lembra de a testemunha HHH lhe ter falado), é muito diferente de o mesmo ter conhecimento do conteúdo desses mesmos planos de treino.
21. Nenhum dos Recorrentes tomou efectivo conhecimento do conteúdo de qualquer informação confidencial dos Autores, sendo que a única pessoa que poderia ter tido conhecimento dessa informação – recorda-se apenas de ter visto alguma coisa relacionada com planos de treino, mas, como não era relevante para efeitos da investigação, não lhes prestou atenção – seria a testemunha HHH, que, contudo, não transmitiu ao Recorrente/Recorrente AA o conteúdo dessa informação.
22. Para o Tribunal a quo não importa que o Recorrente AA e o B... estivessem a desenvolver uma investigação jornalística em torno do caso dos emails, com a finalidade de desvendar a prática de actos de concorrência desleal por parte dos Autores, e que os emails contendo essa alegada informação confidencial fossem absolutamente inúteis do ponto de vista dessa investigação: segundo o entendimento vertido na sentença recorrida se existia informação confidencial, então os Recorrentes não deixariam de a conhecer.
23. O Tribunal a quo pode (e deve) fazer uso de regras de experiência. Acontece que, salvo o devido respeito, o que o Tribunal fez in casu foi algo bem diferente: decidiu a causa com base na sua intuição, o que, por razões óbvias, não se pode admitir: a presunção judicial feita pelo Tribunal a quo colide de um modo particularmente intenso com a prova produzida (testemunhal e por declarações de parte), e não tem a força que o Tribunal nela depositou.
24. Razões pelas quais entendem os Recorrentes que os pontos 21 e 134 da matéria de facto provada devem ser excluídos, sendo substituídos por outro, segundo o qual os Recorrentes não tomaram efectivo conhecimento de qualquer informação confidencial dos Autores.
25. Quantos aos factos provados nos pontos 22, 23, 24 e 25, que se impugnam, cumpre começar por salientar que não estamos aqui perante verdadeiros factos, mas ante meros juízos conclusivos ou suposições do Tribunal a quo, o que implica que devam os mesmos ser retirados da matéria de facto provada.
26. Ademais, não se aceita que os termos e condições de um contrato de patrocínio sejam valiosos segredos de negócio: são certamente uma informação confidencial, mas nenhuma razão existe para considerar, muito menos de um modo geral, que se trata de um valioso segredo de negócio.
27. Acresce que, tal informação, mesmo sendo confidencial, pode não ter, em si mesma, qualquer valor económico (aliás, o próprio Tribunal a quo acaba por admitir isso na pág. 91 da sentença ora apelada): o seu conhecimento por um rival, do ponto de vista do valor da informação, pode ser irrelevante, e insusceptível de produzir um dano.
28. Sendo certo, além do mais, que os Recorrentes não tomaram conhecimento de qualquer segredo de negócio dos Autores, nem tão pouco procederam à sua divulgação, pelo que não se vê que relevo estes “factos” possam ter para a boa decisão da presente causa.
29. Impugna-se a factualidade do ponto 26 da matéria provada, dada a inexistência de qualquer prova que a suporte.
30. Os factos 30, 47, 55 e 56 têm presente a ideia de que o Recorrente AA agiu em articulação com o Y... e a Y1..., SAD, e sob as ordens do Réu BB, e dos demais Réus, administradores da Y1..., SAD, razão pela qual se procede à impugnação conjunta dos mesmos.
31. Ao invés do que conclui o Tribunal a quo, o Recorrente AA e o B... agiram com total autonomia técnica, não recebendo “ordens superiores”, nem necessitando de autorização para a realização do seu trabalho – diga-se, trabalho jornalístico.
32. A prova produzida em julgamento – mormente a testemunhal – depõe, ademais, em sentido precisamente contrário ao decidido pelo Tribunal a quo: veja-se, em especial, o depoimento de parte do Recorrente AA (sessão do dia 10/04/2019, ficheiro 20190410154100_15181604_2871444, minutos 00:07:05 a 00:09:45, e de minutos 00:34:28 a 00:35:06; depoimento de HHH, sessão do dia 29/03/2019, ficheiro 20190329101100_15181604_2871444), minutos 01:13:06 a 01:13:21; e depoimentos das testemunhas MMM e VVV, prestados na sessão do dia 28/03/2019, ficheiros 20190328164051_15181604_2871444 e 20190328120351_15181604_2871444, minutos 00:10:41 a 00:24:45, e minutos 00:10:43 a 00:17:13, respectivamente).
33. Por outro lado, também não se compreende que relevo o Tribunal a quo atribui ao facto de existir uma estratégia de divulgação, já que qualquer órgão de comunicação social tem uma estratégia de comunicação, nem isso é incompatível com a circunstância de a divulgação dos emails ter sido criteriosamente preparada de acordo com um único e exclusivo critério – o do interesse público.
34. Relativamente ao ponto 52, não se concorda com o segmento: “não constituindo um programa noticioso” e com tudo o que vem até ao último ponto final. Esta parte deve ser excluída. Quanto ao ponto 144, deve também ser retirada a parte “e não constitui um programa noticioso”.
35. Desde logo porque não é verdade que todos os demais intervenientes actuem como comentadores (supõe-se que o Tribunal a quo se refira a AA que, no seu entender, actuou na qualidade de director de informação do Y...). Na verdade, o programa era e é composto por 3 comentadores, e por um moderador, jornalista de profissão.
36. Por outro lado, não é verdade que os protagonistas, o programa e o serviço de televisão “B...” não exerçam neste contexto qualquer atividade noticiosa de natureza jornalística (veja-se a este propósito o depoimento da testemunha VVV, prestado na sessão do dia 28/03/2019, ficheiro 20190328120351_15181604_2871444), minutos 00:33:48 a 00:34:41).
37. Nem o facto de o Recorrente AA ter dito que a finalidade da investigação era encontrar situações comprometedoras para o X... pode constituir argumento para concluir que o trabalho realizado não foi um trabalho jornalístico, já que o objecto da investigação era, justamente, esse: informação reveladora ou indiciadora de que as Autoras praticaram actos à margem da lei ou não conformes com a ética que deve pautar a sua actividade.
38. No processo de investigação e de selecção dos emails participaram apenas HHH e AA, mas na preparação dos programas uma larga equipa do B... foi mobilizada, constituída por jornalistas (cf. depoimento de parte de AA, prestado na sessão do dia 10/04/2019, ficheiro supra identificado, minutos 00:07:19 a 00:39:56; e depoimento das testemunhas MMM e HHH, prestados nas sessões de 28/03/2019 e de 29/03/2019, ficheiro 20190328164051_15181604_2871444, ficheiro 20190329101100_15181604_2871444, minutos 00:31:44 a 00:33:56, e minutos 00:02:37 a 00:07:46, respectivamente).
39. Os emails apenas foram divulgados por causa do seu manifesto interesse público: se não fosse esse interesse público, os mesmos não teriam, fossem ou não comprometedores ou desprestigiantes para os Autores, sido divulgados.
40. Reitera-se que, não obstante provirem de fontes anónimas, todos os factos divulgados foram previamente investigados, com rigor e seriedade, tendo sido cruzados com outras fontes de informação, o que permitiu, de forma segura e fundamentada, a confirmação da sua autenticidade, só sendo revelados publicamente depois de se garantir, com a certeza possível, o seu carácter real e verídico.
41. E mesmo em relação aos e-mails e anexos que foram selecionados houve o cuidado de não se divulgar partes do seu teor irrelevantes do ponto de vista do interesse público ou que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.
42. Circunstancialismo que é, desde logo, cabalmente demonstrativo da boa fé que pautou a actuação do Recorrente AA, e que em nada se compadece com traços de ligeireza ou leviandade: afinal estamos a falar de um conjunto de 20 gigabytes de e-mails, triados e divulgados unicamente em função do seu notório interesse público.
43. Por outro lado, e como vem de se ver, não foi tecido, nem urdido pelos Recorrentes qualquer plano estratégico de divulgação “a conta gotas” com intuito difamatório e atentatório da honra e do bom nome do clube “rival” X....
44. Por ser assim, não podem os Recorrentes igualmente conformar-se com a factualidade dada como provada nos pontos 92 e 155, que igualmente se impugnam.
45. Com efeito, resulta manifesto, nomeadamente, além do mais, a partir das declarações do Recorrente AA, que apenas por causa do interesse público dos emails os mesmos foram revelados (se não fosse esse interesse público, e mesmo que os emails fossem desprestigiantes para os Recorridos, eles não teriam sido divulgados) – vide, depoimento de parte, sessão do dia 04/10/2019, ficheiro supra identificado, concretamente de minutos 00:53:23 a 00:54:24; e bem assim depoimento da testemunha HHH, minutos 01:18:27 a 01:23:32.
46. A intenção dos Recorrentes (rectius, do Recorrente AA e do B...) foi, assim, dar a conhecer ao público informação que se reveste de interesse público, por ser indiciadora de um conjunto de práticas de natureza ilícita ou desleal, acabando assim também, necessariamente, por defender, de um modo reflexo, os interesses dos concorrentes prejudicados, e, desde logo, o interesse do Y....
47. Se isso gerou ou não a dúvida em milhões de adeptos, etc., tal é consequência do conteúdo da informação revelada, não a causa da divulgação (informação verdadeira, conforme considerado pelo Tribunal a quo - cfr. pontos 53 e 193 da matéria de facto provada).
48. Deve, assim, ser excluída a matéria constante do ponto 92. e ser alterada a matéria de facto do ponto 155., que deverá passar a ter o seguinte conteúdo: “Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Recorrente AA só divulgou uma ínfima parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função do seu interesse público”.
49. Nos pontos 98 e 102 deparamo-nos, novamente, mais com uma apreciação ou opinião do Tribunal a quo, do que com verdadeiros factos, razão pelo qual vão impugnados: não só não se especifica que efeitos económicos são esses resultantes da actividade dos Recorrentes, e que se desconhecem, como utiliza uma expressão “efeitos nefastos” sem qualquer tipo de objectividade.
50. Com o argumento adicional, e evidente, quanto ao facto 102, de que os Recorrentes não devassaram a correspondência e comunicações privadas das Autoras, antes o Recorrente AA, como, presumivelmente, outras pessoas, teve acesso, por via de um terceiro, anónimo; e correspondência essa, ou ao menos parte dela, que esteve inclusive disponível na internet, tendo sido divulgada, entre outros, pelo blog “...”.
51. Se algum dano os Autores/Recorridos sofreram em virtude da divulgação de informação confidencial, a responsabilidade disso não cabe aos Recorrentes, que não podem sofrer as consequências de um acto que não praticaram (cfr. ponto 11 da matéria de facto dada como não provada).
52. Entende o Tribunal, no ponto 103 da matéria provada, que o trabalho realizado não foi isento, nem rigoroso e que as considerações desprimorosas para os Autores tecidas ao longo dos programas eram desprovidas de base objectiva e factual, o que se se impugna, porque se trata aqui de juízos e não de factos, nos quais é, aliás, patente uma contradição com outros pontos da sentença, designadamente com a pág. 114 e ss. em que o Tribunal a quo decide, e bem, que os comentários críticos feitos pelo Recorrente AA têm uma sólida base factual que os sustentam.
53. Também quanto ao facto vertido no ponto 104, se impõe que o mesmo seja retirado, já que, em primeiro lugar, repita-se, a atividade desenvolvida pelos Recorrentes (rectius, pelo Recorrente AA e pelo B...) não visava atingir a reputação e o bom nome comercial das Autoras, visa, pelo contrário, divulgar um conjunto de factos, de patente interesse público, indiciadores de crimes e de práticas desleais, assim defendendo o Y..., por elas prejudicado – vide, depoimento de parte do Recorrente AA, sessão do dia 04/10/2019, ficheiro supra identificado, concretamente de minutos 00:53:23 a 00:54:24; e bem assim depoimento da testemunha HHH, minutos 01:18:27 a 01:23:32.
54. E em segundo lugar, não se aceita que a “atividade desenvolvida pelos Réus” tenha afetado de modo relevante a posição económico-financeira do Grupo X..., tratando-se, aliás, de um juízo vago, não concretizado em qualquer outro facto dado como provado, tendo havido outras causas que, essas sim, seriam aptas a causar o putativo dano.
55. Falha, uma vez mais, redondamente o Tribunal ao dar como provado os factos 118, 119, 120 e 121, os quais, pela clara contradição com a prova produzida, devem ser retirados: as ações dadas como provadas pelo Tribunal nos identificados pontos (nomeadamente, a proteção dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticos, e o reforço do seu departamento informático) não derivam, manifestamente, do comportamento dos Recorrentes.
56. A verdade é que, ainda que estes gastos tenham ocorrido, os mesmos não são uma consequência do comportamento dos Recorrentes, que não invadiram o sistema informático dos Autores/Recorridos; sendo, portanto, errada e desprovida de qualquer sentido a afirmação do Tribunal de que estes gastos ocorreram como efeito do comportamento dos Recorrentes (em sentido contrário ao decidido, cf. o depoimento da testemunha SSS, sessão do dia 08-03-2019, 20190308111225_15181604_2871444.wma, minutos 00:16:10 a 00:21:51).
57. Por outro lado, as campanhas de marketing para promover a comercialização do “...” incentivando a participação dos sócios, não se ficaram a dever ao “caso dos emails”, tratando-se de campanhas que ocorrem todos os anos, e que são independentes da acção dos Recorrentes (veja-se, a este propósito, o depoimento da própria testemunha dos Autores WWW, sessão do dia 28-03-2019, ficheiro 20190328112014_15181604_2871444.wma, minutos 00:28:27 a 00:31:03).
58. É igualmente inaceitável o entendimento do Tribunal a quo de que os Recorrentes são responsáveis pelo pagamento das despesas tidas pelas Autoras com a auditora que terão encomendado à H....
59. Raciocínio falacioso que se repete nos factos 119 e 120, e que impõe que devam os mesmos ser retirados: não foram os Recorrentes que invadiram o sistema informático dos Recorridos, não podendo ser responsabilizados por alguém alegadamente o ter feito (desconhece-se se isso ocorreu ou não).
60. O mesmo se devendo dizer quanto aos valores gastos em comunicação digital, que não se relacionam directamente com este caso.
61. Já no que concerne aos pontos 122 e 125, como vem de se ver, é errado relacionar as alegadas dificuldades de negociação com o comportamento dos Recorrentes (quando, por ex., há processos criminais a decorrer contra os Autores, e não só relacionados com os emails), e ainda o é mais quando essa dificuldade parece ser atribuída apenas a uma causa.
62. Nessa medida estes pontos da matéria de facto são até contraditórios com a fundamentação da sentença em recurso, que admite a existência de uma situação de concausalidade, aliás reconhecida pelas testemunhas arroladas pelos Recorridos (cfr. págs. 79-80 da sentença recorrida).
63. O mesmo acontecendo com a factualidade dada como provada nos pontos 131 e 132, sendo esta totalmente contraditória com a fundamentação ínsita na sentença recorrida, designadamente quando a pág. 72 da sentença se discorre que: “Mas, nenhum elemento concreto permite, até agora, concluir que os RR usaram em circunstâncias concretas, tal como admitem as próprias testemunhas das AA. Quanto ao valor desses segredos tribunal não pode, em rigor e com segurança, atingir qualquer valor. (…) Mas como é evidente um depoimento testemunhal é insuficiente para demonstrar essa realidade, tanto mais que por certo as AA terão faturas e orçamentos. E, por isso poderão densificar com rigor os custos desses elementos”
64. Além do mais, claro está que o Tribunal a quo labora aqui na mesma confusão, indutora de erro, que já acima foi aflorada: a de considerar que, se uma coisa custou “x” a fazer, o valor da mesma, do ponto de vista concorrencial, corresponde ao valor do seu custo, quando esse valor pode ser igual (ou inferior) a zero.
65. O ponto 156. da matéria provada deve ser expurgado dos trechos “na maior parte dos casos” e “também porque só alguns continham essa informação”.
66. Trata-se de menções que não têm qualquer respaldo na cabal prova produzida a este respeito – Veja-se, a título de exemplo, o relatado em audiência de julgamento pela testemunha MMM (sessão do dia 28/03/2019, ficheiro 20190328164051_15181604_2871444, minutos 00:11:00 a 00:12:42, supra transcrito), e bem assim o depoimento de parte do Recorrente AA (sessão de 10/04/2019, ficheiro já identificado supra, minutos 00:17:47 a 00:19:15).
67. Mais, tivesse o Tribunal a quo atentado, com o rigor e cuidado que se impunha, na prova documental junta aos autos (nomeadamente nos 20 gigas de e-mails) e facilmente concluiria de maneira diametralmente diferente.
68. Entendem os Recorrentes que o facto dado como provado no ponto 197 deve ser substituído por um que dê como provado que os emails nos quais se encontram contidos os alegados segredos de negócio dos Autores foram todos eles divulgados numa página na internet, tendo estado disponíveis para download para quem quer que nela navegasse.
69. Desde logo porquanto, não pode o Tribunal virar as costas à prova documental, junta pelos Recorrentes no seu requerimento com a referência 32073975, de 04/04/2019, e que aqui deverá ser valorada.
70. Conjugada esta prova documental (numerosas notícias de jornal e de blogs dando conta de que o blog “...” procedeu à divulgação de gigabytes de emails, e referindo expressamente a publicação de “caixas de correio”) com a prova testemunhal (depoimento de HHH segundo o qual as caixas de correio recebidas por AA foram divulgadas naquele blog) e por declarações de parte (declarações do Recorrente AA que confirma a versão da testemunha HHH), não poderá deixar de dar-se como provado o facto de que os emails contendo alegados segredos de negócio dos Recorridos foram divulgados pelo blog “...”.
71. As notícias juntas referem gigabytes de emails de JJ, HH, GG, II (entre outros, veja-se os docs. n.ºs 10, 26, e 27 juntos com o aludido requerimento), sendo que a peça do jornal ..., de 19.01.2019 (junta sob o Doc. 31) não deixa espaço para dúvidas quanto a ter aquele blog procedido à divulgação de caixas de correio, tendo a caixa de correio de II sido uma delas – cfr. este documento com o doc. n.º 37, um blog do E..., onde os emails de II, convertidos para formato Thunderbird estão disponíveis para descarga.
72. Veja-se, com especial relevância neste ponto, o afirmado pela testemunha HHH na sessão de 29/03/2019, ficheiro 20190329141225_15181604_2871444, minutos 01:49:35 a 02:03:40; e ainda, concretamente em relação à divulgação do salário do assessor de imprensa das Autoras, depoimento de parte de AA, sessão de 10/04/2019, ficheiro 20190410154100_15181604_2871444, minutos 00:30:33 a 00:31:10, e 00:42:18 a 01:02:43.
73. Repare-se aliás, (sendo este mais um aspeto decisivo que o Tribunal a quo parece não ter tido em linha de conta), que os próprios Autores confessam, na petição inicial, que os segredos de negócio estiveram disponíveis no blog “...”, procurando associar os Recorrentes a este blog (facto dado como não provada), e pedindo a condenação dos mesmos pela divulgação dos seus segredos de negócio.
74. Uma última nota para dar conta de que, como vem de se ver, há um conjunto de factos que contêm segmentos conclusivos, especulativos, ou matéria de direito, segmentos esses (nomeadamente os contidos nos factos 46, 57, 59, 61, 68, 78, 113 e 118) que devem ser expurgados da matéria de facto, o que desde já se requer.
– Dos factos não provados –
75. Não podem os Recorrentes conformar-se com a factualidade dada como não provada no ponto 15 da matéria de facto não provada – desde logo, porquanto, impõe a cabal prova produzida que se dê aquele facto como provado ao invés do vertido no ponto 155 da matéria de facto provada.
76. Compulsados os autos resulta indubitável e evidente o interesse público de todos, e cada um!, dos e-mails divulgados pelo Recorrente AA. Não se compreendendo, portanto, como podem subsistir tamanhas dúvidas no espírito do julgador quanto aos reais critérios que motivaram/determinaram a selecção e divulgação dos cerca de 20 gigabytes de e-mails aqui em apreço.
77. Importa, para este efeito, convocar o conteúdo dos e-mails constantes dos seguintes documentos juntos pelos Recorrentes na sua contestação, o qual foi dado por reproduzido no ponto 196. dos “factos provados”: docs. n.ºs 10 e 10-A, docs. 12 a 14; docs. 15 a 19; docs. n.ºs 21 a 23-B; docs. n.ºs 32 a 33-A, docs. 43 a 44-A, doc. n.º 16 ; docs. 48 a 51-A, doc. n.º 60, doc. 62 a 63-A, docs. 65 e 66, docs. 67 a 69-B.
78. Relevam ainda os seguintes documentos juntos com a contestação – 20, 20-A a 20-G, 24, 25, 25-A, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 35, 35-A, 36, 37, 38, 41, 41-A, 47, 47, 57, 57-A, 58, 59, 71, 72. 73, 74, 76, 77, 78, 79, 79-A – cujo conteúdo deve igualmente considerar-se como provado, uma vez que se deu como assente que “os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado” (ponto 193. da matéria provada).
79. Cumpre ainda mobilizar, conjugadamente com todos esses documentos, o depoimento da testemunha HHH (ficheiro 20190329101100_15181604_2871444.wma), concretamente, as seguintes passagens: minutos 00:51:58 a 01:04:15, 01:15:27 a 01:17:15, e 02:09:45 a 02:25:31, e minutos 00:03:23 a 00:52:26.
80. Com efeito, da análise conjugada dos aludidos e-mails e demais documentação a eles anexa, é possível inferir a existência de múltiplas ligações, no mínimo questionáveis, entre elementos da arbitragem e dirigentes dos Autores que são, per se, suficientemente indiciadores do interesse público na revelação – e que permitem, desde logo, sustentar a acusação imputada aos Autores da prática de atos de corrupção desportiva e tráfico de influências envolvendo agentes desportivos, como delegados da Liga e árbitros.
81. Como resulta incontornável que não são os Recorrentes quem pretende associar os Autores “a esquemas de espionagem e intromissão na vida privada de altos dirigentes e/ou responsáveis no ramo da arbitragem”; é, sim, o próprio conteúdo dos e-mails pertencentes ao seu domínio @X....pt, cuja existência e fidedignidade foi dada como provada, que evidencia esse tipo de práticas, criminal e eticamente condenáveis!
82. Existe, portanto, base factual idónea e suficiente para que o Recorrente AA pudesse pôr em causa a “normalidade” das denunciadas atuações nos termos em que o fez; resultando fortemente indiciada, atento o conteúdo dos e-mails, a prática de actos de devassa da vida privada e espionagem de pessoas ligadas à arbitragem do futebol;
83. evidenciando igualmente, o seu teor, a prática de outras condutas de carácter ilícito (no plano jurídico, nas esferas criminal e disciplinar desportiva), ou censurável (nos planos do fair-play e da ética desportiva) que justifica, naturalmente, o interesse público na sua divulgação.
84. No que concerne aos e-mails constantes dos Documentos n.º 24 a 29 da contestação, cujo conteúdo foi dado como provado (ponto 193. da matéria provada), envolvendo o Presidente do X... GG e XXX, tem-se como indubitável o interesse público no conhecimento da disponibilidade manifestada pelo Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade comercial cotada em bolsa para pagar quantias avultadas por serviços de bruxaria, exemplo paradigmático de um ato de gestão danosa, que interessa a todos os stakeholders dessa sociedade comercial e susceptível, por isso, de sujeição a escrutínio público – cf. o depoimento da testemunha HHH, minutos 00:55:46 a 01:06:00.
85. De igual modo, creem os Recorrentes que o facto ínsito no ponto 16 dos factos dados como não provados na sentença recorrida deveria ter sido dado como provado – note-se que estamos aqui perante uma dupla negativa: tratando-se de um facto que beneficia os Autores, com cuja prova os mesmos se encontram onerados (cfr. 342.º, n.º 1 CC), e não correspondendo a resposta negativa a este facto à prova do contrário do facto, deve entender-se que não existiu uma revelação dos emails a conta-gotas.
86. Facto esse que deveria, não obstante, ter sido efectivamente dado como provado, desde logo, por existirem elementos probatórios que o corroboram. Na verdade, resulta claro do depoimento do Recorrente AA e da testemunha HHH que os emails foram sendo revelados à medida […] que o trabalho de investigação dos mesmos ia avançando, tendo sido esse, e não qualquer outro, o “critério” ou “estratégia” de divulgação (cf. depoimento da testemunha HHH, sessão de dia 29/03/2019, ficheiro 20190329101100_15181604_2871444, minutos 01:32:52 a 01:37:05; e bem assim declarações de parte de AA na sessão de dia 10/04/2019, ficheiro 20190410154100_15181604_2871444, minutos 00:17:47 a 00:19:15, 00:24:30 a 00:54:24).
87. Por seu turno, não podem os Recorrentes conformar-se com o vertido nos factos 21, 22 e 23 dados como não provados, desde logo porque parece evidente que, face ao concreto conteúdo e teor dos emails em sindicância, sempre deveria, ao menos, ter sido dado como provado que os comportamentos revelados são eticamente reprováveis.
88. Repare-se que nem se trata aqui de saber se os Autores praticaram algum comportamento passível da sanção criminal – de facto, ainda não se sabe o resultado dos processos criminais em curso –, mas, se há coisa que os emails revelam, e isto é mesmo indiscutível, é a existência de um autêntico padrão de comportamento concorrencial desleal levado a cabo anos a fio pelo Recorrida X1... SAD.
89. Não faz nenhum sentido que o Tribunal a quo decida aquilo que decidiu no ponto 193 (“Os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado”), e depois faça de conta que os emails não relevam, que não são o centro desta ação, quando o conteúdo dos emails é prova cabal de que os Autores tiveram anos a fio um comportamento concorrencial desleal.
90. O próprio Tribunal afirma na pág. 80 da sentença recorrida: “A conduta das RR foi a principal causa do dano tendo em conta o número e dimensão temporal da divulgação (…). Depois, um dos processos crime deriva dessa mesma divulgação”. É contraditória, portanto, a decisão do Tribunal a quo, já que o mesmo, por um lado, reconhece que os emails divulgados deram origem a um processo crime; e depois recusa-se a decidir que os emails indiciam a prática de crimes. Pelo que, face a tudo o exposto, todos estes factos deviam, assim, ter sido dados como provados.
91. Relevam nesta sede todas as considerações e meios de prova supra invocados para impugnar o facto n.º 15 da matéria não provada, que aqui se reiteram.
92. Também quanto ao vertido no facto 20 (que, certamente por lapso, se repete no ponto 26) entra o Tribunal a quo em contradição – afinal, o próprio Tribunal reconhece na pág. 116 da sentença recorrida: “Ou seja, os juízos factuais e opiniões usadas pelos RR estão legitimados ao abrigo do direito de liberdade de expressão e por isso não podem fundar qualquer indemnização”.
93. Como se deixou demonstrado, todos os juízos de valor se fundam em factos provados, i.e., no próprio conteúdo dos emails – cfr. pontos 153 e 193 da matéria de facto. Pelo que, mais uma vez, não podem os Recorrentes conformar-se com a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, por estar a mesma em plena contradição com o cabal lastro probatório existente nos autos.
– Do Direito –
94. Relativamente ao acto, propriamente dito, de divulgação dos e-mails, o Tribunal a quo funda a ilicitude do mesmo na norma do artigo 76.º, n.º 1 CC, aplicando uma indemnização por cada e-mail revelado, consoante a gravidade da matéria em causa, o interesse público da mesma, etc.
95. Quanto à alegada, mas não provada, apropriação de segredos de negócio dos Autores (artigo 318.º CPI), entende o Tribunal a quo que não foram provados quaisquer danos, condenando os Recorrentes no pagamento daquilo que se vier a liquidar em execução de sentença.
96. Aqui, o Tribunal a quo andou duplamente mal, já que, por um lado, os Recorrentes não se apropriaram de qualquer segredo de negócio dos Autores, e, por outro lado, não tendo sido feita prova de qualquer dano, o Tribunal não poderia ter proferido uma sentença de condenação genérica, com o que fez uma errada interpretação da norma do artigo 609.º, n.º 2 CPC.
– Da não apropriação de segredos de negócio e da falta de prova dos danos –
97. Entende o Tribunal a quo ter sido violada a norma do artigo 318.º CPI, em virtude da apropriação, pelos Recorrentes, de segredos de negócio dos Recorridos, fundando a responsabilidade das Recorrentes pessoas colectivas na norma do artigo 500.º CC (cfr. págs. 120 a 125 da sentença recorrida).
98. Tem prevalência lógica, neste ponto, o recurso sobre a matéria de facto, na medida em que os alegados segredos de negócio não passam de e-mails/documentos que foram disponibilizados na internet, através da publicação das caixas de correio de algumas figuras ligadas ao X..., disponíveis, inclusivamente, para download.
99. Sem prejuízo deste aspecto, pode bem notar-se que nunca o acto de recepção e conservação dos e-mails pelo Recorrente AA, sem conhecimento, quanto mais com autorização, da administração do Y... pode ser qualificado como um acto praticado pelo mesmo no exercício das suas funções de Director de Comunicação do Y... (cfr. artigo 500.º, n.º 2 CC).
100. É evidente, por outro lado, que AA não é concorrente do X..., não podendo, por conseguinte, recair sobre o comportamento do mesmo um juízo de ilicitude nos termos da norma do artigo 318.º CPI.
101. Faltando a responsabilidade subjectiva do comissário, sempre faleceria um dos pressupostos de aplicação daquela norma (artigo 500.º, n.º 1 CC).
102. Embora nem mesmo isso tenha acontecido, e sempre sem prejuízo do que acaba de se dizer, é errado o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual o Y... se teria apropriado de segredos de negócio dos Autores/Recorridos no momento em que a testemunha HHH abriu e leu os e-mails/documentos contendo alegadas informações confidenciais do X..., independentemente do facto de esta testemunha ter transmitido/entregado essa informação à administração do Y... (ou a AA), ou de a mesma a ter, pura e simplesmente, desconsiderado e deixado perdida na massa de e-mails, pelo facto de ela se afigurar irrelevante do ponto de vista da investigação jornalística levada em curso.
103. A administração do Y... não tomou conhecimento, seja por que modo for, de um único e-mail/documento contendo segredos de negócio dos Autores/Recorridos.
104. Nem, tão-pouco, tinha forma de saber – já que o próprio Recorrente AA não o sabia – que entre a massa de e-mails se encontravam tais alegados segredos de negócio.
105. Se algum consentimento por parte da administração do Y... pudesse dizer-se ter sido dado – o que não se aceita – o mesmo diria, única e exclusivamente, respeito à realização de um trabalho de investigação jornalística em torno dos e-mails do X..., no qual, em todo o caso, a mesma não teve qualquer tipo de intervenção, directa ou indirecta.
106. Ora, é o próprio Tribunal a quo a reconhecer que os Recorrentes agiram ao abrigo do seu direito de liberdade de expressão, e que os e-mails revelados (pelo menos, alguns deles) se revestem de manifesto interesse público.
107. Mais uma vez, portanto, tudo dependeria do modo como a informação foi tratada, de quem teve acesso a ela, e de a quem foi dela dado conhecimento. É isso o que releva para efeitos de aplicação da norma do artigo 318.º CPI, e não o facto de a administração do Y... não se ter oposto a que o B... e o Recorrente AA investigassem e divulgassem os e-mails. Isso, salvo o devido respeito, é totalmente irrelevante do ponto de vista do preenchimento da espécie legal daquela norma.
– Da errada aplicação da norma do artigo 609.º, n.º 2 CPC –
108. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes no que se vier a liquidar em execução de sentença, não obstante os Autores, como o próprio Tribunal reconhece, não terem feito prova de qualquer dano. Por esta razão, a sentença recorrida fez uma interpretação errada da norma do artigo 609.º, n.º 2 CPC: perante a falta de prova dos danos, o Tribunal a quo deveria ter absolvido os Recorrentes do pedido contra si deduzido.
109. Não obstante a conclusão anterior, pode notar-se que os Autores, ora Recorridos, deduziram o incidente de liquidação, atribuindo-lhe o valor de €30.000,01, mas liquidando o dano por si sofrido em zero euros.
110. Entenderam os Autores, e bem, que se encontravam em condições de liquidar os danos por si alegadamente sofridos, apresentando-se assim, nos termos da norma do artigo 358.º, n.º 2 CPC, a liquidá-lo.
111. Mas pretenderam subsumir o valor destes alegados (novos) danos ao valor de dezassete milhões de euros, correspndente ao pedido de indemnização por si deduzido, decorrente dos danos alegadamente sofridos e conhecidos no momento da interposição da acção (pedido específico).
112. O comportamento dos Autores/Recorridos deve ser interpretado como uma desistência parcial do pedido.
113. Na verdade, tendo os mesmos deduzido o pedido de condenação (genérica) decorrente do aproveitamento dos seus segredos de negócio (aproveitamento este que não existiu), os mesmos, tendo deduzido o respectivo incidente de liquidação, não quantificaram um único dano resultante deste aproveitamento, não obstante terem o ónus de o fazer em sede deste incidente, limitando-se a pedir que o Tribunal decidisse com base num juízo de equidade, dentro do valor de dezassete milhões de euros correspondente, por sua vez, ao pedido específico por si deduzido, correspondente a alegados danos de marca.
114. O recurso a um juízo de equidade não pode constituir uma forma de suprir a falta de observância do ónus probatório que recai sobre as partes.
115. Seja como for, sempre o máximo de condenação seria, a este título, de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), o valor atribuído pelos Autores ao incidente de liquidação.
– Da não verificação da espécie legal da norma do artigo 609.º, n.º 2 –
116. Sem prejuízo dos aspectos anteriormente assinalados, facto é que os Autores não lograram fazer prova de um único dano resultante do aproveitamento ou da apropriação dos seus putativos segredos de negócio. Falta de prova que é, aliás, reconhecida pelo próprio Tribunal a quo, quando afirma que “não se logrou apurar qualquer lucro do infractor nem sequer qualquer dano concreto suportado pelas AA”. Ou seja, não foi feita prova da existência de qualquer reflexo patrimonial negativo (lucro cessante ou dano emergente) resultante da alegada apropriação dos seus segredos de negócio (artigo 566.º, n.º 2 CC, e artigo 338-L CPI).
117. Isto, não obstante, ter tido lugar o incidente de liquidação, desencadeado por iniciativa dos Autores/Recorridos, que passaram a estar em condições de conhecer todos os alegados – mas, obviamente, não provados – danos resultantes da apropriação/utilização dos seus putativos segredos de negócio, a partir do momento em que os Réus/Recorrentes procederam à junção de todos os documentos que se encontravam em sua posse pertencentes ao domínio “@X....pt”.
118. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação da norma do artigo 609.º, n.º 2 CPC, da qual não resulta a possibilidade de o Tribunal condenar o Réu no que se vier a liquidar, quando o Autor não tenha sido capaz de fazer prova do dano. Com efeito, faltando um dos pressupostos da responsabilidade civil (an debeatur), deve o Réu ser absolvido do pedido.
119. Qualquer que seja o entendimento de que se parta quanto à latitude da norma do artigo 609.º, n.º 2 CPC, nenhuma hesitação, doutrinal ou jurisprudencial, existe quanto ao que se acaba de afirmar.
120. No caso dos autos esta conclusão, ou seja, a da necessária improcedência do pedido, torna-se ainda mais evidente, quando o nosso sistema processual desconhece a possibilidade de existirem dois incidentes de liquidação. Ora, foi justamente esta a possibilidade aberta pela decisão do Tribunal (rectius: pela falta de decisão, relativamente ao incidente de liquidação): tendo este incidente tido lugar, o Tribunal a quo profere uma sentença de condenação genérica, dando aos Autores/Recorridos a oportunidade de deduzirem um novo incidente de liquidação!
121. E nem se diga que o Tribunal a quo devia ter proferido uma sentença de condenação segundo um juízo de equidade. Na verdade, tal cenário só se coloca quando estejamos perante um incidente de liquidação posterior ao proferimento de uma sentença de condenação genérica (tendo existido uma condenação, não pode a mesma ser substituída por um juízo de absolvição), e não num caso, como o dos autos, em que os Autores deduziram o incidente no decurso da acção, sem, contudo, terem feito prova de qualquer dano (citaram-se, supra, alguns Acórdãos e Doutrina essencial dos quais resulta não poder a equidade ser utilizada como forma de suprir a falta de prova do dano).
122. Por mera cautela de patrocínio, note-se, em todo o caso, que, mesmo que se entendesse ter sido feita prova de algum dano (o que, obviamente, não se aceita), o pedido devia improceder, na medida em que esse dano se teria produzido e estabilizado na esfera jurídica dos Autores, ora Recorridos, em momento anterior ao da propositura da acção, ou seja, não se trataria de um dano ainda em desenvolvimento, ou que não pudesse ser conhecido em toda a sua extensão.
123. Ora, segundo a posição doutrinal e jurisprudencial mais ajuizada, o Tribunal não pode proferir sentença de condenação genérica, quando o Autor pudesse fazer prova do quantitativo do dano, não tendo, contudo, observado o ónus probatório que sobre si impendia.
124. Quanto mais num caso como o dos autos, em que já teve lugar o respectivo incidente de liquidação.
125. O Tribunal a quo violou o princípio de igualdade de armas (artigo 4.º CPC), assim como o princípio de responsabilidade probatória das partes, ao dar uma nova oportunidade aos Autores/Recorridos de fazerem prova do dano, em violação do regime do artigo 609.º, n.º 2 CPC, não tendo os Recorrentes igual (nova) oportunidade de fazer prova do facto impeditivo, por si alegado, do direito invocado pelos Autores (cfr, supra, conclusão n.º 100).
126. O facto de o Tribunal a quo entender que os Autores/Recorridos tinham forma de fazer prova do dano não releva para este efeito, servindo, pelo contrário, para demonstrar que os mesmos não foram capazes de observar o ónus probatório que sobre si impendia, não obstante estarem, segundo o entendimento do Tribunal a quo, em condições de o fazer.
127. Mas, nem mesmo razão tem o Tribunal a quo ao afirmar que as partes possuem meios simples, como faturas (referentes a quanto custou o projecto ..., a transformação digital, etc.), ou possíveis, como perícias, que permitem liquidar o dano em momento ulterior.
128. Na verdade, entende, erradamente, o Tribunal a quo que o valor do dano sofrido pelos Autores/Recorridos, decorrente da apropriação dos seus alegados segredos de negócio, corresponderia ao valor despendido pelos mesmos para produzir os respectivos projectos/metodologias/informações, etc, quando, na verdade, não resulta daí a demonstração de qualquer dano, no sentido de uma afectação patrimonial negativa, nos termos das normas dos artigos 566.º, n.º 2 CC, e 338-L CPI.
129. Como é evidente, uma empresa pode gastar milhões de euros a produzir uma metodologia de produção, por ex., e a mesma não ter valor nenhum para um concorrente seu.
130. Note-se que o próprio Tribunal a quo deu como não provado que os Réus tenham feito uso dos segredos de negócio dos Autores (cfr. ponto 1 dos factos não provados).
131. Não bastava, portanto, aos Autores/Recorridos provar que os Recorrentes se apropriaram dos seus segredos de negócio (prova, esta, que, de qualquer modo, não fizeram) para se encontrar demonstrada a existência de um qualquer dano.
132. Quanto mais para que esse dano estivesse quantificado, não obstante os Autores se terem apresentado a fazê-lo, através da dedução do respectivo incidente de liquidação.
133. De facto, e sempre sem prejuízo do supra exposto, a informação em causa (de que os Recorrentes apenas tomaram conhecimento no decurso deste processo, quando os Autores procederam à junção de um documento contendo uma descrição dos segredos contidos nos mais de 20gigas de informação recebida por AA) não tem nenhum valor para os Recorrentes, tanto mais que a mesma diz respeito, as mais das vezes, a elementos relativos a anos muito remotos.
– Da errada aplicação da norma do artigo 76.º, n.º 1 CC –
134. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes no pagamento de uma indemnização pela divulgação dos e-mails, com fundamento na norma do artigo 76.º, n.º 1 CC.
135. Com isto, violou, em primeiro lugar, o Tribunal a quo a norma do artigo 3.º, n.º 3 CPC, que proíbe a tomada de decisões surpresa, já que em causa não foi invocada por nenhuma das partes, nem foi com elas discutida, em nenhum momento. Estamos, assim, perante a existência de uma nulidade processual, que se invoca para todos os efeitos legais.
136. Em segundo lugar, é errada a aplicação daquela norma, seja porque o direito de liberdade de expressão que o próprio Tribunal a quo reconhece existir não pode deixar de funcionar aqui como matéria de excepção, seja pelo facto de não se encontrar verificada, in casu, a fattiespecie desta norma jurídica.
137. É tão contraditória a decisão do Tribunal a quo, que o mesmo ora censura o facto de os Réus/Recorrentes terem procedido à divulgação dos e-mails, ora censura o facto de os mesmos não terem procedido à divulgação dos e-mails na sua integralidade.
138. Não é claro, na verdade, o raciocínio do Tribunal, que considera legitimado o comportamento dos Recorrentes, ao abrigo do direito à liberdade de expressão, mas os condena pela divulgação de cartas-missivas confidenciais, quando a realidade subjacente é a mesma e única, e se prende com a divulgação de partes de e-mails (e não com a publicação desses e-mails), dado o interesse público de que essa informação se reveste.
139. Ou seja, não era possível exercer o direito de liberdade de expressão, que o próprio Tribunal a quo reconhece, e considera prevalecente, sem referir o conteúdo dos e-mails, já que é nesse conteúdo que se estribam as afirmações críticas feitas pelo Recorrente AA.
140. Refrise-se que este Recorrente não publicou um único e-mail, limitando-se a ler partes relevantes do mesmo, segundo um critério de interesse público (é nisto, nem mais nem menos, que consistem os seus juízos de facto – aqueles, justamente, que o Tribunal reconhece estarem ao coberto do direito de liberdade de expressão).
141. A distinção que o Tribunal a quo estabelece entre o exercício do direito de liberdade de expressão (que, por um lado, reconhece e considera prevalecente), e o exercício do direito de se expressar com recurso a documentos, é, portanto, artificial, já que, sem o recurso aos documentos aquele direito, pura e simplesmente, não poderia ser exercido.
142. E nem se diga que o Recorrente AA truncou algum e-mail. Na verdade, o mesmo limitou-se a ler a parte dos mesmos relevante do ponto de vista do interesse público, não tendo existido uma única truncagem capaz de desvirtuar o sentido do trecho dos e-mails objecto de divulgação. Tratando-se de um trabalho jornalístico em torno dos e-mails do X..., é natural que seja selecionada e divulgada a parte do e-mail relevante do ponto de vista do interesse público (neste sentido, vide as declarações do Director do ..., VVV, supra transcritas).
143. A mesma causa de exclusão que releva para efeitos de aplicação da norma do artigo 484.º CC (a veracidade da informação veiculada e o interesse público da mesma) deve, por identidade de razão, relevar para efeitos de aplicação da norma do artigo 76.º CC, sob pena de qualquer órgão de comunicação social que tivesse procedido à divulgação de e-mails do X... ver o seu comportamento sancionado ao abrigo deste última norma, a expensas do seu direito de informar, impedido de revelar [a] parte com relevante interesse público do respectivo documento, sob pena de violar um putativo direito à privacidade do autor do indiciado acto criminoso.
144. O próprio texto do artigo 76.º, n.º 1 CC se refere à possibilidade de o consentimento do autor ser suprido pelo Tribunal, o que permite concluir existirem interesses prevalecentes sobre o direito à privacidade do autor da carta. A possibilidade de este direito ceder quando estão em causa outros interesses, designadamente o interesse público da informação nela contida, é sublinhado pela nossa melhor doutrina.
145. O Tribunal, pese embora reconheça o direito de liberdade de expressão dos Recorrentes, acaba por o cercear, em homenagem a um putativo direito de reserva de vida privada dos Autores/Recorridos, com isso violando a norma do artigo 37.º CRP.
146. Os Recorrentes (rectius, o Recorrente AA) não procederam à publicação de uma única carta-missiva confidencial, razão pela qual a norma do artigo 76.º, n.º 1 CC não pode ser aplicada ao caso dos autos.
147. Para além de que a norma em causa se refere à publicação de cartas, e não de e-mails.
148. Também por verificar se encontra o requisito da confidencialidade, sendo, por sua vez, o círculo de protecção da norma (que protege o autor da carta) mais restrito do que aquilo que o Tribunal parece supor.
149. O Tribunal a quo seguiu a teoria subjectivista, deixando-se surpreender pelo facto de os e-mails conterem uma indicação de confidencialidade, em dessintonia com a nossa melhor doutrina. Na verdade, melhor fora que o Tribunal a quo tivesse atendido ao teor da informação divulgada, a qual não pode, com certeza, ser qualificada como confidencial para efeitos de aplicação daquela norma jurídica.
150. No caso dos autos, em que os e-mails indiciam a prática de actos de corrupção desportiva, nem os mesmos podem ser considerados como (objectivamente) confidenciais, nem a confidencialidade (caso existisse) prevaleceria face ao interesse na sua revelação.
151. Outro aspecto de grande importância, mas que parece ter passado despercebido ao Tribunal a quo, é aquele que diz respeito ao círculo de protecção da norma. Com efeito, o legislador tomou posição nesta matéria, no sentido de conferir protecção apenas ao autor da carta-missiva confidencial, e não ao destinatário da mesma.
152. Ora, pode verificar-se, no caso dos autos, que a maior parte dos e-mails tem os Autores como destinatários e não como remetentes. Assim, e porque o destinatário da carta não se encontra protegido pela norma do artigo 76.º, n.º 1 CC, falece mais um pressuposto de aplicação desta norma jurídica.
153. Ainda que assim não se entendesse, poderia o consentimento do autor das cartas ser judicialmente suprido, devendo sê-lo no caso dos autos, pelas razões já acima referidas (interesse público da informação, e direito de informar e de […] expressão dos Recorrentes).
154. Os Autores invocaram a ofensa do seu direito à honra, tendo o Tribunal a quo entendido, contudo – e bem –, que o direito de liberdade de expressão dos Recorrentes prevalece sobre este direito. Do mesmo modo, não faria sentido restringir o direito dos Recorrentes em virtude da protecção de um direito de privacidade dos Autores (mas nunca através da norma do artigo 76.º, mas por via da protecção conferida pelo artigo 80.º CC), já que os documentos em causa são indícios da prática de crimes e de actos […] antiéticos, com manifesto interesse público, não podendo vedar-se a sua informação em virtude de um putativo, e nem sequer invocado, direito à privacidade.
– Do interesse público –
155. Percebe-se da leitura da sentença que, não só o Tribunal faz depender o valor da indemnização a atribuir do maior ou menor grau de interesse público dos e-mails revelados; como faz depender a existência de interesse público do fim visado pelos Recorrentes ou da forma, motivo e datas da sua divulgação. Tudo para, a final, concluir pela inexistência, in casu, de qualquer interesse público que legitime a revelação das dezenas de e-mails em apreço.
156. Simplificando este retorcido raciocínio, temos pois que, para o Tribunal a quo, o interesse público não resulta do teor (verdadeiro e objectivo) dos e-mails em sindicância nos autos, mas antes das acções e motivações dos próprios Recorrentes. Salvo o devido respeito, não pode tal tese proceder.
157. É, aliás, a própria sentença recorrida que sublinha que “numa sociedade democrática o conceito de interesse público deve ser entendido como abrangendo todos os temas que revistam de uma “utilidade social”, isto é, que sejam “relevantes para a vivência social”, contribuindo para a formação de uma opinião pública robusta” (pág. 106).
158. Conforme teve oportunidade de se deixar devidamente demonstrado em momento próprio, percorridas as 20 sessões do programa – e todos, e cada um!, dos e-mails nelas divulgados – não existe um único – uns por ser manifesto o seu teor censurável, outros por inferências lógicas através da conjugação com a demais prova – em que não seja evidenciado o interesse público inerente.
159. As informações divulgadas pelo Recorrente AA consubstanciam-se em documentação privada sobre atividades de interesse público – documentação essa que chegou ao seu conhecimento por fonte anónima, e de forma inesperada, não lhe sendo imputado pelas autoridades judiciárias qualquer comportamento ilícito associado à sua obtenção (com relevo para este ponto, v.g., TEHD: Pinto Coelho c. Portugal (n.º2), 2016, § 46).
160. Reconhecendo o inequívoco interesse público envolto no conteúdo dos e-mails e a premência de veicular a informação ao público em geral, decidiu aquele Recorrente fazer a divulgação de alguns desses e-mails no programa “...”.
161. O interesse público das informações reveladas resulta evidente no caso em apreço, atendendo, desde logo, não só ao concreto conteúdo dos factos divulgados, mas igualmente à natureza dos sujeitos visados – cujo estatuto de figuras públicas os obriga a uma maior tolerância perante a divulgação de informações de interesse público que os afetem, estando submetidos ao escrutínio dos demais clubes concorrentes, dos seus próprios patrocinadores, dos seus sócios e adeptos e do público em geral, considerando que se trata de sociedade cotada em bolsa (TEDH: I..., Lda. c. Portugal, 2016, § 36.; J..., 2007, § 28; e Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, 2013, § 26).
162. Ademais - ao invés do que levianamente entendeu o Tribunal a quo, chegando inclusive a ridicularizar o assunto –, a verdade é que o dispêndio de quantias avultadas de um clube de futebol em práticas de bruxaria é igualmente uma questão de interesse público, pois a Recorrida X1... SAD é uma sociedade cotada em bolsa, emitente de diversos valores mobiliários transacionáveis, o que impõe uma necessidade imperiosa de submissão ao escrutínio público.
163. Todos os factos revelados pelos Recorrente consubstanciam, ao menos em abstrato, a prática, no interesse e por conta dos Autores/ Recorridos, de ilícitos com relevância penal – nomeadamente subsumíveis nos tipos incriminadores de corrupção, de tráfico de influência e de oferta e recebimento indevido de vantagens, previstos e punidos pelos artigos 8.º, 9.º, 10.º e 10.º-A da Lei n.º 50/2007 (e ainda, eventualmente, no que à contratação de atos de bruxaria por valores na ordem das centenas de milhar de euros, do crime de infidelidade patrimonial – artigo 224.º, n.º 1 do Código Penal) – bem como de diversos e reiterados atos de concorrência desleal – em prejuízo dos seus mais diretos competidores, incluindo os Recorrentes Y... e Y1..., SAD.
164. Tudo o que serve para deixar reforçado o interesse público das informações difundidas, e, por conseguinte, para excluir a eventual ilicitude subjacente àquela divulgação, tendo em conta os interesses e princípios que se quiseram acautelar (TEDH: Alpha Doryforiki Tileorasi Anonymi Etairia v. Greece, 2018, § 70).
165. Neste ponto, tem o TEDH sido reiteradamente chamado a pronunciar-se sobre a violação do direito à liberdade de expressão em contexto desportivo – inclusivamente em casos que envolveram o Estado português (v.g., J..., S. A. c. Portugal, 2007; K..., S.A. e outros c. Portugal, 2010; Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, 2013) –,
166. vindo a considerar que existir uma menor margem de apreciação dos Estados para interferir no direito à liberdade de expressão, quando estão em causa condutas expressivas adotadas em determinados contextos de interesse político ou público em geral (cf. Lingens v. Austria, 1986; Wingrove c. Royaume-Uni, 1996; Stoll c. Suisse, 2007).
167. No caso vertente, deparamos com uma base factual evidente, mormente quando resulta provado que “os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado” (ponto 193 da sentença recorrida).
168. Destarte, servindo a divulgação dos factos um interesse legítimo (por serem factos de interesse público, entendido como um interesse social relevante), e tendo sido feita prova da sua veracidade, há uma necessária exclusão da ilicitude, nenhuma responsabilidade podendo ser assacada aos Recorrentes.
– Da falta de prova dos danos ou da inexistência de nexo de causalidade –
169. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes no pagamento de uma indemnização no valor de €523.023,04 a título de danos emergentes (despesas/contratações para minorar a repercussão/consequências do dano), e no pagamento de uma indemnização no valor de €1.430.000,00 a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência.
170. Relativamente àquela condenação, discordam os Recorrentes da percentagem de dano, decorrente do facto de existir uma situação de concausalidade, que o Tribunal lhes imputa (2/3), e consideram ainda que é errada, não existindo nexo de causalidade, a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos gastos suportados pelos Autores no reforço do seu sistema de segurança informática, já que os Recorrentes não invadiram o sistema informático dos Autores.
171. Importa notar que o critério de 1/3 utilizado pelo Tribunal, para além de arbitrário, e não suportado por nenhuma regra de experiência, é manifestamente exagerado, e não traduz minimamente a realidade dos autos. Com efeito, existem múltiplos factores para o alegado dano à imagem dos Autores/Recorridos (de que aquelas acções mitigadoras seriam consequência), o mais importante dos quais, que parece ter sido, pura e simplesmente, obliterado pelo Tribunal diz respeito ao teor dos emails revelados.
172. Os quais deram origem a diferentes processos de natureza criminal, que ainda não se encontram concluídos, com a realização de diversas buscas nas suas instalações. Crê-se, pois, que isto, muitíssimo mais do que tudo o resto, é danoso para a imagem dos Autores.
173. Emails esses que, repita-se, estiveram (todos eles) acessíveis na internet, tendo sido publicados pelo blog “...” e por outros blogs – neste sentido vide o depoimento de parte do Recorrente AA, ficheiro supra identificado, minutos 01:13:27 a 01:14:30.
174. Por outro lado, não se conformam os Recorrentes com o facto de o Tribunal a quo os ter condenado a pagar uma indemnização aos Autores decorrente das despesas que os mesmos tiveram no reforço do seu sistema de segurança informática. Os Recorrentes não foram responsáveis por qualquer invasão desse sistema, seja directa ou indirectamente, razão pela qual não podem os mesmos ser condenados pelas despesas que os Autores suportaram para alegadamente reforçarem o seu sistema de segurança informática.
175. Trata-se de um dano que, pura e simplesmente, não pode ser imputado aos Recorrentes, não existindo qualquer nexo de causalidade entre o mesmo e a sua conduta.
176. Quanto à condenação a título de danos não patrimoniais pela divulgação da correspondência, entendem os Recorrentes que o Tribunal extravasou aquilo que lhe foi pedido pelos Autores, que peticionaram uma indemnização pelos danos sofridos na sua marca, não podendo a condenação com base na equidade servir para suprir a falta de prova daquele dano.
177. Efectivamente, os Autores deduziram um pedido de indemnização no valor de 17 milhões de euros a título de dano na sua marca, decorrente das afirmações e juízos críticos proferidos pelo Recorrente AA, através do B..., que consideram ofensivos da sua honra.
178. O Tribunal a quo considera que o direito de liberdade de expressão dos Recorrentes deve ser considerado prevalecente face ao direito à honra dos Autores, e, contudo, condena os Recorrentes no pagamento de uma indemnização no valor de €1.430.000,00, quando a ilicitude deriva, no entendimento do Tribunal, do direito à confidencialidade dos Autores, dada a publicação de cartas-missivas confidenciais.
179. Acontece que o dano de marca é um dano patrimonial, susceptível de ser contabilizado, sendo técnica a prova do mesmo (prova pericial). O próprio Tribunal o reconhece, tendo alertado os Autores para isso em sede de audiência prévia, convidando-os a requererem a realização dessa prova (pericial). Os Autores decidiram não a requerer.
180. Donde, não tendo os Autores observado o ónus probatório que sobre si impendia, demonstrando o valor da alegada afectação da sua marca (dano patrimonial), erra o Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes por danos não patrimoniais, com recurso a um juízo de equidade, extravasando mesmo, com isso, o pedido formulado pelos Autores, com todas as consequências legais daí resultantes.
181. Por outro lado, e sempre sem prejuízo deste aspecto, entendem os Recorrentes que o valor da condenação é excessivo, tendo, aliás, o Acórdão que o Tribunal toma como seu ponto de partid[a] sido modificado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Sendo certo, além do mais, que se há ilações a retirar desse aludido “Caso E...”, transponíveis para o presente pleito, as mesmas levariam necessariamente à absolvição dos Recorrentes, e nunca à sua condenação.
182. Tudo com o que fez o Tribunal a quo uma errada aplicação, ou interpretação ou violou as normas dos artigos 360.º CC, 76.º, n.º 1 CC, 318.º CPI e 500.º CC, 338-L CPI e 566.º, n.º 2 CC, e 609.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, al. d), e 3.º, n.º 3 e 4.º CPC, e 37.º CRP.
Os réus pretendem assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que os absolva dos pedidos formulados.
Foram apresentadas contra-alegações tanto pelos autores como pelos réus.
Já em fase de recurso foram juntos aos autos novos pareceres jurídicos.[28]
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
IReapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto (recurso interposto pelas autoras e pelos réus);
II A apropriação de segredos de negócio (recurso interposto pelos réus);
IIIA aplicação do disposto no art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil (recurso interposto pelos réus e pelas autoras);
IV – O confronto entre os direitos fundamentais de liberdade de expressão e de sigilo de correspondência; a aplicação do disposto no art. 76º, nº 1 do Cód. Civil (recurso interposto pelos réus);
V – A inexistência de nexo de causalidade relativamente aos danos/A concausalidade/O montante dos danos (recursos interpostos pelos réus e pelas autoras);
VI – A absolvição da ré “A..., S.A.” (recurso interposto pelas autoras);
VII A absolvição dos réus BB, CC e DD/A aplicação do disposto no art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais (recurso interposto pelas autoras);
VIII – A não aplicação dos arts. 484º do Cód. Civil e 317º, nº 1, al. b) do Cód. da Propriedade Industrial 2003 (recurso interposto pelas autoras);
IX – O não decretamento definitivo das providências cautelares decididas no anterior Acórdão da Relação do ... de 21.2.2018/A fixação de sanção pecuniária compulsória (recurso interposto pelas autoras);
X – Os pedidos formulados nas alíneas f) e g) da petição inicial (recurso interposto pelas autoras);
XI – A publicação da sentença (recurso interposto pelas autoras).
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1. O X... e o Y... são concorrentes diretos, nomeadamente no âmbito das competições desportivas nacionais e internacionais que disputam, incluindo competições de futebol profissional (Campeonato Nacional da Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça, e competições europeias organizadas pela UEFA) bem como nos negócios e atividades comerciais conexos prosseguidos.
2. O “Grupo X...” e o “Grupo Y...” são constituídos por uma multiplicidade de sociedades comerciais especializadas nas diversas vertentes do fenómeno desportivo (desporto profissional, merchandising, comunicação e media, promoção de eventos, patrocínio comercial, etc.), as quais oferecem produtos e serviços nos mercados concorrenciais em que se inserem, disputando entre si jogadores, negócios, clientela, patrocínios, com vista à afirmação desportiva, económica e social continuada dos seus projetos empresariais.
3. As Autoras detêm a propriedade e/ou os direitos de exploração económica da Marca da União Europeia (mista) X..., nº ... que se junta como Documento n.º 1, e de outros direitos e sinais distintivos (e respetivos produtos e serviços indicados que se promovem), conforme certificados de registos de marcas e de logótipos que se juntam igualmente como Documento nº 1.
4. As sociedades Rés Y... e Y1..., SAD detêm a propriedade e/ou os direitos de exploração dos seguintes direitos e sinais distintivos (e respetivos produtos e serviços indicados), incluindo os certificados de registos de marcas e de logótipos que se juntam como Documento nº 2.
5. As Autoras e as sociedades Rés concorrem diretamente no domínio empresarial prosseguindo múltiplas atividades concorrentes, oferecendo produtos e serviços que disputam os mesmos mercados, a mesma clientela, patrocinadores e parceiros comerciais, desde as competições oficiais desportivas com participação das suas equipas nos campeonatos nacionais de futebol, hóquei em patins, basquetebol, andebol, natação, etc., passando pela organização de eventos desportivos e comerciais, publicidade, comunicação comercial e emissão de canais de televisão por cabo, jornais, revistas, publicidade, aluguer de espaços comerciais, exploração de merchandisig (equipamento desportivo, etc.), sponsorship (patrocínio de produtos e serviços), educação, formação desportiva, publicidade, restauração, organização de viagens, entre muitas outras atividades conexas e complementares.
6. Em 21 de Fevereiro de 2018 foi julgada parcialmente procedente a providência cautelar que correu termos sob o Processo nº 17448/17.4T8PRT do Juízo Central Cível do ... (Juiz 4), conforme decisão cujo restante teor se dá por reproduzido.
7. O X... é uma agremiação desportiva de utilidade pública, fundada em 1904 e reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas portuguesas.
8. O X... tem como finalidade o fomento e a prática do futebol nas suas diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento de outras modalidades desportivas, desempenhando também atividades de natureza recreativa, cultural e social, conforme resulta do art. 3.º dos Estatutos da Autora e da certidão comercial permanente com o nº. 8522-5247-0061, cujas cópias se juntaram como documentos n.º 1 e 2 do requerimento inicial da providência cautelar.
9. A X1... SAD é uma sociedade anónima desportiva, criada em 10 de Fevereiro de 2000 pelo X... para competir no campeonato nacional de futebol profissional, conforme resulta de cópia da certidão comercial permanente com o n.º ... que se juntou como documento n.º 3 do requerimento inicial da providência cautelar.
10. Os estatutos da X1... SAD dispõem, quanto ao objeto social, o seguinte: “1. A sociedade tem por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol (…), conforme resulta da certidão comercial permanente junta como documento n.º 3 do requerimento inicial da providência cautelar.
11. O X... enquanto acionista maioritário detém, direta ou indiretamente mais de 50% do capital social da X1... SAD, para além de ser titular de ações de categoria A, que lhe conferem direitos especiais, conforme documento n.º 4, 5 e 6 do requerimento inicial da providência cautelar e o Relatório e Contas consolidado da X1... SAD relativo ao exercício económico anual de 2016/2017, [que] se reproduz como Documento n.º 2-A.
12. A X1... SAD detém 100% do capital social das sociedades X3..., S.A. (“...”) e X2..., S.A. (“X2...”), 50% do capital social da sociedade X4..., Lda. (“...”) e 2% do capital social da sociedade X5..., Lda. (“...”), conforme resulta do Relatório de Gestão junto como documento 4 supra (pág. 3) do requerimento inicial da providência cautelar.
13. A equipa de futebol profissional sénior da X1... SAD compete no campeonato nacional da 1.ª Liga, competição organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
14. No âmbito das principais competições desportivas nacionais e europeias em que participam, as Autoras apresentam o seguinte palmarés: 2 Taças dos Clubes Campeões Europeus; 36 Campeonatos Nacionais; 7 Taças da Liga; 26 Taças de Portugal; 3 Campeonatos de Portugal; 7 Supertaças Cândido de Oliveira; e 1 Taça Latina, conforme resulta da informação oficial disponibilizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, conforme documento nº 7 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
15. O X... é uma instituição de prestígio nacional e internacional, constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social, reconhecido através das condecorações e ordens honoríficas com que foram agraciadas, conforme documento nº 8 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
16. As Autoras têm como patrocinador oficial principal a companhia aérea ..., multinacional com sede no ..., ..., empresa que patrocina ao nível europeu um reduzido número de equipas de futebol profissional, nomeadamente ... (...), ... (...), ... (...) e ... (...).
17. As Autoras têm ainda como patrocinador oficial a cerveja ..., insígnia de grande notoriedade da L..., S.A., e como patrocinador técnico (equipamentos, etc.) a ..., multinacional alemã de vestuário desportivo. Para além dos patrocinadores acima identificados, são ainda patrocinadores e/ou parceiros das Autoras a Banco 1..., a ..., a ..., a ..., a ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., entre outras empresas de prestígio e mérito comercial e/ou industrial reconhecidos nos sectores de atividade em que atuam.
18. Para assegurar o desenvolvimento da sua atividade e a proteção conforme da sua informação comercial e dados de negócio, reservados as Autoras dispõem de um sistema informático, de bases de dados e de um domínio próprio (@X....pt), sendo as contas de email dos diversos colaboradores da X1... SAD registadas nesse domínio.
19. As Autoras dispõem também, para o exercício e desenvolvimento da sua atividade, de serviços de comunicações telefónicas fixas e móveis (telefonia e mensagens) para realização das comunicações entre as Autoras e os seus colaboradores e terceiros, as quais são privadas e sigilosas.
20. No sistema informático da X1... SAD são guardados todos os documentos proprietários e confidenciais relativos ao negócio desta, incluindo comunicações, correspondência e contratos com os respetivos patrocinadores, atletas, treinadores, propostas de negócio, projeções de desenvolvimento empresarial e desportivo, planos e estratégias empresariais, dados estatísticos, proveitos, custos e investimentos, acordos com a Banca e demais stakeholders (partes interessadas numa organização ou empresa), investimentos e parcerias nacionais e internacionais, entre outras.
21. Os dados e informações das Autoras, bem como as suas comunicações, têm valor económico e concorrencial porque são secretos (eram) apenas conhecidos das Autoras e dos seus colaboradores internos e altos responsáveis diretamente envolvidos.
22. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens são valiosos segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das partes contratantes.
23. Tais dados, caso tenham sido acedidos ou conhecidos de outros concorrentes ou por terceiros, ou tornados públicos, (podem ser) de imediato usados como argumento concorrencial e como fator de perturbação económico-financeira e desportiva das Autoras.
24. O mesmo se aplica às comunicações, correspondência e contratos com jogadores, treinadores e outros colaboradores, dados pessoais sensíveis e anotações de fichas médicas, ao know-how sobre metodologias de treino e outras técnicas desportivas, à evolução de desempenho, às anotações e observações de jogadores, ao scouting desportivo (pesquisa e recrutamento de potenciais jogadores), às ações de formação e liderança, aos planos e estratégias desportivas, bem como aos demais dados de negócio, incluindo designadamente sobre os proveitos e custos das diversas rubricas de exploração, sócios, campanhas de marketing e desenvolvimento comercial, investimentos, serviços e produtos transacionados, relações com fornecedores e clientes, relações com instituições bancárias e financeiras, empréstimos e financiamentos, condições contratuais sobre todos os negócios desenvolvidos, relações com agentes de jogadores, relações e parcerias com outros clubes de futebol e parceiros desportivos ou empresariais, correspondência institucional (…).
25. O acesso, mesmo na forma de [contacto], o aproveitamento ou divulgação por terceiros de informação privilegiada da X1... SAD de caráter secreto (não tornado público), ou mesmo obviamente a divulgação ou suspeita pública dessas práticas, influenciam (e serão idóneos a influenciar) de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.
26. As Autoras investiram uma quantia indeterminada, mas superior a um milhão de euros, no desenvolvimento e segurança do seu sistema informático, do seu sistema de comunicações e dos respetivos equipamentos necessários, nomeadamente para guarda e tratamento reservados dos seus dados e negócios, adquiriram equipamentos de segurança, de acesso e gestão de informação, contratualizaram fornecedores de serviços de guarda, manutenção e segurança e contrataram técnicos especializados de informática e comunicações especializados que estão ao seu serviço de forma permanente e exclusiva, para zelar pelo funcionamento adequado dos seus arquivos e dados informáticos e segredos de negócio.
27. O acesso aos sistemas, comunicações, correspondência e demais dados das Autoras depende de autenticações e certificações específicas; ainda assim – adicionalmente – os dados dos diversos departamentos são guardados de modo estanque, com acesso autorizado apenas a alguns poucos colaboradores da mais alta confiança, devidamente identificados, não dispondo os responsáveis dos diversos departamentos operacionais de acesso aos dados de outros departamentos congéneres.
28. Os servidores de dados encontram-se instalados em locais reservados e protegidos, com regras de acesso e circulação estritas, sujeitas a protocolos e standards internacionais, assegurados pelos diversos prestadores de serviços contratados pelas Autoras; as redes de comunicação e correspondência obedecem igualmente aos mesmos princípios, o acesso a informação e os dados são protegidos por níveis de responsabilidade profissional; e, foram adquiridos aparelhos e programas antifraude para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas os quais visam robustecer os sistemas contra os ataques cibernéticos e outros acessos ilícitos.
29. O Réu AA acedeu a essas informações através de um contacto prévio via email com pessoa desconhecida, que lhe enviou alguns emails para amostragem, convencido do interesse e veracidade dos mesmos pediu a remessa de mais emails que recebeu inicialmente no seu email oficial do Y1..., SAD e mais tarde num email encriptado criado para o efeito.
30. A divulgação da correspondência e comunicações privadas e dos documentos confidenciais e/ou contendo segredo do negócio das Autoras resulta de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Y..., para quem o Réu AA trabalha, e no qual exercem funções de administração ao mais alto nível os Srs. BB, Dr. CC e Dr. DD conforme o documento nº 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
31. O Réu AA apresenta-se como “Diretor de Informação e Comunicação do Y...”, e nisso consente e reconhece o Grupo Y....
32. No dia 25 de outubro de 2017, foi atribuído ao Réu AA o prémio ... para Funcionário do Ano.
33. O Réu AA não detém atualmente a profissão de jornalista, conforme o documento nº 10 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
34. A Ré B..., sob a designação social de “A..., SA”, é detida maioritariamente, segundo o Relatório e Contas de 2016/2017 da Y1..., SAD, por esta última, conforme o documento n.º 9 do requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
35. A Y2... é uma sociedade comercial que integra a “Y3...”, sendo considerada uma “unidade de gestão”, tendo como Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa que preside à Y1..., SAD.
36. Fazem parte do Grupo Y..., todas as sociedades demandadas, sendo que o Y... detém 74,59% das ações da Y1..., SAD e esta, por sua vez, detém 98,81% da Y2..., S.A. e 81,42% da A..., S.A.
37. A Direção do Y... apresenta a seguinte composição:“Presidente: BB; Vice-presidentes: DD, YYY, ZZZ, AAAA e CC (pelouro financeiro);Vogais: BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF e GGGG.”
38. Os RR BB, DD e CC são Presidente e Administradores do Y4... e da Ré B... e da Ré Y2....
39. O Y... é uma agremiação desportiva de direito privado e utilidade pública que tem como fins: “a) Promover a educação física dos seus associados; b) Desenvolver a prática dos desportos e proporcionar meios de recreio e de cultura aos seus associados; c) Fomentar a acção social que pelos Estatutos lhe for cometida.”, Cfr. Art. 2.º dos seus Estatutos juntos como documento n.º 15 do requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido.
40. A Y1..., SAD tem por objeto a participação, na modalidade de futebol, em competições desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade.
41. As equipas de futebol profissional da X1... SAD e da Y1..., SAD são adversárias na mesma competição desportiva profissional, e são os principais concorrentes diretos na luta pelos mesmos objetivos, nomeadamente a vitória nas três competições nacionais em que participam (campeonato da 1.ª Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga).
42. Para além da disputa pela vitória nas competições nacionais, as equipas de futebol profissional da X1... SAD e da Y1..., SAD concorrem ainda no acesso à Liga dos Campões Europeus, competição internacional organizada pela UEFA e que garante aos participantes o acesso a receitas extraordinárias de vários milhões de euros, para além de uma visibilidade à escala mundial, face às elevadas audiências que tal competição atrai nos cinco continentes.
43. A partir da época desportiva 2018/19, o acesso direto à Liga dos Campeões estará limitado apenas a uma equipa portuguesa - aquela que terminar no primeiro lugar da 1.ª Liga Portuguesa na época desportiva 2017/18 em curso - o que reforça o carácter competitivo da prova e reforça a rivalidade existente.
44. A época desportiva 2017/18 é decisiva, porquanto o primeiro classificado da Liga Portuguesa, ao garantir o acesso direto à Liga dos Campeões, ganhará uma muito relevante vantagem desportiva e financeira sobre os outros concorrentes.
45. Em 23 de Junho de 2017, no seu sítio institucional na internet, o Y... e Y1..., SAD publicaram um comunicado com o seguinte teor: Comunicado – O Y... informa que, através do seu Diretor de Informação e Comunicação, satisfez o pedido da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária e entregou-lhe toda a documentação disponível em suportes originais do denominado dossiê e-mails de e para o X..., conforme documento nº 20 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e [que] se dá por reproduzido.
46. O Y... e a Y1..., SAD reconhecem a sua ligação a AA e a sua responsabilidade quanto à divulgação da correspondência alegadamente existente e revelada por este, assumindo formalmente terem na sua posse a alegada correspondência das Autoras, a qual foi sendo divulgada pelo seu Diretor de Comunicação e Informação, AA, através da B....
47. AA, na qualidade de Diretor de Comunicação e Informação do Y... e da Y1..., SAD, atuou sempre em coordenação com estas, todos eles possuindo e divulgando a correspondência privada imputada a terceiros, sem autorização destes, executando uma estratégia de divulgação.
48. O Y... e a Y1..., SAD divulgaram emails e demais correspondência relativa ao domínio @X....pt, bem como as comunicações (telefónicas e mensagens de texto) e detêm em seu poder informação comercial/segredos de negócio das Autoras, ainda que o façam através do seu Diretor de Comunicação e Informação (AA), no canal de televisão por si detido e controlado (i. e., o canal de televisão ... da Ré B...).
49. A Y2... tem por objeto social a “concepção, criação, desenvolvimento, produção, realização, promoção, comercialização, aquisição, exploração de direitos, gravação, distribuição e difusão de obras e programas audiovisuais, multimédia, televisão, vídeo, cinema, canais temáticos, internet, eventos turísticos, culturais e desportivos em quaisquer formatos e sistemas; gestão, exploração e prestação de serviços nas áreas de gravação, produção e comunicação de obras audiovisuais, programas de televisão, sons, imagens, multimédia e quaisquer outros audiovisuais; edição de [publicações] periódicas, de livros e de multimédia.”, conforme resulta da certidão comercial permanente n.º ....
50. A Y2... é a entidade patronal de AA, sendo responsável pela publicação da newsletter do Y..., “...”.
51. A Ré B... tem por objeto o “exercício da actividade de televisão, concepção, produção, realização e comercialização de programas relativos a quaisquer eventos, aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, comercialização de direitos sobre programas relativos a quaisquer eventos aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ligadas a actividades desportivas, artísticas, culturais e, em geral, de entretenimento, prestação de serviços de assessoria, consultadoria e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades referidas anteriormente”, conforme cópia da certidão comercial permanente n.º ... que se juntou como documento n.º 26 do requerimento inicial da providência cautelar.
52. A Ré B... é um serviço de programas televisivos, autorizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, em Setembro de 2006, através da Deliberação 8-A/2006. O seu programa “...”, é um programa de entretenimento de promoção comercial do grupo do Y..., das suas atividades e dos seus interesses, não constituindo um programa noticioso. Os demais intervenientes actuam como comentadores, sendo adeptos do Y.... Nem os protagonistas, nem o programa, nem o serviço de televisão “B...” exercem neste contexto qualquer atividade noticiosa de natureza jornalística.
53. A B... é proprietária de um canal de televisão por cabo, emitido em sinal aberto, comercialmente designado por “B...”.
54. AA, trabalhador da Y2..., desempenha as funções de Diretor de Comunicação e Informação do Y..., incluindo Y... e Y1..., SAD, tendo sido declarado insolvente por decisão de 18 de Novembro de 2016.
55. No exercício das suas funções, os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC exercem de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., bem como do seu funcionário Réu AA.
56. Os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, através da liderança do primeiro, e a concordância e a adesão solidária dos segundos, definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro.
57. No dia 11 de Abril de 2017, AA divulgou no B... um alegado e-mail (que estava disponível num blog) remetido alegadamente pelo Sr. HHHH, Chefe da Segurança da Primeira Requerente, ao Dr. HH, Administrador da X1... SAD, no qual alegadamente se demonstraria o apoio material das Autoras às pretensas claques do clube, em especial através do pagamento de aluguer de automóveis e pagamento de gasolina nas deslocações dos seus membros para jogos da equipa do X... na condição de visitante.
58. Em 18 de Abril de 2017, AA divulgou através do mesmo B..., no mesmo programa “...”, um e-mail trocado entre IIII (Presidente da Associação ..., de ora em diante designada por “...”) e SS (Diretora de Relações Públicas da X...), estando copiado HH (Administrador da Segunda Requente X1... SAD). Neste e-mail, IIII, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia-Geral ..., “solicita bilhetes baratos” para um jogo a realizar no Estádio .... No dito programa televisivo “...”, AA acusou o X... de "procurar comprometer o presidente da ...", acrescentando "Isto não é excesso de cortesia, é outra coisa mais grave e o Ministério Público deve pegar nisto".
59. No dia 6 de Junho de 2017, em consequência do acesso ilegítimo ao conteúdo de mensagens de correio eletrónico que têm por domínio “@X....pt”, bem como correspondência e comunicações das Autoras, de natureza privada e confidencial, AA faz, entre outras, as seguintes afirmações no programa de televisão “...”, transmitido no canal de televisão “B...” da B... [00:29:54] Não temos que ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do X...; [00:33:58] Portanto, não podemos fingir que isto não existe, não se passa nada. Passam-se, passam-se coisas muito graves no futebol português e nós se queremos na próxima época ter um campeonato…; [00:34:08] … em que os diferentes competidores têm igualdade de oportunidades, é preciso acabar com isto. [00:43:45] Eu acho que a Federação tem que se preocupar com isto, a Federação superintende o futebol em Portugal, não pode enterrar a cabeça na areia e fingir que nada acontece, porque senão, corremos o risco de para a semana vir outra revelação e para a semana outra revelação, e o que é que… continua revelação após revelação a destapar-se a careca dum sem número de procedimentos errados, condenáveis e irregulares do X... e nada acontece? Ao X... tudo é permitido? [00:47:43]
É, é, este ... que há muito sabemos que existe, aos poucos tem que ir sendo destapado. Hoje destapamos o ZZ, teremos que continuar a destapar para deixar tudo isto a nu. [00:48:00] É fundamental, é deixar esta vergonha a nu.
60. Nesse mesmo programa televisivo do dia 13 de Junho de 2017, AA faz as seguintes afirmações: [00:32:02] O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O X... não está implicado nisto? [00:43:32]
Isto é indissociável uma coisa da outra, portanto, o X..., claramente, está implicado num esquema que envolve arbitragem, um esquema que adultera a verdade desportiva. [00:51:39]Representam os interesses do X.... Os árbitros são umas marionetas nas mãos destas pessoas que trabalham a favor do X.... [01:03:52] Isto é uma vergonha. Isto é o futebol português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo X..., pelo Sr. GG, pelo Sr. LL, pelo Sr. JJ, pelo Sr. ZZ, pelo Sr. JJJJ e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os ZZ e os YY por aí espalhados que estão ao serviço do X..., para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti-regulamentar. [01:05:04] Nós estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português. [01:05:06] Estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português, estamos a desmascarar a maior mentira do futebol português.
61. No programa, AA leu um conjunto de e-mails que, segundo afirmou, corresponderiam a trocas de mensagens entre o ex-árbitro ZZ e LL, advogado e assessor jurídico da X1... SAD, e entre o então presidente da Liga Portuguesa de Futebol, KKKK, e GG (Presidente da Direção da X... e Presidente do Conselho de Administração da X1... SAD). Numa dessas mensagens, sempre segundo AA, constava uma lista de árbitros de segunda categoria que iriam para estágio para eventualmente passarem à primeira categoria, a qual teria chegado às mãos de LL. [00:25:40 ] Não. O LL é uma pessoa muito importante no X.... Toda a gente sabe. Ainda ontem esteve na assembleia geral da Liga. Puderam ver todos na televisão, que passaram imagens e ele estava lá. Ele é uma pessoa com responsabilidades no X.... Responsabilidades muito grandes, muito fortes, com dependência direta do presidente do X..., GG, e da administração do X...…
62. No dia 21 de Junho de 2017, no programa de televisão designado por “...”, transmitido no canal de televisão “B...” da B... AA faz as seguintes afirmações, entre outras: [00:44:31] É assim, nós ao longo dos últimos programas temos vindo a desmascarar o ... do futebol português. Um sem número de comportamentos. Uns censuráveis do ponto de vista ético, outros do meu ponto de vista que configuram ilícitos graves, desportivos e não só desportivos [00:47:36] Agora, sei uma coisa. O X... monitoriza os sms do presidente da Federação Portuguesa de Futebol. [00:49:37]Isto é uma vigarice, o futebol português é uma mentira e a mentira tem uma razão de ser, é o X..., é esta corja de gente que faz este tipo de coisas. É tudo a mesma coisa. Estão enterrados até ao pescoço. Estão enterrados até ao pescoço com estas coisas, é uma vergonha. Monitorizar o presidente da federação? O presidente da liga? Mas o que é isto? Mas que vigarice vem a ser esta? Alguém acredita nestas coisas... no futebol português assim? Alguém acredita que há um competidor... alguém acredita que o X... é um competidor sério? Não é, é um competidor falso, anda a vasculhar as coisas e depois andam todos ofendidinhos porque nós lhes descobrimos a careca. Nós estamos a prestar um serviço ao futebol português, o futebol português precisa de uma operação mãos limpas e varrer com esta gente toda.[00:51:36] Cabe ao X... prestar esclarecimentos cabais sobre estas coisas. Cabe ao Sr. JJ explicar isto. Cabe ao Sr. LLLL explicar e cabe ao presidente do X... explicar este... porque isto são demasiadas coisas. Nós aqui já revelámos apoio ilegal às claques. Já relevámos coisas muito comprometedoras com oito árbitros, se calhar os árbitros não têm culpa nenhuma, não sei, nem me interessa, investigue-se isso, não nos cabe a nós investigar. Já revelámos tanta e tanta coisa, isto há um padrão comportamental muito mau, muito censurável, isto vale tudo. Vale tudo, é uma vergonha.[00:57:20] O que não vale a pena acreditar é naqueles que não têm clube, quem está no futebol, tem evidentemente as suas simpatias. Agora, tem que desempenhar os seus lugares da mesma maneira que os árbitros, nós aceitamos todos que os árbitros tenham um clube, agora que quando estão a apitar que esqueçam isso. E apitem, portanto, isto é um fartar vilanagem. É uma coisa de proporções bíblicas. Isto é uma coisa de proporções bíblicas, este ... do X... é uma coisa de proporções bíblicas.[01:02:06] Andam a brincar connosco. Controlam tudo, dominam tudo, fazem este tipo de coisas. Isto é, repito, é uma vergonha. E tudo isto é verdade, tudo isto que nós aqui revelamos aconteceu mesmo. É uma chatice. É uma chatice descobrir-lhes as carecas[01:02:52] É para permitir que toda a gente saiba e para permitir fazer uma limpeza no futebol português, porque é urgente, o próximo campeonato não pode começar com estas pessoas a terem este tipo de comportamentos, as pessoas têm que ser... estas pessoas que andam mortinhas que eu tenha castigos de anos, estas pessoas é que têm que ser castigadas por anos e anos.
63. Nesse mesmo programa, AA acusou as Autoras de monitorizar os SMS de CC. Segundo ele, o diretor da X2..., JJ, recebeu um conjunto de ficheiros com centenas de mensagens através de LLLL, então presidente da Assembleia Geral da Liga de Clubes. AA citou, para o efeito, um e-mail de LLLL para JJ: Os ficheiros são de SMS do CC. Chamo à atenção das mensagens enviadas ao MMMM, em que declara eterno amor ao azul e branco. Eu tenho as SMS, centenas, enviadas pelo senhor LLLL para o JJ. Ele acha que uma alegada violação de correspondência é diferente em 2017 relativamente a 2014. O X... monitorizou mensagens do Dr. CC em 2014. Isto é uma vergonha. Este é o comportamento do X.... Não revelo as SMS – são pessoais. Há muitas de índole profissional e muitas de índole pessoal. Isto é o X... que faz, através de quem? Do JJ e do LLLL. Há muitos e-mails do LLLL para o JJ a dizer, por exemplo, quando os clubes queriam retirar KKKK, que o avisava assim que tivesse uma decisão sobre os requerimentos. É uma vergonha.
64. No dia 27 de Junho de 2017, AA revelou ainda no mesmo programa de televisão designado por “...”, e-mails trocados entre GG e XXX, apresentado como Comissário Nacional da Polícia ..., e que diriam respeito pagamentos por serviços de bruxaria: [01:02:17 ] Estamos a falar de bruxaria, portanto. Mas uma bruxaria de uma forma que eu nunca vi. [01:02:32 ] Isto foram cento e muitos mil euros que o X... gastou em bruxaria. [01:02:55 ] … eu nem sei o que é que devo pensar disto, porque é assim, isto põe em causa quem? [01:02:59 ] Põe em causa os jogadores, o treinador, mas põe em causa outras pessoas…[01:03:11 ] … o JJ, o KKKK. Então, anda-se a criar um ... para quê? Então, anda-se a fazer… a criar este monstro que tudo permite ao X... e nada permite aos outros, que cria um clima de benefício permanente e depois vai-se fazer a bruxaria?
65. No “...”, na edição de 28 de Junho de 2017, era citado o Réu AA, o qual referia “Estamos a falar de bruxaria. Depois, o responsável azul e branco avançou com uma conclusão. "Estamos a falar de bruxaria", garantiu, defendendo que, ao todo, na última temporada, o X... terá pago 136 mil euros por estes serviços. "Nem sei o que dizer. Isto põe em causa os jogadores, os treinadores. Anda-se a criar um ... para quê? Quando o ... não funciona... De facto vale tudo para ganhar", rematou, em tom jocoso”, conforme o documento n.º 43 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido.
66. No dia 16 de Junho de 2017, AA tecera considerações diversas sobre o Diretor de Comunicação das Autoras, EE, nomeadamente afirmando que “É mentira e até me surpreende que um profissional de comunicação experiente e tão bem pago embarque numa falsidade destas" (em declarações proferidas ao jornal “...”, conforme o documento n.º 44 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido, acrescentando: “principescamente pago” (em declarações proferidas à “...”, conforme o documento n.º 45 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido). AA reagia deste modo a declarações do referido EE, que havia afirmado que aquele recebia uma avença da Y... enquanto ainda desempenhava as funções de editor do Desporto da ....
67. No dia 8 de Agosto de 2017, AA divulgara no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar.
68. No dia 22 de agosto de 2017, ao minuto 00:43:40, o Réu AA divulga um e-mail de NNNN para LL relativo a um relatório de observação do árbitro de futebol OOOO, com o intuito claro de associar as Autoras a esquemas de corrupção e tráfico de influências junto das equipas de arbitragem – cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 4. No seguimento, em tom sensacionalista, o Réu AA faz as seguintes afirmações, [47:58] Como é que é possível que um árbitro da primeira liga esteja a utilizar o senhor YY, que sabe-se bem quem é que ele é, como intermediário para fazer chegar coisas ao X...? [48:51] Fica mais uma vez visível, muito visível, que o YY é um intermediário das comunicações entre o árbitro OOOO e o X..., através do LL. E como é que uma coisa destas é possível? É admissível? Não é admissível! Seja com que clube for. Mas isto está aqui! Vão continuar a fingir que não existe? [49:32] Este silêncio é uma confirmação de procedimentos muito errados, muito, muito, muito errados, de práticas muito condenáveis. E a federação não pode continuar de braços cruzados. As autoridades não podem continuar de braços cruzados perante isto. Repito: fica muito claro e muito visível que o senhor YY, com todo o perfil que é possível traçar dele, que é terrível e de ligação ao X... – ele próprio diz: “eu quero ser o menino querido de vocês”, referindo-se ao LL e ao GG -, pode estar a desempenhar este papel de intermediário de comunicações entre OOOO e o LL?
69. AA volta a divulgar novos emails, no programa “...” do dia 29.08.2017, conforme Documento n.º 7 que se junta. Denunciando uma troca de emails entre o antigo delegado da Liga, YY, e LL. Durante este programa, além de implicar que o árbitro EEE teria ligações ao X..., AA diz [46:23] Acabamos de estabelecer mais um árbitro com uma ligação ao X..., através de um intermediário. A comunicação entre o senhor EEE e o senhor LL era estabelecida através de um intermediário chamado YY e o senhor EEE utilizava um pseudónimo, um outro nome.[47:03] Cada cavadela, cada minhoca! Isto – volto a repetir – tem proporções bíblicas! E alguém tem de pôr mão nisto. As entidades desportivas têm que de facto se preocupar com isto de forma muito séria, porque qualquer dia… eu não sei o que é que acontece. Mas isto é um ... gigantesco![48:15] Isto é um escândalo! É um escândalo! E alguém tem que fazer alguma coisa. Tem de se olhar para isto! O Y... está a fazer um papel em defesa do futebol português que tem de ser louvado, porque o Y... está a desmontar a falsidade que há! É uma falsidade gigantesca!
70. AA voltou a tecer acusações no programa do dia 05.09.2017 do “...” revelando nova leva de emails trocados entre vários dirigentes benfiquistas, dizendo: [52:34] Isto levanta um problema, porque isto não é só ter-se influência sobre um determinado órgão de comunicação social. É mais do que isso. Isto é o poder absoluto! (…) E a relação do jornal ... com o X... sempre foi uma relação de proximidade. Mas uma coisa é a proximidade, uma coisa é um determinado órgão ter uma tendência – é criticável mas é aceitável –, outra coisa é a subserviência absoluta! Eu trago hoje aqui umas coisas para partilhar com vocês e com os nossos espetadores, para elucidar sobre um grande embuste a que todos os anos assistimos no jornal .... (…)
71. No dia 10.10.2017, AA volta a divulgar emails, referindo-se desta vez a correspondência eletrónica entre PPPP, LL e uma outra pessoa, escondida atrás de alter-ego, conforme gravação em CD que se junta como Documento n.º 13. [34:44] Nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada, que mostra o que é o modus operandi do X... em relação a algumas pessoas. Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo árbitro, portanto que é uma pessoa que já não está em atividade, a sua atividade de árbitro já há muitos anos que não está, portanto não estamos a pôr em causa alguém… Mas reparem: se fazem isto a um antigo árbitro que hoje em dia é comentador de arbitragem, imaginem quando são outras coisas.
72. O Réu AA publicou na sua conta da rede social Twitter o suposto e-mail em causa, enviado por PPPP a LL, publicação que alcançou impacto imediato na comunicação social dos dias seguintes, como se pode verificar nos vários excertos que se juntam como Documento n.º17:
73. Foi criada pressão mediática em torno das Autoras, que chegou ao ponto de o capitão da equipa de Y... sénior do X..., QQQQ, ser questionado, no decorrer de entrevista concedida a propósito dos 14 anos que atingiu enquanto jogador do X..., acerca do “caso dos emails”, conforme trecho da entrevista que se transcreve e que se junta como Documento n.º 18:
74. No dia 19 de outubro de 2017, no programa “...”, transmitido no canal de televisão “...” da B... (cuja gravação em CD se junta como Documento n.º 19), AA, (dizendo) que “todo este caso dos e-mails resulta de uma investigação do B...”, e que [29:40] Eu queria só recordar dois dos e-mails de que já aqui falamos… Temos aqui muitos, muitos, muitos e-mails com o LL, mas eu gostaria só de lembrar aquele célebre e-mail em que o GG lhe diz: “LL, devíamos participar deste artista pois brincou com o X..., temos de dar-lhe cabo da nota”, referindo-se ao RRRR e depois o RRRR teve a maior descida de sempre de uma nota em Portugal. Perante isto, é legítimo que eu pense que houve uma interferência clara do X... na descida da nota. É legítimo, desculpem lá mas é legítimo que eu pense isso. O presidente do X... diz ao LL que têm que dar cabo da nota e depois dão de facto cabo da nota. E ela acontece. Isto foi em 15 do… Até porque sabemos quem deu cabo da nota: SSSS que também terá sido hoje um dos alvos de buscas. Isto foi a 15 de maio de 2014. Mais de 2 anos depois, a 6 de junho de 2016, numa troca de e-mails entre o ZZ e o LL – o ZZ terá sido outra das pessoas que terá sido alvo de buscas hoje mesmo –, ele enviou e-mail a LL e diz: “Junto envio a lista dos melhores candidatos a assistentes” – portanto isto são os árbitros candidatos a árbitros assistentes para a Primeira Liga – “Força nisso, e cuidado teste escrito abraço”. Cuidado teste escrito? A que propósito, qual é a interferência do LL nos testes escritos dos candidatos à promoção para árbitro assistente? Eu daqui, é legítimo que eu interprete que o LL consegue ter interferência nos testes escritos. Mas o LL não é examinador, não faz parte disso, como é que o LL consegue ter interferência?
75. No dia 20.10.2017, em declarações a um conhecido órgão de comunicação social, AA afirma: «O senhor EE e as declarações do senhor EE são um bom exemplo do .... Como meio de defesa, larga toda a tinta que pode, para esconder o que o X... fez. E foi o que hoje [sexta-feira] voltou a fazer, para esconder o facto indesmentível de o X..., de vários dirigentes e funcionários oficiais e oficiosos estarem a ser investigados por corrupção activa e passiva. Como ontem foi confirmado pela Procuradoria Distrital de Lisboa. O EE segue a cartilha e não diz uma palavra sobre os factos que demonstram práticas que nos habituámos a relacionar com a máfia e outras organizações do género. Até hoje, ninguém do X... se pronunciou sobre o que está de facto em causa, que é o conteúdo dos e-mails que temos revelado», conforme Documento n.º 20.
76. No dia 31 de outubro de 2017, novamente no programa “...”, AA revela um alegado e-mail, que leu em direto, enviado por TTTT a GG em 24 de junho de 2016, conforme gravação em CD junta como Documento n.º 22.
77. No programa do dia 14 de novembro de 2017, ao minuto 01:16:12, UUUU, faz referência a e-mails já revelados em programas anteriores reforçando desse modo a ideia de que as Autoras prestam apoio financeiro às claques não registadas do X... – cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 24. [01:16:07] Deixem-me recordar que já aqui, no ..., lhe trouxemos e mostramos documentos que provam esse apoio do X... às claques ilegais. Mostramos documentos através de e-mails que aqui divulgamos e estamos de resto a ver alguns desses e-mails que aqui divulgamos e que atestam precisamente esse apoio concreto que existe, desde combustíveis pagos, desde carrinhas alugadas, como por exemplo estas que estamos a ver. São todas estas as situações que acontecem, portanto mesmo assim há quem acredite que a lei está a ser cumprida e mesmo assim há quem acredite que todos os clubes são tratados da mesma forma.
78. Em 17 de Novembro de 2017, AA por ocasião do lançamento do seu livro intitulado “...”, inteiramente dedicado ao tema, renova um conjunto de gravíssimas acusações pretensamente fundadas no conteúdo dos supostos e-mails que vem divulgando no seu programa do B..., sendo a capa e a contracapa as que constam do doc nº 25 cujo teor se dá por reproduzido.
79. A colocação de uma imagem e representação significante de um “...” – animal cefalópode, viscoso e tentacular e que simbolicamente representa a Máfia - organização criminosa retratada numa série de televisão que ficou famosa em Portugal “O Polvo”-, teve por finalidade imputar às Autoras, aos seus corpos gerentes, diretores e colaboradores, a participação numa organização criminosa de tipo mafioso. Dessa publicação consta, conforme Documento n.º 25: “[…]Os tentáculos do ... chegam a todos os recantos da sociedade, manipulando a verdade desportiva e fomentando um clima de ódio entre os clubes.”
80. O lançamento do livro “...”, assim como o seu teor, tiveram imediata repercussão em diversos meios de comunicação social, conforme se verifica nas seguintes passagens noticiosas, […], cuja cópia se junta como Documento n.º 26:
81. Os Réus possuem outros documentos privados e confidenciais das Autoras de natureza contratual com parceiros, fornecedores, funcionários, de comunicações/correspondência privada nas suas diversas formas com esses terceiros, contendo dados e informações de natureza confidencial, conforme doc nº 10 junto aos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
82. No dia 28 de novembro de 2017, no mesmo programa ao minuto 00:45:30, o Réu AA, diz conforme gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 27. [45:25] O senhor YY, só para recordar os mais esquecidos, o senhor YY dizia “obrigado amigo doutor, apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim tal como o doutor” – o homem é o primeiro-ministro GG, convém recordar isso. Ou então lembrar que foi o YY que enviou para o LL no dia 9 de março de 2014 umas coisas do árbitro EEE, ou que foi o YY que enviou sistematicamente informação sobre árbitros, ou que foi o YY que enviou dados pessoais da vida íntima de árbitros ou de outras pessoas que estão ligadas à arbitragem para o LL. Isso está tudo documentado.[46:48] E fica aqui a promessa: nós para a semana vamos fazer divulgações de material novo que envolve o YY. Fica aqui desde já a promessa. Na próxima semana teremos no mesmo programa e na terça-feira iremos fazer divulgação de material que nunca foi revelado do YY enviado para o LL.
83. Posteriormente, no dia 5 de dezembro de 2017, novamente no programa de televisão designado por “...”, AA revela três e-mails, um dos quais enviado por YY a LL, datado de 14 de abril de 2015, que conteria em anexo várias informações atinentes a árbitros de futebol, com dados pessoais dos mesmos – cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 29. [1.07.16]Isto é espionagem! Isto é espionagem! Isto é espionagem a favor de um clube, para que esse clube retire vantagens. O clube agora tem que explicar qual é a vantagem. E as autoridades do futebol têm que se debruçar sobre isto… ou isto é normal? E é normal isto? (…) [1.07.55]Isto é feito por gente que trabalhava para o X.... Acho que é claro para toda a gente hoje. Acho que não há uma pessoa em Portugal que preste um mínimo de atenção ao futebol que não ache que YY trabalhava para o X....
84. Em 13 de dezembro de 2017, voltou AA a ler e interpretar em direto no B... emails das Autoras, nomeadamente correspondência electrónica entre GG e JJ.
85. No dia 19 de dezembro de 2017, em nova edição do programa ..., ao minuto 00:19:40, o Réu AA, sem revelar nem remetente nem destinatário, alega um conteúdo em que supostamente a Federação Portuguesa de Futebol cedia bilhetes para o final da taça de Portugal ..., atribuindo 300 bilhetes ao grupo “...”. No mesmo programa, no mesmo dia, ao minuto 00:32:19, o Réu AA revela um e-mail enviado por HH a LL, no dia 21 de setembro de 2009, em que o primeiro remetia uma mensagem sobre um contrato realizado pelo X... com a Federação Portuguesa de Futebol, relativo ao jogo Portugal vs. Hungria, a realizar no Estádio ..., – cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 34,:[00.16.02] O mail é enviado por HHHH, diretor de segurança e organização de jogos do X..., para o HH e com conhecimento de LL. E diz assim: “Caro Dr., tal como falado, [portanto previamente falado], havia uma estratégia montada para retardar a entrada dos adeptos do Y.... Estratégia essa que incluía a participação da PSP, dada que foi instalada uma segunda linha de revista por parte dos spotters PSP”. Ora eu escuso de ler mais deste mail. Este mail é uma vergonha para os responsáveis do X..., que ostensivamente preparam uma estratégia para demorar a entrada dos adeptos do Y... (…).[00.19.31] Está impedido porque as claques não estão legalizadas. Mas faz isso! Há vários mails, como um outro mail que é a final da Taça de Portugal ..., em que a Federação cede mil bilhetes ao X..., portanto isto é um jogo em pavilhão, não sei a lotação do pavilhão, são cedidos 400 bilhetes à casa do X... na ..., imagino que o jogo fosse naquela região do país, e depois 300 bilhetes foram entregues aos ...; 50 bilhetes irão ser entregues ao VVVV, não sei quem é o VVVV, nem interessa para o caso. Aqui o que interessa é que 300 bilhetes foram entregues aos .... Não podem entregar bilhetes aos ...!
86. No programa “...” de dia 26.12.2017, AA voltou a divulgar emails, referentes a correspondência eletrónica entre NN e EE: [01.02.11] “O que trazemos cá é um mail de NN enviado para o EE, no dia 7 de Setembro de 2016, às 10:57. Este dia é um dia…relevante dizer isto, porque é um dia em que o GG deu uma entrevista à noite à .... Portanto, o NN envia para o EE um mail que diz assim: “EE, vê as questões que fiz para enviar ao WWWW e dá-me a tua opinião.” O WWWW é o ex-jogador, magnífico jogador, ainda me lembro dele mas, atualmente comentador pró-X..., em vários canais, na X2..., na ..., e então eu vou ler aqui uma das perguntas que o NN sugeriu ao EE enviar ao WWWW.” Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 35.
87. Em entrevista ao Jornal ... no dia 02.01.2018, o Presidente do E..., XXXX, aproveitando os sucessivos emails divulgados por AA, presta declarações relativas ao caso, reiterando, nomeadamente, que o X... deveria descer de divisão, e que está sujeito inclusivamente a que lhe sejam retirados alguns títulos de campeão nacional, entrevista divulgada, sendo notícia nos principais meios de referência, nomeadamente, ..., ..., ... e ..., no Documento n.º 38, que ora se junta.
88. No dia 2 de janeiro de 2018, no programa “...”, do B..., o Réu AA revela um email datado de 14 de março de 2017, em que YYYY remete para GG uma mensagem em que aconselha que seja mantido o trabalho de “teia do poder” junto de instituições, clubes e imprensa – cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 39. [00.02.51] (…) Isto acontece num email enviado em Março, portanto menos de um ano, a 14 de Março de 2017, pelo YYYY (…). E é ele que envia um extenso mail, na altura ainda referente às modalidades, que era a responsabilidade dele até ao final da época passada, em que ele faz uma extensa análise e como é que o X... há de fazer para ganhar. E num dos pontos aconselha o GG no seguinte: “continuar o trabalho de teia do poder que temos conseguido com instituições, clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos. Empréstimos de jogadores, relações com a Federação, Conselhos de Arbitragem e afins.” Portanto o YYYY está aqui a assumir continuar o trabalho de teia do poder, portanto o X... tem um trabalho, faz um trabalho já há longos anos, para ter o controlo sobre um sem número de coisas. [00.30.25] Em 2010, o ZZZZ encaminha para o LL, KK, AAAAA e HH um mail que tinha recebido dos .... E o mail é assim: “BBBBB, Rua ... (…), carro BMW ..., novo, deste ano, um filho da [ ] que não tinha onde cair morto, que andava a imitar o [ ] do Quim Barreiros nos programas da ... e sem dentes, o filho da [ ], mas calha-lhe agora. Matrícula: 21, tal tal tal tal. Estes [ ] pensam que brincam com o X..., mas estão enganados! É para haver bronca e da grossa. É que este artista, que tão bem conhecemos, se levar com um carregamentozinho a sério, ‘amocha’. Se ninguém lhe fizer nada é que continuamos na mesma. Porque esta corja quando se sente apertada, e a família, pensa duas vezes antes de ousar brincar connosco. Paguem-lhe o que lhe pagarem, pensa duas vezes! Em honra do nome X..., divulguem esta merda. O OO vai para a próxima. Um abraço”.
89. No dia 09.01.2018, no programa ..., AA divulga vários emails relacionados com dirigentes da estrutura do X... cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 41. Um dos emails divulgados por AA foi enviado por YY, à data delegado da Liga, para LL, em que o primeiro terá assinado como “técnico de arbitragem do X...”. [00.13.00] Na sexta feira, 15 de Novembro de 2013, o GG encaminhou um mail para o JJ, sem qualquer texto. O mail tinha apenas um anexo. O anexo era um documento Word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura…debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um ...-... arbitrado pelo árbitro CCCCC (…). O que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento, nós podemos informar que quem escreveu este texto, que o GG encaminhou para o JJ, foi o senhor ZZ. [00.16.42] Acabei de receber há pouco um email de YY, de segunda feira, 4 de Março de 2013, numa altura em que ele era Delegado da Liga. (…) Ele envia um email para o LL, com uma análise de arbitragem, uma daquelas coisas que não era suposto ele fazer enquanto Delegado da Liga, e o mail está assinado desta forma: “YY, sócio ..., técnico de arbitragem do X....” É assim que o mail está assinado! Deixemo-nos de brincar ao futebol! O que estas pessoas do X..., com o GG à cabeça, LL, depois os JJ, os YY, os ZZ, etc., tentaram criar…tentaram e conseguiram, como a gente sabe, um esquema de interferência na arbitragem.
90. No programa “...”, de 06.02.2018, AA diz : [00.20.33] A partir de 2010 começa a haver uma troca de mails entre o mail alternativo do LL, que é um email “X…@ qualquer coisa”, com um email “regressoaopassado@ qualquer coisa”. Nessa extensa troca de mails, eu tenho aqui alguns, mas como podem ver são muitos muitos muitos muitos mails, as pessoas fazem questão de manter o anonimato. Nunca se tratam pelo nome. Os assuntos normalmente são de cariz jurídico-disciplinar, mas não é possível chegar a quem é o regresso ao passado, porque as pessoas são cuidadosas e nunca escrevem os nomes, nunca se identificam. [00.26.34] Fica claro como o DDD desde sempre teve uma ligação íntima ao X.... E a forma como era efetuado o contacto era em si mesmo muito reveladora. Porque se o Dr. DDD e o Dr. LL não tivessem problemas, não teriam de criar mails alternativos para conversar. E não tinham de ter o cuidado de nunca pôr o nome um do outro.[00.30.22] Ganhem vergonha na cara! Este mesmo Dr. DDD, que no tempo em que era Presidente da Comissão Disciplinar da Liga, o DDDDD apertou o pescoço ao árbitro assistente, resolveu aquilo com uma multa. Sabem porquê? Porque o jogo a seguir com o X..., que devia ter sido realizado à porta fechada, era com o E.... (…) É este tipo de gente que está a mais no futebol português. E o Dr. DDD que venha agora falar em público sobre isto, que venha esclarecer isto!”- Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 43.
91. No programa “...” do dia 20.02.2018 AA divulgou novamente emails, sugerindo que o X... terá pago a defesa em tribunal de um elemento dos ..., através de um escritório de advogados. [00.30.07] Desta vez vamos um bocadinho mais longe. Vamos demonstrar que o X... recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminar, a defesa jurídica em processos crime, de elementos dos .... E aqui o que está em causa são mails de 2010. Um dos mails enviados pelo EEEEE, do escritório de advogados do advogado FFFFF, um dos mais proeminentes advogados da área criminal do nosso país, e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes (…). E o advogado EEEEE envia para o GGGGG, do escritório do HHHHH, do IIIII e tal, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos ... por parte deste escritório. [00.36.27] Passam-se coisas muito graves! Como isto! Fazer pagamentos a sociedades de advogados, ter sociedades de advogados veículo, para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo, não é razoável. Não podemos aceitar que na sociedade portuguesa continuem a existir procedimentos destes. E o X... não pode estar acima da Lei! Não pode! Portanto as autoridades que tomem atitudes! Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 45.
92. Estes comportamentos deliberados dos Demandados visam criar intencionalmente a dúvida em milhões de adeptos, simpatizantes e desportistas sobre a lisura da competição.
93. O Réu AA durante o programa de televisão “...”, transmitido no “...”, de 28 de junho de 2017 afirmou: O segredo de justiça impede a qualquer pessoa que, de alguma maneira seja interveniente num processo, de divulgar tudo o que obtém conhecimento por ser parte integrante do processo, agora, eu já tinha conhecimento daquilo prévio, portanto, o que eu já tenho conhecimento prévio não estou impedido e, neste mesmo programa, nós hoje vamos fazer algumas revelações (…) [01:18:06] Sim, voltamos em Agosto e para a despedida recordar só que o melhor está para vir. Esta mesma afirmação (“o melhor está para vir”) foi corroborada e repetida pela Ré Y... na sua newsletter diária, “...”, na edição do dia 20 de julho (conforme notícias do jornal “...” e do “...”, cfr. Documentos n.ºs 57 e 58 juntos com o requerimento inicial da providência cautelar).
94. O exercício económico anual das Autoras decorre do primeiro dia de julho de um ano de calendário ao último dia de junho do ano de calendário seguinte.
95. O último exercício anual das Autoras foi encerrado com efeitos reportados até ao dia 30 de junho de 2017.
96. Os Réus iniciaram os atos visando as Autoras no dia 11 de abril de 2017 durante a emissão do programa ..., foi nesse programa revelado publicamente que os Réus disporiam de informação confidencial das Autoras, tendo feito alusão a emails entre colaboradores e a administração da X1... SAD.
97. Esta atividade foi retomada na semana seguinte e, após esta, novamente no dia 6 de junho de 2017, tendo, portanto, ocorrido uma interrupção durante todo o mês de maio de 2017.
98. Os efeitos nefastos resultantes da atividade dos Réus se projetaram sobretudo, em termos económicos, após o encerramento do referido exercício.
99. Os resultados económicos e financeiros do exercício de 2016/2017, constam do Documento n.º 2-A que se dá por integralmente reproduzido, sendo que “- O resultado líquido ultrapassa os 44,5 milhões de euros, o que equivale a um crescimento de 118,4% face ao exercício transato, no qual já tinha atingido resultados positivos no valor de 20,4 milhões de euros, correspondendo ao quarto exercício consecutivo em que a B... SAD apresenta lucros;- Os resultados operacionais (incluindo transações de direitos de atletas) atingem os 62,9 milhões de euros, o que significa uma melhoria de 65,5% face ao período homólogo;- Os rendimentos operacionais (excluindo transações de direitos de atletas) ascendem a 128,2 milhões de euros, o que representa um crescimento de 1,7% face ao período homólogo, sendo este crescimento principalmente justificado pelo aumento das receitas decorrentes do contrato celebrado com a …, que entrou em vigor no presente exercício, e que permitiu compensar o natural decréscimo de rendimentos originado pelo facto de não se ter alcançado os quartos-de-final da Liga dos Campeões, o que sucedeu em .../...;- Os rendimentos operacionais (incluindo transações de direitos de atletas) atingem os 251,2 milhões de euros, o que representa um aumento de 20,8% face ao período homólogo e ultrapassa pela primeira vez a barreira dos 250 milhões de euros. O capital próprio consolidado da B... SAD apresenta um saldo de 67,7 milhões de euros e o capital próprio individual ascende a 70,3 milhões de euros, o que significa que em ambos os casos superam os 57,5 milhões de euros, que corresponde a 50% do capital social da Sociedade;
100. A situação económica das Autoras e o valor da sua marca, decorrente dos seus desempenhos desportivos, mas também dos resultados associados às atividades e negócios conexos, têm sido objeto de classificação e avaliação pela auditora internacional M... – a par de outros clubes de futebol de europeus –, designadamente com referência às épocas desportivas de .../... e 2014/2015, que se junta como Documento n.º 48 (fls. 552 e segs).
101. Nos últimos dois anos, referentes à análise das épocas desportivas de .../... e 2014/2015, a avaliação da A. teve um valor máximo de 353 milhões de euros: Esta avaliação da M... não reflete o desempenho económico e financeiro decorrente de toda a atividade das Autoras, designadamente a decorrente das demais modalidades desportivas profissionais (hóquei em patins, basquetebol, voleibol, andebol, futsal), nem considera as receitas geradas pela quotização paga pelos Sócios do X..., pelas vendas nas lojas do X..., pelo merchandising, licenciamento e royalties da marca X.... Estas atividades e receitas, se considerados, permitiriam incrementar a avaliação do Grupo X..., para um valor indeterminado mas que se situa pelo menos em 400M€ (quatrocentos milhões de euros).
102. A atuação dos Réus tem sido fonte de danos na esfera jurídica das Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas completamente devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida.
103. As Autoras têm suportado as imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, que as acusam de corrupção, tráfico de influência, manipulação e instrumentalização de instituições desportivas e de arbitragem, à margem de qualquer base objetiva e factual, vendo o seu bom nome e reputação repetidamente vilipendiados por um autêntico julgamento em praça pública, sem rigor e isenção.
104. A atividade desenvolvida pelos Réus, de modo consistente e reiterado a partir de abril de 2017, visa diretamente atingir – e atinge – a reputação e o bom nome comercial das Autoras com reflexos diretos no desempenho comercial do Grupo X..., com afetação relevante da respetiva posição económico-financeira.
105. As ações da X1... SAD, admitid[a]s à cotação em bolsa de valores (...) sofreram variações de cotação, algumas das quais negativas em altura coincidente com a divulgação de alguns dos emails.
106. Em 24.5.2019 a sua cotação atingiu 2,72 euros em 11.4.2017 a sua cotação atingiu 1,017 euros, tendo descido de 1,60 euros em 5.10.2017 para 1,126 em 24.11.2017 conforme gráfico da euronext lisboa oficiosamente acedido ....
107. A cotação das ações da X1... SAD desvalorizaram (por vezes) na sequência da atividade dos Réus (e de outros factores nomeadamente resultados desportivos) ao longo de todo o período considerado até à decisão judicial de proibição de divulgação proferida no âmbito dos presentes autos em sede cautelar – cfr. Documento n.º 50, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido. Estas desvalorizações oscilaram entre 9,26% (máximo) e 0,6% (mínimo), com variações frequentes na ordem dos 3% ou valores superiores.
108. As Autoras desenvolveram múltiplas ações (comerciais e de marketing, de comunicação com os seus adeptos, patrocinadores, acionistas e parceiros em geral) tendentes a reduzir/estancar os impactos danosos verificados a todos os níveis.
109. As acusações feitas ao X... tiveram repercussão na imprensa internacional (vide, por exemplo, a notícia do jornal Espanhol “...”, de 7 de junho, junto como Documento n.º 49 com o requerimento inicial da providência cautelar).
110. Esta associação do desempenho desportivo, mais especificamente a contratação de serviços de bruxaria para a “compra” de resultados desportivos é altamente vexatória e corrosiva para a reputação desportiva e empresarial das Autoras e teve larguíssima repercussão na imprensa desportiva internacional, designadamente: “Y... accuse rivals X... of using sorcery to win past two seasons” (Y... acusa o rival X... de usar bruxaria para ganhar nas duas épocas anteriores). “... Y... accuse bitter rivals X... of hiring a WITCH DOCTOR in ... to help them win title.” (... Y... acusa o rival X... de contratar um Bruxo na ... para ajudar a ganhar títulos) – cfr. ... - “X... accused of serious corruption - and hiring a witch doctor” (X... acusado de corrupção grave – e de contratar um bruxo) - cfr. SBNATION. “X... Have Been Accused Of Spending £65,000 On "Witchcraft" To Win The Portuguese League” (X... foi acusado de gastar £65.000 em “Bruxaria” para ganhar o Título Português) – cfr. ESQUIRE - Cfr. Documento n.º 51.
111. Essas notícias lesaram o prestígio nacional e internacional de que gozam as Autoras.
112. O X... realizou na Liga dos Campeões a pior participação desportiva de todo o seu historial, e com isso acabou por protagonizar também a pior participação desportiva do historial do futebol português. Não obteve qualquer ponto em seis jogos realizados, e as receitas e prémios financeiros quedaram-se pelos 16,5 milhões de euros (sendo que a parte mais substancial, 12,7 milhões de euros, corresponde ao prémio de participação na competição).
113. As audiências do “B...” aumentaram nos dias em que foi transmitido o programa “...”, palco de eleição para a atuação ilícita dos Réus, o qual equivale, por sua vez, a uma maior receita publicitária (cfr. Documento n.º 53 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), mas sem resultados económicos significativos e quantificaveis pois a receita desse canal deriva fundamentalmente do seu patrocínio anual efectuado por uma empresa de comunicações.
114. No dia 13 de junho de 2017, o programa atingiu o seu melhor desempenho de sempre, liderando as audiências do cabo no Norte do país e sendo o segundo programa mais visto em todo o país (cfr. Documento n.º 54 junto com o requerimento inicial da providência cautelar).
115. O programa “...” que, por regra, não chegava aos 30.000 espectadores, conseguiu mais do que duplicar a audiência no programa do dia 13 de junho e manteve-se sempre acima das audiências médias em todas as restantes edições do mês de junho.
116. O réu AA afirmou que a divulgação foi efectuada no âmbito de uma “investigação” da B..., este editou conjuntamente com a testemunha HHH o livro “...” junto aos autos como doc nº 25, no qual afirma ter auferido como lucro liquido até à data do julgamento a quantia de aproximadamente 7 mil euros para os dois autores.
117. No exercício económico de 2016/2017, a Y1..., SAD apresentou o relatório de contas que consta do Documento n.º 54, cujo restante teor se dá por reproduzido, no qual declara que: obteve receitas na ordem dos 65 milhões de euros com as transacções de passes de diversos futebolistas; que investiu 75,2 milhões de euros na aquisição dos direitos desportivos de atletas.
118. As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluiram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despendaram a quantia total de €444.358,66 (quatrocentos e quarenta e quatro mil trezentos e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. Em campanhas de marketing para promover a comercialização do “...” incentivando a participação dos sócios, em momento sensível do início da época desportiva de .../... e em que, concomitantemente os Réus acentuavam as suas investidas contra as Autoras, especialmente dirigida a minorar os efeitos destas atividades ilícitas, as Autoras pagaram a empresas acima indicadas, especializadas em marketing e campanhas publicitárias, a quantia total de €179.278,66 (cento e setenta e nove mil duzentos e setenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca X... e do Grupo X..., as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n.º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55.
119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores, conforme doc nº 56, cujo teor se dá por reproduzido.
120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de Março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos).
121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €784.579,56 (setecentos e oitenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos).
122. Devido à conduta das RR as AA tiveram dificuldades na negociação de novos contratos comerciais, parcerias, contratos desportivos, contratos com colaboradores, etc., ou negociação dos atuais, como o celebrado em 2015 com a ... com termo em 3 anos contados da sua celebração.
123. Existem múltiplos casos, ao nível do desporto internacional, em que entidades desportivas são afetadas, a nível de patrocínios, por estarem associadas a imputações de corrupção.
124. A ..., patrocinador das AA foi alvo de comentários nas redes sociais, por parte de pessoas de variados pontos do mundo, questionando como era possível uma sociedade comercial de tanto prestígio manter-se ligada comercialmente a um clube que, alegadamente, na versão dos Réus, domina um esquema de corrupção desportiva em Portugal.
125. Em qualquer negociação em curso ou futura, sempre as Autoras estarão, em consequência direta do comportamento dos Réus, em posição de desvantagem, nomeadamente na angariação de mais verbas resultantes do contrato de patrocínio desportivo ou na obtenção de qualquer outra vantagem de cariz comercial dessas sociedades.
126. É desonrosa a associação das Autoras a atividades de bruxaria para obtenção de resultados desportivos, constituindo tal episódio uma fonte adicional de descredibilização junto de patrocinadores e de outros parceiros, tais patrocinadores encaram com grande incómodo a associação a parceiros que, direta ou indiretamente, se entregam a atos de bruxaria.
127. Pelo menos parte das imputações continuam a estar disponíveis publicamente na web.
128. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens, os contratos dos jogadores, etc. são segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das Autoras e das partes diretamente contratantes.
129. Entre esses elementos contam-se as metodologias de treino dos seus jogadores, os contratos celebrados com estes e com treinadores e pessoal técnico, os contratos com os seus parceiros de marketing e comunicação, contratos com os demais trabalhadores e colaboradores e ainda, sem preocupação de exaustão, contratos de transferência de direitos de jogadores, contratos com agentes desportivos, contratos de patrocínio, entre outros contratos celebrados pelo Grupo X....
130. Essa informação aqui em causa abarca não só conhecimentos tecnológicos, como dados comerciais, planos de negócio, estudos, estratégias de mercado, planos de treino, planos de scouting, etc., informação essa que se traduz num valor comercial indeterminado.
131. Essa informação é resultado de um vasto investimento, de valor indeterminado mas no valor de pelo menos, alguns milhões de euros, efetuado pelo X... em diversas áreas que vão desde o scouting à metologia de treino, ao marketing¸ à contratação de jogadores e staff, etc..
132. Essa informação das Autoras é know-how que, aplicado à área de negócio dos Réus e das Autoras, confere vantagem competitiva que só será assegurada através da confidencialidade da informação.
133. Nessa informação existem os seguintes elementos clínicos: Informação sobre operação ao ombro da Judoca JJJJJ; Analise lesões 2016_2017_Março 2017 Análise e caracterização das lesões dos atletas da equipa de futebol profissional do X... ocorridas na época .../...; Relatório do Departamento Clínico referente aos atletas de futebol profissional, com caracterização das lesões presentes e passadas, bem como mapa de tratamentos das lesões em curso; Relatório do Departamento Clínico de Futebol referente à Equipa ... do X..., com indicações específicas quanto aos jogadores lesionados; Relatório clinico diário (...) - Jogo ... x ...; Boletim clínico diário do plantel de ..., relativamente aos atletas lesionados e às ocorrências existentes no jogo entre X... e E...; Relatório da Equipa ..., com enfoque na antropometria e no relatório médico, com referência a lesões e tratamentos dos atletas.
134. A devassa dessa informação pelos Réus fez com que as Autoras perdessem já muita da vantagem competitiva que lhes advinha da dita informação, porquanto um dos seus maiores concorrentes passou dela a ter conhecimento.
Do incidente de liquidação
Os elementos constantes dos ficheiros informáticos detidos pelos RR e entregues nos autos por ordem do Tribunal são os que constam e fls. 15 e segs. do apenso liquidação que aqui se dão por reproduzidos, nomeadamente que:
Treino
I. Metodologias avançadas de treino.
II. Relatório X6... sobre assiduidade e desenvolvimento físico de jogadores
III. Documento preparado por Professor KKKKK sobre a estratégia de desenvolvimento do Centro de Alto Rendimento
IV. Documento com esquemas tácticos a adoptar para cada situação de ... parada.
V. Relatório de observação detalhado sobre equipa de Juvenis do E..., com referência a tácticas, pontos fortes e pontos a explorar.
VI. Metodologias avançadas para várias sessões de treino, elaboradas por LLLLL, MMMMM e II.
VII. Palestra para utilização em torneio internacional, com elementos tácticos, organizacionais e de posicionamento dos jogadores e equipa.
VIII. Plano de Jogo detalhado, com esquemas posicionais e tácticos a utilizar.
IX. Relatório referente à época ...-... dos Juvenis A, com informação detalhada sobre o plantel, planeamento e competições.
X. Metodologia de treino, com referência aos exercícios específicos a desenvolver, bem como ao nível de esforço que cada um implica.
CONTRATOS / PROTOCOLOS
XI. Contrato de Prospecçao. Contrato entre X... e N... para prospeção no Brazil.
XII. Memorando de entendimento entre X1... SAD e O... (entidade chinesa) para constituição de parceria e expansão do Grupo X... em território chinês.
XIII. Email com detalhes sobre negociação entre X... e ..., com referência a contrato de introdução da X2....
XIV. Minuta contrato + Descrição de Função + documentos de entrada
XV. Contrato entre X... e W..., Lda., referente à prestação de serviços de consultoria e assessoria na área de comunicação externa, por parte de EE.
XVI. Prémios 2016/2017 atualizados a 03/03/2017
XVII. Email com valores atualizados dos prémios devidos aos atletas, referente à época de .../....
XVIII. Mapas Excel com informação detalhada sobre termos de contratos, salários, objetivos, percentagens sobre jogadores e outros direitos conexos, referentes aos jogadores do plantel principal, Equipa ..., formação e emprestados.
XIX. Custos Contratuais da Estrutura do FP (excepto plantel) ...-... (Equipas ... & ...)
XX. Análise de custos contratuais da estrutura do futebol profissional, incluindo montantes salariais de todos os colaboradores envolvidos (equipa médica, treinadores, preparadores, jogadores, etc.)
XXI. P... FOR X1... SAD Contrato referente a serviços de prospecção, a ser desenvolvida pela P....
XXII. ENC: Atleta NNNNN - envio de invoice parcela 2/2 conforme contrato
XXIII. Contrato entre X... e Q... Lda., relativo à compra de direitos referentes a parte do valor de transferência devida por futura transferência de jogador do X....
XXIV. Protocolo De Colaboração entre a Faculdade De Ciências Humanas Da Universidade ... e o X....
XXV. Contratos de prestação de serviços de colaborador enquanto treinador de futebol e comentador da X2....
XXVI. Acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo com ex-jogador, bem como informação detalhada sobre os valores associados à rescisão.
XXVII. Termination Agreement com a S... Limited, no seguimento do X... ter pago os montantes devidos a título do exercício pela S... do direito de Put Option previsto no contrato relativo a jogador.
XXVIII. OOOOO Contrato de cedência temporária de jogador do X... ao ....
XXIX. Contrato de prestação de serviços com colaborador. 23.10.2016
XXX. Temporary Transfer Agreement – Danilo Contrato entre X..., ... e ... relativo à cedência temporária dos direitos federativos de jogador.
ACTOS SOCIETÁRIOS
XXXI. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 22.12.16.
XXXII. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 24.11.16. Relatório Comercial época .../... (FF); Ponto de Situação do projeto ... e ... (FF); IT Status Report; Ponto de Situação sobre o desenvolvimento e melhoria das instalações do ...; Ponto de Situação sobre programa “...”.
XXXIII. Atas das Reuniões da Comissão Executiva de 23.09.2016 e 27.10.2016. Ponto de Situação do projeto ... e ... (FF); Síntese da situação comercial (FF); Apresentação dos resultados consolidados da SAD .../... (KK); Estratégia de Comunicação (EE); Estratégia desportiva do futebol do
XXXIV. X... (RRRR); e Relatório Comercial primeiro trimestre .../... (FF); Ponto de
XXXV. Situação do projeto ... e ... (FF); Apresentação dos resultados financeiros do primeiro trimestre .../... (KK); Processo Kit Eusébio; Avaliações e Planos Individuais.
XXXVI. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 23.02.2017. Apresentação do relatório de resultados do Índice da Excelência 2016 referente ao X...; Relatório Comercial de Janeiro (FF); Nova aplicação de gestão de sócios.
XXXVII. Projeto de desenvolvimento e organização das diversas modalidades do X...
XXXVIII. Contrato de Franchising entre X... e ... e X..., para exploração de uma escola de futebol do X... em ....
XXXIX. Análise de impacto da venda de atletas e estudo de saídas do plantel relativamente à época de (…)
XL. Propostas e detalhes de possível expansão do X... para a China e Arábia Saudita.
XLI. Projeção financeira anual do Projeto O... (...-...), referente a escola de futebol na China.
XLII. Minuta de Contrato sobre os Naming Rights do estádio ..., a negociar com vários potenciais patrocinadores.
XLIII. Vários documentos confidenciais relacionados com a potencial aquisição pelo X... do T... Ltd.
(…)
XLIV. Relatório relativo a investimentos e alienações de atletas à data de 05.03.2017.
NEGOCIAÇÕES
XLV. Minutas dos acordos de revogação dos contratos de trabalho entre X... e PPPPP.
XLVI. Proposta do ... com vista ao empréstimo por uma temporada de jogador do X....
XLVII. Informação quanto à negociação para a aquisição de jogador pelo X... ao ..., com referência aos valores envolvidos.
XLIII. Informação quanto à negociação para a aquisição de jogador pelo X... ao ..., com minuta de contrato de trabalho desportivo a apresentar ao atleta.
XLIX. QQQQQ Proposta do ... (China) para aquisição dos direitos desportivos do atleta do X....
L. RRRRR – Renovação - Urgente Memo relativo à renovação do contrato de trabalho do atleta
LI. QQQQQ Minuta final do contrato de transferência do atleta para o ....
(…)
SCOUTING INTERNO E EXTERNO
LII. Relatórios individuais detalhados sobre jogadores estrangeiros de elevado potencial.
LIII. Avaliação física, psicológica, nutricional e técnica\táctica dos ....
LIV. Jogadores sul americanos sub 20 Informação sobre jogadores provenientes da américa do sul de elevado potencial, incluindo prováveis montantes necessários à sua aquisição.
LV. Ponto de situação sobre o plantel de futsal para a época de .../..., incluindo reforços e potenciais jogadores a contratar.
LVI. Informação sobre jovem jogador estrangeiro com elevado potencial, incluindo montantes prováveis necessários à sua contratação.
LVII. Relatório de prospeção sobre jovens atletas de alto potencial para eventual aquisição pelo X....
LVIII. Relatórios individuais de avaliação dos ... com elevado nível de detalhe, nomeadamente quanto às suas características físicas, técnicas, tácticas e psicológicas, bem como potencial para atingir equipa principal.
LIX. Relatórios de prospeção individuais detalhados, com referência a potenciais jogadores estrangeiros com elevado potencial.
(…)
LX. Valores em dívida a título de IVA, relativamente às comissões pagas à U..., no seguimento das transferências de vários jogadores.
LXI. Avaliação de Entidades parceiras do Grupo X... Relatórios de análise de risco financeiro sobre empresas do Grupo X..., efetuados por entidade de consultoria independente.
LXII. Informação detalhada sobre atribuição de prémios à estrutura de futebol profissional para a época de .../....
LXIII. regulamento interno CFC Regulamento de funcionamento do Centro de Formação ..., incluindo regras aplicáveis aos atletas.
Do articulado superveniente
135. Em 31 de outubro de 2018, foi publicado o Relatório e Contas da Autora X1... SAD relativamente ao seu exercício anual encerrado em 30 de Junho de 2018, respeitante ao período económico compreendido entre 1 de Julho de 2017 e 30 de Junho de 2018 (junto como Documento n.º 1 e cujo restante teor se dá por reproduzido).
136. Comparando com o exercício económico anterior de 2016/2017 • O resultado líquido ascendeu apenas a 20,6 milhões de euros, o que corresponde a uma diminuição em cerca de 46% do resultado verificado no ano anterior (44.5 milhões de euros); • O resultado operacional atingiu 32,4 milhões de euros, o que corresponde a uma diminuição em cerca de 51,5% do resultado homólogo verificado no ano anterior (62.9 milhões de euros); • Os rendimentos operacionais (excluindo transações de direitos de atletas) situaram-se em cerca de 121,5 milhões de euros, o que representa um decréscimo de 6,7 milhões de euros face ao período homólogo; • O resultado com transações de direitos de atletas ascendeu a 63,8 milhões de euros, o que representa um decréscimo de 59,2 milhões de euros face ao período homólogo; • Os rendimentos totais atingem os 206,2 milhões de euros, tendo-se verificado uma redução de 18,7% face ao exercício transato; • A 30 de junho de 2018, o ativo da B... SAD ascendia a 485,1 milhões de euros, o que corresponde a um decréscimo de 4,1% face ao período homólogo; e • As receitas de jogos nas competições nacionais, que se referem essencialmente à Liga NOS, decresceram 23,1% para apenas 4,4 milhões de euros.
137. O Relatório da M... relativo ao ano de 2017 – indica uma desvalorização da Autora X1... SAD em (– 3%), quando esta declarou ser expectável ao invés uma valorização de + 16%. o que correspondeu a uma perda de avaliação de 12 milhões de euros face ao valor meridiano do Relatório da M... anterior.
138. No ranking da UEFA, a Autora X1... SAD perdeu 6 posições na época de .../... (posição 15ª) face à época anterior de .../... (onde ocupava o 9º lugar).
139. Esta perda de classificação, além de consubstanciar o desempenho desportivo dos clubes avaliados, projeta-se também no seu valor económico e empresarial.
140. O Grupo Y..., designadamente a Ré Y1..., SAD, apresentou os seguintes destaques relativamente ao seu exercício económico .../...: - Melhoria de 6.871m€ no resultado líquido consolidado negativo face ao exercício homólogo - EBITDA (cash-flow operacional) alcançou “um valor bastante positivo” de 27.921m€; - Proveitos Operacionais excluindo proveitos com passes cresceram 6.794m€, atingindo agora os 105.792m€, verificando-se um comportamento positivo face ao período homólogo, na generalidade das suas rubricas. - Rubricas relacionadas com passes de jogadores (Amortizações e perdas por imparidade com passes e Proveitos/Custos com transações de passes) tiveram um saldo líquido de 14.572m€, o que representa um acréscimo de 10.061m€ face ao período homólogo. - Capital próprio consolidado atinge o valor negativo de 38.120m€ em 30 de junho de 2018, o que representa uma diminuição de 28.985m€, pela incorporação do resultado líquido obtido no período.
141. No ranking da UEFA, a Autora Y... ganhou 2 posições na época de .../... (posição 11ª) face à época anterior de .../... (onde ocupava o 13º lugar).
142. O B... atingiu números recorde nas audiências (300 mil pessoas, em média) no sábado em que o Y... celebrou o 28º título de campeão nacional na A... e voltou 19 anos depois a entrar na Câmara Municipal ....
Da contestação
143. O canal de televisão denominado B..., pertencente à Ré A..., transmite conteúdos relativos ao Y... e à Y1..., SAD, e é um serviço de programas televisivo que trata temas e matérias de todas as áreas.
144. O conteúdo do programa “...” foi exclusivamente determinado pelas RR (Y2...) e não constitui um programa noticioso.
145. Em “6 de Junho de 2017, AA faz, entre outras, as seguintes afirmações no programa de televisão «...», transmitido no canal de televisão «B...» da B...:
a. (…) Não temos que ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do X...
b. (…) Portanto, não podemos fingir que isto não existe, não se passa nada. Passam-se. Passam-se coisas muito graves no futebol português e nós se queremos na próxima época ter um campeonato…
c. (…) … em que os diferentes competidores têm igualdade de oportunidades, é preciso acabar com isto.
d. (…) Eu acho que a federação tem que se preocupar com isto, a Federação superintende o futebol em Portugal, não pode enterrar a cabeça na areia e fingir que nada acontece, porque senão, corremos o risco de para a semana vir outra revelação e para a semana outra revelação, e o que é que… continua revelação após revelação a destapar-se a careca dum sem número de procedimentos errados, condenáveis e irregulares do X... e nada acontece? Ao X... tudo é permitido?
e. (…) É, é este ... que há muito sabemos que existe, aos poucos tem que ir sendo destapado. Hoje destapamos o ZZ, teremos que continuar a destapar para deixar tudo isto a nu.
f. (…) É fundamental, é deixar esta vergonha a nu.”
146. Em 13 de Junho de 2017, no programa televisivo “...”, o Réu AA, produziu ainda vários comentários sobre o teor dos mesmos e-mails e “a proclamação categórica” de que os ora Autores estavam “claramente implicados num esquema de arbitragem”;
147. A revista “…” publicou, em 28 de Setembro de 2017, uma compilação de todos os acontecimentos circundantes ao «caso dos emails».
148. O jornal desportivo ... noticiou em 12 de Abril de 2017, sob o título “IPDJ confirma que X... dá apoio ilegal às claques”, uma notícia em que refere, designadamente, que “O Instituto Português do desporto e da Juventude (IPDJ) propôs uma multa de 37.250 euros ao X... por cinco infrações relativas ao apoio a claques que não estão legalizadas” (cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição à providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido).
149. As AA numa publicidade ao cartão ... reproduziram o cenário do programa “...”, com manequins e um “ator” a imitar o Réu AA, e nos quais se parodia com a situação da revelação dos e-mails, (cfr. Doc. 1 RR).
150. Ao longo de vários meses, entre altura indeterminada anterior a 4.4.2017 e até 12.7.2017, alguém indeterminado, fez chegar à posse do Réu AA, a partir inicialmente do endereço electrónico profissional deste nas RR e depois através do endereço de correio eletrónico 1...@....com, um conjunto de e-mails, cujo conteúdo se encontra discriminado sob o doc n.º 10 dos RR cujo teor se dá por reproduzido.
151. Esses e-mails e respetivos anexos (com ficheiros de imagem, pdf, etc.), envolviam, como remetentes ou destinatários, endereços de correio eletrónico do servidor “@X....pt” e foram remetidos, via e-mail.
152. Os e-mails recebidos totalizam um volume de cerca de 20 gigabytes, e foram enviados ao Réu AA de dois modos: ou sob a forma de ficheiro pdf, obtido através de uma impressão eletrónica do próprio e-mail; ou inseridos em caixas de correio eletrónico de utilizadores do X... (v.g., KK...@X....pt), compactadas em ficheiros informáticos.
153. Desses emails as RR selecionaram e divulgaram os que constam do doc n.º 10-A (cd) cujo restante teor se dá por reproduzido. Foram realizados 20 sessões, publicitando-se os seguintes emails, pela ordem que nele consta:
12.1.2018Informação árbitro Plano modalidades2 emails
SÓ PARA NÓS
Modalidades X... – até 2020 ser campeões nacionais em toda
25.12.2017Relatórios de jogos
Informação
Observadores
arbitragem
6 emails (sem conteúdo) com vários anexos
35.9.2017Entrevista
Presidente X...
Jornal ... “demonstra que foi preparada por outrem”
3 emails
46.6.2017Arbitragem emails entre ZZ e JJ 2 emails
Omitido que Os maiores erros tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o X...”.
Omitido que “os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o ... já não manda mas…ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1º ministro”.
56.2.18Conversa de LL com (atribuída) DDD5 emails
Um de 2010, outro: “Envia-me o teu email para que te possa enviar um memo sobre um processo em que a parte contrária juntou um parecer do A. Menezes Cordeiro e agora o X... pretende igualmente juntar um parecer.”
68.8.17Suposto acesso computador UUU1 email
“Relativamente ao BB, insisto que seria feito por gente nossa, em que tenho total confiança.”
79.1.18Erros observadores YY e LL2 emails com anexos
Reclamação da metodologia dos observadores
810.10.17Insultos de dirigente de PPPP em relação a um árbitro2 emails
Anexo com informação pessoal do árbitro (idade, escreveu um livro, 3 filhos, era taxista, etc.)
913.12.17Mensagem presidente a JJ1 email
“Penso também nos teus programas tens de manter serenidade”
1013.6.17
Conforme acordo das partes este programa foi emitido em 28.11.2017, mas consta do doc. 10 com a data de 13.6.17
YY
Apenas quero ser um “menino” querido para vocês e fazer bem o meu trabalho
(KKKK/GG
Recurso filho ZZ
Mensagem KKKK/LL
5 emails de 2014
Informação estágio árbitros Ouve bem PF: não fala em roubo, nem faz acusações genéricas…
Pf tem calma que sempre tenho estado e estive do TEU LADO.
Ele está pronto?
Vens fazer um jogo aqui ao ...?
Só tens que dizer…
1118.4.17Email concedendo 50 convites1 email
(HH) excursão avós e netos do município ...
12 19.12.17Bilhetes Taça Portugal6 emails
1 deles HH LL
O GM vai pagar pela porta do cavalo mais 50 k
Anexo Excel com 3061 nomes sob o título sociosnn
1319.10.17Envio lista de candidatos a árbitros assistente (de ZZ a LL)1 email com 1 ficheiro JPEG
1420.2.18Fatura sociedade FFFFF1 email c/1 ficheiro
Com os meus melhores cumprimentos
GGGGG
15 21.6.17Envio supostas mensagens privadas de CC1 email com anexos
Os ficheiros são de mensagens do CC presidente da FPF à altura ainda Presidente da Liga. Chamo a atenção das mensagens enviadas ao MMMM no ficheiro ... – 2ª mensagem. Ai, o actual presidente da FPF declara eterno amor ao azul e branco. São estas duas criaturas que querem mandar no futebol português e já mandam na arbitragem e na disciplina.”
1622.8.17Reclamação do árbitro OOOO3 mensagens e 2 anexos
Na sequência de reclamação registada sob o processo nº 57/Prof, anexamos o parecer emitido pela CAR, solicitando que se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 5 (cinco) dias consecutivos. A falta de resposta dentro do prazo estipulado equivale à aceitação do conteúdo do parecer
1726.12.17NN/GG 2 emails 1 anexo
Orçamento (…) Rede de Colaboradores/Informadores:
... (RP) – Euros 400,00. (…)
1827.6.17Contratação serviços bruxaria7 emails e anexos
2 relativos a 2014 (destituição de KKKK LPF)
1929.8.17Cópia de publicação Facebook entre YY e TTTTT1 email com anexo
2031.10.17Pedido ajuda TTTT1 email

154. As características dos ficheiros informáticos recebidos, analisados quanto às suas propriedades por técnico especializado, o seu conteúdo, o volume de e-mails em questão convenceram aquele Réu da sua fidedignidade.
155. Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do seu interesse público.
156. Na maior parte dos casos, não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas, também porque só alguns continham essa informação.
157. O diretor do B..., a pedido da Ré Y2..., em data anterior à sessão de 13.6.2017, convidou dois dos visados (JJ e ZZ) para comparecerem no programa tendo em vista o exercício do contraditório, que estes não aceitaram.
158. O Réu AA, em 22.6.2017 nas instalações das 3º Ré, por determinação judicial entregou suporte dos elementos informáticos das AA à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, no âmbito do processo criminal entretanto instaurado para apurar crimes de corrupção e outros cometidos pela “X1..., SAD” e/ou pelos seus administradores e dirigentes no interesse da X1... SAD, autuado sob o n.º 5340/17.7T9LSB.
159. Em 19 de Outubro de 2017, a Procuradoria Geral Distrital de Lisboa emitiu um comunicado, tornando público que «no âmbito de um inquérito da 9ª secção do DIAP de Lisboa foram emitidos mandados de busca domiciliária e não domiciliária, relativos a investigação em curso pelos crimes de corrupção passiva e activa. No inquérito investiga-se a prática, por parte de um suspeito, dos referidos crimes, relacionados com os denominados e-mails do X...» (cfr. Doc. n.º 3).
160. Em 06 de Março de 2018, o responsável do departamento jurídico da Ré X1... SAD, LL, foi detido, no âmbito da operação denominada “...”, tendo a Procuradoria Geral Distrital de Lisboa emitido o seguinte comunicado: “investigam-se os crimes de corrupção passiva, corrupção activa, violação do segredo de justiça, favorecimento pessoal e falsidade informática. No inquérito indicia-se a prática de acessos por funcionários a diversos inquéritos em segredo de justiça para obtenção de informação sobre diligências em curso, informações que eram depois transmitidas a assessor da administração de uma sociedade anónima desportiva a troco de vantagens” (cfr. Doc. n.º 5).
161. Essa detenção foi realizada à ordem do processo n.º 6421/17.2JFLSB, que também está pendente, tendo a LL sido imputados crimes de corrupção ativa, de violação de segredo de justiça e de falsidade informática, relacionados, além do mais, com atos de acesso à plataforma informática CITIUS para tomada de conhecimento do conteúdo e do andamento dos inquéritos relacionados com o caso dos “e-mails do X...”, em especial do referido processo n.º 5340/17.7T9LSB.
162. No âmbito desse processo n.º 6421/17.2JFLSB, por decisão de juiz de instrução criminal, LL ficou sujeito a uma medida de coação de proibição de contactos com outros arguidos, a qual pressupõe a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos (art. 201.º do Código de Processo Penal) (cfr. Docs. n.ºs 8 e 9).
163. No dia 11 de Abril de 2017, o Réu AA divulgou no B... um e-mail remetido pelo Sr. HHHH. Os e-mails a cuja leitura o Réu AA procedeu neste Programa, foram-no a partir do blog “...".
164. No dia 18 de Abril de 2017, AA divulgou através do B..., no mesmo programa «...», um email trocado entre IIII (Presidente da Associação ...) e SS (Diretora de Relações Públicas do Autor X...), estando copiado HH (Administrador da segunda Autora X1... SAD), no qual IIII, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia-Geral ..., solicita bilhetes baratos para um jogo a realizar no Estádio ....
165. No dia 6 de Junho de 2017, o Réu AA revelou no programa “...”, doravante, o Programa), excertos do conteúdo de e-mails, através da sua leitura, trocados, em 28 de Janeiro de 2014, entre JJ (Diretor de Conteúdos da X2...) e ZZ.
166. A propósito desta conversa o Réu AA disse: “Não temos que ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do X...” [29:54]; “isto não é inventado por nós, isto não fui eu que inventei, isto existe. E agora só temos é que esperar que as autoridades que sistematicamente têm fingido que não se passa nada, façam alguma coisa” [30:07]. “Isto existe. Estou disponível para entregar isto a quem muito bem entender. Fizeram-me chegar isto, com certeza que isto não é falso, é verdadeiro, e não será difícil apurar a veracidade desta troca de e-mails” [30:21] (cfr. transcrição do programa de 6 de Junho de 2017, junto como Doc. 5, e Doc. n.º 12 e 13, págs. 1 e 2).
167. Pelo conteúdo e contexto da conversa, o “primeiro-ministro” a que os interlocutores se referiam foi interpretado, como sendo o Presidente do X... e da X1... SAD, GG; e, na alegoria a que ZZ recorreu, os “padres” escolhidos e ordenados pelo X... como os árbitros e as “missas” como os jogos de futebol.
168. No Programa do dia 13 de Junho de 2017, AA disse «O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O X... não está implicado nisto? (…) Isto é indissociável uma coisa da outra, portanto o X..., claramente, está implicado num esquema que envolve a arbitragem, um esquema que adultera a verdade desportiva. (…) Representam os interesses do X.... Os árbitros são uma das marionetas nas mãos destas pessoas que trabalham a favor do X.... (…) Isto é uma vergonha. Isto é o futebol português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo X..., pelo sr. GG, pelo sr. LL, pelo sr. JJ, pelo sr. ZZ, pelo sr. YY e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os ZZ e os YY por aí espalhados que estão ao serviço do X..., para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti-regulamentar. (…) Nós estamos a prestar um enorme serviço ao Y... português. (…) Estamos a prestar um enorme serviço ao Y... português, estamos a desmascarar a maior mentira do futebol português» (cfr. transcrição do Programa de 13 de Junho de 2017, junto como doc. n.º 5-2, com o requerimento inicial da providência cautelar, págs. 17/54, 26/54, 32/54 e 42/54 E-mail de Doc. n.º 15; E-mails de docs. n.º 16, pág. 1, Doc. n.º 17, pág. 1 e 17-A; Doc. n.º 18; Doc. n.º 19, pág. 1, cujo teor se dá por reproduzido.
169. KKKK, num comunicado dirigido à agência noticiosa ..., em 14 de Junho de 2017, protestando embora a sua independência em relação ao X... e à X1... SAD, não negou que tenha enviado esse e-mail de 2 de Abril. (cfr. Doc. n.º 19-A)
170. O jornal ..., na sua edição de 17 de Junho de 2017, divulgou novos e-mails, designadamente, um e-mail de GG para LL, assessor jurídico da Autora X1... SAD, referindo-se ao árbitro de um jogo ... x ... nestes termos: “LL devíamos participar deste artista (…) pois brincou com o X.... Temos de dar-lhe cabo da nota”; tendo o ... verificado que a nota desse árbitro foi reduzida de 3,5 para 2,00. E-mail que foi discutido no Programa de 21 de Junho de 2017.
171. No Programa de 21/06/2017, o Réu AA divulgou um e-mail enviado em 16 de Fevereiro de 2014 por LLLL (a essa data Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional) para JJ, com um anexo contendo a transcrição de mensagens telefónicas gravadas num telemóvel de CC (Presidente da Liga nos anos 2010-2011; e desde 2011 Presidente da Federação Portuguesa de Futebol) “Os ficheiros são de mensagens sms do CC, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, à altura ainda presidente da Liga. Chamo a atenção das mensagens enviadas ao MMMM no ficheiro ... – segunda mensagem. Aí o actual presidente da FPF declara eterno amor ao azul e branco” [00:46:18] transcrição do programa de 21-06-2017, junto como Doc. 5-3 na providência cautelar, pág. 23/42, e Docs. n.º 20 e 20-A a 20-G.
172. No Programa de 27 de Junho de 2017, o Réu AA revelou nova correspondência entre LLLL e JJ, entre os quais um e-mail de 11 de Fevereiro de 2014 no qual o então Presidente da Mesa da Assembleia Geral [da] Liga de Futebol LLLL o informa do seguinte: “Em princípio, vou produzir o meu despacho relativamente ao requerimento de assembleia-geral que solicita a destituição do KKKK, no dia 12. Vou enviar-lho antecipadamente. Vou enviar também o teor do requerimento assinado pelo ..., o ..., a ..., ..., ... e .... Isto é absolutamente confidencial” [00:43:41] (cfr. transcrição do programa de 27 de Junho de 2017, junto como Doc. 5-4 com o requerimento inicial da providência cautelar, págs. 26/54 e 27/54, (cfr. Doc. n.º 21, Docs. n.ºs 22 e 22-A, Docs. n.ºs 23, 23-A, e 23-B).
173. Ainda no programa de 27 de Junho de 2017, AA revelou e-mails trocados entre GG e um suposto XXX referentes à suposta contratação de serviços de bruxaria. O que levou AA a afirmar “Estamos a falar de bruxaria, portanto. Mas uma bruxaria de uma forma que eu nunca vi. Isto foram cento e muito mil euros que o X... gastou em bruxaria” (cfr. Doc. 5-4, pág. 38/54).
174. Em 08 de Agosto de 2017, o Réu AA divulgou no Programa, novos e-mails relacionando-os com o X.... Trata-se de um e-mail enviado por HH (administrador executivo da segunda Autora) para HHHHH e GGGGG, advogados, com conhecimento para LL (assessor jurídico da mesma Autora), a que LL responde e que merece depois réplica de HH, e no seguimento de cuja leitura o Réu AA fez, entre outras, as seguintes afirmações “Ou seja, o administrador HH está a propor aos advogados, em trabalho para o X... – não sei se são advogados do X..., se estavam em trabalho para o X... – HHHHH e GGGGG a prática de um crime. Não se pode influenciar as testemunhas, não se pode preparar testemunhas. Isso é crime, fazer isto é crime, portanto, eles estão a preparar-se aqui para cometer um crime. Se depois o cometeram de facto, não sei, só eles o podem dizer, com certeza que não o vão dizer, mas também não estou muito preocupado”; (…) “Portanto, o HH está a sugerir, está a propor que se cometa um crime informático, que é entrar num computador de uma outra pessoa para o vasculhar. Onde é que eu já ouvi isto?” (cfr. transcrição do Programa de 8 de Agosto de 2017, que se junta como Doc. n.º 30, minutos [00:46:02] [00:47:02] [00:48:32] [00:49:12] [00:49:13], pág. 16 e 17), emails de Doc. n.º 31, pág. 1 e 2).
175. Em 22 de Agosto de 2017, AA divulga um e-mail enviado por “NNNN” para LL, sem qualquer texto, mas tendo como anexo um relatório de observação do árbitro de futebol OOOO. Aquele Réu fez, entre outras, as seguintes afirmações “A NNNN não é nem mais nem menos do que um alter-ego do YY. O YY tem um segundo e-mail, cujo nome é NNNN e cujo endereço é 2...@....com. Isto, volto a dizer, daria para rir não fosse o caso de o YY ser, nem mais nem menos, do que intermediário entre o árbitro OOOO e o X.... É o que na verdade isto aqui mostra, e não é o único caso, há mais casos exatamente idênticos. Tem a ver com notas, com informação que vem de árbitros e que é remetida para o YY ou para a NNNN. Portanto, é assim, como é que é possível que um árbitro – eu volto a dizer, isto foi em 26 de março de 2016 – da Primeira Liga esteja a utilizar o Sr. YY – que sabe-se bem quem é que ele é – como intermediário para fazer chegar coisas ao X... (…) Agora a questão não está aí, a questão está em que fica mais uma vez visível, muito visível que o YY é um intermediário das comunicações entre o OOOO e o X... através do LL. E como é que uma coisa destas é possível? É admissível? (…) Este silêncio é uma confirmação de procedimentos muito errados, muito, muito, muito errados, de práticas muito condenáveis, e a Federação não pode continuar de braços cruzados, as autoridades não podem continuar de braços cruzados perante isto. Repito, fica muito claro e muito visível que o Sr. YY, com todo o perfil que é possível traçar dele, que é terrível, e de ligação ao X..., ele próprio diz: "Eu quero ser o menino querido de vocês", referindo-se ao LL e ao GG…” (cfr. transcrição do Programa de 22 de Agosto de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:46:38] [00:48:49] [00:49:36], págs. 36 e 37) (cfr. Docs. n.ºs 32, 32- A, 33 e 33-A n.ºs 34, 34-A e 34-B).
176. No Programa de 29 de Agosto de 2017, o Réu AA denuncia uma troca de e-mails entre o YY e LL, tendo feito, entre outras, as seguintes afirmações “Esta ligação, ou seja, acabamos de estabelecer mais um árbitro com uma ligação ao X... através de um intermediário. A comunicação entre o Sr. EEE e o Sr. LL era estabelecida através de um intermediário chamado YY. E o Sr. EEE utilizava um pseudónimo, um outro nome. É como eu usar nomes do meu nome completo para, toda a gente sabe que eu sou o AA, mas os árbitros dos meus nomes que tenho cá pelo meio. (…) E alguém tem de pôr mão nisto. As entidades desportivas têm que, de facto, se preocupar com isto de forma muito séria. Porque qualquer dia eu não sei o que é que acontece, mas é assim, mas isto é um ... gigantesco. (…) Portanto, isto é um escândalo. É um escândalo e alguém tem que fazer alguma coisa. Tem que se olhar para isto. O Y... está a fazer um papel em defesa do futebol português que tem de ser louvado, porque o Y... está a desmontar a falsidade que há. É uma falsidade gigantesca” (cfr. transcrição do Programa de 29 de Agosto de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:45:20] [00:46:57] [00:48:14], págs. 52 e 53).
177. No Programa de 5 de Setembro de 2017, o Réu AA revela uma troca de e-mails entre vários dirigentes benfiquistas, afirmando que as respostas dadas por GG em entrevistas anuais ao jornal ... seriam, na verdade, escritas por outros dirigentes, como UUUUU, HH, LL ou EE., afirmando “Isto aconteceu, e isto levanta… levanta um problema porque isto não é só ter-se influência sobre um determinado órgão de comunicação social, não é. É mais do que isso. Isto é o poder absoluto, e a relação do jornal ... com o X... sempre foi uma relação de proximidade, mas uma coisa é proximidade, uma coisa é um determinado órgão ter uma tendência, é criticável, mas é aceitável; outra coisa é subserviência absoluta. Eu trago aqui hoje umas coisas para partilhar com vocês e com os nossos espectadores, para elucidar sobre um grande embuste que todos os anos assistimos no jornal ...” (cfr. transcrição do Programa de 5 de Setembro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:52:33], pág. 67), Docs. n.ºs 39 e 39-A); n.ºs 40 e 40-A n.ºs 41 e 41-A, n.º 42, cujo teor se dá por reproduzido.
178. No Programa de 10 de Outubro de 2017, o Réu AA divulga correspondência eletrónica entre PPPP, LL e uma outra pessoa, escondida atrás de alter-ego (“Viriato Viseu”), afirmando “Pois, mas mais depressa se apanha um… é assim, nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada que mostra o que é o modus operandi do X... em relação a algumas pessoas. Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo árbitro, portanto, é uma pessoa que já não está em atividade, a sua atividade de árbitro já há muitos anos que já não está, portanto, não estamos a pôr em causa alguém… mas reparem, se fazem isto a um antigo árbitro que hoje em dia é comentador de arbitragem, imaginem quando são outras coisas (…) “; no mesmo programa, aquele Réu revela também um e-mail remetido por VVVVV a JJ, contendo dados da vida pessoal e privada do ex-árbitro de futebol WWWWW”, afirmando “É isto o X...! Este X... de GG é isto. E é isto que nós combatemos e vamos continuar a combater. Não pensem que vamos recuar nisto” (cfr. transcrição do Programa de 10 de Outubro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:34:36] [00:41:03], págs. 74, 75, pág. 77. O Réu AA afirma “nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada que mostra o que é o modus operandi do X... em relação a algumas pessoas (…)”Doc. n.º 43, n.ºs 44 e 44-A. “Portanto, o LL, pessoa relevante na estrutura do X..., pessoa com responsabilidades na estrutura do X..., acha que se resolve o assunto partindo a cara ao WWWWW (…) O X... quando ouve o WWWWW a dizer uma coisa que não gosta, a contar uma coisa que não gosta, mas que que pelos vistos aconteceu, e o WWWWW até diz que aquilo era prática corrente, acha que se resolvem as coisas assim, partindo-lhe a cara. Eu não sei se vieram a partir a cara ou não mas o WWWWW não é de facto uma pessoa benquista no X...” (cfr. Doc. n.º 30,minutos [00:37:26] [00:39:11], pág. 76). O Réu AA afirma “(…) na mesma altura, 25 de março de 2014, 11 de abril de 2014, portanto, 15 dias depois, o VVVVV, também advogado, envia para o JJ um documento manuscrito sobre o WWWWW (…) mandado, em PDF, digitalizado, dados privados íntimos do WWWWW, profissionais, pessoais, o nome completo da mulher, a morada, coisas sobre a família, o número de filhos, etc., coisas que aqui não interessa, depois tem aqui uma coisa muito curiosa que eu não posso deixar de dizer, há dois anos sem H, o que para um advogado não deixa de ser …” (cfr. Doc. n.º 30, minutos [00:39:54] [00:40:27], pág. 76).
179. Em 19 de Outubro de 2017, o Réu AA relembra dois e-mails divulgados: “LL devíamos participar deste artista (…) pois brincou com o X.... Temos de dar-lhe cabo da nota”; tendo o ... verificado que a nota desse árbitro foi, de facto, reduzida de 3,5 para 2,00 (cfr., supra, artigo 118.º). Quanto ao segundo, trata-se do e-mail de 6 de Junho de 2016, enviado por ZZ a LL, no qual aquele escreve “Junto envio lista dos melhores candidatos assistentes. Força nisso e cuidado. Teste escrito. Abraço, Candidatos a árbitros assistentes da Liga. Exames 11 e 12 de junho em ... 1.º XXXXX – ...; 2.º YYYYY – ...; 3.º ZZZZZ – ...; 4.º AAAAAA – ...; 5.º BBBBBB – .... Por esta ordem são os melhores e nada pode falhar”.
180. No Programa de 31 de Outubro de 2017, o Réu AA revelou […] um e-mail, que leu em direto, enviado por TTTT a GG em 24 de Junho de 2016, junto aos autos como documento nº 46 da contestação.
181. Em 28 de Novembro de 2017, no Programa, o Réu AA faz referência a vários supostos e-mails enviados por YY a LL em que este prometia fidelidade aos dirigentes do X..., passava informações confidenciais e transmitia dados pessoais de árbitros. Referiu-se aquele Réu, entre outros, ao e-mail de 31 de Março de 2014 em que YY escreve a LL “Obrigado Amigo Dr, Apenas quero ser um “menino” querido para vocês e fazer bem o meu trabalho. E que o homem confie em mim, tal como o Dr.» (Doc. n.º 16, pág. 1).
182. No Programa de 5 de Dezembro de 2017, o Réu AA revela três e-mails, tendo feito, entre outras, as seguintes afirmações “Isto é espionagem em favor de um clube e para que esse clube retire vantagem, o clube agora tem que explicar qual é a vantagem. E as autoridades do futebol têm que se debruçar sobre isto. Ou isto é normal? Ou isto é normal? E é normal isto? Num delegado da Liga, na altura delegado da Liga, envia este tipo de informações, estas informações não são privadas? Estas informações o que é isto de virem para aqui dizer “Ai foram pintar ali a parede do restaurante não sei de quem e tal e coisa” acusando novamente adeptos ligados ao Y..., o que é isto? Isto é 20 vezes pior, 30 vezes, 1000 vezes pior, isto é feito por gente que trabalhava para o X..., acho que é claro para toda a gente, hoje acho que não há uma pessoa em Portugal que preste o mínimo de atenção ao futebol que não ache que o YY trabalhava para o X..., tinha um duplo emprego secreto para o X..., era delegado da Liga e trabalhava para o X... e depois o LL que é um funcionário do X... e não é um funcionário qualquer, é um funcionário relevante, é um dirigente importante e relevante e que recebe este tipo de informação. Isto é sério? Não, não é sério. Mas há mais!” (cfr. transcrição do Programa de 5 de Dezembro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 47, minutos [01:07:20] [01:07:27] [01:07:31], pág. 57; a revelação destes e-mails ocorre a partir do minuto [01:01:52], págs. 55-60). Docs. n.ºs 48, e 48-A a 48-C) ; Docs. n.ºs 49, e 49-A a 49-L; n.ºs 50 e 50-A; n.ºs 51 e 51-A).
183. O Réu AA no Programa de 5 de Dezembro de 2017 comentou: “O YY que foi delegado da Liga e um ex-árbitro e que tem uma... que se mexe no meio da arbitragem durante um longo período forneceu informações ao X... que não são aceitáveis, que não são compreensíveis e que convinha que o X... de preferência com a máxima urgência explicasse ao país porque é que precisa , ou porque é que precisava na altura, de determinado tipo de informações (…) Nesse dia tinha sido nomeada a equipa de arbitragem que iria dirigir o jogo ... - ... e então o YY envia para o LL, como se o LL não tivesse acesso como qualquer pessoa, como qualquer adepto de Y... não tivesse acesso às nomeações (…) A que propósito é que o LL precisa dos telemóveis dos árbitros? Para lhes desejar bom natal? Para lhes mandar um SMS a desejar bom natal? É bom que o LL não diz um “ai” desde junho, é bom que diga, é bom que explique por que razão é que...” (cfr. Doc. n.º 47, minuto [01:01:52], págs. 56-57).
184. No Programa de 13 de Dezembro de 2017, o Réu AA voltou a ler em direito no B... e-mails dos Autores, nomeadamente correspondência entre GG e JJ. (cfr. Doc. n.º 55, pág. 1).
185. No Programa de 19 de Dezembro de 2017, o Réu AA revelou um e-mail em que a Federação Portuguesa de Futebol cedia bilhetes para a Final da Taça de Portugal ... (Doc. n.º 47, págs. 81-85). Em anexo está um ficheiro com os dados de elementos da claque ... (nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento) (cfr. Docs. n.ºs 57 e 57-A, Doc. n.º 58, Doc. n.º 59, Doc. n.º 60). O Réu AA teceu os seguintes comentários: “(…) há uma questão para mim especialmente sensível à qual o país e particularmente as autoridades mais relevantes designadamente o Governo Português não têm prestado a mínima atenção e que tem a ver com as claques ilegais do X.... Convém sempre recordar que estamos a falar de claques que já causaram 2 mortes, as 2 únicas mortes. Que tiveram origem em problemas entre adeptos de futebol em Portugal, foram originadas por claques do X.... As claques do X... estão ilegais, com a cumplicidade do próprio X... e também com a cumplicidade das autoridades portuguesas, designadamente o governo português, volto a repetir. Sistematicamente têm sido conhecidos dados que comprovam o apoio irregular do X... às suas claques, apoio esse que o X... diz que não presta, mas presta, toda a gente sabe que presta. Mas há uma série de emails, são muito mais dos que eu trouxe aqui hoje, que atestam esse apoio” (cfr. Doc. n.º 47, minuto 00:14:33, pág. 81).
186. No Programa de 26 de Dezembro de 2017, o Réu AA divulgou uma correspondência eletrónica entre NN e EE, no sentido de o primeiro sugerir perguntas em antecipação a uma entrevista a ser feita a GG (cfr. transcrição do Programa de 26 de Dezembro de 2017, que se junta como Doc. nº 61, minutos [01:01:58] a [01:07:30], págs. 22-25]. Junta-se […] sob o n.º 62 o e-mail lido pelo Réu AA no Programa de 26 de Dezembro (e-mail de 7 de Setembro enviado por NN a EE). (cfr. Doc. n.º 61, 63 e 63-A).
187. No Programa de 2 de Janeiro de 2018, o Réu AA revelou um e-mail datado de 14 de Março de 2017, em que YYYY remete para GG uma mensagem (doc. n.º 64, minuto [00:02:03], págs. 1-3). Doc n.º 65, pág. 2, onde se pode ler “(…) Como ser campeão nas 5 modalidades até 2020 (…) Continuar o trabalho de “teia do poder” que temos conseguido com instituições, Clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos (empréstimos de jogadores, relações com federação, conselhos de arbitragem e afins) (…)” ).
188. No Programa de 9 de Janeiro de 2018, o Réu AA divulgou vários e-mails relacionados com dirigentes da estrutura do X..., tendo um deles sido enviado por YY, à data delegado da Liga, para LL, em que o primeiro assinou como “técnico de arbitragem do X...”, fazendo a seguinte afirmação “(…) Mas entretanto, nem de propósito, num novo leak muito recente de e-mails, acabei de receber há pouco um e-mail do YY da segunda-feira quatro de março de 2013, numa altura em que ele era delegado da liga (…) ele envia um e-mail para o LL com uma análise de arbitragem, uma daquelas coisas que não era suposto ele fazer enquanto delegado da liga, i o e-mail está assinado desta forma: “YY sócio ..., técnico de Arbitragem do X...”. É assim que o e-mail está assinado. Deixemo-nos de brincar ao Y.... O que estas pessoas do X..., com o GG à cabeça, LL e depois os JJ, os YY, os ZZ, etc, tentaram criar, tentaram e conseguiram toda a gente sabe, um esquema de interferência na arbitragem, não nos cabe a nós avaliar onde é que vai…” (cfr. transcrição do Programa de 9 de Janeiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 67, minutos [00:16:13] a [00:17:15], pág.. 7); tendo afirmado ainda no mesmo Programa “Estamos a falar, nós temos ao longo dos tempos mostrado que o GG, o presidente do X... está intimamente ligado a toda esta trapalhada. Apesar dos responsáveis do X... procurarem que nunca se estabeleça uma ligação próxima entre aquelas pessoas que gravitam à volta do X..., como o SSSS, o YY, o ZZ, etc, o GG tem uma ligação muito forte com essas pessoas, e por exemplo, na sexta-feira 15 de novembro de 2013, o GG encaminhou um e-mail para o JJ sem qualquer texto, o e-mail tinha apenas um anexo, o anexo era um documento word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura, debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um ...-... arbitrado pelo árbitro CCCCC e alguém escreve “hoje é adquirido que CCCCC fez um bom trabalho, o único lance em que alguém pode apontar possível erra é um lance impossível de descortinar”, descortinar escrito de uma forma criativa. Pronto, o que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento nós podemos informar que quem escreveu esse texto que o GG encaminhou para o JJ foi o senhor ZZ.” (cfr. Doc. n.º 67, minutos [00:12:32] a [00:14:02], pág. 6; Doc. n.º 68.
189. No Programa de 6 de Fevereiro de 2018, o Réu AA, referindo-se a um conjunto de e-mails (disponíveis na internet), de que leu uma parte, trocados entre os endereços de e-mail 3...@iol.pt e X...@gmail.com (e-mail alternativo de LL, que depois reencaminhava estes e-mails para MM...@X....pt), afirma que DDD, ex-presidente da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (2006-2010) e Membro e Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem Desportiva do Tribunal Arbitral do Desporto (2014-2017) (vide in ...), “na verdade é o assessor jurídico do X...”, questionando a imparcialidade do mesmo, e fazendo, entre outros, os seguintes comentários críticos “fica claro como o DDD desde sempre teve uma ligação íntima ao X... e a forma como era feito o contacto é em si mesmo muito reveladora porque se o Doutor DDD e o Doutor LL não tivessem problemas não precisam de criar mails alternativos para, para conversar e não tinham de ter o cuidado de não porem o nome um do outro. (…)”. “Ganhem vergonha na cara. Ganhem vergonha na cara. Este mesmo Doutor DDD que no tempo que era presidente da comissão de despelar da liga e o DDDDD apertou o pescoço ao arcto assistente resolveu aquilo com uma multa sabem porquê? Porque o jogo a seguir do X... que devia ter sido realizado a porta fechada era com o E.... Vão confirmar se isto é verdade ou é mentira. É verdade. Portanto, este tipo de gente que está a mais no futebol português e o Doutor DDD que venha agora para falar em publico sobre isto. Que venha esclarecer isto (…)” (cfr. transcrição do Programa de 6 de Fevereiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 70, minutos [00:20:05] a [00:30:12], págs. 8 a 11), doc n.º 71 e n.º 72.
190. No Programa de 20 de Fevereiro de 2018, o Réu AA divulgou e-mails fazendo, entre outras, as seguintes afirmações “Desta vez vamos conseguir ir um bocadinho mais longe porque vamos conseguir demonstrar que o X... recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminal, a defesa jurídica em processos crime de elementos dos .... Aqui o que está em causa são mails de 2010 e um dos mails enviado pelo EEEEE do escritório do advogado FFFFF, um dos mais proeminentes advogados da área criminal no nosso país e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes. Nesta altura, por exemplo, defende o CCCCCC e o advogado EEEEE envia para o GGGGG do escritório do HHHHH, do IIIII, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos ... por parte deste escritório. (…)” “(…) passam-se coisas muito graves como isto. Fazer pagamentos associados a advogados, ter sociedades de advogados veículo para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo. Isto não é razoável, não podemos aceitar que na sociedade portuguesa continuem a existir procedimentos destes e o X... não pode estar acima da lei. Não pode. Portanto, as autoridades que tomem atitudes (…)” (cfr. transcrição do Programa de 20 de Fevereiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 76, minutos [00:29:50] a [00:35:30], págs. 11 a 13), doc. nº 77 e 78).
191. Procedeu a V..., RL à emissão da fatura n.º ..., no valor de € 18.600,00, datada de 29 de Junho de 2010, a qual foi depois enviada a LL, por e-mail datado de 5 de julho de 2010 (que se junta como Doc. n.º 79).
192. Aquele pagamento foi realizado, pode ver-se o elemento contabilístico que agora se junta sob o n.º 45.
193. Os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado.
194. A divulgação do conteúdo dos e-mails foi levada a cabo com a convicção de que os e-mails e os ficheiros a eles anexados eram verdadeiros.
195. Entre 12.9.2017 e 9.12.2017 a Autora X1... SAD, que não logrou alcançar qualquer ponto na prova europeia, conseguiu, obter 6 vitórias em 9 jornadas na prova interna (Liga NOS), perfazendo um total de 18 pontos em 27 possíveis.
DA RECONVENÇÃO,
196. Dá-se por reproduzido conteúdo dos emails divulgados pelas RR, conforme docs. n.ºs 10 e 10-A, docs. 12 a 14; docs. 15 a 19; docs. n.ºs 21 a 23-B; docs. n.ºs 32 a 33-A, docs. 43 a 44-A, doc. n.º 16 ; docs. 48 a 51-A, doc. n.º 60, doc. 62 a 63-A, docs. 65 e 66, docs. 67 a 69-B.
Da junção de documentos em audiência
197. Considera-se comprovado que foram elaboradas e emitidas as notícias cuja cópia foi junta no requerimento 32073975, das quais não resulta que uma página na net tenha divulgado em 11.12.2017 toda a informação divulgada pelas RR e que da mesma façam parte os segredos de negócio supra referidos.
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Foram dados como não provados, para além de todos os restantes, nomeadamente, os seguintes factos:
1. Que os RR tenham usado e parcialmente exposto a informação comercial confidencial das AA.
2. Que a cotação das acções da A. tenha sofrido um dano constante desde o início da divulgação da alegada informação privada do X....
3. Que considerando todas as variações ao longo do período e as “revelações” da B..., constata-se que os atos lesivos dos Réus provocaram uma erosão patrimonial do valor dos títulos da X1... SAD que se situou na média dos 2,9% (dois vírgula nove por cento).
4. Que a extrapolação deste dano objetivo permite concluir que a afetação resultante da conduta dos Réus contra as Autoras se consubstancia num dano patrimonial indirecto mínimo verificável de 11.6 milhões de euros [considerando o valor de mercado mínimo acima considerado de 400M€ x 2.9% média de desvalorização dos títulos em bolsa = 11,6 milhões de euros].
5. Que a conduta das RR tenha causado reflexos diretos nomeadamente no desempenho desportivo internacional da X1... SAD, na Liga dos Campeões de .../....
6. Que a conduta das RR seja o efeito lesivo mais devastador do equilíbrio emocional, físico e intelectual dos jogadores e técnicos da Equipa e com consequências no seu desempenho absolutamente inequívocas (v.g., retirar o esforço e o mérito dos sucessos alcançados, através do vexame e vergonha induzidos).
7. Que o desempenho na Liga dos Campões pelas AA tenha sido provocado pela conduta das RR.
8. Que as RR sejam responsáveis porque muito adeptos, simpatizantes e sócios do X... sofreram e se sentiram vexados, assim se erodindo o aviamento das Autoras junto da sua maior base de apoio quanto à exponenciação do seu goodwill.
9. Que tenham sido as RR divulgaram [sic] o contrato de comunicação de EE e o contrato de trabalho de DDDDDD e informação conexa com o mesmo.
10. Que a sociedade B..., e os RR BB, DD e CC tenham praticado os restantes actos.
11. Que o blog ... e seus conteúdos seja da autoria directa ou indirecta dos RR.
12. Que com o mesmo intuito de descredibilizar e ofender, AA tinha anteriormente chegado ao ponto de comparar as Autoras aos esbirros do regime nazi.
Da contestação e reconvenção (para além de todos os restantes)
13. Que o Réu J. Marques tenha exercido as funções de diretor [de] programas do B..., ou seja assalariado deste, nas datas referidas.
14. Que o serviço de televisão B..., reconhecendo o inequívoco interesse público envolto no conteúdo dos e-mails e a premência de veicular a informação ao público em geral, tenha convidado o Réu AA.
15. Que as RR tenham selecionado os emails a divulgar apenas por considerações de interesse público.
16. Que os emails não foram propositadamente revelados a conta-gotas, mas à medida que se ia fazendo a triagem da informação recebida em função de um critério de interesse público na divulgação do respetivo conteúdo, e de não revelação de partes dos e-mails que contivessem elementos relacionados com a vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.
17. Que a “ligação” entre o Réu AA e o B... é aquela que existe entre um canal televisivo e um comentador de um espaço informativo (designadamente, o “...”).
18. Que as RR tenham atuado não por nenhuma intenção concorrencial, mas pela finalidade de preservar a lealdade da concorrência.
19. Que as RR através de AA e A...… tenha[m] tido como intenção exclusiva informar e formar opiniões.
20. Que (todas) as opiniões e juízos de valor proferidos pelo Réu AA são objetivos, fundam-se em factos provados, e têm um enorme relevo para formar a opinião do público.
21. Que esses emails provem um autêntico padrão de comportamento concorrencial desleal levado a cabo anos a fio pela Reconvinda X1... SAD.
22. Que resulte do conteúdo dos mesmos a comprovação de comportamentos desleais e reprováveis ética e legalmente, levados a cabo pela Reconvinda no decurso de sucessivas épocas desportivas, com indiciação de variados esquemas de corrupção na arbitragem, ilícitas trocas de favores e tentativas de manipulação de classificações de árbitros, de resultados e de competições.
23. Que esteja provado que a conduta da Reconvinda tenha prejudicado a posição na concorrência dos seus rivais (em particular a aqui Reconvinte), a qual, em virtude da mesma viu prejudicados os seus resultados desportivos.
24. Que como consequência direta disso, a R. viu diminuírem as receitas decorrentes, entre outros, de contratos de patrocínio e de sponsorização – não se conseguindo ainda, neste momento, proceder à exata determinação do quantum deste dano.
25. Que devido à conduta das reconvindas a aqui Reconvinte tenha visto diminuirem as suas possibilidades de alcançar o triunfo nas competições disputadas e de aceder a um lugar direto para a Liga dos Campeões, e tenha, como consequência direta desse pior resultado, [visto] diminuirem as suas receitas resultantes de patrocínio e sponsorização.
26. Que (todas) as opiniões e juízos de valor proferidos pelo Réu AA são objetivos, fundam-se em factos provados, e têm um enorme relevo para formar a opinião do público.
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QUESTÃO PRÉVIA
Nas suas alegações de recurso os autores vieram requerer a junção de um artigo da revista “...” publicado na edição de 3.6.2019, já após o encerramento da audiência, para o qual foi entrevistado o réu AA, com a respetiva tradução e também de um artigo da revista “…”, onde se alude às referidas declarações prestadas por este mesmo réu à “...”.
Dispõe o art. 651º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância
Por seu turno, o art. 425º estabelece que «depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
ANTÓNIO ABRANTES GERALDES[29], em anotação ao citado art. 651º, escreve que “a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica.”
E mais adiante, prossegue:
“Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova[30], não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado[31]”.
Apreciando.
É certo que os documentos ora apresentados são posteriores ao encerramento da discussão da causa, mas também é certo que para a sua junção se concretizar necessário é que se destinem a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa – cfr. art. 423 do Cód. de Proc. Civil.
E se estamos em fase de recurso, impõe-se ainda que os documentos cuja junção se pretende sejam relevantes para a sua decisão.
Sucede não se vislumbrar nestes artigos jornalísticos tal relevância.
A afirmação que neles surge, proveniente do réu AA, de que não devolveria emails não pode ser encarada como uma promessa pública de que os continuaria a divulgar, tanto mais que bem se constata que essa divulgação cessou com o Acórdão da Relação do Porto de 21.2.2018 que deferiu a providência cautelar requerida pelos autores.
E se efetivamente o réu AA se encontra na posse de emails tal é, no nosso entendimento, matéria que se nos afigura irrelevante para a decisão do presente recurso, por nele não estar em discussão.
Deste modo, por serem desnecessários, decide-se ordenar o desentranhamento dos documentos acima referidos – artigos jornalísticos publicados nas revistas “...” (e respetiva tradução) e “…” – e sua consequente devolução aos apresentantes.
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Passemos agora à apreciação do mérito dos recursos.
I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto (recurso interposto pelas autoras e pelos réus)
A) Os autores que, nas suas alegações de recurso, observaram os ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, principiaram por impugnar a decisão da matéria de facto, pretendendo, em primeiro lugar, que numerosos factos que alegaram na petição inicial, e que embora não tivessem sido inseridos nem no elenco dos factos não provados nem dos provados, devem ser havidos como provados e assim aditados.
1. O primeiro facto que pretendem aditar – “Os réus prometem publicamente continuar a divulgar alegados “factos” que afirmam estar documentados em correspondência privada das autoras sem o consentimento das autoras” – provém do art. 9º da petição inicial cujo texto é o seguinte: “…os Réus, de forma planeada e concertada, divulgaram, divulgam (direta ou indirectamente) e prometem publicamente continuar a divulgar alegados “factos” que afirmam estar documentados em correspondência privada, incluindo nomeadamente e-mails e mensagens telefónicas (SMS), trocada entre membros dos órgãos sociais e administradores das Autoras, seus colaboradores e terceiros e agora exposta publicamente sem o consentimento de quem teria legitimidade para o conceder.”
Nesse sentido indicaram o conteúdo dos nºs 93, 23, 24, 25, 59, 81 e 178 da matéria de facto provada, um excerto das declarações de parte produzidas pelo réu AA na audiência de julgamento e documentação consistente em artigos jornalísticos cuja junção aos autos foi rejeitada.
A ideia que preside ao eventual aditamento deste facto é a de que da parte dos réus foi feita uma promessa pública de divulgação de factos documentados em correspondência privada dos autores, sem o consentimento destes.
Sucede que as afirmações proferidas pelo réu AA datam de 28.6.2017 (facto nº 93)[32], de 6.6.2017 (facto nº 59)[33] e de 10.10.2017 (facto nº 178)[34], sendo todas elas anteriores ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21.2.2018 que decretou a providência cautelar requerida pelos autores proibindo a divulgação da sua correspondência privada.
Refere-se o seguinte na sentença recorrida: “…o que nós sabemos da actuação da Ré é que esta cessou a divulgação dos emails da autora quando tal lhe foi ordenado no decurso do procedimento cautelar. Daí resulta, pois que a continuação do comportamento danoso futuro não é nem certo nem de elevada probabilidade.
(…)”
A circunstância do réu AA, ao ser ouvido em declarações, afirmar que continua na posse dos emails não significa que este pretenda proceder à sua divulgação.
É, aliás, do conhecimento generalizado que a divulgação da correspondência privada dos autores cessou após o decidido em sede de procedimento cautelar, o que não impede que o conteúdo dos emails antes divulgados continue a ser tema de ampla discussão no mundo futebolístico português.
Neste contexto, os elementos probatórios indicados pelos autores/recorrentes não permitem que o facto decorrente do art. 9º da petição inicial seja aditado à factualidade assente.
2. Pretendem depois os autores que seja aditada à factualidade provada a matéria constante dos arts. 177º, 242º e 252º da petição inicial que têm a seguinte redação:
“Art. 177º
Os Réus retomam, por outro lado, as acusações anteriores de corrupção e tráfico de influências, recorrendo à imagem do “...” e anunciam novas “revelações”:
[00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do ..., mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir. [que se reporta a afirmações feitas pelo réu AA no programa televisivo “...” no dia 27.6.2017]
Art. 242º
A 13.10.2017, por ocasião da divulgação da decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto no sentido de indeferir a providência cautelar apresentada pelas ora Autoras – a qual viria naturalmente a ser revertida, como é consabido –, o Réu AA regressou ao tema, aproveitando essa decisão para relançar insinuações insidiosas sobre as Autoras, designadamente através da sua página da rede social Twitter, onde publicou a imagem de um ..., à qual apôs a legenda «O ... começa a perder força. O caminho é continuar a desmascarar a farsa. Por um futebol limpo», conforme Documento n.º 15 que se junta.
Art. 252º
Ainda na mesma entrevista, referindo-se sempre às Autoras, o Réu AA continua o seu ataque cerrado dizendo: «Parece-me claro, e evidente, hoje, que o futebol português não pode albergar esta gente, com os dados que conhecemos. Estas práticas irregulares de um clube não podem contaminar toda a actividade e colocar todo o futebol português sob suspeita. É preciso extirpar esta gente, o quanto antes. O Y... fará sempre a defesa do futebol português. E, se para isso, tiver que tornar públicas práticas que são completamente irregulares, e eticamente muito reprováveis, para não ir mais longe, o Y... estará sempre na linha da frente». [que se reporta a afirmações feitas numa entrevista dada à Rádio ... em 20.10.2017]
No tocante ao aditamento destas afirmações produzidas pelo réu AA à matéria de facto é também aqui de sublinhar, tal como já atrás se assinalou em 1, que todas elas são anteriores ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21.2.2018 que decretou a providência cautelar requerida pelos autores proibindo a divulgação da sua correspondência privada.
Por conseguinte, delas não é possível extrair qualquer argumento no sentido de que os réus têm, concertadamente, a intenção de continuar a divulgar correspondência privada dos autores, mesmo após o que foi decidido em sede de procedimento cautelar.
Como tal, o aditamento das afirmações referidas nos arts. 177º, 242º e 252º da petição inicial mostra-se irrelevante para a decisão e, por isso, não será efetuado.
3. Pretendem a seguir os autores/recorrentes que seja adicionada à factualidade assente a matéria constante do art. 57º da petição inicial cujo texto é o seguinte:
“Em publicação na revista “...”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do Conselho de Administração da B..., Presidente da Y1..., SAD e do Y..., escreveu, na rubrica designada “...”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar” – cfr. documento n.º 13 do requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido.”
Consideram este facto relevante para a boa decisão da causa no sentido de demonstrar a liderança direta e o compromisso público do réu BB, presidente dos órgãos de administração/direcção dos réus Y1..., SAD, Y... e “A..., S.A” na prossecução de atividades que vieram a lesar os autores.
Mais referem que este facto foi aceite como verdadeiro pelos réus no art. 20º da sua contestação.[35]
Uma vez que se mostra aceite pelos réus, e poderá ter interesse para a boa decisão da causa quanto ao papel do réu BB no desenvolvimento das atividades que lesaram os autores, este facto será aditado à factualidade provada com a seguinte redação:
- Em publicação na revista “...”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do Conselho de Administração da B..., Presidente da Y1..., SAD e do Y..., escreveu, na rubrica designada “...”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar”.[36]
4. Seguidamente, os autores/recorrentes pugnam pelo aditamento à factualidade assente da matéria constante do art. 576º da petição inicial com a redação que se passa a transcrever:
“Pode ler-se no Jornal ..., edição de 20.12.2017: “Tal como habitual, a Comissão de Apoio à Recandidatura de BB organizou ontem o jantar de Natal e, como presente, ofereceu ao líder portista uma caneta banhada em prata. "É muito útil porque continuo a escrever, porque não tenho email", disse de imediato BB, numa noite em que fez um novo ataque cerrado ao X... e ao tão propagado ‘Caso dos emails’. "Não há ninguém neste Mundo que possa dizer que não são verdade. E as pessoas tentam difamar porque sabem que são verdade. Há alguns com história no clube e no futebol português, como o III, que já se envergonham com as atitudes de determinados clubes. É por isso que temos de lutar. É essa guerra que temos de manter, para que a verdade do Y... não seja deturpada em mais um campeonato como foi deturpada noutros", atirou o presidente portista, acrescentando que, sem influência externa, a seca de títulos vai terminar esta época: "Sabemos o que se passou na ... e no clássico do .... Por isso temos de estar atentos, se não houver mais episódios como esses não temos dúvidas de que estaremos nos Aliados em maio.”
Entendemos, porém, que não se justifica o aditamento deste artigo da petição inicial, porquanto se trata de uma notícia jornalística referente a um jantar de natal ocorrido em 20.12.2017, em que se misturam frases atribuídas ao réu BB com apontamentos valorativos do próprio jornalista quando considera designadamente que nesse jantar se fez um novo ataque cerrado ao X....
Movendo-nos assim fora do universo dos factos, não se procederá ao pretendido aditamento.
5. Pugnam também os autores/recorrentes pelo aditamento à factualidade assente do conteúdo do art. 112º da petição inicial com a seguinte redação:
“O Réu AA declarou no programa “...”, do dia 28 de Junho de 2017, cuja transcrição se juntou como documento n.º 11 do requerimento inicial do procedimento cautelar: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contra-informação, mas pronto, o que… da nossa parte, Y..., nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue.””
Consideram este facto relevante para a boa decisão da causa por, na sua perspetiva, demonstrar o envolvimento da Y1..., SAD e seus administradores na atividade em causa nos autos, mais sendo referido que este facto foi aceite como verdadeiro pelos réus no art. 20º da sua contestação.[37]
Atendendo a que poderá ter interesse para a boa decisão da causa no que tange ao papel desempenhado pelos administradores da Y1..., SAD na atividade aqui em apreciação, e se mostra aceite pelos réus, ir-se-á proceder ao seu aditamento à factualidade provada com a seguinte redação:
“O Réu AA declarou no programa “...”, do dia 28 de Junho de 2017: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contra-informação, mas pronto, o que… da nossa parte, Y..., nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue.””
6. As autoras/recorrentes pretendem depois que um extenso conjunto de notícias provenientes de diversos órgãos de comunicação social (“...”; “...”; “...”; ...; “...”), que vêm referidas no art. 118º da petição inicial, sejam aditadas à factualidade provada.
Acontece que, na sequência do que já referimos em 4., este aditamento não se justifica.
Com efeito, estamos perante notícias oriundas de diversos órgãos de comunicação social, onde se cruzam frases atribuídas ao réu BB, com considerações da responsabilidade de cada um dos jornalistas que redigiu essas notícias sobre as circunstâncias em que essas frases terão sido proferidas e os objetivos visados com as mesmas.
Situamo-nos aqui fora do âmbito factual[38], razão pela qual não se procederá ao pretendido aditamento.
7. Os autores/recorrentes sustentam também que o teor dos arts. 119º e 120º da petição inicial deverão ser aditados à factualidade provada com as seguintes redações:
“No discurso durante a entrega dos ..., BB, presidente do Y..., fez questão de deixar um elogio a AA, diretor de comunicação do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano. E fê-lo com ironia. "O ... para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho", prosseguiu.”
“Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este .... Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no ..., na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-geral KKK, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o futebol português”
A matéria dos arts. 119º e 120º da petição inicial, segundo os autores/recorrentes defendem, é relevante para a boa decisão da causa, por evidenciar o reconhecimento público da estrutura diretiva do Grupo Y... à atuação do réu AA.
Acresce que o teor destes dois artigos foi aceite como verdadeiro pelos réus, no art. 20º da contestação, na sua íntegra quanto ao art. 120º, e com exceção do segmento “fê-lo com ironia” quanto ao art. 119º.[39]
E na própria sentença recorrida, na pág. 73, nota de rodapé 3, o Mmº Juiz “a quo” transcreveu o segmento do discurso proferido pelo réu BB na entrega dos ... que foi mencionado no art. 119º da petição inicial.
Neste contexto, porque se mostram aceites como verdadeiros pelos próprios réus e porque poderão ser relevantes para a decisão, tal como até resulta da própria citação feita na sentença recorrida, ir-se-á proceder ao aditamento do arts. 119º e 120º da petição inicial à factualidade provada, sendo, no entanto, o primeiro circunscrito às palavras do réu BB e à indicação da ocasião em que as mesmas foram proferidas, sem qualquer adjetivação supérflua.
A redação destes dois pontos factuais aditados será a seguinte:
- “No discurso durante a entrega dos ..., BB, presidente do Y..., referindo-se a AA, diretor de comunicação do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano, disse: "O ... para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho".[40]
- Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este .... Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no ..., na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-geral KKK, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o futebol português.”
8. As autoras/recorrentes pretendem igualmente que seja aditada à factualidade assente a matéria constante dos arts. 275º e 278º da petição inicial com o seguinte conteúdo:
- “O próprio presidente do clube, o Réu BB, manifestou o seu apoio no que toca à divulgação contínua de alegados emails, através de entrevistas à imprensa desportiva – cfr. a título de exemplo, Documento n.º 31 junta com a petição inicial: ... Online, edição de 08.12.2017, BB: “Quando é o X..., o Governo assobia para o lado”, BB critica o Governo português por nada fazer perante as denúncias que o Y... tem apresentado. O presidente portista já perdeu a esperança numa intervenção política, porque, assinala em entrevista ao jornal "...", "quando é o X..., o Governo assobia para o lado". Em causa está o caso dos e-mails divulgados pelo Y... e a ilegalidade das claques do X.... "O Governo assobia para o lado. Não espero nada do Governo, mas da Polícia Judiciária espero, porque sei que estão a trabalhar no assunto. Pelos dados que nos têm pedido estão a trabalhar com seriedade e rigor", sublinhou. Em relação aos e-mails, BB defende que a sua divulgação "veio contribuir para a moralização do futebol". "Não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos á polícia", acrescentou.”
- “Nesta fase, mais uma vez no cumprimento de uma estratégia concertada e coordenada pelo Y..., o próprio presidente do clube, BB, na revista “...”, profere as seguintes declarações: «O ano que está prestes a terminar fica marcado pela revelação do chamado escândalo dos emails, mas que hoje ninguém duvida que é muito mais do que isso, tratando-se de um colossal esquema de condicionamento e manipulação de pessoas e instituições a favor do X...», ao que prossegue insinuando «Percebe-se agora porque é que tanta coisa estranha sucedeu nos últimos anos e o nosso insucesso das últimas épocas também se explica pelo controlo irregular, à margem da lei e dos regulamentos, que o X... exerce no futebol. É tempo, de uma vez por todas, de todos se dedicarem aos conteúdos revelados, porque já ninguém põe em causa a veracidade das informações tornadas públicas», conforme notícia junta como Documento n.º 33 da petição inicial.”
Entendemos não se justificar o aditamento destes artigos da petição inicial à factualidade assente, porquanto nos mesmos se misturam frases atribuídas ao réu BB com diversas considerações de natureza conclusiva quanto à atuação deste, o que transcende o universo factual.
9. No tocante à redacção do nº 93 da matéria de facto [93. O Réu AA durante o programa de televisão “...”, transmitido no “B...”, de 28 de junho de 2017 afirmou: O segredo de justiça impede a qualquer pessoa que, de alguma maneira seja interveniente num processo, de divulgar tudo o que obtém conhecimento por ser parte integrante do processo, agora, eu já tinha conhecimento daquilo prévio, portanto, o que eu já tenho conhecimento prévio não estou impedido e, neste mesmo programa, nós hoje vamos fazer algumas revelações (…) [01:18:06] Sim, voltamos em Agosto e para a despedida recordar só que o melhor está para vir. Esta mesma afirmação (“o melhor está para vir”) foi corroborada e repetida pela Ré Y... na sua newsletter diária, “...”, na edição do dia 20 de julho (conforme notícias do jornal “...” e do “...”, cfr. Documentos n.ºs 57 e 58 juntos com o requerimento inicial da providência cautelar], que provém do art. 322º da petição inicial, os autores/recorrentes entendem que lhe devem ser aditadas as seguintes afirmações produzidas nesse mesmo programa televisivo:
“(…) [00:04:34] Agora, nós não estamos impedidos de dizer o que quer que seja e a contra-informação do X... anda a espalhar, a dizer mal, aos portugueses, a dizer: “Ai meu Deus agora o segredo de justiça”, não, o segredo de justiça impede de revelar coisas de que se obtenha conhecimento através do processo, eu não tenho conhecimento dos e-mails através do processo, até fui eu que cedi os e-mails à polícia judiciária, cedi todos, todos, os que já aqui tínhamos revelado e todos os outros, que é muita informação, que não tínhamos relevado, portanto, desengane-se quem pensa que, por causa disso, nós estamos impedidos de revelar o que quer que seja. Não estamos. Moderador - [01:18:03] AA, está prometido, a próxima temporada? (…) Moderador - [01:18:11] O melhor ainda está para vir. Muito bem. Fica aqui a promessa. (…)”
Independentemente de quaisquer outros considerandos, o aditamento destas afirmações, face ao que já consta do nº 93 da factualidade assente, mostra-se irrelevante para a decisão da causa e, por isso, manter-se-á a sua redação sem qualquer alteração.
10. Quanto à redação do nº 67 da matéria de facto [No dia 8 de Agosto de 2017, AA divulgara no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar] as autoras entendem que lhe dever ser aditada a ré “A..., S.A.”, sendo tal aditamento relevante para a boa decisão da causa por dele resultar a participação ativa desta ré na atividade em causa nos autos, de divulgação dos mails.
Este ponto factual provém do art. 192º da petição inicial que tem a seguinte redação:
“No dia 8 de Agosto de 2017, em obediência a manifestação pública de compromisso do Presidente do Y..., e seguindo as orientações dadas pelos Réus, os Réus AA e B... divulgaram no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar.”
Os réus no art. 45º da contestação aceitaram como verdadeiro o facto vertido naquele art. 192º da petição inicial «com exceção do segmento intercalar que se impugna veementemente atenta a sua descarada falsidade, “em obediência a manifestação pública de compromisso do Presidente do Y..., e seguindo as orientações dadas pelos Réus”».
Por seu turno, os factos provados sob os nºs 74 e 116 têm a seguinte redação: 74- No dia 19 de outubro de 2017, no programa “...”, transmitido no canal de televisão “...” da B... (cuja gravação em CD se junta como Documento n.º 19), AA, (dizendo) que “todo este caso dos e-mails resulta de uma investigação do B...(…); 116 - O réu AA afirmou que a divulgação foi efectuada no âmbito de uma “investigação” da B..., este editou conjuntamente coma testemunha HHH o livro “...” junto aos autos como doc nº 25, no qual afirma ter auferido como lucro líquido até à data do julgamento a quantia de aproximadamente 7 mil euros para os dois autores.
Neste contexto, onde avulta a circunstância de parte do alegado no art. 192º da petição inicial ter sido aceite como verdadeiro pelos réus, deverá alterar-se a redação do facto provado nº 67 de modo a nele abranger a B....
A sua redação passará então a ser a seguinte:
- No dia 8 de Agosto de 2017, AA e B... divulgaram no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar. [41]
11. Os autores/recorrentes pretendem depois que sejam aditados à factualidade provada diversos factos relativos às funções desempenhadas pelo réu AA no Grupo Y... e também no B... com a seguinte redação:
- “Em sede do processo disciplinar n.º ..., que lhe foi movido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, AA declarou, quando questionado sobre as funções que exerce e quanto à estrutura organizacional do Y... e Y1..., SAD, “Eu sou Diretor de Comunicação e Informação, ou seja, engloba para além da comunicação, o site, a revista e o B.... (…) eu não acompanho a equipa, não desempenho essas funções, quem as desempenha é um dos assessores LLL. (…) agora não quem faz essas funções é o LLL, do qual sou superior hierárquico e com quem articula ações, estratégias em reuniões que têm de fazer para o efeito”.”
- “AA reconheceu também a autoria da newsletter do Y... denominada “...”, conforme suas declarações no âmbito do processo disciplinar acima referido: (…) eu sou o Diretor de Comunicação e Informação, ou seja, engloba para além da comunicação, o site, a revista e o B... (…).”
- “O Conselho de Disciplina não teve dúvidas quanto ao estatuto jurídico e à relação de dependência funcional deste relativamente à Y1..., SAD, conforme excerto “Não restam, por conseguinte, dúvidas quanto ao estatuto jurídico e à relação de dependência funcional do arguido à F... SAD, tratando-se de uma colaboração qualificada e com âmbito de intervenção e autonomia elevada no domínio da comunicação e informação, designadamente no que respeita às competições de futebol reconhecidas como profissionais.””
- “AA acabou por reconhecer igualmente a sua qualidade de diretor de comunicação e informação do Y... e da Y1..., SAD ao assinar um comunicado conjunto com o E..., em representação do Y..., sobre diversos aspetos das competições profissionais de Y... em Portugal (competições essas que estão diretamente relacionadas com as atividades da sociedade anónima desportiva Y1..., SAD.”
Provêm estes factos dos arts. 107º, 108º, 109º e 110º da petição inicial.
Sucede que as funções desempenhadas pelo réu AA no Grupo Y... e também as suas ligações ao B... já se encontram definidas em diversos pontos da factualidade assente, designadamente nos nºs 46, 47, 48, 50, 52, 54 e 55.
Como tal, o aditamento dos pontos factuais acima referidos mostra-se irrelevante para a decisão da causa e, por isso, neste segmento, a pretensão dos autores não será acolhida.
12. Prosseguindo, os autores pugnam depois pelo aditamento do seguinte facto:
- “Ao assumir-se como a única fonte para a libertação da informação ao público – os Réus afirmaram repetidamente que a obtenção da informação fez-se no âmbito de uma “investigação” da B..., portanto que tinham a exclusividade da informação que transmitiam – os Réus beneficiaram do ponto de vista da sua marca e do ponto de vista de proveitos com a venda de informação na imprensa, nomeadamente televisiva, através do canal que gerem – a B....”
Facto que se apoia no art. 718º da petição inicial e que, segundo afirmam os autores/recorrentes, é relevante para a boa decisão da causa por indicar os benefícios económicos retirados pelos réus da sua atividade.
Sucede que os nºs 113, 114, 115, 116, 117, 140 e 142[42] da factualidade provada já refletem, de forma detalhada, os eventuais benefícios económicos obtidos pelos réus com a divulgação dos mails.
Por conseguinte, o aditamento do ponto factual pretendido pelos autores não é relevante para a decisão da causa, sempre sendo certo que o mesmo reveste natureza conclusiva.
Rejeita-se, pois, tal aditamento.[43]
13. Seguidamente, os autores pugnam pela inclusão na factualidade assente do seguinte facto, proveniente do art. 664º da petição inicial:
- As repercussões do “caso dos e-mails do X...” nos meios de comunicação social portugueses e estrangeiros foram numerosas, não havendo um único dia seguinte à transmissão do programa ... sem que passem nos jornais, rádios e televisões, generalistas ou desportivos, referências ao tema ou sem que se transmitam debates ou comentários sobre aquilo que é já conhecido como o “...”, em alusão ao histórico escândalo de corrupção da política norte-americana “Watergate” – cfr. Documento n.º 49 junto com a petição inicial.”
Face ao que já consta dos nºs 109, 110 e 111 da matéria de facto provada[44], donde decorre a grande repercussão mediática da divulgação dos emails do X..., inclusive na comunicação social estrangeira, o aditamento deste novo facto mostra-se inútil e, por isso, se rejeita.
14. Os autores pretendem também que seja aditado à factualidade assente o seguinte facto com origem no art. 665º da petição inicial: - “No estudo de opinião efetuado de 10 a 12 de julho de 2017, precisamente na sequência das imputações feitas pelo B..., pela “G... S.A.” para o “...” e para a “...”, resulta que 58,3% dos inquiridos consideram que no Y... “há tráfico de influências ou corrupção ativa” (vide notícia do jornal “...” de 14 de julho de 2017, que se juntou como Documento n.º 48 com o requerimento inicial do procedimento cautelar).”
Este facto corresponde ao resultado de um estudo de opinião efetuado pela “G...” para a “SIC” e para o “...”, mas apesar da sua localização temporal não há elementos para concluir que o resultado da votação foi determinado pela divulgação dos mails.
Desconhece-se também o universo de pessoas que participaram na sondagem e a metodologia que foi utilizada na sua realização.
Como tal, não se procede ao seu aditamento.
15. Os autores pugnam igualmente pelo aditamento do seguinte facto proveniente do art. 681º da petição inicial:
- “O X... é participante regular da mais importante competição mundial de clubes, onde nas últimas épocas figurou entre os 16 melhores clubes da competição.”
Trata-se de um facto que, perante o que já resulta da factualidade considerada assente, designadamente dos seus nºs 7, 14, 15 e 16, é desnecessário para a decisão da causa. O prestígio internacional do X... e a sua presença assídua na mais importante competição mundial de clubes, o que compartilha com o Y..., é realidade do conhecimento de todos.
Deste modo, não se adita este facto.
16. Os autores pretendem em seguida o aditamento à factualidade provada do seguinte facto, com origem no art. 682º da petição inicial:
- “A ampliação dos danos é uma consequência inevitável do lugar cimeiro que o X... ocupa ao nível das competições europeias, como se pode constatar pelo quadro abaixo: o X... constava, no final da época passada, como o 9.º classificado do “Ranking das competições de clubes da UEFA”, no cômputo global das últimas 5 épocas desportivas, a par dos maiores clubes europeus (...).”
Sucede que a primeira parte deste facto que se pretende aditar [A ampliação dos danos é uma consequência inevitável do lugar cimeiro que o X... ocupa ao nível das competições europeias] tem natureza conclusiva e a sua segunda parte já se acha no essencial vertida no nº 138 da factualidade assente [No ranking da UEFA, a Autora X1... SAD perdeu seis posições na época de .../... (posição 15ª) face à época anterior de .../... (onde ocupava o 9º lugar)].
Consequentemente, não se procederá ao aditamento.
17. Pretendem também os autores que seja aditado à factualidade assente o seguinte facto:
- “Em consequência da atuação dos réus, as autoras perderam o contrato de patrocínio de uma empresa de serviços no valor total de €1.500.000,00 por três anos.”
Afirmam que este facto foi alegado, nomeadamente nos arts. 437º, 443º, 612º, 613º, 735º/11 e 755º da petição inicial e que foi testemunhalmente provado no depoimento prestado por NNN, diretor comercial e de marketing dos autores.
Com efeito, neste depoimento aludiu-se a um contrato que se estava a ultimar com uma grande empresa em Portugal na área dos serviços e que em maio de 2017 se gorou, sendo um contrato de 500.000€ por ano.
Porém, nenhuma prova documental (por ex. mails, sms) foi apresentada que comprovasse a ocorrência desta negociação e o seu malogro.
Por outro lado, lidos os arts. 437º, 443º, 612º, 613º, 735º/11 e 755º da petição inicial em nenhum deles se mostra alegado o concreto facto que agora os autores visam aditar.
Assim sendo, tanto porque o único depoimento indicado é insuficiente para lograr a prova pretendida, como porque o facto ora em causa não se mostra alegado, indefere-se o aditamento factual aqui pretendido pelos autores.
18. Seguidamente pretendem os autores que seja aditado o seguinte facto:
- “A loja do estádio das Autoras teve uma quebra de 37% dos clientes de Abril até ao final do ano de 2017 e um aumento de desistências de sócios face ao ano anterior de 68%.”
Sustentam que este facto foi alegado, nomeadamente nos arts. 613º, 775º, 776º e 779º da petição inicial e que foi testemunhalmente provado no depoimento prestado por NNN, diretor comercial e de marketing dos autores.
Este, no seu depoimento, referiu que no período compreendido entre abril de 2017 e o final desse ano houve uma quebra de 37% nos clientes da loja e que as desistências de sócios, face ao ano anterior, aumentaram em 68%.
Todavia, nenhuma prova documental foi apresentada que comprovasse estas percentagens relativamente à quebra de clientes na loja e ao aumento de desistências de sócios.
Por outro lado, lidos os arts. 613º, 775º, 776º e 779º da petição inicial em nenhum deles se mostra alegado o concreto facto que agora os autores pretendem ver aditado.
Deste modo, tanto porque o único depoimento indicado é insuficiente para lograr a prova pretendida, como porque o facto ora em causa não se mostra alegado pelos autores, indefere-se o aditamento factual aqui pretendido.
19. Prosseguindo, os autoras/recorrentes pugnam pelo aditamento do seguinte facto à factualidade dada como assente:
- “Em consequência das imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, as Autoras perderam o contrato de renovação por 8 anos de um dos camarotes mais caros do estádio, no valor de €210.000/ano.”
Referem que este facto foi alegado, nomeadamente nos arts. 437º, 612º, 613º e 666º da petição inicial e que foi testemunhalmente provado nos depoimentos prestados por NNN, diretor comercial e de marketing dos autores, e OOO, seu diretor de vendas e expansão internacional.
NNN referiu que uma empresa, nesse período, estava para fechar um contrato de oito anos para um dos camarotes mais caros do estádio, de 210.000€ por ano, e desistiu.
OOO, por seu lado, disse que uma empresa suiça queria comprar um dos camarotes top para 8 anos de 210.000€.
Todavia, nenhuma prova documental (por ex., mails e sms) foi apresentada que comprovasse a ocorrência destas negociações e o seu insucesso.
Por seu turno, lidos os arts. 437º, 612º, 613º e 666º da petição inicial em nenhum deles se mostra alegado o concreto facto que agora os autores pretendem ver aditado.
Consequentemente, tanto porque os depoimentos indicados, só por si, são insuficientes para lograr a prova pretendida, como porque o facto ora em causa não se mostra alegado pelos autores, indefere-se o aditamento factual aqui pretendido.
20. As autoras pretendem ainda que seja adicionado à factualidade assente o seguinte facto:
- “Em consequência das imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, as Autoras perderam o negócio do licenciamento da marca e merchandising na China no valor de 85 milhões de euros durante 20 anos.”
Consideram que este facto foi alegado, nomeadamente nos arts. 437º, 612º, 613º e 666º da petição inicial e que foi testemunhalmente provado no depoimento prestado por OOO, diretor de vendas e expansão internacional dos autores.
OOO disse que, nessa altura, estavam praticamente a fechar um negócio de licenciamento da marca na China para 20 anos por 85.000.000,00€ e que depois as coisas esfriaram. Referiu também que preferia não dizer o nome da empresa com quem estavam a negociar.
Sucede que nenhuma prova documental (por ex., mails e sms) foi apresentada que pudesse comprovar a ocorrência destas negociações e o seu malogro.
Por seu turno, lidos os arts. 437º, 612º, 613º e 666º da petição inicial em nenhum deles se mostra alegado o concreto facto que agora os autores pretendem ver aditado.
Deste modo, tanto porque o depoimento indicado, só por si, é insuficiente para lograr a prova pretendida, como porque o facto ora em causa não se mostra alegado pelos autores, indefere-se também este aditamento factual aqui pretendido.
21. Os autores pugnam depois pelo aditamento do seguinte facto, proveniente do art. 815º da petição inicial:
- “O X... na classificação geral da UEFA no agregado das épocas de .../... a .../..., ocupou o sexto lugar (6º), à frente de clubes como o ..., a ... ou o ..., o que demonstra o valor dos investimentos e do trabalho das Autoras consubstanciado na sua informação confidencial e segredos do negócio – cfr. ...).”
Acontece que a classificação obtida pelo X... no ranking da UEFA no agregado das épocas .../... a .../... resulta diretamente da consulta do site da UEFA.
Porém, a ligação desta classificação cimeira ao valor dos investimentos e do trabalho das autoras consubstanciado na sua informação confidencial e segredos do negócio, como é pretendido, remete-nos para o âmbito do juízo conclusivo, o que é estranho à realidade factual.
Como tal, não se procederá ao aditamento pretendido.
22. Pretendem depois os autores que seja aditado à factualidade assente o seguinte facto, proveniente do art. 816º da petição incial:
- “O resultado que todo este investimento e know-how representam na prática é o facto de o X... ter, na época desportiva de 2014-2015, amealhado 20 títulos distribuídos por 6 modalidades distintas.”
Ora, o sucesso desportivo do X... na época 2014/2015 nos termos referidos é um elemento objetivo que, neste caso, surge alegado com referência a uma notícia do Jornal ... de 20.6.2015.
Contudo, tal como se sustentou a propósito do item anterior, a ligação deste sucesso desportivo ao investimento e know-how, como se visa, remete-nos para o âmbito do juízo conclusivo, o que é estranho à realidade factual.
Por isso, não se efetuará este aditamento.
*
Em continuação, os autores impugnam também a decisão proferida pelo tribunal “a quo” na parte respeitante à matéria de facto não provada – pontos 1 a 12 – pretendendo que sejam aditados à factualidade assente diversos factos que consideram provados.
23. Insurgem-se assim os autores contra os factos não provados 1 e 9 [Não se provou: 1. Que os RR tenham usado e parcialmente exposto a informação comercial confidencial das AA.; 9. Que tenham sido as RR divulgaram [sic] o contrato de comunicação de EE e o contrato de trabalho de DDDDDD e informação conexa com o mesmo], pretendendo que, em sua substituição, se adite o seguinte facto provado:
- “Os Réus acederam, guardaram, trataram, copiaram e expuseram informação comercial confidencial das Autoras.”
Da matéria fáctica assente consta o seguinte:
- O Y... e a Y1..., SAD divulgaram emails e demais correspondência relativa ao domínio @X....pt, bem como as comunicações (telefónicas e mensagens de texto) e detêm em seu poder informação comercial/segredos de negócio das Autoras, ainda que o façam através do seu Diretor de Comunicação e Informação (AA), no canal de televisão por si detido e controlado (i. e., o canal de televisão ... da Ré B...) – cfr. nº 48;
- A atuação dos Réus tem sido fonte de danos na esfera jurídica das Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas completamente devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida – cfr. nº 102;
- A devassa dessa informação pelos Réus fez com que as Autoras perdessem já muita da vantagem competitiva que lhes advinha da dita informação, porquanto um dos seus maiores concorrentes passou dela a ter conhecimento – cfr. nº 134.
- Os dados e informações das Autoras, bem como as suas comunicações, têm valor económico e concorrencial porque são secretos (eram) apenas conhecidos das Autoras e dos seus colaboradores internos e altos responsáveis diretamente envolvidos – cfr. nº 21.
Deste conjunto de factos assentes, que versam sobre a matéria aqui em apreciação, decorre que os réus acederam a informação comercial confidencial dos autores, mas daí não se pode extrair a conclusão pretendida por estas de que a usaram, expuseram e divulgaram, sendo certo que tal uso, exposição e divulgação também não se retira dos excertos das declarações prestadas pelo réu AA e do depoimento da testemunha HHH referenciados nas alegações.
Aliás, o próprio Mmº Juiz “a quo” escreve, na sentença recorrida (pág. 72), que “nenhum elemento permite, até agora, concluir que os RR. usaram [a informação comercial confidencial] em circunstâncias concretas, tal como admitem as próprias testemunhas das AA.”
Como tal, sem necessidade de outras considerações e porque a questão aqui colocada pelos recorrentes mais contende com a solução jurídica da causa, não há que proceder ao aditamento factual ora pretendido.
24. Os autores insurgem-se depois contra o facto não provado nº 3, que é proveniente do art. 673º da petição inicial [Não se provou… que considerando todas as variações ao longo do período e as “revelações” da B..., constata-se que os atos lesivos dos Réus provocaram uma erosão patrimonial do valor dos títulos da X1... SAD que se situou na média dos 2,9% (dois vírgula nove por cento)], sustentando que este deverá transitar para o elenco dos factos provados com a seguinte redação:
- “Considerando todas as variações ao longo do período e as “revelações” da B..., constata-se que os atos lesivos dos Réus provocaram uma erosão patrimonial do valor dos títulos da X1... SAD.”
Da matéria fáctica dada como assente, quanto a esta matéria, flui o seguinte:
- A atividade desenvolvida pelos Réus, de modo consistente e reiterado a partir de abril de 2017, visa diretamente atingir – e atinge – a reputação e o bom nome comercial das Autoras com reflexos diretos no desempenho comercial do Grupo X..., com afetação relevante da respetiva posição económico-financeira – cfr. nº 104;
- As ações da X1... SAD, admitidos à cotação em bolsa de valores (...) sofreram variações de cotação, algumas das quais negativas em altura coincidente com a divulgação de alguns dos emails – cfr. nº 105;
- Em 24.5.2019 a sua cotação atingiu 2,72 euros em 11.4.2017 a sua cotação atingiu 1,017 euros, tendo descido de 1,60 euros em 5.10.2017 para 1,126 em 24.11.2017 conforme gráfico da euronext lisboa oficiosamente acedido ... – cfr. nº 106;
- A cotação das ações da X1... SAD desvalorizaram (por vezes) na sequência da atividade dos Réus (e de outros factores nomeadamente resultados desportivos) ao longo de todo o período considerado até à decisão judicial de proibição de divulgação proferida no âmbito dos presentes autos em sede cautelar – cfr. Documento n.º 50, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido. Estas desvalorizações oscilaram entre 9,26% (máximo) e 0,6% (mínimo), com variações frequentes na ordem dos 3% ou valores superiores – cfr. nº 107.
Verifica-se, assim, face a estes pontos factuais, que a desvalorização dos títulos da X1... SAD, no período em causa, já se encontra assente e que uma das razões que motivaram essa desvalorização radica na atividade dos réus.
Por outro lado, conforme se salienta na própria sentença recorrida, não existem nos autos elementos probatórios que permitam fixar em 2,9% a erosão patrimonial sofrida pelos títulos da X1... SAD.
Daí que este facto, com referência percentual, tenha sido dado corretamente como não provado, sendo que, perante os factos que acima se deixaram descritos (nºs 104 a 107), se mostra supérfluo o aditamento pretendido pelos autores/recorrentes.
25. Os autores insurgem-se também contra o facto não provado nº 12, proveniente do art. 194º da petição inicial, pretendendo que o mesmo transite para o elenco dos factos provados com a seguinte redação:
- “Com o mesmo intuito de descredibilizar e ofender, AA tinha anteriormente chegado ao ponto de comparar as Autoras aos esbirros do regime nazi”.
Sustentam a sua pretensão numa notícia publicada na edição do dia 13.4.2017 do jornal “...” onde se escreveu, reproduzindo afirmações do réu AA: “O problema não é a existência de cartilha, é tratar os adversários da maneira que trata e ser caucionada pelo presidente do X.... Não me venham dizer que é clube muito organizado e muito à frente. Os comentadores do Y... não são inundados com propaganda. Isto é Goebbels. Isto é uma vergonha.”
Sucede que com a alusão a Goebbels, o conhecido Ministro da Propaganda da Alemanha Nazi, no contexto em que foi feita, o réu AA pretendia, essencialmente, caracterizar, como agressiva e concertada, a política comunicacional do X..., isto porque os comentadores afetos ao clube, na sua ótica, seguiriam todos eles um mesmo guião, conhecido como “cartilha”.
Tal alusão, focada nessa política comunicacional, apesar de muito acintosa, não é, a nosso ver, suficiente para que se possa concluir que o réu AA comparou os autores aos esbirros do regime nazi.
Por conseguinte, não se procederá ao aditamento pretendido pelos autores, sempre se anotando que um eventual comentário “a latere” produzido pelo Mmº Juiz “a quo”, porque os seus comentários e afirmações não constituem meio probatório, nunca poderão fundar uma modificação factual.
26. Os autores entendem depois que o facto não provado nº 6 [Não se provou que… a conduta das RR seja o efeito lesivo mais devastador do equilíbrio emocional, físico e intelectual dos jogadores e técnicos da Equipa e com consequências no seu desempenho absolutamente inequívocas (v.g., retirar o esforço e o mérito dos sucessos alcançados, através do vexame e vergonha induzidos)], proveniente dos arts. 246º e 282º da petição inicial, deverá transitar para o elenco dos factos provados com a seguinte redação:
- “A conduta das RR causou distúrbio emocional dos jogadores e consequentemente potenciar danos à sua saúde física, com prejuízo para as Autoras.”
Nesse sentido apontam excertos dos depoimentos produzidos pelas testemunhas PPP e QQQ.
PPP é médico do X.... A este propósito disse ter sentido que houve instabilidade causada pela divulgação dos mails. Não tem presente que lesões ocorreram, mas certamente algumas. Até porque lesões que poderiam ser de grau 1 foram de grau 2. Mas não sabe quantificar e instado, nesse sentido, não conseguiu apontar quaisquer lesões diretamente relacionadas com a divulgação dos mails.
QQQ, treinador da Equipa ..., limitou-se a dizer que a divulgação dos mails fragiliza o balneário.
O conteúdo vago e impreciso destes dois depoimentos, nos quais não foi mencionado qualquer caso concreto em que um jogador do X... tenha sofrido distúrbio emocional em consequência da divulgação dos mails e que, por isso, nada prova, leva a que o aditamento factual pretendido pelos autores não possa ser acolhido e que o facto não provado nº 6 assim permaneça.
27. Depois, os autores, relativamente ao facto não provado nº 8, proveniente do art. 776º da petição inicial, pugnam no sentido deste transitar para o conjunto dos factos provados com a seguinte redação:
- “As RR são responsáveis porque muitos adeptos, simpatizantes e sócios do X... sofreram e se sentiram vexados, assim se erodindo o aviamento das Autoras junto da sua maior base de apoio quanto à exponenciação do seu goodwill.”
Sem necessidade de outros considerandos, logo se constata que este aditamento não se poderá concretizar, uma vez que envolveria a inserção na matéria de facto de conceitos jurídicos como sejam aviamento/goodwill.[45]
28. Pretendem também os autores, reportando-se ao facto não provado nº 10[46], que seja aditado à factualidade assente o seguinte ponto, que se apoia no art. 579º da petição inicial:
- “Os atos de aquisição, tomada de conhecimento, utilização e divulgação dos ficheiros identificados como sendo do domínio @X....pt, diga respeito a (alegada) correspondência ou constituindo segredo de negócio das Autoras, são imputáveis a todos os Réus:
1) ao Réu AA, pela prática material dos referidos atos;
2) à Ré Y2... S.A. e à Ré A..., S.A., pela prática dos atos de disponibilização dos meios humanos e materiais para a efetivação dos referidos ilícitos (em especial a tomada de conhecimento, utilização e divulgação); e
3) aos Réus Y..., Y1..., SAD, BB, CC e DD, pela autorização, expressa ou tácita, ativa ou omissiva, necessária para que tais ilícitos se tivessem efetivado no contexto comercial/concorrencial em que o foram”.
Da simples leitura do ponto que os autores agora querem ver aditado logo ressalta a sua manifesta natureza conclusiva. Não estamos perante matéria factual, mas sim perante conclusões jurídicas em torno do conceito de imputabilidade.
Como tal, e sendo inúteis outras considerações, não se acolhe o aditamento pretendido.[47]
*
Por último, os autores impugnam ainda matéria de facto que foi dada como provada visando a sua alteração.
Assim:
29. No tocante ao facto provado nº 144 [O conteúdo do programa televisivo “...” foi exclusivamente determinado pelas RR (Y2...) e não constitui um programa noticioso] pretendem os autores que a sua redação seja alterada de modo a abranger todos os réus, quer sejam pessoas coletivas, quer sejam entidades singulares.
Passaria a ser a seguinte:
“O conteúdo do programa televisivo “...” foi determinado pelos Réus e não constitui um programa noticioso.”
Sucede que os elementos probatórios indicados pelas autoras/recorrentes, onde se destacam excertos dos depoimentos das testemunhas MMM, diretor geral do B..., e JJJ, assessor da administração do Y1..., SAD, não permitem dar como provado que todos os réus (aí se incluindo a totalidade das pessoas singulares) tenham determinado o conteúdo do programa televisivo “...”, o qual permanecerá na factualidade assente sem alteração de redação.
30. Quanto ao facto provado nº 154 [As características dos ficheiros informáticos recebidos, analisados quanto às suas propriedades por técnico especializado, o seu conteúdo, o volume de e-mails em questão convenceram aquele Réu da sua fidedignidade] os autores/recorrentes pretendem que a sua redação seja alterada passando a ser a seguinte:
“As características dos ficheiros informáticos recebidos, o seu conteúdo, o volume de e-mails em questão convenceram aquele Réu [AA] da sua fidedignidade.”
Nesse sentido indicam excertos do depoimento prestado pela testemunha TTT.
Este é técnico de informática e trabalha para o Y... desde 2012. Disse que deu apoio a AA na abertura dos ficheiros informáticos recebidos e explicou como o fez, sendo que, na sentença recorrida, depois de termos ouvido na íntegra o seu depoimento, constatámos que se fez uma adequada síntese do mesmo com o seguinte teor:
“Confirma que fez download dos emails a pedido de AA, colocaram um computador só com esse efeito. Arranjaram um computador próprio para fazer isso. O computador não estava em rede no ... até por questões de segurança e porque a rede interna estava bloqueada. Guardou no computador do Y... o qual ficou num gabinete do Y..., da primeira vez ficaram no computador do AA e depois transferidos para pen e depois para um computador específico, que foi comprado de propósito e que não estava ligado à rede do Y... nem à internet. A palavra passe foi definida pelo AA e o ficheiro tinha cerca de 18 gigas, ao todo, porque foi lá ao todo 8 a 10 vezes fazer essa transferência. Não fez cópias nem fez cópias para outras pessoas nem abriu qualquer ficheiro. Depois associou esses ficheiros aos emails do X... quando viu as emissões do B.... Ajudou a entregar em mão todos os emails à PJ”.[48]
Por outro lado, o réu AA, nas suas declarações, afirmou que contactou o TTT para abrir os ficheiros informáticos recebidos.[49]
Neste contexto probatório, entendemos que os ficheiros informáticos recebidos foram efetivamente analisados por um técnico especializado – TTT -, de tal modo que a redação do nº 154 da factualidade assente se nos afigura correta, não justificando qualquer alteração.
Tal como se justifica que o nº 193 da factualidade provada [Os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado], que os autores/recorrentes também impugnaram querendo ver suprimido, permaneça como provado, uma vez que os ficheiros informáticos recebidos foram objeto de análise por parte de técnico especializado.
31. No tocante ao facto provado nº 155 [Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do seu interesse público] as autoras/recorrentes consideram que quanto à sua parte final se deve ter em atenção que na divulgação de mails por parte do réu AA este teve em conta não propriamente o interesse público, mas sim o que ele – subjetivamente – entendeu ser de interesse público.
Afigura-se-nos que quanto a este ponto factual é correta a posição dos autores e, por esse motivo, altera-se a redação do facto nº 155 que assim passará a ser a seguinte:
- Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público.
*
B) Os réus também se insurgem, tal como os autores, contra a matéria de facto dada como provada e não provada nos termos que se passarão a apreciar.
1. Principiam por impugnar os factos nºs 1, 2 e 5 que têm a seguinte redação:
- 1. O X... e o Y... são concorrentes diretos, nomeadamente no âmbito das competições desportivas nacionais e internacionais que disputam, incluindo competições de Y... profissional (Campeonato Nacional da Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça, e competições europeias organizadas pela UEFA) bem como nos negócios e atividades comerciais conexos prosseguidos.
- 2. O “Grupo X...” e o “Grupo Y...” são constituídos por uma multiplicidade de sociedades comerciais especializadas nas diversas vertentes do fenómeno desportivo (desporto profissional, merchandising, comunicação e media, promoção de eventos, patrocínio comercial, etc.), as quais oferecem produtos e serviços nos mercados concorrenciais em que se inserem, disputando entre si jogadores, negócios, clientela, patrocínios, com vista à afirmação desportiva, económica e social continuada dos seus projetos empresariais.
- 5. As Autoras e as sociedades Rés concorrem diretamente no domínio empresarial prosseguindo múltiplas atividades concorrentes, oferecendo produtos e serviços que disputam os mesmos mercados, a mesma clientela, patrocinadores e parceiros comerciais, desde as competições oficiais desportivas com participação das suas equipas nos campeonatos nacionais de Y..., hóquei em patins, basquetebol, andebol, natação, etc., passando pela organização de eventos desportivos e comerciais, publicidade, comunicação comercial e emissão de canais de televisão por cabo, jornais, revistas, publicidade, aluguer de espaços comerciais, exploração de merchandisig (equipamento desportivo, etc.), sponsorship (patrocínio de produtos e serviços), educação, formação desportiva, publicidade, restauração, organização de viagens, entre muitas outras atividades conexas e complementares.
Pretendem os réus/recorrentes, relativamente a estes factos, que no respeitante ao nº 1 se elimine o segmento final “bem como nos negócios e atividades comerciais conexos prosseguidos”, por entenderem que o X... e o Y... são agremiações desportivas de utilidade pública mas que não desenvolvem, designadamente o Y..., outros negócios nem prosseguem atividades comerciais conexas.
No que concerne aos nºs 2 e 5 os réus sustentam que estes factos não deveriam ter sido dados como provados, isto porque consideram que não existe uma relação concorrencial do ponto de vista comercial entre os Grupos Y... e X..., destinada à conquista de clientela no mesmo mercado.
Vejamos.
O facto provado nº 1 provém do art. 1º da petição inicial, que tem idêntica redação, e este não foi objeto de impugnação por parte dos réus na contestação que apresentaram, razão pela qual se terá de haver como admitido por acordo ao abrigo do art. 574º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, assim se mantendo na factualidade provada nos seus precisos termos.
Já quanto aos factos provados nºs 2 e 5, que provém dos arts. 2º e 6º da petição inicial, verifica-se que os mesmos se encontram parcialmente impugnados no art. 10º da contestação.[50]
Sucede, porém, que no segmento respeitante a estes dois factos - nºs 2 e 5 -, a impugnação efetuada pelos réus/recorrentes não respeitou o disposto no art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, que obriga a especificar, sob pena de rejeição: i) os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados; ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos factuais impugnados; e iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Com efeito, lendo-se o que os réus/recorrentes escreveram a propósito da impugnação fáctica dirigida aos factos nºs 2 e 5, verifica-se que estes não indicaram qualquer meio probatório constante do processo ou de gravação nele realizada que levasse a que estes dois factos fossem dados como não provados.
Limitaram-se os réus a produzir afirmações de natureza jurídica/conclusiva, sem se ancorarem para a finalidade pretendida em qualquer concreto meio probatório, o que conduz à rejeição da impugnação da matéria de facto quanto aos referidos factos provados nºs 2 e 5.
2. Insurgem-se depois contra os factos provados com os nºs 7 e 15 que têm a seguinte redação:
- 7. O X... é uma agremiação desportiva de utilidade pública, fundada em 1904 e reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas portuguesas;
- 15. O X... é uma instituição de prestígio nacional e internacional, constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social, reconhecido através das condecorações e ordens honoríficas com que foram agraciadas, conforme documento nº 8 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
Pretendem que no nº 7 se elimine o segmento “reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas portuguesas” e no nº 15 o segmento “constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social”.
Acontece que estes dois factos provêm, respetivamente, dos arts. 18º e 26º da petição inicial e sobre eles os réus tomaram posição definida no art. 7º da contestação que na parte relevante tem o seguinte teor:
“Aceita-se, por corresponder à realidade, a factualidade vertida nos artigos 18º a 25º, 26º (com exceção do número de sócios, uma vez que os Réus não sabem se o mesmo corresponde ou não à realidade, não se tratando de facto pessoal nem que dele devessem ter, por qualquer razão, conhecimento) (…)”.
Sucede que o trecho alegado no art. 26º da petição inicial referente ao número de sócios – O X... possui atualmente cerca de 160.000 sócios – não foi transposto para a redação do nº 15 da factualidade assente
Constata-se, pois, que estes dois factos agora impugnados pelos réus se mostram admitidos por acordo e, por essa razão, deverão permanecer na factualidade provada.
3. Em seguida, os réus impugnam os nºs 21 e 134 da matéria de facto [21 - Os dados e informações das Autoras, bem como as suas comunicações, têm valor económico e concorrencial porque são secretos (eram) apenas conhecidos das Autoras e dos seus colaboradores internos e altos responsáveis diretamente envolvidos; 134 - A devassa dessa informação pelos Réus fez com que as Autoras perdessem já muita da vantagem competitiva que lhes advinha da dita informação, porquanto um dos seus maiores concorrentes passou dela a ter conhecimento], pretendendo que os mesmos sejam dados como não provados.
Os meios probatórios que indicam, nesse sentido, reconduzem-se a excertos das declarações prestadas pelo réu AA e dos depoimentos das testemunhas HHH e TTT.
Nas suas contra-alegações as autoras, a propósito destes pontos factuais, aludem, por seu turno, a excertos dos depoimentos das testemunhas HHH, NNN, EEEEEE, QQQ, PPP, FFFFFF, KK e também das declarações do réu AA.
Em sede de fundamentação da decisão de facto, o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte:
“(…)
3. Quanto à natureza dos segredos
A lista desses elementos foi junta no apenso liquidação, sendo que não foi impugnada. Logo essa descrição sumária está assente por acordo. Depois, a natureza secreta desses elementos resulta por exemplo, da mera descrição desses elementos. Parece seguro que relatórios de scouting, planeamento de treinos, actas da comissão de gestão, etc sejam sigilosas e secretas. Note-se que, apesar da oposição das RR estas não demonstraram, antes pelo contrário, a natureza não secreta desses elementos. Algumas das suas testemunhas quando confrontadas com esses elementos admitem que não quereriam que elementos semelhantes fossem divulgados. O Sr. Dr. GGGGGG, médico especialista em ortopedia, admite que a carga de lesões de um atleta é uma informação relevante e que pode ter interesse económico. O Sr. Dr. HHHHHH, psicólogo e especialista em psicologia do desporto confirma que teriam interesse abstracto em saber o que faz a concorrência. E o Sr. IIIIII (testemunha AA): “Quanto aos segredos de negócios afirma que todas as actas da comissão executiva são sigilosas e envolvem informação reservada, que nem é do conhecimento dos restantes colaboradores.
Por fim, o Sr. EEEEEE (massagista AA desde agosto 2006): “Confirma a natureza confidencial da informação, que demorou tempo e trabalho a desenvolver. Diz, por exemplo, que na formação os jogadores se desenvolvam melhor e que se integrem melhor na equipa sénior. Esses elementos implicam para terceiro ganhos de tempo. Esclarece que “na metodologia avançada de treino” está em causa o conhecimento de 10 pessoas distintas, durante vários meses/anos. Mas em termos económicos não sabe o valor desses elementos incluindo aqueles em que trabalhou. A mesma testemunha esclarece que: “o documento metodologias avançadas de treino consiste numa metodologia desenvolvida pelo clube, e que usam em exclusivo. Consideram que é uma mais valia a sua metodologia. Diz que os seus jogadores estão mais bem preparados graças a isso e que se nota uma evolução. O acesso a essa informação prejudica-os porque a pessoa obtêm em minutos aquilo que para eles demorou anos a obter. Diz trabalhar numa equipa de dez pessoas, da mesma área, mas uma em cada modalidade e escalão. O treino é específico para a posição do jogador. Quanto aos restantes documentos avalia que os mesmos são confidenciais e o conhecimento por um adversário prejudica o X.... Admite que se mudar de equipa leva, mesmo imaterialmente esse acervo de técnicas e instrumentos de trabalho. Os dados históricos dos jogadores, se conhecidos, podem influenciar o valor de mercado dos mesmos. Diz que divulgação dos elementos, no seu caso, não levaria a uma mudança de métodos, eles mudam quando as coisas não resultam ou quando encontram outras situações ou métodos”.
O Sr. Dr. FFFFFF: “Explica o controlo dos indicadores físicos dos jogadores jovens e a importância como “segredo” do conhecimento desses indicadores. Esclarece até que a sua tese de doutoramento foi nessa área e que esses dados são fundamentais de tal modo que a R não lhe concedeu acesso a esses indicadores, a título de trabalho académico. Depois esclarece que alguma dessa informação se encontra sujeita a segredo médico, por dizer respeito a dados clínicos”. Conjugando os elementos objectivos (lista dos documentos) com alguns depoimentos testemunhais, à luz das máximas da experiência o tribunal tem uma certeza mais do que razoável da natureza secreta dos elementos, que tem dimensões diversas (ex contratos que possam ter sido depositados), sabendo ainda que os mesmos tiveram um custo indeterminado mas assinalável. Basta dizer que o X... gastará anualmente 6 milhões em salários de não atletas e que 10% a 30% do tempo destes é usado nesses segredos, que demoraram 3 a 4 anos a ser criados. Assim obtemos um valo médio indeterminado de 3,6 milhões de euros, para além dos 3,5 milhões que uma testemunha refere ter sido o custo de aquisição do projecto informático e do plano de negócios.
4. Quanto ao conhecimento/apropriações desses elementos
Esses elementos estão na posse das RR há mais de 2 anos (desde Abril 2017), segundo depoimento de parte, os mesmos estão num computador do clube, numa sala das instalações da R Y2...; a qual era acedida pelo R AA e testemunha Sr. HHH.
Nesta matéria o Sr. TTT técnico de informática desde 2012 do Y..., diz que “Confirma que fez download dos emails a pedido de AA, colocaram um computador só com esse efeito. Arranjaram um computador próprio para fazer isso. O computador não estava em rede no ... até por questões de segurança e porque a rede interna estava bloqueada. Guardou no computador do Y... o qual ficou num gabinete do Y..., da primeira vez ficaram no computador do AA e depois transferidos para pen e depois para um computador específico, que foi comprado de propósito e que não estava ligado à rede do Y... nem à internet. A palavra passe foi definida pelo AA e o ficheiro tinha cerca de 18 gigas, ao todo, porque foi lá ao todo 8 a 10 vezes fazer essa transferência. Não fez cópias nem fez cópias para outras pessoas nem abriu qualquer ficheiro. Depois associou esses ficheiros aos emails do X... quando viu as emissões do B.... Ajudou a entregar em mão todos os emails à PJ”. Ora, se as RR quiseram analisar os emails e se alegam que fizeram “uma análise exaustiva” é evidente que tiveram acesso aos anexos. Note-se aliás que J. Marques admite isso (“eu não mas o HHH disse-me”). Ora, face às regras da experiência supra referidas não faz sentido e não é provável que num clima de guerra aberta entre dois clubes rivais, existissem [pruridos] éticos na leitura de informação sigilosa, importante e relevante, que permitia senão copiar, pelo menos conhecer o adversário. Acresce que essa versão da realidade é contraditada pelo que foi afirmado pelas RR., pois, se fizeram uma análise cuidada e exaustiva tiveram de analisar os anexos. E note-se aliás que, nalguns dos emails divulgados apenas os anexos tiveram interesse (sem texto) e foram efectivamente abertos e analisados pelas RR. Ou seja, é altamente provável que as RR tenham aberto esses emails e anexos, tal como abriram os divulgados e por isso está demonstrado de forma segura que quiseram ler, e leram os anexos onde se encontram esses segredos de negócio. Por fim, teremos de ter em conta que podemos usar a presunção judicial de que os serviços das RR são competentes, inteligentes e aptos. Estranho seria, pois, que gastassem toda a sua energia apenas em conhecer “os podres” do adversário e resistissem à tentação de lerem (e isso basta) os múltiplos documentos relevantes sobre a sua actividade desportiva; comercial e organizativa. Deste modo a tese de que as RR nunca tiveram conhecimento do teor dos dados é naturalmente posta em causa. Só a Ré Y2... tem cerca de 30 funcionários (depoimento de parte), e contratou pelo menos uma pessoa para em exclusivo analisar esses emails. Logo, não é credível que não tivesse tido conhecimento de todos esses elementos. Depois, estes pela sua natureza criam curiosidade tanto mais que, por exemplo, na gravação do programa ... do dia 19 de Setembro de 2017, junta aos autos pela Recorrentes através de requerimento de 22 de Setembro de onde resulta a referência a dados do contrato de um jogador. Depois a insinuação (efectuada pelo réu AA no mesmo programa) do elevado salário do director de comunicação do X... (contrato que estava disponível nos emails conforme se pode constatar nos autos) demonstra de forma suficiente que os RR tiveram conhecimento dessa informação e a divulgaram de forma parcial. Daí a resposta positiva a esta questão. (…)”
O réu AA nas suas declarações disse que estavam a fazer um trabalho jornalístico sobre as “tramóias” do X... e, por isso, a caixa do II não lhes interessava. Não lhes interessavam os esquemas de marcação de bolas paradas. As únicas pessoas, dento da estrutura do Y..., que tiveram acesso aos ficheiros foram o declarante e o HHH.
A testemunha HHH é técnico de comunicação e conteúdos no Y2... desde 2017. Disse que o AA lhe referiu que tinha recebido um conjunto de caixas de correio relativas a figuras do X... – JJ, EE (diretor de comunicação) e II (elemento ligado à formação e comentador na X2...) – e o objetivo seria analisar essas caixas de correio e verificar se havia informação que merecesse divulgação. Essa tarefa foi executada pela testemunha em articulação com o AA. Mais referiu que os ficheiros não eram guardados na cloud do Y.... Eram passados para um computador a que mais ninguém tinha acesso para além da testemunha e do AA. Com a caixa de correio de II não trabalhou de forma aprofundada. Andavam à procura de situações que pudessem indiciar comportamentos que prejudicassem ilegitimamente o Y.... Não prestou atenção aos mails relacionados com metodologias de treino. Também passou ao lado de mails relacionados com o historial de lesões de atletas do X..., com jovens talentos, com contratos e protocolos com sponsors e outros clubes e com salários e prémios dos atletas. O objectivo não foi o de espiolhar o X... quanto à sua organização e quanto aos dados dos seus jogadores. Disse não ter tido curiosidade em saber quanto ganhavam os jogadores do X.... Para além do AA nunca falou com ninguém sobre o conteúdo dos mails. Quanto aos mails relativos a métodos de treino do X..., a dados clínicos e salariais dos jogadores, a contratos e patrocínios não os partilhou com ninguém.
A testemunha TTT, técnico de informática que trabalha para o Y..., disse que para fazer download dos mails adquiriram um computador, o qual não estava incluído na rede do Y.... Não fez cópias para si nem para outras pessoas, nem abriu qualquer ficheiro.
Passando às testemunhas indicadas pelos autores.
A testemunha NNN, diretor comercial e de marketing dos autores, disse que ter conhecimento do plano estratégico de um adversário desportivo é muitíssimo relevante e uma vantagem competitiva muito grande.
A testemunha EEEEEE, fisiologista do X... desde 2006, disse que a informação relativa às metodologias de treino é confidencial, porque é um trabalho que demorou a desenvolver e que consideram ser uma mais-valia. Outro clube ter acesso a tal informação em minutos prejudica-os e representa uma vantagem para esse rival.
A testemunha QQQ, treinador da Equipa ... do X..., disse que para quem está interessado num jogador se souber que há alguma lesão crónica isso fragiliza quem está a vender.
A testemunha PPP, médico do X..., disse que a saída do mail relativo a uma tentativa de venda do QQQQ sem ele saber pode ter criado alguma instabilidade e alguma desunião no grupo.
A testemunha FFFFFF, médico e consultor dos autores, disse que o conhecimento da estratégia de desenvolvimento do Centro de Alto Rendimento do X... é uma vantagem competitiva para um concorrente.
A testemunha KK, diretor financeiro dos autores, disse que o valor que está aplicado em segredo de negócio do X... é muitas vezes superior a 17 milhões. É um dano muito relevante e que perdurará no tempo.
Avaliando os depoimentos produzidos pelo réu AA e pela testemunha HHH, indicados pelos réus/recorrentes, verifica-se que estes procuram situar o interesse na divulgação dos mails tão-somente naqueles que indiciassem comportamentos ilícitos por parte das autoras e dos quais pudesse resultar prejuízo desportivo para o Y....
Assim, dos mails a que tiveram acesso afirmam que em nada lhes interessava aqueles que se reportavam a metodologias de treino, a histórico de lesões de atletas do X..., a jovens talentos, a contratos e protocolos com sponsors e outros clubes e a salários e prémios dos atletas.
É, no entanto, uma versão que em nada nos convence e que não pode conduzir à eliminação da factualidade assente nos nºs 21 e 134.
Com efeito, é do conhecimento de todos que entre o Y... e o X... existe há longos anos um clima de elevada conflitualidade, de “guerra”, marcado por constantes episódios em que os dois clubes surgem em barricadas opostas, agredindo-se e procurando sempre retirar força das fraquezas do rival.
Não se nega que o principal objetivo dos réus com o acesso que tiveram à correspondência privada das autoras fosse a exposição de situações em que se pudessem configurar casos de eventual corrupção no fenómeno desportivo, casos esses que ajudariam a explicar a sucessão de alguns anos desportivos menos conseguidos por parte do Y....
Mas sendo esse clima de permanente confrontação entre os dois clubes uma realidade, não faz sentido que tendo tido os réus acesso a uma tão larga panóplia de informação relativa às autoras não tivessem tomado conhecimento de toda ela, mesmo da que transcendia a eventual ocorrência de situações de corrupção desportiva protagonizadas pelos autores.
As regras da experiência assim o impõem.
Tal como acertadamente escreve o Mmº Juiz “a quo” e aqui novamente se transcreve: “…face às regras da experiência supra referidas não faz sentido e não é provável que num clima de guerra aberta entre dois clubes rivais, existissem [pruridos] éticos na leitura de informação sigilosa, importante e relevante, que permitia senão copiar, pelo menos conhecer o adversário. Acresce que essa versão da realidade é contraditada pelo que foi afirmado pelas RR., pois, se fizeram uma análise cuidada e exaustiva tiveram de analisar os anexos. E note-se aliás que, nalguns dos emails divulgados apenas os anexos tiveram interesse (sem texto) e foram efectivamente abertos e analisados pelas RR. Ou seja, é altamente provável que as RR tenham aberto esses emails e anexos, tal como abriram os divulgados e por isso está demonstrado de forma segura que quiseram ler, e leram os anexos onde se encontram esses segredos de negócio. Por fim, teremos de ter em conta que podemos usar a presunção judicial de que os serviços das RR são competentes, inteligentes e aptos. Estranho seria, pois, que gastassem toda a sua energia apenas em conhecer “os podres” do adversário e resistissem à tentação de lerem (e isso basta) os múltiplos documentos relevantes sobre a sua actividade desportiva, comercial e organizativa.
A argumentação dos réus em sede recursiva e os meios probatórios que indicaram na sua impugnação fáctica não são de molde a afastar o bem fundado da apreciação feita pelo Mmº Juiz “a quo”, onde não é de mais salientar que contraria toda a razoabilidade que os réus, muito empenhados na descoberta e revelação dos “podres” e das “tramóias” do adversário, ignorassem, numa atitude de grande respeito por esse mesmo adversário, não o lendo sequer, todo um largo depósito de informação relativo à atividade desportiva, comercial e organizativa deste.
Deste modo, manter-se-ão como provados os factos nºs 21 e 134.
4. Os réus impugnam depois os factos provados sob os nºs 22, 23, 24 e 25 que têm a seguinte redação:
- 22. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens são valiosos segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das partes contratantes.
- 23. Tais dados, caso tenham sido acedidos ou conhecidos de outros concorrentes ou por terceiros, ou tornados públicos, (podem ser) de imediato usados como argumento concorrencial e como fator de perturbação económico-financeira e desportiva das Autoras.
- 24. O mesmo se aplica às comunicações, correspondência e contratos com jogadores, treinadores e outros colaboradores, dados pessoais sensíveis e anotações de fichas médicas, ao know-how sobre metodologias de treino e outras técnicas desportivas, à evolução de desempenho, às anotações e observações de jogadores, ao scouting desportivo (pesquisa e recrutamento de potenciais jogadores), às ações de formação e liderança, aos planos e estratégias desportivas, bem como aos demais dados de negócio, incluindo designadamente sobre os proveitos e custos das diversas rubricas de exploração, sócios, campanhas de marketing e desenvolvimento comercial, investimentos, serviços e produtos transacionados, relações com fornecedores e clientes, relações com instituições bancárias e financeiras, empréstimos e financiamentos, condições contratuais sobre todos os negócios desenvolvidos, relações com agentes de jogadores, relações e parcerias com outros clubes de futebol e parceiros desportivos ou empresariais, correspondência institucional (…).
- 25. O acesso, mesmo na forma de [contacto], o aproveitamento ou divulgação por terceiros de informação privilegiada da X1... SAD de caráter secreto (não tornado público), ou mesmo obviamente a divulgação ou suspeita pública dessas práticas, influenciam (e serão idóneos a influenciar) de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.
Pretendem a eliminação destes factos por constituírem afirmações genéricas e conclusivas ou até meras suposições do tribunal, não indicando, porém, quaisquer meios probatórios que possam impor essa eliminação ao abrigo do art. 640º do Cód. de Proc. Civil.
Ora, sucede que nenhum destes quatro pontos factuais impugnados pode ser havido como juízo conclusivo ou mera suposição do tribunal, anotando-se que a utilização no nº 23, o que se estende ao nº 24, de uma frase com estrutura condicional não lhe retira natureza factual.
E quanto ao nº 22 não poderá deixar de se realçar que sendo o futebol uma área que movimenta tanto dinheiro, principalmente no que tange aos clubes de topo como o são o Y... e o X..., os contratos de patrocínio e respetivas condições, bem como as comunicações entre o clube e os seus patrocinadores, constituem inevitavelmente valiosos segredos de negócio.
Assim, estes quatro pontos permanecerão na factualidade provada, retirando-se, contudo, da redação do nº 25, por supérfluo, o advérbio de modo “obviamente”, passando este a ter o seguinte texto:
- O acesso, mesmo na forma de contacto, o aproveitamento ou divulgação por terceiros de informação privilegiada da X1... SAD de caráter secreto (não tornada pública), ou mesmo a divulgação ou suspeita pública dessas práticas, influenciam (e serão idóneos a influenciar) de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.
5. Prosseguindo, os réus impugnam o nº 26 da matéria de facto provada [As Autoras investiram uma quantia indeterminada, mas superior a um milhão de euros, no desenvolvimento e segurança do seu sistema informático, do seu sistema de comunicações e dos respetivos equipamentos necessários, nomeadamente para guarda e tratamento reservados dos seus dados e negócios, adquiriram equipamentos de segurança, de acesso e gestão de informação, contratualizaram fornecedores de serviços de guarda, manutenção e segurança e contrataram técnicos especializados de informática e comunicações especializados que estão ao seu serviço de forma permanente e exclusiva, para zelar pelo funcionamento adequado dos seus arquivos e dados informáticos e segredos de negócio], entendendo que, por ausência de prova, não pode ser dado como provado que os autores gastaram acima de um milhão de euros no desenvolvimento e segurança do seu sistema informático, do seu sistema de comunicações e dos respetivos equipamentos necessários.
Os autores/recorridos, diversamente, consideram ter feito a prova deste facto, apelando para tal aos factos provados nºs 118, 119 e 120 e meios de prova neles referidos ou reproduzidos e também aos depoimentos prestados pelas testemunhas SSS e JJJJJJ.
Os factos nºs 118, 119 e 120 têm a seguinte redação:
- 118. As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despenderam a quantia total de €444.358,66 (quatrocentos e quarenta e quatro mil trezentos e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n.º 55. (…). No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;
- 119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores, conforme doc nº 56, cujo teor se dá por reproduzido:
- 120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de Março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos).
Por outro lado, no seu depoimento SSS, diretor técnico e informático que trabalha no X... há 16 anos[51], disse que tiveram de reforçar a segurança do sistema informático, tendo escolhido outra plataforma, no que despenderam um milhão e meio, dois milhões, qualquer coisa à volta disso. Tal implicou seis meses de trabalho e tiveram que ter mais gente.
JJJJJJ, por seu turno, é contabilista certificado das autoras desde 2002. Disse que, na sequência do acontecido, contrataram alguns serviços no sentido de reforçar os sistemas informáticos e proteger as bases de dados existentes. Fez-se a migração do sistema da PT para o sistema da Microsoft, o que terá custado aproximadamente 2 milhões de euros. Pediram também à H... que fizesse um relatório para confirmar as despesas que estavam a ser elencadas.
Neste contexto, terá que se concluir que as autoras fizeram a prova do facto nº 26, razão pela qual este se manterá na factualidade assente.
6. Os réus insurgem-se depois contra os factos provados nºs 30, 47, 55 e 56 que têm a seguinte redação:
- 30. A divulgação da correspondência e comunicações privadas e dos documentos confidenciais e/ou contendo segredo do negócio das Autoras resulta de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Y..., para quem o Réu AA trabalha, e no qual exercem funções de administração ao mais alto nível os Srs. BB, Dr. CC e Dr. DD conforme o documento nº 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido;
- 47. AA, na qualidade de Diretor de Comunicação e Informação do Y... e da Y1..., SAD, atuou sempre em coordenação com estas, todos eles possuindo e divulgando a correspondência privada imputada a terceiros, sem autorização destes, executando uma estratégia de divulgação;
- 55. No exercício das suas funções, os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC exercem de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., bem como do seu funcionário Réu AA;
- 56. Os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, através da liderança do primeiro, e a concordância e a adesão solidária dos segundos, definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro.
Relativamente ao nº 30 os réus/recorrentes pretendem que se suprima o segmento “…e dos documentos confidenciais e/ou contendo segredo do negócio das Autoras…”, por considerarem que não se procedeu à divulgação de qualquer documento confidencial ou segredo de negócio. Tal como entendem que a divulgação da correspondência e comunicações privadas das autoras não resultou de uma estratégia autorizada pela administração do Grupo Y..., devendo, por isso, ser eliminada do texto do nº 30 a palavra “autorizada”.
Quanto aos nºs 47, 55 e 56 sustentam que, por ausência de prova, devem ser eliminados.
Nesse sentido indicam excertos dos depoimentos das testemunhas HHH, MMM e VVV, bem como das declarações do réu AA.
As autoras/recorridas, a propósito deste segmento da impugnação factual, indicam excertos das declarações do réu AA e do depoimento da testemunha JJJ.
HHH disse que os contactos que teve a respeito da divulgação dos mails foram sempre com o AA.
MMM é diretor geral do B.... Disse que o B... pertence ao Y... e os administradores da “A...” são BB, DD e CC. Uma parte da grelha é ocupada por conteúdos do Y.... Só teve conhecimento dos mails a partir dos programas do B... e a partir do momento em que começaram a ser divulgados a única coisa que pediu é que não se fizessem referências a questões pessoais, da vida privada. Mais referiu que o AA responde em termos hierárquicos perante KKK, que é o responsável pela Y2..., e perante a administração. Tem uma reunião semanal com o administrador mais direto do B..., o Dr. DD e o KKK, diretor geral da Y2..., onde falam não dos conteúdos do Y..., mas sim da gestão do canal. Nessas reuniões o Dr. DD nunca aproveitou para dar diretivas ou para transmitir ordens do Presidente. Nunca se meteram no trabalho.
VVV é diretor do ... desde outubro de 2018. Disse que enquanto esteve no B... a ideia é que este seria um canal com clube, mas não um canal de clube, com uma separação clara entre os conteúdos do Y... e os outros programas e a informação generalista. Referiu que durante todo o tempo em que esteve no B... só recebeu dois telefonemas de BB e foram sobre informação generalista, salientando ainda que não tinham reuniões conjuntas.
AA, por seu turno, disse que para a divulgação dos mails não recebeu ordens ou autorização de ninguém. Depois referiu que quem lhe paga o salário é a Y2... cujo “titular” presume ser o Y.... O que fez fê-lo na qualidade de diretor de informação e comunicação do Y.... A estratégia de divulgação dos mails foi gizada com o HHH e nela não teve intervenção a administração do Y.... A estes (BB, DD e CC) limitou-se a dizer-lhes que tinha uma matéria explosiva e para verem o programa à noite, no qual se fez a divulgação da questão das “cartilhas”, ao que eles não atribuíram grande importância. Mas quanto à divulgação dos mails sublinha que nem foi autorizado pelos administradores da Y1..., SAD, nem impedido. Apenas os informou.
JJJ, indicado pelos autores/recorridos, é assessor da administração do Y1..., SAD. Disse que quem toma as decisões na holding do Grupo Y... são o Presidente, DD e CC e depois, dependendo das temáticas, são os outros administradores do grupo (Dr. KKKKKK, Eng. ZZZ e KKK). Do que tem conhecimento nunca estes administradores repudiaram as afirmações e a atividade de AA. O B... pertence à sociedade “A...”, que, por sua vez, pertence à Y2..., a qual é detida pela SAD. Fazem parte de um grupo. Na sociedade “A...” quem supervisiona mais a sua atividade operacional é o Dr. DD. Tem a convicção de que se os administradores do Y... não estivessem concordantes tê-lo-iam manifestado ao AA.
Sucede que os elementos probatórios indicados pelos réus/recorrentes não permitem, a nosso ver, afastar a convicção formada pela 1ª Instância e que levou a que fossem dados como assentes os factos com os nºs 30, 47, 55 e 56, onde se liga a divulgação dos mails por parte do réu AA, director de comunicação e informação do Y..., à administração do Grupo Y..., que tinha conhecimento e autorizou essa divulgação.
Com efeito, não é crível que AA, atendendo à sua vinculação funcional ao Grupo Y..., onde é diretor de comunicação e informação, numa matéria de tanta relevância para o clube tivesse agido de forma isolada sem conhecimento nem autorização da respetiva administração.
Por conseguinte, permanecerão na factualidade assente os referidos nºs 30, 47, 55 e 56, sendo que relativamente ao nº 30 se alterará a sua redação, uma vez que, apesar de acessados e conhecidos, não se provou que tenha havido divulgação de documentos confidenciais contendo segredos do negócio das autoras.
A redacção desse nº 30 passará assim a ser a seguinte:
- A divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras resulta de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Y..., para quem o Réu AA trabalha, e no qual exercem funções de administração ao mais alto nível os Srs. BB, Dr. CC e Dr. DD conforme o documento nº 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
7. Seguidamente, os réus/recorrentes impugnam os nºs 52 e 144 que têm o seguinte teor:
- 52. A Ré B... é um serviço de programas televisivos, autorizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, em Setembro de 2006, através da Deliberação 8-A/2006. O seu programa “...”, é um programa de entretenimento de promoção comercial do grupo do Y..., das suas atividades e dos seus interesses, não constituindo um programa noticioso. Os demais intervenientes actuam como comentadores, sendo adeptos do Y.... Nem os protagonistas, nem o programa, nem o serviço de televisão “B...” exercem neste contexto qualquer atividade noticiosa de natureza jornalística;
- 144. O conteúdo do programa “...” foi exclusivamente determinado pelas RR (Y2...) e não constitui um programa noticioso.
Pretendem os réus que no nº 52 se elimine o segmento “não constituindo um programa noticioso” e também tudo o que depois vem até ao último ponto final e no nº 144 entendem que deve ser suprimido a parte “e não constitui um programa noticioso”.
No sentido das alterações visadas os réus/recorrentes aludem a excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas VVV, MMM e HHH e das declarações produzidas pelo réu AA, que por nós foram ouvidos, e onde se qualifica o programa “...” como um programa de informação.
MMM refere que se trata de um programa, genericamente, de informação, embora seja um conteúdo específico dedicado ao Y..., porque o Y... é que tratou do canal, tendo-o também para a promoção da sua marca. Acrescenta que é um programa muito direcionado, muito específico do Y..., embora lhe reconheça carácter jornalístico. É um programa de canal desportivo, de pendor clubístico.
Por seu lado, a testemunha LLLLLL, jornalista, diretor da revista “…”, num excerto indicado pelas autoras/recorridas, disse que na sua perspetiva o B... não é um órgão de comunicação social como a “…”, o “…” ou o “...”. A lógica do B..., da X2... ou da E1... é a de funcionar em consonância com os interesses dos clubes.
Na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo”, quanto a esta questão factual relacionada com o carácter noticioso/jornalístico do programa “...”, escreveu o seguinte:
“No depoimento de parte J. Marques reconhece não ser formalmente jornalista. Existe nos autos documentação que comprova isso (fls. 1362). Este afirma que actuou como jornalista mas as supra referidas testemunhas[52], como já expomos supra, entendem que o programa em causa nada possuiu de jornalismo mas é uma mera extensão do interesse clubista. Todas as emissões foram efectuadas sem contraditório (foi feito um convite a 2 pessoas em 1 das 20 emissões). Na maior parte das situações os emails foram lidos sem que o público pudesse sequer apreender a totalidade dos documentos; depois, os intervenientes são todos adeptos portistas discutindo apenas sobre quem é ou não fanático; e por fim o escopo da intervenção como foi afinal e admitido era “encontrar as situações comprometedoras do X...” (depoimento AA). Pelo que podemos concluir que o programa e divulgação em causa nem são formal nem substancialmente programas jornalísticos.”
O Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 1/99, de 1.1., estabelece no seu art. 1º, nº 1 que «são considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão
Depois no nº 2 desse art. 1º diz-se que «não constitui atividade jornalística o exercício de funções referidas no número anterior quando desempenhadas ao serviço de publicações que visem predominantemente promover atividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial.»
E no art. 4º, nº 1 deste mesmo Estatuto estatui-se que é condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com o respetivo título, o qual é emitido e renovado pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista.
Ora, o programa televisivo “...” é um programa de adeptos do Y..., visando promover as atividades e os interesses do respetivo grupo comercial, não constituindo um programa noticioso realizado de acordo com critérios de rigor e isenção, tal como o impõe o art. 14º, nº 1, al. a) do Estatuto do Jornalista.[53]
De referir ainda que na deliberação da ERC/2018/112, de 6.6.2018, já em sede deliberativa, se consignou o seguinte:
“De todo o exposto se conclui, em síntese, que o modelo folhetinesco semanalmente levado a cabo pelo serviço de programas “B...” sob a aparência de um trabalho de investigação jornalística e que, a pretexto de um interesse público associado a uma denominada “verdade desportiva”, denunciando exuberantemente práticas social e juridicamente reprováveis protagonizadas por pessoas ligadas ao X... e por terceiros a esta instituição alheios, traduz-se afinal num exercício inconsequente, e em cujo âmbito são ignoradas elementares exigências aplicáveis à actividade jornalística.”
Deste modo, porque o programa “...” não tem, manifestamente, natureza jornalística/noticiosa, manter-se-ão os nºs 52 e 144 na matéria de facto, sem qualquer alteração de redação.
8. Os réus impugnam igualmente os factos provados com os nºs 92 e 155 que têm a seguinte redação:
- 92. Estes comportamentos deliberados dos Demandados visam criar intencionalmente a dúvida em milhões de adeptos, simpatizantes e desportistas sobre a lisura da competição;
- 155. Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do seu interesse público [a redação deste ponto factual já foi alterada na sequência de impugnação fáctica dos autores, tendo passado a ser a seguinte: “Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público”].
Pretendem que o facto nº 92 seja suprimido, sem que para tal efeito indiquem qualquer concreto meio probatório que imponha essa alteração, sendo que, pela sua evidência, não é suscetível de oferecer dúvidas que a divulgação dos mails não pôde deixar de ter também a intenção aí referida: ou seja, a de criar a dúvida nos adeptos quanto à lisura da competição.
Como tal, há que manter o nº 92 na factualidade assente.
Quanto ao nº 155 entendem os réus que a sua redação deve ser alterada passando a ser a seguinte: Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Recorrente AA só divulgou uma ínfima parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função do seu interesse público.
Apontam nesse sentido segmentos das declarações de parte do réu AA e do depoimento da testemunha HHH, nos quais estes referem que apenas divulgaram mails com interesse jornalístico.
Não se duvida que só uma parte dos mails a que teve acesso foram divulgados pelo réu AA, mas certamente que não temos elementos para quantificar essa parte como ínfima.
E quanto às finalidades subjacentes a essa divulgação se o que se considerou ser o interesse público foi tido em conta, também os interesses dos réus e a danosidade do divulgado para as autoras se levaram em atenção.
Aliás, a título exemplificativo, só numa lógica a que é alheio o interesse público se pode compreender a divulgação de um mail do qual resultava que o X... tinha pago, na última temporada, 136 mil euros em serviços de bruxaria – facto nº 65.
Não se recorta aqui qualquer interesse público. Apenas intenção de ridicularizar, de amesquinhar…
Por conseguinte, manter-se-á a redação do nº 155 da factualidade assente com a retificação já feita na sequência da impugnação dos autores.
9. Seguidamente, os réus insurgem-se contra os factos nºs 98 e 102 [98. Os efeitos nefastos resultantes da atividade dos Réus se projetaram sobretudo, em termos económicos, após o encerramento do referido exercício; 102. A atuação dos Réus tem sido fonte de danos na esfera jurídica das Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas completamente devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida], entendendo que estes devem ser eliminados por não se tratarem de verdadeiros factos, encerrando afirmações vagas e sem objetividade.
Relativamente ao nº 98, onde se destaca a utilização da pouco rigorosa expressão “efeitos nefastos”, concorda-se com a posição assumida pelos recorrentes e por se considerar que o mesmo não integra um verdadeiro facto, elimina-se este do elenco dos factos provados.
Quanto ao nº 102 entendemos que este envolve realidade fáctica, justificando-se, porém, uma redação mais enxuta expurgando-a do conceito de direito “esfera jurídica” e do advérbio de modo “completamente”.
A sua redação passará a ser esta:
- A atuação dos Réus tem sido fonte de danos para as Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida.
10. Os réus impugnam seguidamente os nºs 103 e 104 da matéria de facto que têm a seguinte redação:
- 103. As Autoras têm suportado as imputações reiteradas de factos ilícitos e descredibilizadores feitas pelos Réus, que as acusam de corrupção, tráfico de influência, manipulação e instrumentalização de instituições desportivas e de arbitragem, à margem de qualquer base objetiva e factual, vendo o seu bom nome e reputação repetidamente vilipendiados por um autêntico julgamento em praça pública, sem rigor e isenção;
- 104. A atividade desenvolvida pelos Réus, de modo consistente e reiterado a partir de abril de 2017, visa diretamente atingir – e atinge – a reputação e o bom nome comercial das Autoras com reflexos diretos no desempenho comercial do Grupo X..., com afetação relevante da respetiva posição económico-financeira.
Quanto ao nº 103 consideram que este corresponde a um juízo de valor ou opinião pessoal do tribunal, devendo ser expurgado das suas referências valorativas e não factuais.
Não oferece dúvidas que este ponto da matéria de facto se encontra carregado de juízos valorativos, razão pela qual se impõe a sua depuração de modo a que transmita apenas realidade factual.
A sua redação passará a ser a seguinte:
Os Réus acusam as Autoras de factos integrativos de corrupção, tráfico de influência, manipulação e instrumentalização de instituições desportivas e de arbitragem, o que afetou o seu bom nome e reputação.
No que tange ao nº 104 os réus/recorrentes entendem que a atividade que desenvolveram não visava atingir a reputação e o bom nome comercial das autoras, mas sim divulgar um conjunto de factos de interesse público, indiciadores de práticas desleais, sendo nesse sentido as declarações de parte do réu AA e o depoimento da testemunha HHH. Por outro lado, também não aceitam que a atividade desenvolvida tenha afetado de forma relevante a posição económico-financeira do Grupo X....
A questão do interesse público subjacente à divulgação dos mails já atrás foi abordada [B) 8.], tendo-se considerado que também outros objetivos foram tidos em atenção nessa divulgação ligados aos interesses particulares dos réus e ao dano que poderia ser causado às autoras com afetação da sua reputação e bom nome comercial.
Que essa atividade dos réus tenha visado afetar de forma relevante a posição económico-financeira do Grupo X... – e não apenas a parte desportiva - é algo que também não cremos que possa suscitar dúvidas e surge referido, por exemplo, no depoimento prestado pela testemunha EE, diretor de comunicação do X..., indicado quanto a este ponto factual em sede de contra-alegações, onde alude às dificuldades surgidas com um dos principais patrocinadores – a ... – e aos esforços tidos junto desta entidade para explicar a situação criada.
Como tal, o nº 104 permanecerá na factualidade assente.
11. Os réus/recorrentes discordam depois dos nºs 118, 119, 120 e 121 da factualidade provada cuja redação é a seguinte:
- 118. As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despendaram a quantia total de €444.358,66 (quatrocentos e quarenta e quatro mil trezentos e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. Em campanhas de marketing para promover a comercialização do “...” incentivando a participação dos sócios, em momento sensível do início da época desportiva de .../... e em que, concomitantemente os Réus acentuavam as suas investidas contra as Autoras, especialmente dirigida a minorar os efeitos destas atividades ilícitas, as Autoras pagaram a empresas acima indicadas, especializadas em marketing e campanhas publicitárias, a quantia total de €179.278,66 (cento e setenta e nove mil duzentos e setenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca X... e do Grupo X..., as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;
- 119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores, conforme doc nº 56, cujo teor se dá por reproduzido;
- 120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de Março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos);
121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €784.579,56 (setecentos e oitenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos).
Sustentam que todos estes quatro pontos factuais devem ser eliminados dos factos provados, aludindo nesse sentido a excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas SSS e JJJJJJ e sublinhando ainda que mesmo que os gastos referidos tenham ocorrido eles não são consequência do comportamento dos réus, pois estes não invadiram o sistema informático dos autores.
Tal como salientam que as campanhas de marketing para promover a comercialização do “...” incentivando a participação dos sócios ocorrem todos os anos, sendo independentes da ação dos réus.
SSS, diretor técnico e informático que trabalha no X..., disse que tiveram de reforçar a segurança do sistema informático, tendo escolhido outra plataforma, no que despenderam um milhão e meio, dois milhões, qualquer coisa à volta disso. O que implicou seis meses de trabalho e tiveram que ter mais gente, tal como tiveram que fazer essa migração de forma rápida e não num processo “mais natural, mais sossegado.”
JJJJJJ, contabilista certificado das autoras, admitiu que as campanhas publicitárias relativas ao “...” se repetem todos os anos, tendo afirmado que uma parte do valor referente a essa campanha publicitária poderia eventualmente ser despendido, independentemente da divulgação, ou não, dos mails.
Sucede que a circunstância alegada pelos réus de não terem sido eles a invadir o sistema informático das autoras não é relevante, uma vez que foram eles que, tendo tido acesso à correspondência privada destas, a divulgaram.
Já no tocante à campanha de marketing destinada a promover a comercialização do “...” é de se ter em atenção que se trata de uma campanha que se efetua todos os anos, de tal modo que as despesas que com ela foram tidas não podem ser atribuídas à divulgação dos mails e, por isso, serão suprimidas da redação do nº 118, o que determinará também a alteração do nº 121, quanto ao montante global que aí foi registado.
No que tange às demais despesas referidas nos nºs 118 a 121 entendemos que as mesmas surgem dos esforços desenvolvidos pelos autores com vista a mitigar os resultados da ação danosa dos réus e, por essa razão, serão todas elas mantidas.
Assim, a redação dos nºs 118 e 121 passará a ser seguinte:
- 118. As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despendaram a quantia total de €265.080,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e oitenta euros), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca X... e do Grupo X..., as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;
- 121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €605.300,90 (seiscentos e cinco mil trezentos euros e noventa cêntimos).
Os nºs 119 e 120 permanecerão na matéria de facto sem qualquer alteração de redação.
12. Os réus impugnam também os nºs 122 e 125 da matéria de facto provada que têm a seguinte redação:
- 122. Devido à conduta das RR as AA tiveram dificuldades na negociação de novos contratos comerciais, parcerias, contratos desportivos, contratos com colaboradores, etc., ou negociação dos atuais, como o celebrado em 2015 com a ... com termo em 3 anos contados da sua celebração;
- 125. Em qualquer negociação em curso ou futura, sempre as Autoras estarão, em consequência direta do comportamento dos Réus, em posição de desvantagem, nomeadamente na angariação de mais verbas resultantes do contrato de patrocínio desportivo ou na obtenção de qualquer outra vantagem de cariz comercial dessas sociedades.
Quanto ao nº 122 os recorrentes afirmam que este é contraditório com a fundamentação da sentença em recurso que admite a existência de uma situação de concausalidade.
Ora, essa contradição não se vislumbra e a concausalidade será questão que melhor se discutirá em sede de fundamentação de direito. Acresce que, tendo o nº 122 evidente suporte factual, para além desta hipotética contradição os recorrentes não referem qualquer concreto meio probatório que impusesse decisão diversa da recorrida, conforme exige o art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.
Permanecerá assim o nº 122 na factualidade assente.
No que concerne ao nº 125 os recorrentes limitam-se a alegar que se trata de um facto especulativo, sem indicarem quaisquer concretos meios probatórios que pudessem levar a que o mesmo fosse eliminado do elenco dos factos provados.
Afastando-se o carácter especulativo do nº 125, que não o tem, importa assinalar que as autoras nas suas contra-alegações, ao invés do que foi feito pelos réus, indicaram no sentido da prova deste facto excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas OOO, diretor de vendas e de expansão internacional do X1... SAD, NNN, diretor comercial e de marketing dos autores, MMMMMM, gestor de empresas e KK, diretor financeiro dos autores.
E desses depoimentos decorrem as dificuldades que os autores, a partir da divulgação dos mails, passaram a ter na negociação de patrocínios, situação a que a testemunha OOO aludiu ao afirmar que nenhuma empresa quer estar ligada a outra que, de repente, todos os dias, surge na comunicação social, que não consegue guardar as suas informações, os seus segredos [“que raio de empresa é esta!”].
Por seu turno, a testemunha MMMMMM disse que qualquer pessoa que esteja a negociar com o X... ao saber que a sua informação pode cair no domínio público fica de pé atrás. Há uma retração de todos os stakeholders.
Deste modo, entendemos que o nº 125 deverá permanecer na matéria de facto provada.
13. A seguir os réus/recorrentes insurgem-se contra os nºs 131 e 132 da factualidade assente que têm o seguinte conteúdo:
- 131. Essa informação é resultado de um vasto investimento, de valor indeterminado mas no valor de pelo menos, alguns milhões de euros, efetuado pelo X... em diversas áreas que vão desde o scouting à metologia de treino, ao marketing¸ à contratação de jogadores e staff, etc..
- 132. Essa informação das Autoras é know-how que, aplicado à área de negócio dos Réus e das Autoras, confere vantagem competitiva que só será assegurada através da confidencialidade da informação.
Quanto ao nº 131 os réus, sem indicarem qualquer concreto meio probatório em que se apoiem para a sua impugnação, limitam-se a afirmar que este ponto factual se encontra em contradição com a fundamentação constante da sentença.
Nesta, escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo”: “(…) Quanto ao valor desses segredos o tribunal não pode, em rigor e com segurança, atingir qualquer valor. É certo que a testemunha FF diz que que só o projecto de transformação digital custou 1, 5 milhões e o projecto ... 3 milhões. Logo só em dois elementos teríamos um dano de 4,5 milhões. Depois sabemos também o custo aproximado dos salários. Mas como é evidente um depoimento testemunhal é insuficiente para demonstrar essa realidade, tanto mais que por certo as AA terão faturas e orçamentos. E, por isso poderão densificar com rigor os custos desses elementos. (…)”
Acontece que não existe qualquer contraditoriedade entre o que mostra escrito em sede de fundamentação e o facto nº 131, que, de resto, se compatibilizam, de tal modo que este ponto permanecerá na factualidade assente.
No que concerne ao nº 132, os réus, também aqui sem aludirem a qualquer concreto meio probatório que justifique decisão diversa, afirmam tão-somente que este ponto encerra um juízo conclusivo e não um facto, motivo pelo que deve ser excluído.
Porém, o dito nº 132 tem, a nosso ver, natureza factual, motivo pelo qual, sem necessidade de outros considerandos, será mantido na factualidade provada.
14. Depois, os réus discordam igualmente do nº 156 da matéria de facto [Na maior parte dos casos, não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas, também porque só alguns continham essa informação] entendendo que da sua redação devem ser expurgados os trechos “na maior parte dos casos” e “também porque só alguns continham essa informação.”
Nesse sentido, indicam excertos do depoimento prestado pela testemunha MMM e também das declarações produzidas pelo réu AA.
MMM disse que, relativamente à divulgação dos mails, a única coisa que pediu é que não se fizessem referências a questões pessoais, da vida privada. AA, por seu lado, disse que não se divulgaram mails que pelo seu teor respeitassem à vida íntima, familiar e sexual das pessoas que neles eram referidas.
Neste contexto probatório, entendemos que a correção à redação do nº 156 proposta pelos réus se justifica, passando esta a ter o seguinte teor:
- Não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.
15. Os réus/recorrentes discordam, em seguida, da redação do nº 197 da matéria de facto, que tem a epígrafe “Da junção de documentos em audiência” [Considera-se comprovado que foram elaboradas e emitidas as notícias cuja cópia foi junta no requerimento 32073975, das quais não resulta que uma página na net tenha divulgado em 11.12.2017 toda a informação divulgada pelas RR e que da mesma façam parte os segredos de negócio supra referidos], propondo que a sua redação passe a ser a seguinte:
- Os emails nos quais se encontram contidos os alegados segredos de negócio dos Autores foram todos eles divulgados numa página na net, tendo estado disponíveis para download para quem quer que nela navegasse.
Uma vez que a decisão de 10.4.2019, que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo réu AA no decurso da audiência de julgamento, através de requerimento de 4.4.2019 com a referência 32073975, foi revogada nos termos que atrás se expuseram [4º recurso – apenso F], considerando-se essa junção intempestiva e ordenando-se a sua devolução ao apresentante, o facto nº 197, sem necessidade de outra apreciação, será eliminado do elenco dos factos provados.
16. Os réus terminam a sua impugnação da matéria de facto provada referindo que há um conjunto de factos que contêm segmentos conclusivos, especulativos ou matéria de direito que entendem dever ser excluídos e que concretizam pela seguinte forma, sublinhando tais segmentos:
- Facto 46: “assumindo formalmente terem na sua posse a alegada correspondência das Autoras” (linha 3);
- Facto 57: “(…) um alegado e-email (…) no qual alegadamente se demonstraria o apoio material das Autoras às pretensas claques do clube (…)” (linhas 1, e 4-5);
- Facto 59: “em consequência do acesso ilegítimo ao conteúdo de mensagens de correio eletrónico que têm por domínio “@X....pt”, bem como correspondência e comunicações das Autoras, de natureza privada e confidencial” – (linhas 1-3);
- Facto 61: “(…) leu um conjunto de e-mails que, segundo afirmou, corresponderiam a trocas de mensagens entre o ex-árbitro ZZ e LL (…)”;
- Facto 68: “(…) com o intuito claro de associar as Autoras a esquemas de corrupção e tráfico de influências junto das equipas de arbitragem (…) em tom sensacionalista (…)” (linhas 3-6);
- Facto 78: “(…) renova um conjunto de gravíssimas acusações pretensamente fundadas no conteúdo dos supostos e-mails que vem divulgando no seu programa do B...” (linhas 2-4);
- Facto 113: “(…) palco de eleição para a atuação ilícita dos Recorrentes (…)” (linhas 2-3).
- Facto 118: “(…) e em que, concomitantemente os Recorrentes acentuavam as suas investidas contra as Autoras, especialmente dirigida a minorar os efeitos destas actividades ilícitas (…)” (linhas 10-12).
Analisando todos estes pontos factuais entendemos que nalguns deles surgem efetivamente segmentos conclusivos, especulativos e valorativos, que devem ser expurgados da respetiva redação.
Assim:
- no facto nº 78 eliminam-se as palavras “pretensamente” e “supostos”;
- no facto nº 113 exclui-se o adjetivo “ilícita”;
Nos demais factos aqui referenciados não se introduzirá qualquer alteração, salientando-se que no tocante ao facto nº 118 o segmento onde se inseria o trecho que se pretendia eliminar já fora suprimido nos termos supra referidos em B) 11.
*
17. Os réus/recorrentes passaram em seguida à impugnação dos factos não provados, principiando pelo nº 15, onde se deu como não provado que os réus tenham selecionado os emails a divulgar apenas por considerações de interesse público.
Pretendem os réus que este facto, que se cruza com o facto nº 155, seja dado como provado.
Sucede que o nº 155, que foi alvo de impugnação tanto pelas autoras como pelos réus, já foi objeto de apreciação em A) 31. e B) 8. e a sua redação entretanto modificada é a seguinte: Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público.
No ponto B) 8. analisou-se a impugnação efetuada pelos réus relativamente ao facto nº 155, em que pretendia que se desse como provado que a divulgação dos mails foi feita em função do seu interesse público, tendo-se apontado nesse sentido segmentos das declarações de parte do réu AA e do depoimento da testemunha HHH, que se ouviram, nos quais estes referem que apenas divulgaram mails com interesse jornalístico.
Contudo, apesar destas afirmações, e aceitando-se que o que se considerou ser o interesse público foi tido em conta, também outras motivações estiveram, de forma notória, na base da divulgação dos mails por parte de AA, motivações essas que se prendem com os evidentes interesses dos réus e com a danosidade que os seus conteúdos poderiam acarretar para o Grupo X..., rival direto dos réus.
Aliás, conforme impressivamente se referiu em B) 8. a título exemplificativo, só numa lógica a que é alheio o interesse público se pode compreender a divulgação de um mail do qual resultava que o X... tinha pago, na última temporada, 136 mil euros em serviços de bruxaria – facto nº 65.
Com efeito, não se evidencia aqui qualquer interesse público, mas tão-só intenção de ridicularizar e de amesquinhar, o que não é de espantar face ao clima de elevada conflitualidade que existe entre os dois emblemas.[54]
Assim, tendo-se mantido a redação do nº 155 da factualidade assente com a retificação já feita na sequência da impugnação dos autores, apreciada em A) 31., entende-se, sem necessidade de outros considerandos, que o facto nº 15 terá que permanecer como não provado, uma vez que não se demonstrou ter assentado a divulgação dos mails apenas em razões de interesse público.
18. Pretendem depois os réus/recorrentes que o facto nº 16, onde se deu como não provado que “os emails não foram propositadamente revelados a conta-gotas, mas à medida que se ia fazendo a triagem da informação recebida em função de um critério de interesse público na divulgação do respetivo conteúdo, e de não revelação de partes dos e-mails que contivessem elementos relacionados com a vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas”, transite para o elenco dos factos provados.
Apoiam-se nesta sua pretensão em excertos do depoimento da testemunha HHH e das declarações do réu AA.
Sucede que, tendo também em atenção este depoimento e estas declarações, a análise e triagem do conteúdo dos mails já se encontra dada como provada no facto nº 155, tal como igualmente está provada, no nº 156, a não divulgação das partes desses mails que digam respeito à vida íntima, familiar e sexual de pessoas neles referidas.
Porém, o facto não provado nº 16 não poderá passar a constar do acervo factual provado, atendendo a que a sua redação se centra no critério de interesse público como referencial para a divulgação dos mails, quando, na sequência do que tem vindo a ser exposto, outras motivações, que não apenas a do que se considerou ser o interesse público, estiveram na origem dessa divulgação.
Manter-se-á assim como não provado.
19. Os réus insurgem-se também contra os factos não provados que têm os nºs 20, 21, 22 e 23, sendo que o nº 20 se repete no posterior nº 26.
Nestes pontos deu-se como não provado que:
- (todas) as opiniões e juízos de valor proferidos pelo Réu AA são objetivos, fundam-se em factos provados, e têm um enorme relevo para formar a opinião do público – 20 e 26;
- esses emails provem um autêntico padrão de comportamento concorrencial desleal levado a cabo anos a fio pela Reconvinda X1... SAD - 21;
- resulte do conteúdo dos mesmos a comprovação de comportamentos desleais e reprováveis ética e legalmente, levados a cabo pela Reconvinda no decurso de sucessivas épocas desportivas, com indiciação de variados esquemas de corrupção na arbitragem, ilícitas trocas de favores e tentativas de manipulação de classificações de árbitros, de resultados e de competições - 22;
- esteja provado que a conduta da Reconvinda tenha prejudicado a posição na concorrência dos seus rivais (em particular a aqui Reconvinte), a qual, em virtude da mesma viu prejudicados os seus resultados desportivos - 23.
Como argumento principal no sentido de que todos estes factos deveriam ter sido considerados como provados os réus/recorrentes apontam o facto de no nº 193 ter sido dado como assente que “os e-mails divulgados são genuínos, documentando efetiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado”.
Por isso, na perspetiva dos réus, a decisão do tribunal recorrido, quanto a estes pontos, é contraditória.
Contudo, o Mmº Juiz “a quo”, na fundamentação da decisão de facto na parte referente à veracidade do conteúdo dos mails nos termos visados pelos réus, explica, de forma convincente e certeira, o porquê de, apesar dos mails serem genuínos, não se pode deles extrair a conclusão de que os autores tenham durante anos a fio atentado contra a verdade desportiva.
Passa-se a transcrever o referido segmento da sentença recorrida:
“Pretendem porém as RR que o conteúdo desses emails demonstra de forma evidente e sem qualquer dúvida a prática pelas AA de vários crimes que, além do mais, atentam contra a verdade desportiva. Será de salientar que para prova dessa realidade (relevante na parte da reconvenção deduzida e da justificação para a sua divulgação), mais nenhuma prova foi produzida. Na verdade quer as declarações de parte (Réu AA), quer a testemunha/parte Sr. HHH limitam-se a tentar demonstrar a realidade através desses mesmos documentos. Ora, como as RR bem sabem, um tribunal cível só pode dar como provado a existência de um crime através de uma certidão com trânsito em julgado de uma decisão criminal. E, mesmo assim, esta pode ser ilidida (arts. 623 e 624, do CPC). In casu nenhuma das partes quis na audiência prévia suspender a instância por forma a aproveitar a eventual decisão da causa criminal. E, fora dessa situação o tribunal só pode considerar demonstrada a existência dessa factualidade com um especial juízo de certeza. Ora, os emails juntos aos autos são um mero meio de prova que isoladamente não pode demonstrar o cometimento de qualquer crime. Por um lado, como as RR bem sabem, já que ainda há não muito tempo foram objecto de processos crimes semelhantes, um meio de prova isolado, descontextualizado, e nalguns casos com palavras ambíguas e polissémicas, não é suficiente para uma condenação penal ou civil. Depois, teremos de notar que da multiplicidade de emissões (cerca de 20) do programa B..., apenas algumas disseram respeito a, como veremos, eventos com eventual natureza criminosa e, por último, os meros emails ainda não são confissões, nem estas só por si demonstram o cometimento de crimes. Ou seja, a tese das RR, não está fundada em meios de prova claros (note-se que a maior parte do conteúdo desses emails é interpretado de forma distinta pelas partes); diversos (a única prova são os próprios emails), e por isso minimamente seguros para demonstrar o “...”.”
Assim, por se concordar com o explanado pelo Mmº Juiz “a quo”, deverão os factos com os nºs 20 (26), 21, 22 e 23 permanecer como não provados.
*
Em conclusão, ambas as impugnações da decisão proferida sobre a matéria de facto – provindas dos autores e dos réus – são parcialmente acolhidas e assim altera-se, nos termos que irão ser referidos, a redação dos seguintes pontos da factualidade assente:
25 - O acesso, mesmo na forma de contacto, o aproveitamento ou divulgação por terceiros de informação privilegiada da X1... SAD de caráter secreto (não tornada pública), ou mesmo a divulgação ou suspeita pública dessas práticas, influenciam (e serão idóneos a influenciar) de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.
30 - A divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras resulta de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Y..., para quem o Réu AA trabalha, e no qual exercem funções de administração ao mais alto nível os Srs. BB, Dr. CC e Dr. DD conforme o documento nº 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.
67 - No dia 8 de Agosto de 2017, AA e B... divulgaram no mesmo programa “...”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar;
78. Em 17 de Novembro de 2017, AA por ocasião do lançamento do seu livro intitulado “...”, inteiramente dedicado ao tema, renova um conjunto de gravíssimas acusações fundadas no conteúdo dos e-mails que vem divulgando no seu programa do B..., sendo a capa e a contracapa as que constam do doc nº 25 cujo teor se dá por reproduzido.
102 - A atuação dos Réus tem sido fonte de danos para as Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida.
103 - Os Réus acusam as Autoras de factos integrativos de corrupção, tráfico de influência, manipulação e instrumentalização de instituições desportivas e de arbitragem, o que afetou o seu bom nome e reputação.
113. As audiências do “B...” aumentaram nos dias em que foi transmitido o programa “...”, palco de eleição para a atuação dos Réus, o qual equivale, por sua vez, a uma maior receita publicitária (cfr. Documento n.º 53 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), mas sem resultados económicos significativos e quantificáveis pois a receita desse canal deriva fundamentalmente do seu patrocínio anual efetuado por uma empresa de comunicações.
118 - As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despendaram a quantia total de €265.080,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e oitenta euros), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca X... e do Grupo X..., as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;
121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €605.300,90 (seiscentos e cinco mil trezentos euros e noventa cêntimos).
155 - Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público.
156 - Não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.
Por seu turno, aditam-se à factualidade provada os seguintes factos:
198 - Em publicação na revista “...”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do Conselho de Administração da B..., Presidente da Y1..., SAD e do Y..., escreveu, na rubrica designada “...”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar.”;
199 - O Réu AA declarou no programa “...”, do dia 28 de Junho de 2017: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contra-informação, mas pronto, o que… da nossa parte, Y..., nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue.””;
200 - “No discurso durante a entrega dos ..., BB, presidente do Y..., referindo-se a AA, diretor de comunicação do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano, disse: "O ... para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho.";
201 - Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este .... Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no ..., na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-geral KKK, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o futebol português.”
Por fim, excluem-se da factualidade provada os factos com os nºs 98 e 197.
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II – A apropriação de segredos de negócio
Nas suas alegações quanto à aplicação do direito os réus começam por sustentar que o tribunal “a quo” errou ao entender que os réus se apropriaram de segredos de negócio dos autores, considerando, ao invés do Mmº Juiz “a quo”, não ter sido preenchida a previsão do art. 318º do Cód. da Propriedade Industrial.
Vejamos então.
Cabe referir, em primeiro lugar, que ao caso dos autos será de aplicar, tal como se entendeu na sentença recorrida, o Cód. da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec. Lei nº 36/2003, de 5.3, em vigor à data da conduta que foi desenvolvida pelos réus entre abril de 2017 e a data da decisão do procedimento cautelar em 21.2.2018.[55]
Dispõe-se o seguinte no art. 318º deste diploma:
«Nos termos do artigo anterior, constitui ato ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.»
Por sua vez, do art. 39º do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Acordo TRIPS/ADPIC) consta o seguinte:
«(…)
2 - As pessoas singulares e colectivas terão a possibilidade de impedir que informações legalmente sob o seu controlo sejam divulgadas, adquiridas ou utilizadas por terceiros sem o seu consentimento de uma forma contrária às práticas comerciais leais, desde que essas informações:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; e
c) Tenham sido objecto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.»[56]
A proteção legal do segredo de negócios pressupõe assim três requisitos: i) o carácter sigiloso do conhecimento; ii) o valor comercial desse conhecimento; iii) a vontade objetiva de o titular o manter oculto.
O segredo de negócios abrange duas espécies essenciais: o segredo industrial e o segredo comercial. O segredo industrial, entendido como o conjunto de conhecimentos técnicos patenteáveis ou não patenteáveis e de técnicas, fórmulas ou práticas industriais inovadoras, é a componente mais importante do conhecido conceito de know-how (saber fazer). O segredo comercial abrange os conhecimentos aplicáveis no setor comercial da empresa (técnicas de gestão, contabilidade, comercialização, publicidade, marketing, métodos de trabalho, etc.).
O conhecimento só pode qualificar-se como segredo se, no plano objetivo, for acessível a um número restrito de pessoas que tenham o dever, de fonte contratual ou outra, de o manter confidencial.
O segredo, por outro lado, não tem de ser absoluto, isto é, não é exigível que o conhecimento seja desconhecido de terceiros desde que estes, pelos seus próprios meios, tenham chegado à mesma informação técnica. O que importa é o conhecimento ter sido mantido intencionalmente oculto.
Por sua vez, o segredo de negócios só é relevante se o conhecimento revestir valor comercial, em si mesmo, isto é, se for suscetível de avaliação pecuniária e negociável como bem jurídico.[57]
Sobre esta matéria escreve o seguinte o Mmº Juiz “a quo” na sentença recorrida:
Ou seja, o objecto de protecção é amplo, incluem-se no mesmo: “listas de clientes, análises de mercado, folhas de pagamento, datas de lançamento de produtos, fórmulas e processos, código fonte, fórmulas e processos de fabrico, sobretudo na indústria alimentar, como é o caso da ... ou do molho do ..., mas também algoritmos como o ...”.[58]
Desde que o seu objecto seja lícito e com interesse comercial/económico. Depois, como salienta Nuno [Sousa e] Silva[59] “Não basta a existência de valor económico. É ainda necessário estabelecer uma relação de causalidade. O valor terá que resultar da circunstância de a informação ser secreta. Esta prova é fácil. De um modo geral a informação é livre e livremente apropriável. Em contrapartida, o segredo como “monopólio de facto” gera valor desde que haja alguém suficientemente interessado em obter a informação segregada. Visto pela negativa: se a informação valiosa não fosse secreta, não era valiosa porque era, como lhe é próprio, livre, logo grátis”.
Da matéria fáctica dada como assente sob os nºs 29, 48, 102, 128, 129, 130, 131, 132, 133 e 134 decorre que houve apropriação de segredos de negócio por parte dos réus, que tiveram assim acesso a informação relativa a contratos de patrocínio, a contactos comerciais, a comunicações e mensagens, a contratos com agentes desportivos, a elementos clínicos de atletas, a métodos de treino, etc.
Ou seja, a vida interna do Grupo X... foi totalmente devassada.
Regressando à sentença recorrida, para destacar a natureza secreta, lícita e economicamente valiosa destes elementos do negócio e informações dos autores, o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte:
“… a demonstração que não estamos perante “segredos de polichinelo” pode ser facilmente comprovável pela leitura da apresentação de resultados da Ré Y1..., SAD onde esta não partilha elementos semelhantes da sua metodologia e organização ao público. Ou seja, afinal os usos e costumes daquele sector de actividade, não implicam, a difusão daquela informação mesmo no cumprimento das obrigações das sociedades cotadas em bolsa.
Acresce que não apenas a informação não era acessível a terceiros como os AA tomaram precauções para assim acontecer (cfr. factualidade relativa ao sistema informático), sendo que da mera análise dos emails detidos pelas RR vemos que alguns dos colaboradores das AA não possuíam acesso a esses elementos (cfr. segredos técnicos e comerciais), pelo que a sua difusão era limitada internamente.
Depois a mesma possui valor porque é secreta. É evidente que essa natureza e esse valor depende da própria informação. Uma coisa será o “esquema de livres em situação de bola parada” e relatórios de scouting e outra o teor e conteúdo dos contratos. Mas sempre diremos que o mecanismo de depósito dos contratos em entes administrativos não visa tornar públicos esses contratos ou as suas cláusulas. Desde logo o mesmo só é exigível para o atleta competir[60]. E, que por exemplo, mesmo que parte desse acervo passe a fazer parte da experiência e conhecimento dos colaboradores estes, por um lado não deveriam ter o suporte físico desses elementos e por outro sempre continuam sujeitos ao artigo 128º nº 1 f) do Código do Trabalho [que] consagra o dever do trabalhador guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.[61]”
O carácter secreto e economicamente valioso dos elementos do negócio dos autores a que os réus tiveram acesso, conforme decorre da factualidade assente, não é passível de oferecer dúvidas.
Nesse sentido, recorda-se aqui um segmento dessa factualidade:
48. O Y... e a Y1..., SAD divulgaram emails e demais correspondência relativa ao domínio @X....pt, bem como as comunicações (telefónicas e mensagens de texto) e detêm em seu poder informação comercial/segredos de negócio das Autoras, ainda que o façam através do seu Diretor de Comunicação e Informação (AA), no canal de televisão por si detido e controlado (i. e., o canal de televisão ... da Ré B...).
128. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens, os contratos dos jogadores, etc. são segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das Autoras e das partes diretamente contratantes.
129. Entre esses elementos contam-se as metodologias de treino dos seus jogadores, os contratos celebrados com estes e com treinadores e pessoal técnico, os contratos com os seus parceiros de marketing e comunicação, contratos com os demais trabalhadores e colaboradores e ainda, sem preocupação de exaustão, contratos de transferência de direitos de jogadores, contratos com agentes desportivos, contratos de patrocínio, entre outros contratos celebrados pelo Grupo X....
130. Essa informação aqui em causa abarca não só conhecimentos tecnológicos, como dados comerciais, planos de negócio, estudos, estratégias de mercado, planos de treino, planos de scouting, etc., informação essa que se traduz num valor comercial indeterminado.
131. Essa informação é resultado de um vasto investimento, de valor indeterminado mas no valor de pelo menos, alguns milhões de euros, efetuado pelo X... em diversas áreas que vão desde o scouting à metologia de treino, ao marketing¸ à contratação de jogadores e staff, etc..
132. Essa informação das Autoras é know-how que, aplicado à área de negócio dos Réus e das Autoras, confere vantagem competitiva que só será assegurada através da confidencialidade da informação.
133. Nessa informação existem os seguintes elementos clínicos; Informação sobre operação ao ombro da Judoca JJJJJ; Analise lesões 2016_2017_Março 2017 Análise e caracterização das lesões dos atletas da equipa de futebol profissional do X... ocorridas na época .../...; Relatório do Departamento Clínico referente aos atletas de futebol profissional, com caracterização das lesões presentes e passadas, bem como mapa de tratamentos das lesões em curso; Relatório do Departamento Clínico de Futebol referente à Equipa ... do X..., com indicações específicas quanto aos jogadores lesionados; Relatório clinico diário (...) - Jogo X... x E...; Boletim clinico diário do plantel de ..., relativamente aos atletas lesionados e às ocorrências existentes no jogo entre X... e E...; Relatório da Equipa ..., com enfoque na antropometria e no relatório médico, com referência a lesões e tratamentos dos atletas.
134. A devassa dessa informação pelos Réus fez com que as Autoras perdessem já muita da vantagem competitiva que lhes advinha da dita informação, porquanto um dos seus maiores concorrentes passou dela a ter conhecimento.
Quanto aos elementos clínicos, estes não farão parte, pela sua natureza, dos segredos do negócio, remetendo a sua proteção para uma outra área – a do segredo médico. De qualquer modo, o acesso ilegítimo a esses elementos não pode deixar de ser sancionado, tanto mais que os autores sempre poderão ser responsabilizadas pelos seus atletas pela divulgação desses elementos, com violação do dever de segredo médico[62].
Prosseguindo, há a salientar, na sequência do que já atrás se expôs, que a previsão do art. 318º do Cód. da Propriedade Industrial aplicável “in casu” se preenche com a aquisição, a divulgação ou a utilização dos segredos de negócio de um concorrente.
Sucede que os réus Y... e Y1..., SAD ao deterem em seu poder informação comercial/segredos de negócio das autoras, ainda que o façam através do seu Diretor de Comunicação e Informação (AA), no canal de televisão por si detido e controlado, porque tal é suficiente para esse efeito, preenchem a previsão do dito art. 318º do Cód. da Propriedade Industrial.
Esclarecendo este ponto escreveu o seguinte o Mmº Juiz “a quo”:
“ (…) não é necessário para que exista uma violação desta norma que, por exemplo o Y... tenha usado o esquema de treinos do X... ou tenha comprado qualquer jogador objecto de observação pela equipa deste. Basta que tenha tido conhecimento do segredo em si, e, nesta matéria voltamos a frisar que em depoimento de parte foi admitida que essa informação se encontra desde Abril de 2017 num computador comprado pelo Y..., guardado numa sala do Y..., acedido por, pelo menos 2 funcionários do Y..., que segundo o alegado pelo mesmo “analisaram com rigor e profundidade “ os emails e, divulgaram vários anexos da mesma relativamente a outros assuntos (ex. sms, relatórios de arbitragem, faturas, assinatura de contratos, etc).
Ou seja, pretender que as RR desconhecem efetivamente o conteúdo dessa informação seria considerar que estes são tão negligentes que nem sequer abriram os anexos que possuem há mais de 2 anos e que entregaram a este tribunal e às entidades de investigação criminal.”
E esta conduta dos réus não pode deixar de ser havida como desleal, sendo que, face ao disposto no art. 317º, nº 1 do Cód. da Propriedade Industrial, constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica.
Ato de concorrência é aquele ato susceptível de, no desenvolvimento de uma atividade económica, prejudicar outro agente económico, prejuízo esse que se consubstancia num desvio da respetiva clientela, efetiva ou potencial.
Quando tal se verifica em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, dá-se um ato de concorrência desleal.
Constituem, assim, concorrência desleal os atos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam suscetíveis de criar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela.[63]
Acontece que pressupondo um ato de concorrência desleal a reunião de três requisitos [a. um ato de concorrência; b. contrário às normas e usos honestos; c. de qualquer ramo de atividade económica] este conceito é transponível para a específica área do futebol, onde se movimentam os autores e os réus, que terão de ser entendidos como entidades concorrentes.
Com efeito, conforme escreveu o Mmº Juiz “a quo” “…a realidade do futebol evoluiu de tal modo que a figura do adepto ou fã é cada vez menos importante sendo substituído pela óptica empresarial, visando a exploração “mediática do evento”, através de empresas que procuram patrocínios e assim “obter notoriedade, criar associações entre a marca e o patrocinado, influenciar atitudes, ter a possibilidade de aparecer num restrito leque de escolhas, aumentar as vendas, melhorar a comunicação e motivação interna e também a imagem corporativa, motivar a rede de distribuição, encontrar outros parceiros e combater e/ou antecipar a concorrência”.[64]
Assim, no que respeita aos autores e aos réus, porque o futebol tem hoje um peso económico que transcende em muito a mera atividade desportiva e que, por isso, se justifica seja enquadrado juridicamente na área da concorrência desleal, deverá entender-se que concorrem em partes distintas do mesmo mercado, como sucede, por exemplo, na venda de produtos, na angariação de patrocínios, na contratação de atletas, etc.
Conforme afirma Jorge Patrício Paúl (in “Concorrência desleal e direito do consumidor”, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, ano 65, vol. I, Junho 2005, disponível in portal.oa.pt.”)[65]: “A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela. É, assim, possível que duas empresas sejam concorrentes quanto a certos actos e não o sejam relativamente a outros actos que praticam, como sucede, por exemplo, quando uma empresa petrolífera ou cimenteira entra em concorrência com as instituições financeiras ao efectuar, através de subscrição pública, o aumento do seu capital social ou a emissão de obrigações.”
Deste modo, se os adeptos clubísticos, até pela natureza peculiar do futebol, dominada pelos seus rituais de grupo, não são concorrenciais, tudo o mais o é. São-no, pois, e com particular ênfase, os atletas e os patrocinadores, sempre mutáveis, de tal forma que nos movimentamos aqui no âmbito de atividades concorrenciais.
E a conduta desenvolvida pelos réus, que ora se aprecia, já acima caracterizada, terá que ser qualificada como desleal por se configurar como contrária às normas e usos honestos.
Tal como se assinala na sentença recorrida, os factos provados levam a que se impute aos réus uma conduta que deve ser encarada como envolvendo atos de agressão, contrários aos usos honestos, uma vez que:
“a) sabendo que os emails em causa pertenciam às AA e o seu uso não foi autorizado pelas mesmas apropriaram-se destes.
b) Basta dizer que em todos os emails consta a seguinte informação “esta mensagem (incluindo qualquer anexo) pode conter informação confidencial para uso exclusivo do destinatário (…) se não for o destinatário por favor informe o emissor e elimine imediatamente.
c) Depois, as RR alegam a existência de interesse público para a divulgação de alegados actos criminosos das AA, mas parece que não existe qualquer causa de justificação para a apropriação de segredos de negócio legítimos e lícitos.”
Na linha do que se tem vindo a expor e apelando ao Acórdão da Relação de Lisboa de 13.7.2005 (proc. 6680/2005-6, relatora Fátima Galante, disponível in www.dgsi.pt.)[66] “A concorrência desleal é, pois, "um acto exterior ao exercício da empresa, tendente a outorgar uma posição de vantagem no mercado"[67], contrário às normas e usos honestos, de qualquer ramo de actividade económica, assumindo a natureza de desleal quando seja dotado de virtualidades que lhe permitam operar uma subtracção, efectiva ou potencial, da clientela de outra pessoa.”
Ora, o acesso à lista de scouting, o conhecimento do plano estratégico, de contactos comerciais e de condições contratuais são, pela sua natureza, elementos dos quais flui essa potencial perda de clientela, sem prejuízo de que um padrão de agir honesto sempre pressuporia o respeito pela propriedade privada de outrem e pelos seus direitos de personalidade.
Acontece que os réus acederam e apropriaram-se de elementos que sabiam não lhe pertencerem e devassaram informação confidencial dos autores, sendo de assinalar que qualquer comerciante médio, mesmo na área futebolística, não pode deixar de saber que não pode ler correspondência alheia, nem apropriar-se de 20 GB de informação privada.
Assente que está a prática de atos de concorrência desleal, pelos mesmos serão responsáveis os réus Y..., “Y1..., SAD” e “Y2...,”.[68]
Esta última sociedade será também responsável, atendendo a que 98,81% do seu capital é detido pela “Y1..., SAD”, que assim a domina e que com ela forma um grupo nos termos do art. 489º do Cód. das Sociedades Comerciais.
O réu AA, tratando-se de pessoa individual que não exerce atos de comércio não pode ser considerado concorrente e, como tal, não pode ser responsabilizado nesta sede.
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IIIA aplicação do disposto no art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil
Na sentença recorrida os réus Y..., “Y1..., SAD” e “Y2...,” foram condenados no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação dos segredos de negócio constantes dos factos provados sob os nºs 128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas que constam do facto provado nº 133.
Para relegar para momento ulterior a liquidação destes danos o Mmº Juiz “a quo” fundou-se no preceituado no art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, mas este entendimento tem a discordância dos réus/recorrentes que consideram não ter havido prova dos danos, o que implicaria a sua absolvição deste pedido.
Também os autores se insurgem contra este segmento do decidido, entendendo que a liquidação do pedido devia ter sido efetuada na própria sentença da ação declarativa com recurso à equidade nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil.
Consideram equitativa a indemnização de 17.000.000,00€.
Na sentença recorrida, escreveu-se o seguinte a propósito da opção por esta solução processual:
“Pretendem as AA ser indemnizadas em três dimensões:
Por um lado, dos danos resultantes da violação dos seus segredos de negócios; outro na afectação do valor da marca; despesas que tiveram para minorar danos e um terceiro nas consequências desportivas da actuação das RR.
(…)
Quanto aos segredos de negócio, apesar do tribunal ter admitido a sua última junção de documentos[69], as RR nem sequer lograram provar como lhes competia a existência de qualquer divulgação desses mesmos segredos por parte de terceiro. Logo quanto a esta matéria a excepção das RR que poderia implicar uma diminuição da indemnização terá de improceder.
Todavia quanto a essa indemnização o tribunal não possui elementos para liquidar qualquer dano ainda que através da equidade conforme foi solicitado. É evidente que a indemnização deve ser fixada nos termos do 338-L do CPI: “Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infractor e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a protecção, investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito”.
Mas, não se logrou apurar qualquer lucro do infractor nem sequer qualquer custo concreto suportado pelas AA. Basta dizer que dos cerca de 60 segredos que foram objeto de apropriação, nenhum, absolutamente nenhum pode ser quantificado. O tribunal não sabe quanto custaram os relatórios, quanto valem as avaliações de atletas, etc, etc, etc., sabe apenas que todos eles em conjunto importam numa quantia relevante de vários milhões de euros. Logo aplicar aqui directamente a equidade não é densificar um dano é pura e simplesmente adivinhar a natureza, valor e limites do mesmo. Relembra-se que essa liquidação ocorreu já no decurso do julgamento. Nenhuma factura ou documento foi junto e por isso o tribunal não pode, com base no depoimento apenas de uma testemunha considerar provado que “o projecto ... custou 3 milhões de euros (…) ou que a transformação digital 1,5 milhões”. Por certo que as AA possuem documentos que permitem liquidar esses danos, tal como possuem documentos sobre os custos de scouting e ou poderão demonstrar quais as despesas anuais em Investigação.
Ou seja, o tribunal considera que as partes possuem meios simples (faturas), ou possíveis (perícias) que permitem liquidar em momento ulterior esse dano, cuja existência e natureza está demonstrada, e que até pela sua dimensão, implica rigor e certeza na sua avaliação. Deste modo nos termos do art. 609º, do CPC relega-se para execução de sentença a liquidação desse dano.”
Dispõe o art. 609º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil que «se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida
Este preceito deve ser conjugado com o art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, onde se estatui que «se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados
Assim, correlacionando estas duas normas, é de concluir que em ação declarativa, sendo provado o dano, mas não se determinando o seu exato valor, impõe-se ao tribunal julgar segundo a equidade, se entender que mesmo na execução o autor não será capaz de efetuar tal liquidação - art. 566º, nº 3, do Cód. Civil -, ou, então, remeter para liquidação em execução de sentença, se considerar que o autor na execução poderá quantificar o valor dos prejuízos - art. 661º, nº 2, do Cód. de Proc. Civil.
A conjugação destes dois preceitos parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo-se, porém, que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos.[70]
Natureza subsidiária e acessória da fixação equitativa dos danos que mais se salienta no Acórdão do STJ de 28.10.2010 (proc. 272/06.7 TBMTR.P1.S1, relator Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt.) onde se escreveu o seguinte no respetivo sumário:
“O apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais resultantes da inutilização ou privação de um bem material – consentido pelo art. 566º, nº 3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante – pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário “salto no desconhecido”, dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.”
E no texto deste mesmo Acórdão do STJ afirma-se ainda o seguinte sobre a previsão contida no art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, a qual supõe o preenchimento de duas condições ou requisitos:
“(…) não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites» , máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa: é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exacto e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior actividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório (…).”[71]
No caso dos autos, a existência de danos para os autores como consequência da apropriação dos seus segredos de negócios por parte dos réus resulta da factualidade provada (cfr. nºs 102, 105 a 111, 128 a 134), sendo que na determinação do respetivo montante indemnizatório, de acordo com o disposto no art. 338º-L do Cód. da Propriedade Industrial, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter também em consideração os encargos suportados com a proteção, investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito [nº 2].
Deste modo, cremos ter sido acertado o percurso argumentativo feito pelo Mmº Juiz “a quo” que, por ausência de limites em que se pudesse mover para tal efeito, não procedeu, neste segmento, à fixação equitativa da indemnização, tendo-a remetido para posterior liquidação em execução de sentença.
Com efeito, tal como este salienta, não se apurou qualquer lucro do infrator nem qualquer custo concreto suportado pelos autores, de tal forma que fazer operar aqui a equidade seria temerário, porque se estaria pura e simplesmente a adivinhar o valor e os limites do dano, sendo certo que nenhuma fatura ou documento se mostram, a este respeito, juntos aos autos.
Ora, se a verificação do dano decorre da factualidade que foi apurada existirão meios probatórios de natureza documental ou pericial que o permitirão liquidar com um rigor e uma certeza que ultrapassem o mero juízo equitativo, pelo que se considera ajustada a solução de relegar a fixação do montante indemnizatório respetivo para ulterior liquidação.[72]
Como tal, apesar da larga argumentação expendida pelos réus e pelos autores em sede recursiva, entende-se ser acertado o decidido em 1ª Instância quanto à apropriação de segredos de negócio dos autores e, secundando-se a posição do Mmº Juiz “a quo”, confirma-se o ponto 4. da parte decisória da sentença recorrida.
*
IV O confronto entre os direitos fundamentais da liberdade de expressão e do sigilo de correspondência; a aplicação do disposto no art. 76º, nº 1 do Cód. Civil
Os réus/recorrentes, considerando que o tribunal “a quo” os condenou no pagamento de uma indemnização pela divulgação dos emails com fundamento no disposto no art. 76º, nº 1 do Cód. Civil, vieram sustentar que tal constitui uma decisão surpresa, por violar o disposto no art. 3º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil.
Dispõe-se, neste preceito, que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem
A respeito desta norma escrevem o seguinte ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA (in “Código do Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 22):
“A liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º, nº 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções, sem outras condicionantes, potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa (STJ 17-6-14, 233/2000). A regra do nº 3 pretende impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objeto de qualquer discussão (STJ 15-3-18, 2057/11, STJ 19-5-16, 6473/03 e STJ 27-9-11, 2005/03)…”
No art. 76º, nº 1 do Cód. Civil, norma trazida à colação pelo Mmº Juiz “a quo” e na qual se fundaria, na perspetiva dos réus, a prolação de decisão surpresa, estatui-se o seguinte sob a epígrafe “publicação de cartas confidenciais”:
«As cartas missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico.»
É certo que nos articulados nunca se aludiu a esta norma legal. Porém, neles são várias as referências a normas legais que se reportam à confidencialidade da informação privada e ao sigilo da correspondência, conforme se alcança, por exemplo, dos arts. 349º, 362º, 462º a 466º, 515º e 516º da petição inicial.
Por outro lado, no próprio Acórdão da Relação do Porto de 21.2.2018[73] que decretou a providência cautelar conexa com os presentes autos, se fez alusão expressa ao dito art. 76º do Cód. Civil na seguinte passagem:
"O objecto da divulgação é constituído pelo teor de correspondência electrónica trocada entre terceiros, designadamente no âmbito da actividade dos requerentes.
Tendo-se por adquirida quer a tutela constitucional do direito ao sigilo da correspondência (art.34º do CRP), quer a tutela civil (art. 76º, aplicável por remissão do art. 160º do C. Civil), quer a tutela penal, por via da incriminação constante do art. 194º do C.P., não pode deixar de afirmar-se um direito que imputaremos genericamente às requerentes, quanto à reserva do conteúdo dos emails em questão.”
Por conseguinte, face ao que consta dos articulados e do acórdão que decretou a providência cautelar, decorre que a aplicação do preceituado no art. 76º, nº 1 do Cód. Civil na sentença recorrida não pode ser havida como decisão surpresa, pelo que, nesta parte, se desatende a argumentação explanada pelos recorrentes.
Sustentam estes, seguidamente, que na sentença recorrida se fez uma errada aplicação do dito art. 76º, nº 1 do Cód. Civil e que a linha argumentativa seguida pelo Mmº Juiz “a quo” se revela contraditória.
Entendem que a exceção de verdade e o interesse público da respetiva informação devem funcionar como exceção à aplicação da norma do art. 76º, nº 1 do Cód. Civil, sob pena de se ferir o núcleo essencial do direito de liberdade de expressão e informação, com a consequente violação do art. 37º da Constituição da República, onde aqueles direitos se acham consagrados.
Relembremos agora o que se escreve na sentença recorrida[74]:
“12. O Caso concreto
12.1. O interesse público.
Este não se confunde com curiosidade pública ou interesse dos adeptos das RR ou até, com os critérios que os seus funcionários erigiram na escolha dos factos a divulgar.
Existem três agendas, ou interesses: a agenda política, onde se reflectem as questões do interesse do governo; a agenda mediática, que se refere aos interesses dos meios de comunicação; por fim, a agenda pública que reflecte assuntos de interesse da sociedade.
Numa sociedade democrática o conceito de interesse público deve ser entendido como abrangendo todos os temas que [se] revistam de uma “utilidade social”, isto é, que sejam “relevantes para a vivência social”, contribuindo para a formação de uma opinião pública robusta.
Coisa diferente são as situações de mero sensacionalismo (ou “voyeurismo”) ou ataques pessoais gratuitos.
Ora, é evidente e seguro que as suspeitas de corrupção, atentado contra a verdade desportiva e demais crimes públicos constituem interesse público.
Mas, teremos de notar que, dos 20 programas emitidos pela RR entre abril de 2017 e fevereiro de 2018 há casos evidentes de mero sensacionalismo, de tal modo, que, note-se nem sequer são justificados ou analisados nas alegações apresentadas.
Assim os insultos de um dirigente em relação a um árbitro (sessão do dia 10.10.2017); o comentário do presidente da[s] AA em relação a um “comentador (sessão de 13.12.2017); a cópia de uma publicação do FB (sessão de 29.8.2017) e um pedido de ajuda material de um ex-colaborador das AA (sessão de 31.10.17), não integram qualquer interesse público e por isso a sua divulgação é desnecessária, tanto mais que, não mereceram acompanhamento por parte da “sociedade”. Note-se aliás que nas suas doutas alegações as RR justificam com esse interesse 11 das 20 sessões de divulgação. Logo, quase 50% são assumidamente curiosidade pública ou discurso meramente concorrencial.
12.2. Da inexistência da qualidade de Jornalista
Nem as RR (com excepção do B...…), nem os RR pessoas singulares são jornalistas e/ou actuaram nessa qualidade.
Isto do ponto de vista substancial e formal.
Formalmente o programa em causa constitui um espaço de divulgação da actividade do clube sendo o seu conteúdo determinado por este (cfr. depoimento de parte e depoimento [do] director-geral). Em segundo lugar o Réu AA não possui a carteira jornalista desde 2012 (doc. de fls. 178 providência). Ora, de acordo com a Lei n.º 1/99, de 01 de Janeiro, art. 1, 1 - São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão. 2 - Não constitui actividade jornalística o exercício de funções referidas no número anterior quando desempenhadas ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial.[75]
Do ponto de vista substancial parece seguro que a forma de emissão dessa “informação” violou as normas deontológicas dos Jornalistas e nunca visou ser um espaço de informação.
De acordo com o Novo Código Deontológico (cuja aprovação é de Janeiro de 2017, mas que reproduz normas semelhantes do anterior) “1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público. O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos exceto quando estiver em causa o interesse público (…).
Ora, se analisarmos a forma como essa informação foi divulgada é desde logo evidente que não foi accionado o contraditório antes da mesma ser exposta[76]. Depois, foram convidados 2 dos visados numa ocasião para estarem presentes (ou seja, existiu 1 tentativa de contraditório já após divulgação em 1 de 20 sessões). Acresce que todos os comentadores/jornalistas presentes nessa divulgação eram adeptos ou funcionários das RR ou actuavam como tal, logo estamos perante uma mera simulação de pluralismo e isenção[77].
Em terceiro lugar a forma de exibição dos emails assumiu uma lógica de clara propaganda (com anúncios de divulgação, pausas e [suspense] artificial); depois se a finalidade era informar, raramente os emails foram exibidos mas apenas lidos, o que nunca possibilitou ao público em geral a sua leitura total, não truncada, e crítica.
Note-se aliás que o livro ... é brilhante para, usando as palavras do Réu, demonstrar isto:
- pág. 30 (sem reproduzir qualquer email na sua totalidade mas apenas os excertos) admite que afinal quem se apoderou das comunicações foi “o presidente da AG da liga”/no programa diz-se que se trata de espionagem das AA.
- A fls. 64 e a propósito do antigo caso Apito Dourado afirma-se que este não era válido por: “ausência de contraditório (os visados não tiveram acesso às provas que lhes diziam respeito e muito menos tiveram oportunidade de as contestar”. (sublinhado nosso)
- A fls. 129 que a televisão do clube (no caso X2...) é um instrumento de poder ao serviço da turma (…); fls. 130 descreve negativamente os procedimentos dessa TV que, se ajustam aos adoptados neste caso (definição de um discurso oficial; escutas truncadas e seleccionadas, por comentadores de um clube, etc.,
Ora, segundo Charles Debbach, “Le Droit de l’Audiovisuel” Dalloz, 2ª edição, 1991, págs. 490 e segs: “devido à audiência alargada dos seus noticiários, os respectivos profissionais têm uma especial obrigação de objectividade. O jornalista deve conferir à notícia uma impressão de conjunto, conforme à realidade, sem espírito polémico, nem vontade de tomar partido; mas o jornalista deve também fazer um comentário objectivo dos factos, ultrapassando o seu simples relato; tal liberdade de comentar deve ser exercida com discrição; a crítica de terceiros deve ser pesada e exercida unicamente na medida em que ela é necessária à informação objectiva do público.
Tal objectividade implica[78] seis elementos principais:
 balanço e equilíbrio na apresentação de um facto;
 rigor e realismo do relato;
 apresentação de todos os principais pontos relevantes;
 separação de factos e opiniões, mas tratando as opiniões como relevantes;
 minimização da influência da atitude do jornalista face à notícia relatada;
 evitar simpatias, rancor ou propósitos “desviantes” da notícia.
Nada disto foi feito.
Se o objectivo era divulgar os emails é estranho que apenas em escassos casos o texto destes possa ter sido directamente lido pelo público. Ou seja os adeptos portistas estão convencidos de que as AA cometeram esses actos sem nunca terem lido, na maioria dos casos, um único email.
Depois, não se faz, na maioria das situações, o seguimento das “insinuações”. Por exemplo na sessão do dia 22.8.17 não se revela que afinal, a reclamação do árbitro, exemplo do ... das AA, foi improcedente. No caso por exemplo de 6.2.18 (suposta conversa com DDD) nem sequer se investigou se foi ou não elaborado e pago o aludido parecer). Na proposta de 26.12.2017 (criação de blog com orçamento) não se informa se esse blog foi ou não criado e se funciona. Na sessão de 8.8.2017 (suposto acesso a computador de UUU) desvirtua-se que pela localização temporal da conversa este já não trabalharia nas AA (apresentação de réplica num processo laboral); pelo que se esse computador estava disponível, teria de ter sido entregue pelo mesmo ao seu proprietário (Autora SAD).
Concluímos, portanto, que as RR não agiram na qualidade de jornalistas, mas sim de sociedades concorrentes das AA e não podem por isso usar dessa qualidade enquanto ampla justificação de actuação nos termos do art. 10º, nº 2, da DEDH.
Basta dizer com NNNNNN[79], que a conduta das RR “sofre de diversos vícios que a transformam (…) num veículo de propaganda e menos num veículo de informação propriamente dita; tendem a convencer o leitor, mais do que a informá-lo no sentido de este extrair da notícia a sua própria conclusão. A nossa sociedade está cada vez mais mediática ou mediatizada, onde cada vez mais se torna conhecido e vulgar o que ontem era estranho e insólito, onde o quarto poder está firmemente instalado com poucas regras de conduta e muitos meios”.
12.4. Da natureza comercial da informação
Como admite a própria Ré SAD esta tem uma relação de concorrência com as AA, a qual é naturalmente prosseguida pelos seus colaboradores (Réu AA) e empresas associadas, uma das quais visa precisamente a intervenção nos media.
Nesta medida a divulgação da preparação de entrevistas por parte de assessores e não apenas exclusivamente por parte do presidente das AA (divulgação de 3 emails no programa de 5.9.2017) visa claramente, apenas denegrir e satirizar as capacidades intelectuais deste.
Do mesmo modo a divulgação do célebre contrato de bruxaria, apesar de em teoria poder integrar um crime semipúblico, visa o mesmo objectivo. Basta dizer que nem sequer se averiguou se a assinatura do mesmo pertence a um dirigente do X...; nem se divulga uma das últimas respostas que parece indicar que o mesmo não foi assinado. Ou seja, o fim visado pelas RR não é informar ninguém, mas pura e simplesmente “gozar” com o seu concorrente através da correspondência que obteve do mesmo.
13. Da deturpação da informação
Como salientou o TEDH no caso Stoll[80] o modo como é feita a divulgação é fundamental para aferir a sua legitimidade. In casu o parecer da ERC (ainda não transitado) mas que pode ser usado como mero documento impugnado pelas RR. revela várias truncagens e adulterações que, note-se não se explicam como pretende o Réu AA com o “tempo” e “interesse jornalístico”. Desde logo as RR tiveram quase um ano e 20 programas com a duração de aproximadamente uma hora para exibir os documentos.
Assim, por exemplo, é estranho que se visavam informar o público não tenham exibido o cartaz anexo ao pedido de bilhetes a “custo reduzido” do dia 18.4.2017 que foi efectuado para uma iniciativa da CM … “excursão com avós”.
Do mesmo modo, se pretendiam a revelação do plano de modalidades (sessão de 2.1.2018), omite que se trata de um ponto em sete[81], ou seja seleccionar uma frase e destacá-la não permite ao público tirar a sua própria conclusão do contexto e importância da mesma para quem elaborou o plano.
Por fim, no caso dos emails trocados entre ZZ e JJ as RR truncaram deliberadamente uma expressão que deturpa o sentido da missiva que divulgaram.
No primeiro email omitiram que; “Os maiores erros têm sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o X...
No segundo email omitiram que “os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o Y... já não manda, mas… ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1º ministro”.
Note-se que neste caso, a omissão nitidamente dolosa, cirúrgica e inteligente, desvirtua totalmente o sentido dessa comunicação. Esta deturpação selectiva do texto é pior do que uma mentira, pois, essa é facilmente posta em causa, a deturpação, é bem mais difícil de detetar e nunca porá em causa a primeira impressão já criada.
Convém salientar que a mais grave e bem construída imputação às AA de comportamentos danosos foi efectuada pela reportagem do jornal ... de 17.6.2017 (descida de nota de um árbitro), o que demonstra que o Jornalismo bem feito é sempre mais esclarecedor, e por isso quem está interessado em informar o público deveria até deixar este campo para esses profissionais.
14. Conclusão
Das 20 sessões de divulgação que integram cerca de 55 emails seriam apenas legitimadas por um efectivo interesse público e necessidade as de:
1. 19.12.2017 (1 email - comprovação de apoio a claques);
2. 13.6.17 (5 emails – amizade com presidente da Liga e ligação a YY/...)
3. 19.10.2017 (1 email com lista de candidatos a árbitros assistentes)
4. 21.6.17 (1 email envio de mensagens de CC)
5. 2.1.2018 (2 emails informação arbitragem)
6. 5.12.2017 (6 emails informação arbitragem)
7. 6.6.2017 (2 emails já referidos e truncados)
Mas depois, teremos de ter em conta que as RR apresentam esta divulgação como uma luta pela punição das AA pela prática de crimes de corrupção e verdade desportiva que era necessário denunciar.
Ora, em 22.6.2017 as RR entregaram todas as comunicações às autoridades criminais, tendo conhecimento pois que estas estavam a ser tratadas, analisadas e investigadas.
Se é certo que o princípio da presunção de inocência não impede o exercício do seu direito de opinião. Também é certo que a partir dessa data a necessidade de divulgar comunicações privadas, num contexto de concorrência comercial, é atenuado, muito atenuado. Ora, todas essas divulgações com excepção da nº 4 foram efectuadas posteriormente à entrega dos meios de prova às autoridades, pelo que não são necessárias nos termos do conflito de interesses e limites imanentes à concreta liberdade de expressão comercial das RR.
Se assim é a única divulgação legítima porque adequada e necessária, seria a do email de fevereiro de 2014 recebido por JJ com o seguinte texto: “Os ficheiros são de mensagens do CC presidente da FPF à altura ainda Presidente da Liga. chamo a atenção das mensagens enviadas ao MMMM no ficheiro ... - 2.ª mensagem.
Aí, o actual presidente da FPF declara eterno amor ao azul e branco. São estas duas criaturas que querem mandar no futebol português e já mandam na arbitragem e na disciplina. LLLL W...”.
Do mesmo não resulta que tenham sido as AA a praticar esse concreto ilícito (interceptar as mensagens), como a RR bem sabe[82]. Acresce que, as RR na sua contestação dos autos em várias páginas de doutrina e jurisprudência defendem que não cometeram o mesmo crime de violação de correspondência, considerações essas que, ironicamente, seriam então aplicáveis à detenção pela AA desses elementos que afinal não integrariam também esse crime.
Mas, para este tribunal o fundamental para também considerar desnecessária a divulgação desse email é o facto de esta dizer respeito a factos de 2011 (mensagens) e 2014 (email); lesar duplamente a privacidade de terceiros (da A e da ”vítima” inicial Sr. CC, que por certo pensava já poder “pôr uma pedra nesse assunto” e viu mais uma vez divulgado o mesmo. Note-se que é o Réu J. Marques que afirma no livro o ... essas mensagens são “uma violação quase pornográfica da sua privacidade” (pág. 33 desse livro); que afinal a espionagem foi feita pelo presidente da Assembleia Geral e não pelas AA, mas mesmo assim decidiu divulgar esses emails. Note-se que as mensagens são de 2011, o email que as enviou à AA é de 2014 e estas foram divulgadas pelas RR em 2017. Logo a existir espionagem esta teria ocorrido 3 anos depois da apropriação das mensagens, sendo que a informação principal (que CC é adepto Portista) é pouco ou nada relevante por ser pública. E depois, porque em termos civis o prazo de 3 anos para a existência de qualquer direito de indemnização já teria caducado. Sendo que a responsabilidade penal já prescreveu (194º, nº1 do CP pena de 1 ano prazo prescrição 2 anos art. 118º, nº1, a. d), do CP).
Logo, as RR denunciaram publicamente comunicações privadas de uma figura pública numa situação juridicamente prescrita e civilmente caducada, sabendo que não foram as AA quem realizou a intercepção dessas comunicações (cfr. livro v programa).
Concluímos, portanto que também aqui essa divulgação não se encontra [legitimada] por qualquer causa de justificação.
15. Da responsabilidade das RR pelo exercício do direito de expressão e violação do bom nome das AA.
Resta agora abordar a relevância das imputações efectuadas pelas RR aquando e por causa da divulgação desses emails, incluindo o conteúdo do livro “...”.
As AA fundamentam o seu pedido com base no instituto da concorrência desleal.
Nos termos do Artigo 317.º, do CPI vigente à data dos factos
1 - Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: (…)
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
Ora, como vimos com excepção das deturpações efectuadas (que visam embelezar a tese das RR) as opiniões das RR não são falsas.
É certo que segundo os pareceres junto a estes autos esse facto não impediria o funcionamento autónomo da cláusula geral. Mas, sempre com o devido respeito por melhor opinião, parece-nos que a cláusula geral sendo indicativa ou exemplificativa não pode permitir a integração de uma situação contrária à de uma das suas alíneas enunciadas. O resultado obtido seria contraditório com o teor literal e sistemático da norma. E, segundo Carlos Olavo[83], esta norma pressupõe sempre uma afirmação não verdadeira, pois, “alusões verdadeiras, ainda que prejudiquem um concorrente beneficiam o regular funcionamento do mercado”. Mesmo que assim não seja, ao não se aplicar o art. 484º, do CPC existe uma relação de consunção entre o regime civil e o da concorrência desleal.[84]
Daí concluirmos que essa conduta das RR não poderia ser sancionada com base nas normas de concorrência.
16. Da utilização do art. 484º, do CC
Numa concepção tradicional esta norma visa as imputações de factos verdadeiros[85] desde que estes afectem o bom nome ou o crédito de qualquer pessoa, singular ou colectiva.[86] Todavia mesmo que esta estivesse preenchida sempre teríamos de considerar que, nessa medida e tendo apenas em conta a liberdade de expressão a conduta das RR estaria legitimada[87].
Segundo Renato Lopes Militão[88] “Apenas os juízos de valor totalmente desprovidos de base factual poderão ser considerados «excessivos», devendo por isso ser submetidos a um «critério de proporcionalidade».
Neste sentido os Acs. do STJ de 13/01/2005, proc. n.º 04B3924, e de 14/02/2012, consideram que «a prova da exactidão dos juízos de valor é impossível de realizar e seria atentatória da liberdade de expressão, importando, tão-só, que os mesmos não se encontrem, totalmente, desprovidos de base factual, sob pena de poderem ser considerados excessivos, devendo, então, ser sujeitos a apreciação, de acordo com um critério de proporcionalidade”.
Por seu turno o TEDH entende que ainda que se esteja perante a manifestação de juízos de valor ofensivos da honra dos visados, o direito à liberdade de expressão deve prevalecer no caso de tais juízos possuírem alguma sustentação factual. Segundo afirmou este Tribunal no seu aresto de 15/02/2005, proferido no caso Steel e Morris c. Reino Unido, “se a verificação dos factos é susceptível de ser provada, já a verdade dos juízos de opinião é insusceptível de ser demonstrada; quando uma determinada afirmação corresponde à manifestação de uma opinião, a proporcionalidade da ingerência. Importa ainda referir que, mesmo no âmbito do direito de informação, a exigência da verdade dos factos não deve ser rigorosa, sob pena de se inviabilizar o exercício desse direito. Assim, apenas se exige que o agente atue de boa fé no que concerne à verdade dos factos que transmite. Consistindo essa boa fé na convicção do agente na verdade de tais factos, decorrente de diligências investigatórias adequadas às circunstâncias do caso por si desenvolvidas.”[89]
Por isso, neste caso e face ao teor literal dos emails das AA é evidente que existe uma base factual mínima que por si só legitimaria a liberdade de expressão das RR que, não são manifestamente desproporcionados face ao campo de actividade de ambas as partes (veja-se qualquer programa de comentário desportivo nacional para se ver que acusações e teorias da conspiração semelhantes são repetidas quase semanalmente em função de qualquer caso futebolístico).
Diga-se por fim que mesmo quanto ao livro “...” igual conclusão terá de ser efectuada. Por um lado, como veremos, a publicação do mesmo não pode ser assacada às RR nos termos do art. 500º, do CC. Por outro, o mesmo não reproduz qualquer email[90], mas enuncia apenas a tese da conspiração que as RR e esse autor defendem. Saber se a tese é certa ou errada depende da leitura esclarecida e crítica do livro. Considerar o seu título atentatório do bom nome das AA está no limite da liberdade de expressão, sendo que a expressão ... como sinónimo de mafioso já foi usada largamente dirigida a entes vários, incluindo alguns órgãos do Estado.
Por exemplo, o TEDH no Ac de 23/07/2013, proferido no caso Sampaio e Paiva c. Portugal Urbino Rodrigues c. Portugal, no qual estava em causa a condenação interna do requerente pela prática de um crime de difamação, por haver escrito, num artigo de opinião publicado num periódico, que determinados métodos eram «típicos de mafiosos» e que a pessoa visada nesse artigo — um jornalista — omitira deliberadamente factos. Tais juízos possuíam alguma base factual, pelo que se encontravam protegidos pela liberdade de expressão, o que levou esse Tribunal a condenar o Estado português por violação do art. 10.º da CEDH.
Ou seja, os juízos factuais e opiniões usadas pelos RR estão legitimados ao abrigo do direito de liberdade de expressão e por isso não podem fundar qualquer indemnização.
17. Da violação do art. 483º e 76º, do CC
Todavia, pelas razões que analisamos supra e que aqui se dão por reproduzidas concluímos que a conduta das RR constitui um ilícito civil nos termos do art. 76 e 483º, do CC.
Com efeito está agora em conflito o direito de privacidade das AA e uma parte do direito de expressão das RR (a utilização de comunicar a sua opinião usando documentos ilicitamente na sua posse pertença de terceiros),
Ora, por um lado na prática as RR raramente exibiram e reproduziram os seus emails limitando-se a ler [excertos] dos mesmos, logo parece que limitar o seu direito á não utilização desses documentos respeita o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, isto é, é adequada, porque necessária para salvaguardar a intimidade das AA e proporcional (já que as RR exercem quase totalmente o seu direito de expressão e protege parcialmente privacidade de terceiro).
Tentamos aqui efectuar uma concordância prática desses bens, limitando de forma menos gravosa o direito à liberdade de expressão, de modo a que se encontre uma solução, que garanta a convivência equilibrada e harmónica dos bens em presença até onde for possível.[91]
Note-se aliás que esta ideia surgiu da simples leitura do doc nº 25 (livro escrito) onde curiosamente nenhum email é reproduzido na integra. Quer isto dizer que se o Réu entendeu não ser necessário divulgar esses emails que se limitam a enunciar (que note-se poderiam então ser apreciados integralmente pelo público que finalmente poderia informar-se, lendo-os na integralidade), então é evidente que a sua mera leitura parcial e parcelar em 20 programas televisivos não é também necessária para o exercício do seu direito. Ou seja se a ré não exibe os emails permitindo que o público os leia na sua integralidade, também não precisa de os ler, truncando por vezes o seu sentido, e impedindo uma compreensão destes.
Note-se aqui a abissal diferença da recente divulgação de uma filmagem privada do vice-chanceler austríaco Strache, que foi gravado a prometer a uma suposta sobrinha de um milionário russo a adjudicação de contratos públicos em troca de apoio financeiro. Os jornalistas exibiram esse filme de uma só vez (não durante várias sessões); de forma integral; ocultando terceiros; e sem comentários. Ou seja, quando o meio de prova é essencial a divulgação deste fala por si. Quando, pelo contrário, isso não acontece o comentário é longo, parcial e comprometido, o que revela que esse meio de prova ou não é decisivo ou é pouco relevante.
17. b. Afirmada a ilicitude e a culpa das RR importa averiguar a imputação objectiva.
Com efeito o caso dos autos poderia levantar alguns problemas de causalidade.
(…)”
Os réus/recorrentes insurgem-se vivamente contra a argumentação expendida pelo Mmº Juiz “a quo” focando-se por inteiro na prevalência do seu direito de liberdade de expressão que conjugam com a denominada “exceptio veritatis” e com o interesse público inerente à informação que divulgaram.
Nos presentes autos cruzam-se dois direitos fundamentais: a liberdade de expressão e informação, por um lado, e, por outro, o sigilo da correspondência.
A liberdade de expressão e de informação mostra-se consagrada no art. 37º da Constituição da República, onde se diz que «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.»
Já o sigilo da correspondência acha-se previsto no art. 34º da Constituição da República, no qual se estabelece que «o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis». E no nº 4 até se consigna que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal
Também na Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH] têm assento a liberdade de expressão e o sigilo da correspondência.
A liberdade de expressão no seu art. 10º onde no nº 1 se estabelece que «qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (…)». Embora depois o nº 2 acrescente que «o exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.»
O sigilo da correspondência no art. 8º, nº 1, no qual se diz que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência
Surgem assim em colisão estes dois direitos fundamentais, situação que se acha prevista no art. 335º do Cód. Civil onde se estatui o seguinte:
«1- Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2- Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior
Se a liberdade de expressão, numa sociedade democrática como a nossa, é um valor constitucional cimeiro, também o é o sigilo da correspondência, sendo seguro que esse sigilo abrange igualmente a correspondência mantida através de telecomunicações, designadamente as mensagens eletrónicas de pessoa para pessoa (emails e SMSs).[92]
Na nossa sociedade todos têm direito a livremente expressar a sua opinião sem que se tenham que defrontar com qualquer tipo de limitação ou restrição, conforme decorre da proibição da censura – cfr. art. 37º, nº 2 da Constituição da República.
Mas também todos têm direito à inviolabilidade da sua correspondência, como manifestação do mais vasto direito a todos reconhecido da reserva da intimidade da vida privada – cfr. art. 26º, nº 1 da Constituição da República.
Uma sociedade centrada no respeito pela reserva da vida privada não pactua com a devassa da correspondência alheia, de tal modo que o acesso lícito à correspondência e a intromissão lícita nas telecomunicações não fica na livre disponibilidade de quem quer que seja, mesmo invocando este interesse público, antes impõe um regime excecional, que pressupõe a intervenção judicial.
Por isso, o princípio consagrado no art. 34º, nº 1 da Constituição da República tem uma natureza tendencialmente absoluta e só de forma excecional pode ceder, e sempre nos termos do Direito, face a outros direitos e valores constitucionais.
Conclui-se, pois, que o direito à liberdade de expressão contemplado no art. 37º, nº 1 da Constituição da República não pode sobrepor-se, sem mais, ao direito também constitucionalmente consagrado no art. 34º. [93]
Assim, só em situações excecionais poderá o direito à liberdade de expressão fazer recuar o direito ao sigilo da correspondência e comunicações privadas, até porque se impõe sempre salvaguardar o núcleo essencial deste segundo direito.
Como tal, esta tensão entre dois direitos tendencialmente absolutos como são os que se mostram em confronto terá que ser encarada com referência aos princípios essenciais da adequação e da proporcionalidade, realidade que se encontra expressa na sentença recorrida no seguinte passo:
“Tentamos aqui efectuar uma concordância prática desses bens, limitando de forma menos gravosa o direito à liberdade de expressão, de modo a que se encontre uma solução, que garanta a convivência equilibrada e harmónica dos bens em presença até onde for possível.”
Assinalando-se que o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas implica não apenas o direito de que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de que terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem[94], terá que se registar que ocorreu da parte dos réus infração deste direito fundamental.
Com efeito, foi efetuada a divulgação de numerosos mails respeitantes à vida interna do Grupo X... em 20 programas televisivos, sendo que essa divulgação se realizou frequentemente através da sua leitura parcelar, por vezes descontextualizada e até com adulteração do respetivo sentido.
É certo que essa divulgação se concretizou a coberto do denominado interesse público, atendendo a que do teor desses mails resultariam suspeitas de adulteração de resultados das competições futebolísticas e de eventual corrupção na área desportiva.
Mas para que a investigação destes ilícitos de natureza criminal, de patente interesse público, se iniciasse e desenvolvesse não era necessária uma campanha televisiva, com laivos folhetinescos, que se desenrolou durante 20 programas ao longo de vários meses.
Se apenas o interesse público movesse os réus, e em particular o réu AA, o caminho seguido teria sido seguramente diferente.
Na posse de ficheiros contendo um tão largo número de comunicações eletrónicas entre elementos do Grupo X..., e dos quais transparecia a possibilidade de prática de ilícitos criminais na área desportiva, impor-se-ia que tais elementos fossem de imediato entregues às entidades competentes (Ministério Público; Polícia Judiciária) que então iniciariam a respetiva investigação.
Seria perfeitamente compreensível que no programa televisivo em que o réu AA intervinha fosse noticiado o início dessa investigação, mas sem leitura de qualquer mail ou de passagem deste, com o que se teria procurado respeitar o direito ao sigilo da correspondência.
Mas não foi esse o caminho trilhado.
Os réus optaram antes pela divulgação do teor dos mails, por vezes parcelar, o que se iniciou em 18.4.2017 e prosseguiu mesmo depois de em 22.6.2017 terem entregado esses mails às autoridades criminais competentes, só vindo essa divulgação a cessar com o acórdão da Relação do Porto, de 21.2.2018, que decretou a providência cautelar requerida pelos autores.
O propósito não foi verdadeiramente a prossecução do interesse público, mas sim a realização de uma campanha agressiva contra o principal rival desportivo.
Como tal, entendemos que, com a divulgação dos mails, ocorreu violação do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência das autoras, constitucionalmente consagrado no art. 34º, mostrando-se, a nosso ver, desnecessária a referência, aliás superficial, que foi feita na sentença recorrida ao art. 76º do Cód. Civil e que motivou um longo excurso doutrinário, também ele desnecessário, em sede de contra-alegações dos réus.
*
V – A inexistência de nexo de causalidade relativamente aos danos/A concausalidade/O montante dos danos
O Tribunal “a quo” condenou os réus/recorrentes no pagamento de uma indemnização, pela divulgação da correspondência das autoras, nos montantes de 523.023,04€ a título de danos emergentes e de 1.430.000,00€ referentes a danos não patrimoniais.
Os réus/recorrentes discordam desta indemnização, em primeiro lugar, por entenderem não terem praticado qualquer facto ilícito e, depois, por não concordarem com a percentagem de dano (2/3) que o Tribunal lhes imputa em virtude de existir uma situação de concausalidade.
Tal como discordam também do pagamento da indemnização respeitante ao reforço da segurança do sistema informático das autoras, por não o terem invadido.
E quanto ao segmento condenatório relativo aos danos não patrimoniais decorrentes da divulgação da correspondência consideram que uma condenação com base na equidade não pode servir para suprir a falta de prova desses danos.
Subsidiariamente, discordam ainda do valor da condenação por o considerarem excessivo.
Os autores, igualmente recorrentes, insurgem-se também, nesta parte, contra a sentença recorrida, mais concretamente contra a redução em 1/3 do montante indemnizatório. Entendem que o caso presente não deve ser qualificado como uma hipótese de causalidade cumulativa, mas sim como um caso de causalidade mediata ou indireta, devendo o autor do primeiro facto responder pelas consequências emergentes de um evento posterior, apoiando-se para o efeito no parecer efetuado pela Sr.ª Prof.ª Paula Costa e Silva e pelo Sr. Dr. Nuno Trigo dos Reis que juntaram com as alegações. Tal como no segmento relativo aos danos não patrimoniais resultantes da divulgação dos mails e consequente afetação da marca pugnam pela sua fixação no valor peticionado de 17.000.000,00€.
No parecer acima referido consignou-se o seguinte em sede de conclusões, que se irão transcrever parcialmente:
“1.ª O princípio primeiro do direito da obrigação de indemnizar é o do ressarcimento integral dos danos (arts. 562.º e 566.º, n.º 2 CC). Uma vez preenchidos os pressupostos fundamentadores da responsabilidade, a indemnização só excepcionalmente pode ser fixada em montante inferior ao dano real sofrido pelo lesado, mediante o preenchimento de algum tipo legal modificativo do direito à reparação integral dos danos.
4.ª A circunstância de outras pessoas além dos Réus terem também divulgado ilicitamente a correspondência das Autoras não exclui a responsabilidade dos Réus por todos os danos que aquelas vieram efectivamente a suportar em consequência da devassa. Seja qual for a natureza do concurso entre as condutas dos Réus e os factos praticados por outros órgãos de comunicação social, os primeiros estarão, em qualquer caso, obrigados a reparar integralmente os danos sofridos pelas Autoras. Esta é a consequência que inequivocamente se extrai do disposto no art. 497.º, n.º 1 CC, ao consagrar a solidariedade da obrigação de todos os agentes que forem responsáveis pelos danos sofridos pelo lesado.
5.ª Ao determinar que a responsabilidade dos Réus deveria ser reduzida na medida da contribuição para os prejuízos sofridos pelas Autoras, a sentença recorrida apresenta-se manifestamente desconforme com a norma presente no art. 497.º, n.º 1 CC, merecendo, por isso, ser revogada.
6.ª As condutas lesivas assumidas por terceiros, outros órgãos de comunicação social que reproduziram a correspondência das Autoras, deram origem a prejuízos adicionais por referência aos danos provocados pelas primeiras divulgações ilícitas promovidas pelos Réus. Apesar de decorrerem imediatamente de condutas de terceiros, tais prejuízos são imputáveis aos Réus, na medida em que estes, ao colocarem em circulação na comunicação social o conteúdo da correspondências das Autoras, praticaram um facto idóneo, de acordo com os juízos da experiência comum, a induzir outros órgãos de comunicação social a reproduzirem esses documentos e, com isso, a repetirem a ingerência abusiva na vida privada das lesadas. Noutra perspectiva, a conduta dos terceiros constitui a concretização do risco ilicitamente criado pelos Réus, ao divulgarem publicamente a correspondência electrónica do lesado pela primeira vez, o epicentro do "caso dos email" que abalou a opinião pública: um risco lesivo que se encontra coberto pelo escopo de protecção das normas que reconhecem o direito à inviolabilidade da correspondência e à reserva da intimidade sobre a vida privada.
7.ª Ao contrário do que resulta da decisão recorrida, o concurso de condutas lesivas não configura uma hipótese de «concausalidade cumulativa» ou de «co-autorias paralelas». O Caso configura, antes, uma hipótese de causalidade mediata ou indirecta, ante a qual o autor de um primeiro evento lesivo deve responder pelas consequências emergentes de um evento posterior, sob a forma de um comportamento de um terceiro.
8.ª A existência de condutas lesivas de terceiros não justificam uma atenuação da responsabilidade dos Réus, antes impõem, precisamente, o resultado contrário. A responsabilidade dos Réus é, na verdade, agravada pelo facto de certos órgãos de comunicação social terem posteriormente reproduzido os email e terem, com isso, amplificado as consequências prejudiciais da devassa primeiramente cometida.”
Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo”, a propósito da questão da causalidade, escreveu o seguinte:
“Afirmada a ilicitude e a culpa das RR. importa averiguar a imputação objectiva.
Com efeito o caso dos autos poderia levantar alguns problemas de causalidade.
Quanto ao dano de divulgação de emails teremos de ter em conta que se demonstrou a existência de factos que também são aptos a gerar ou agravar esse mesmo dano, já que estes foram divulgados por outras entidades muitas das quais órgãos de comunicação social. E, a existência dos processos crimes contra as AA que não podem ser imputados causalmente às RR..
Esta circunstância poderia implicar a existência de uma causa virtual, que ocorre quando “há uma causa real, efectiva do dano; e há, ao lado dela, um facto que teria produzido o mesmo dano se não operasse a causa real “.
Mas entre nós, só se aceita a relevância da causa virtual negativa - a que exonera (ou reduz) a responsabilidade do autor da causa real, que alegou e provou a existência da causa virtual, situando-se o problema “não no domínio do nexo causal, mas no capítulo da extensão do dano a indemnizar “.[95]
A circunstância de o processo factual de que resultou o dano dos AA só em parte ser imputável aos réus, visto outros órgãos de comunicação social terem difundido notícias de teor idêntico não os exime da sua responsabilidade, ao contrário do que os réus sustentam, apenas relevando para efeito de quantificação da indemnização”.[96]
Como expressivamente afirma Antunes Varela (ob cit págs. 922 e 923), a propósito da comparticipação (lato sensu), esta pode verificar-se em relação à mesma causa do dano ou resultar da concorrência de duas ou mais causas na direcção do mesmo dano. «Em face do lesado, quer haja subsequência (adequada) de causa, quer haja causas cumulativas ou mera coincidência de causa de natureza distinta, qualquer dos responsáveis é obrigado a reparar todo o dano».
Com efeito estamos aqui perante uma causalidade cumulativa não necessária, também designada de dupla, plural ou adicional, em que há várias causas para um dano, qualquer uma das quais suficiente para, individualmente, produzir o resultado.[97]
Nesta matéria o Ac da RC de 13 de maio de 2014 decidiu que “o dano (…) verificou-se em consequência da eficácia causal dos dois factos e comportamentos que, como “esferas de risco, com potencial de alicerçar a responsabilidade, convergem para um mesmo resultado”, o que significa que também se encontra protegido o nexo causal”.
O Ac do STJ de 19.5.2015 n.º 154/10.8TBCDR,S1, Relator Juiz Conselheiro Júlio Gomes, chegou a uma conclusão semelhante[98]. E o Ac da RC de 5.5.2015 n.º 293/13.3TBCDN.C1, Relatora Juíza Desembargadora Maria João Areias: considerou que a actuação global dos demandados criara uma determinada esfera de risco ao legítimo proprietário e que a impossibilidade em determinar o efectivo lesante dentro de um grupo de pessoas não pode prejudicar o lesado, excepto se os demandados lograssem a prova de que não haviam causado o dano. (sublinhado nosso).
Concluímos, pois pela verificação da relação de causalidade que conjugada com a culpa e ilicitude impõe a obrigação das RR indemnizarem as AA.”
E depois mais adiante o Mmº Juiz “a quo”, ao apreciar da relevância da concausalidade na fixação do dano patrimonial, escreveu o seguinte:
“Considerando as situações de concausalidade resultantes dos factos provados (cfr. por exemplo reportagem revista ...; investigação ..., etc.), mas nunca esquecendo que a divulgação foi efectuada pelas AA durante 10 meses em 20 ocasiões, o tribunal considera suficiente, equitativo e proporcional reduzir o valor total [da] indemnização pelos danos patrimoniais em 1/3.”
Acontece que, nesta parte, não acompanhamos o decidido pela 1ª Instância, no tocante à circunstância dos mails terem sido posteriormente divulgados por outras entidades, muitas delas órgãos de comunicação social.
O princípio fundamental na área indemnizatória é o do ressarcimento integral do dano, conforme decorre dos arts. 562º e 566º, nº 2 do Cód. Civil e o facto, sobejamente comprovado, de que outras entidades também procederam à divulgação dos mails, não é de molde a afastar a responsabilidade dos réus por todos os danos que os autores vieram a suportar em consequência do acesso à sua correspondência privada.
Aliás, se outros depois dos réus reproduziram os documentos que inicialmente foram por eles revelados, isso só sublinha a potencialidade lesiva da conduta destes, numa clara amplificação dos efeitos resultantes da violação da correspondência dos autores.
Assim, independentemente da natureza do concurso subjacente às condutas desenvolvidas pelos réus e por outros órgãos da comunicação social, quer estejamos perante uma concausalidade/causalidade cumulativa ou uma causalidade mediata/indirecta, ter-se-á que concluir que os réus sempre estariam obrigados a reparar integralmente os danos sofridos pelas autoras.
É neste sentido que aponta o art. 497º, nº 1 do Cód. Civil, onde se dispõe o seguinte:
«Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade
Resulta deste preceito que sendo várias as pessoas responsáveis pelos danos a sua responsabilidade é solidária, o que significa, conforme decorre do art. 512º, que o lesado pode exigir de cada uma delas o cumprimento da obrigação de indemnizar, na sua integralidade, e que a realização da obrigação integral por qualquer uma das pessoas responsáveis a todos libera perante o lesado.
Este artigo afasta assim, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, o regime da conjunção ou da parciariedade que em regra vale para as obrigações plurais salvo se a solidariedade resultar da lei ou da vontade das partes (art. 513º do Cód. Civil).[99]
Tal como se refere no parecer subscrito pela Sr.ª Prof.ª Paula Costa e Silva e pelo Sr. Prof. Nuno Trigo dos Reis, este art. 497º revela, de forma evidente, um princípio de proteção ao lesado, que se exprime na vigência muito ampla da regra da solidariedade sempre que pelos danos por si sofridos devam responder diferentes pessoas.
Acrescente-se ainda, na linha do que se tem vindo a expor, que os réus ao colocarem em circulação na comunicação social o conteúdo da correspondência privada dos autores praticaram um facto que, de acordo com as regras da experiência, levaria a que outros órgãos dessa mesma comunicação social reproduzissem tal correspondência.
Ou seja, a reprodução dos mails por outras entidades não é mais do que a concretização do risco que foi criado pelos réus ao principiarem a divulgar a correspondência eletrónica dos autores.
Neste contexto, consideramos, diferentemente do que foi entendido pela 1ª Instância, que o montante indemnizatório referente aos danos patrimoniais não deve ser reduzido em 1/3, o que implicará, nesta parte, a procedência do recurso interposto pelos autores.
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Contudo, quanto a esta parcela indemnizatória, onde se visa ressarcir os danos que resultaram das despesas que foram efetuadas para minorar as repercussões decorrentes da divulgação dos mails, há ainda que ter em conta que na sequência da impugnação da matéria de facto por parte dos réus foram alterados os pontos nºs 118 e 121.
Com efeito, conforme se escreveu em I.B)11., supra, na parte respeitante à campanha de marketing destinada a promover a comercialização do “...” deverá ter-se em atenção que se trata de uma campanha que se realiza todos os anos, de tal modo que as despesas que com ela foram tidas não podem ser atribuídas à divulgação dos mails e, por isso, se eliminaram as mesmas da redação do nº 118 e se alterou, em consonância, o nº 121, quanto ao montante global que aí foi consignado.
Como tal é a seguinte a redação dos pontos nºs 118, 119, 120 e 121 da factualidade assente:
118 - As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despendaram a quantia total de €265.080,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e oitenta euros), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca X... e do Grupo X..., as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo X... no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa H... acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;
119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores, conforme doc nº 56, cujo teor se dá por reproduzido;
120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de Março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos);
121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €605.300,90 (seiscentos e cinco mil trezentos euros e noventa cêntimos).
Assim, os danos montam não aos 784.579,56€ referidos na sentença recorrida, mas sim a 605.300,90€, o que importa, relativamente a este valor, a parcial procedência do recurso interposto pelos réus.
Em suma, sem operar a redução de 1/3 realizada na sentença recorrida, o montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais decorrentes das despesas efetuadas para minorar as consequências advindas da divulgação dos mails deverá ser fixado em 605.300,90€.
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Prosseguindo, há agora que passar à quantia que se mostra peticionada pelas autoras relativamente à afetação da marca em consequência da divulgação dos mails – 17.000.000,00€.
Na fixação desta parcela indemnizatória, relativamente à qual o Mmº Juiz “a quo” entendeu que mais nenhuma atividade instrutória poderia densificar e concretizar esse dano, uma vez que as partes já tiveram a possibilidade de instruir o processo com esse pressuposto e não o conseguiram, enveredou este pela sua concretização através da equidade.
A equidade, na “Ética a Nicómaco” de ARISTÓTELES, é concebida como um corretivo da generalidade da lei; isto é, como uma espécie de justiça melhor que a legal, porque esta dada a sua generalidade, não pode adequar-se perfeitamente a todos os casos possíveis, sendo certo que no ato de aplicação deve a norma adaptar-se a todas as sinuosidades do caso. A equidade não quer a infração da norma, mas a sua adaptação às diversas circunstâncias do facto, pois só assim satisfará o seu fim e a sua função.[100]
Julgar segundo a equidade significa que o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise.
Por seu turno, na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[101]
Neste conspecto, se a equidade se reconduz ao “direito do caso concreto”, tal implica que o juízo equitativo seja análogo a outras situações semelhantes e não um juízo arbitrário para além de todos os limites já fixados.
Assim, com reporte à equidade, foi o seguinte o percurso argumentativo que levou o Mmº Juiz “a quo” a fixar este segmento indemnizatório em 1.430.000,00€:
“Para balizar essa operação existem indicações sistemáticas que são essenciais.
A primeira e mais simples decorre do art. 494º, do CC., que se limita a enunciar: o montante dos danos causados; as circunstâncias do caso concreto; o grau de culpabilidade do agente e a situação económica do lesado.
As fronteiras da operação estão já mais delimitadas (a Ré Y1..., SAD obteve lucros de 6,8 milhões de euros em 2018, pelo que por exemplo seria esse o limite máximo da indemnização); o número de emails divulgados é de 55, em 20 sessões televisivas, durante cerca de 10 meses.
Ou seja, o meio (TV) foi apto e adequado e podemos dizer que é o mais danoso para causar a lesão;
O número de sessões e factos divulgados é também elevado.
A situação económica das RR é boa (aliás serão poucos os lesantes que possuem disponibilidade de um canal de televisão para efectuar este dano).
A sua conduta foi efectuada com dolo na modalidade mais intensa (sabiam que estavam a ler, usar e divulgar correspondência privada).
Como veremos, truncaram até dois emails para melhor passar a sua mensagem.
Divulgam sem qualquer pudor comunicações privadas, sobre assuntos pessoais.
Depois, a privacidade dos emails divulgados é elevada (atingiu múltiplos colaboradores das AA e terceiras pessoas); afecta vários anos de comunicações (desde 2010), e o volume é saliente.
O dano é, em concreto atenuado pela veracidade das afirmações e pela sua natureza.
Não podemos esquecer que o facto de as afirmações contidas na correspondência serem verdadeiras implicaria sempre uma redução da indemnização como característica relevante do caso concreto, porque o “Direito não pode encarar com os mesmos olhos a verdade e a mentira”[102]. Note-se, por fim, que os problemas de causalidade cumulativa também ocorrem aqui, mas em muito menor dimensão, porque a repercussão mediática das divulgações foi claramente visada pelas AA, mas que atenderá a esse factor na fixação concreta.
Os casos análogos[103] nacionais (como é evidente os internacionais não estão sujeitos à capacidade económica das empresas nacionais) expressam danos algo diminutos, mas importantes.
O supra referido Ac do STJ no caso E...[104] atribuiu a este uma indemnização de 75 mil euros, mas como vimos foi posta em causa pelo TEDH mas liquidada ao lesado.
No já antigo caso partex (imputação à empresa da colocação de um escuta telefónica na PGR), a indemnização foi de dez milhões de escudos (Ac STJ de 17.10.2000 in CJSTJ, III, p. 78).
Se usarmos como fator indicativo esses dois valores (em especial o assumido pelo caso E...) já possuímos um valor mínimo (75 mil euros). Se actualizarmos esse valor de acordo com a inflação obtemos o valor de 85.229,00[105], pela publicação num jornal diário de uma notícia relativa à existência de dívidas fiscais de um clube.
Como ponto de partida na fixação do dano temos que se multiplicarmos pelo número de sessões de divulgação (20) obtemos =1.704.580,00[106], valor esse que seria assim o limite máximo da indemnização, o qual face ao número de meses (10), número de sessões de divulgação (20), só pecará por diminuto, tendo em conta os valores correntes da actividade das RR[107].
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25.2. Análise concreta dos emails
Nessa ponderação consideramos que a indemnização será maior ou menor na mesma medida do interesse público que alegadamente foi usado para a sua divulgação. Ou seja, os emails relativos a possíveis crimes públicos e que estão cobertos por maior legitimação social terão por isso menor indemnização pela sua divulgação. Depois, o dano depende também do conteúdo mais ou menos gravoso dos emails; do número de pessoas afectadas e da ressonância que essa mesma divulgação teve. Nestes termos os emails relativos ao contrato de bruxaria são sem dúvida os mais graves, seja pelo conteúdo, pelo escopo da sua divulgação[108] meramente concorrencial, e pela ressonância dos mesmos em notícias no estrangeiro. Do mesmo modo os emails que foram truncados/adulterados implicam uma maior ilicitude, elaboração e dolo. Partindo [do] supra referido valor fixado pelo STJ para, recorde-se uma notícia de jornal relativa à existência de uma dívida fiscal (85.000), o tribunal considera curial agrupar os emails em 4 categorias.
O primeiro diz respeito aos emails que não possuem qualquer interesse público e só foram revelados por curiosidade e vontade de denegrir os intervenientes. Estão nesta categoria as seguintes divulgações e emails:
13.11.17, 1 Email (conversa interna)
6.2.18, 5 emails (suposta encomenda de parecer de DDD)
29.8.17, 1 email (cópia de publicação facebook)
31.10.17, 1 email (pedido de apoio ex-colaborador)
5.9.17, 3 emails (preparação entrevista do presidente das AA)
10.10.2017, 1 email (insulto em privado a um árbitro)
Face ao supra referido parece-nos adequado e suficiente fixar o valor individual da indemnização pela divulgação de cada um desses emails em 40.000,00 euros.
Um segundo grupo diz respeito àqueles em que já existe algum interesse público, mas em que o fim visado também não foi informar, mas fundamentalmente afectar um concorrente, integrando-se pois numa intenção comercial de perturbação:
8.8.17, 1 email (suposto acesso computador UUU)
9.1.18, 2 emails Erros observadores: YY e LL
18.4.17; 1 email (concedendo 50 convites: excursão avós e netos do município ...)
26.12.17, 1 email (constituição de blog NN / GG)
Face ao supra referido parece-nos adequado e suficiente fixar o valor individual da indemnização pela divulgação de cada um desses emails em 20.000,00 euros.
Um terceiro grupo de emails diz respeito aos casos em que, existiria interesse público não fora a forma, o motivo e as datas como foram divulgados esses emails. Enquadramos nessa categoria todos os restantes emails, atribuindo a cada um deles a indemnização de 10.000 euros.
Por fim, consideramos adequado integrar 7 emails sobre 2 assuntos numa categoria própria e autónoma. 5 desses emails dizem respeito à celebração de contratos de bruxaria sessão de 27.6.17 (conforme doc 10-A); e 2 emails divulgados em 6.6.2017, que dizem respeito aos que foram divulgados de forma deturpada.
Os emails relativos ao contratos de bruxaria, visaram claramente agredir a credibilidade comercial das AA e a sua justificação com base na suposta existência de um crime semi-público claudica inteiramente. Basta ver a gravação desse programa para se ver que não foi esta a explicação dada e que o motivo foi “amesquinhar” e “gozar” com os seus concorrentes consistindo num acto de perturbação. Tal divulgação, conforme resulta dos factos provados foi a que teve mais ampla cobertura mediática. Essa matéria, conforme prova testemunhal foi a que teve mais repercussões juntos dos patrocinadores. E, o conteúdo objectivo desses emails é aquele que, por certo, as AA mais pretendiam que não fosse devassado. Assim o mesmo integra-se nitidamente em linguagem comercial, que mesmo verdadeiro visa denegrir um concorrente direto, sem qualquer interesse público. Logo, neste caso julgamos necessário fixar a indemnização num valor correspondente a 4 vezes a supra referida indemnização atribuída ao E... ou seja, 340.000,00 euros.
Por fim, a truncagem de emails demonstra que não se pretende informar o público mas passar uma mensagem sem olhar aos meios para tal. Alterar de forma decisiva o texto de algo revela má-fé, dolo direto, premeditação e vontade de denegrir. In casu, as RR efectuaram essa conduta na sessão de 6.6.2017, quando se omite que foi dito “Os maiores erros tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o X...”, omite-se que afinal estão a salientar erros de arbitragem também contra as AA. Mas mais grave do que isso ao omitir a expressão “O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença”. Está-se a desvirtuar o sentido da frase “os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o Y... já não manda mas ainda não compreendem onde está o poder. (…) Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1º ministro”. Conforme referiu o TEDH no caso Stoll a informação “was clearly reductive and truncated”.
Desvirtuar não é informar, e não existe qualquer justificação (falta de tempo) para essa conduta, além da concreta vontade de acomodar a realidade à mensagem que se quer fazer passar. Ao efectuarem essa conduta as RR. põem em causa as mais elementares regras de boa-fé e “verdade jornalística”. Concluímos assim que nesses dois casos a indemnização deverá ser fixada em 80.000 euros (para a primeira truncagem) e 160.000 (para a segunda).
A soma total dessa indemnização ascende a 1.430.000,00 euros, que corresponde sensivelmente à indemnização apurada por sessão de divulgação (-15%).
O tribunal opta por este valor, por ser o mais adequado às circunstâncias do caso na medida em [que] valora todas as circunstâncias de causalidade e culpa, e porque atende ainda à situação económica de um dos lesantes (Réu pessoa singular), que não possui meios económicos para a satisfazer. Por último não podemos esquecer que a responsabilidade civil visa um efeito também sancionatório, por forma a impedir a repetição do ilícito praticado[109]. Por isso, parece curial que esta indemnização apesar de diminuta tendo em conta os valores do sector de atividade das RR[110] é ainda suficiente para proteger os interesses das AA.”
O percurso argumentativo seguido pelo Mmº Juiz “a quo”, ora reproduzido, mostra-se acertado e bem fundamentado, tendo-se apoiado, como caso análogo, no chamado caso E... decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão de 8.3.2007, proc. 07B566.
Partiu assim como referencial mínimo do valor fixado nesse aresto pela publicação de uma notícia num jornal diário relativa à existência de dívidas fiscais de um clube desportivo (E...) – 75.000,00€ -, que atualizou de acordo com a inflação para o valor de 85.229,00€.
Contudo, tal como alertam os réus nas suas alegações de recurso, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por acórdão de 7.12.2010, proferido no caso K..., SA” e outros contra Portugal (queixa nº 39324/07)[111] viria a considerar excessivo o montante indemnizatório fixado naquele acórdão pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça.
Entendeu o TEDH que o montante de indemnização por perdas e danos a que os aí requerentes foram condenados não alcançou o justo equilíbrio pretendido. Reafirmou que, ao abrigo da Convenção, qualquer decisão que fixe perdas e danos por difamação deve apresentar uma relação razoável de proporcionalidade com a ofensa causada à reputação (Tolstoy Miloslavsky c. Reino Unido, 13 de Julho de 1995, § 49, série A nº 316 B; ver também Steel e Morris c. Reino Unido, nº 68416/01, § 96, CEDH 2005 II). Este raciocínio é igualmente aplicável a uma condenação em processo civil, ainda que, admite o Tribunal, uma sanção penal se revista indubitavelmente de um carácter mais grave. No caso, considerou-se que a quantia de 75.000,00€ à qual todos os requerentes foram condenados – mas que acabou por ser paga na totalidade pelo primeiro requerente – era incontestavelmente de um montante excecionalmente elevado, sobretudo face a outros processos de difamação submetidos a tribunais portugueses de que o Tribunal teve conhecimento e se se tiver em conta que se tratava da reputação de uma pessoa coletiva e não de um indivíduo. Uma condenação deste tipo corre inevitavelmente o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse para a vida da comunidade. De igual modo, esta condenação é de natureza a impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informação e de controlo (Monnat c. Suíça, nº 73604/01, § 70, CEDH 2006 X).
Por conseguinte, concluiu o TEDH ter havido violação do art. 10º da CEDH.
Sucede que não podemos ignorar os contornos diferentes dos dois casos, sendo que no denominado caso “E...” estava em causa apenas a difusão de uma notícia da qual resultava que esta entidade desportiva tinha dívidas fiscais.
Já na situação “sub judice” estamos perante um quadro de gravidade bem superior conforme foi devidamente assinalado na sentença recorrida.
De qualquer modo, de forma a alcançar uma solução mais justa e equitativa e a também melhor respeitar a jurisprudência europeia, justificar-se-á uma maior contenção indemnizatória, reduzindo-se o montante arbitrado no tocante aos três primeiros grupos de mails referenciados na sentença recorrida.
No primeiro grupo de mails, respeitante a situações que não possuem interesse público, visando-se principalmente denegrir os intervenientes, o valor individual da indemnização deverá ser reduzido para 20.000,00€.
No segundo grupo de mails, em que já se reconhece a existência de interesse público, mas em que se visou em primeira linha afetar um rival, o valor da indemnização por mail será reduzido para 10.000,00€.
E num terceiro grupo de mails, onde existiria efetivo interesse público não fora a forma e os motivos que levaram à sua divulgação, a redução indemnizatória será para 5.000,00€ por cada mail.
Já no que tange aos demais mails divulgados que envolveram contratos de bruxaria e em que ocorreu deturpação do respetivo sentido, por omissão de parte importante do seu texto (truncagem), entendemos que os montantes indemnizatórios, devido à gravidade destas condutas, devem ser mantidos.
Com efeito, a divulgação de mails referentes a bruxaria visou, de forma notória, num contexto a que estava arredio o interesse público, afetar a credibilidade comercial dos autores, através da sua ridicularização, situação que, de resto, pelo seu insólito, teve amplíssima repercussão mediática.
A fixação do valor indemnizatório em 340.000,00€ mostra-se, por isso, adequada.
Tal como se mostram ajustadas as verbas de 80.000,00€ e 160.000,00€ relativas aos mails em que se realizaram truncagens, suprimindo num caso a frase “Os maiores erros tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o X...” e noutro a frase “O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença”. Na verdade, divulgar mails eliminando do seu conteúdo frases relevantes, suscetíveis de alterar o sentido do divulgado, não tem justificação, a não ser a de acomodar o mail em causa à mensagem que se pretende transmitir.
Assim sendo, a quantia relativa ao segmento indemnizatório que temos vindo a apreciar fixar-se-á em 1.000.000,00€, o que importará a parcial procedência do recurso interposto pelos réus e a improcedência do recurso dos autores.
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VI A absolvição da ré “A..., S.A.”
Os autores discordam da sentença recorrida na parte em que nesta se absolveu dos pedidos formulados a ré “A..., S.A.”, por entenderem que esta deve ser responsabilizada civilmente e, por isso, condenada solidariamente com os outros réus no pagamento da indemnização arbitrada aos autores.
Defendem que o art. 70º, nº 2 da Lei da Televisão [Lei nº 27/2007, de 30.7.] não configura qualquer restrição à aplicação do regime da responsabilidade civil e que esta ré, por acção e/ou omissão, cometeu um conjunto de ilícitos culposos e danosos em co-autoria com os demais réus.
É a seguinte a argumentação seguida na sentença recorrida com vista a fundamentar a absolvição da ré “A..., S.A.”:
“(…) as condutas provadas foram praticadas tanto em nome da SAD como do clube como resulta do simples título e emblema usado no programa televisivo, sendo ainda certo que a entrega da correspondência pertença das AA, a sua guarda e tratamento foi efectuada pela sociedade Y2... pelo que esta terá de ser também responsabilizada.
Questão diversa diz respeito à sociedade A..., S.A (titular do B...). Os factos provados demonstram que esta não teve qualquer intervenção no conteúdo do programa em causa cuja concepção e direcção estava a cargo das primeiras RR no quadro de um acordo prévio de repartição de espaços e tempo de emissão. Note-se aliás que conduta semelhante deu origem à coima constante da Deliberação ERC/2017/130 (AUT-TV-PC).[112] Logo não podemos imputar à mesma qualquer acto concreto de lesão dos direitos das AA.[113] É evidente que a responsabilidade civil pode ser praticada por omissão art. 486º, do CC. Mas o art. 70º, da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho dispõe que “Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de rectificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador”.
Ou seja, seria necessário alegar e provar que os membros desse programa, nomeadamente AA tinha uma ligação a essa sociedade e não apenas à Y2....
Logo, nos termos do art. 342º, do CC e independentemente de qualquer outro tipo de responsabilidade (penal ou contra-ordenacional) essa sociedade (A...) não pode ser condenada nestes autos[114].
Vejamos então.
O art. 70º da Lei da Televisão estabelece o seguinte:
«1 - Na determinação das formas de efetivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais.
2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com exceção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de retificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador
A absolvição da ré “A..., S.A” radicou na circunstância de não se ter provado que os membros do programa televisivo em causa nos autos – “...” -, nomeadamente AA, tinham ligação também a esta ré e não apenas à ré “Y2..., S.A.”.
Ora, da factualidade dada como assente na sentença recorrida decorre o seguinte:
- A Ré B..., sob a designação social de “A..., SA”, é detida maioritariamente, segundo o Relatório e Contas de 2016/2017 da Y1..., SAD, por esta última – nº 34;
- Fazem parte do Grupo Y..., todas as sociedades demandadas, sendo que o Y... detém 74,59% das ações da Y1..., SAD e esta, por sua vez, detém 98,81% da Y2..., S.A. e 81,42% da A..., S.A. – nº 36;
- A Ré B... tem por objeto o “exercício da actividade de televisão, concepção, produção, realização e comercialização de programas relativos a quaisquer eventos, aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, comercialização de direitos sobre programas relativos a quaisquer eventos aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ligadas a actividades desportivas, artísticas, culturais e, em geral, de entretenimento, prestação de serviços de assessoria, consultadoria e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades referidas anteriormente” – nº 51;
- A Ré B... é um serviço de programas televisivos, autorizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, em Setembro de 2006, através da Deliberação 8-A/2006. O seu programa “...”, é um programa de entretenimento de promoção comercial do grupo do Y..., das suas atividades e dos seus interesses, não constituindo um programa noticioso. Os demais intervenientes actuam como comentadores, sendo adeptos do Y.... Nem os protagonistas, nem o programa, nem o serviço de televisão “B...” exercem neste contexto qualquer atividade noticiosa de natureza jornalística – nº 52;
- A B... é proprietária de um canal de televisão por cabo, emitido em sinal aberto, comercialmente designado por “B...” – nº 53;
- AA, trabalhador da Y2..., desempenha as funções de Diretor de Comunicação e Informação do Y..., incluindo Y... e Y1..., SAD – nº 54;
- No exercício das suas funções, os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC exercem de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., bem como do seu funcionário Réu AA – nº 55;
- Os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, através da liderança do primeiro, e a concordância e a adesão solidária dos segundos, definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés Y..., Y1... SAD, Y2..., B..., o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro – nº 56.
Sucede que este contexto factual, a nosso ver, aponta para uma solução diversa da seguida pela 1ª Instância. Com efeito, se se mostra provado que são os administradores dos demais réus (Y...; Y1..., SAD e Y2...) que também determinam as atividades, atos e negócios da “B...”, ou seja, da ré “A..., S.A.”, de que também são administradores [nº 38], não se vê como não poderá esta ré ser igualmente responsabilizada pela divulgação dos mails no referido programa televisivo.
Ao cabo e ao resto, a ré “A..., S.A.”, conforme decorre do nº 36 da factualidade assente, faz parte do Grupo Y..., tal como o Y..., a Y1..., SAD e a Y2... e foi ela o veículo utilizado pelo Grupo para a efetivação do ilícito, o que desde logo imporá a sua responsabilidade solidária com os demais réus nos termos dos arts. 490º e 497º do Cód. Civil.
E mesmo que se aceite a afirmação feita na sentença recorrida de que a sociedade ré “A..., S.A.” não teve qualquer intervenção no conteúdo de tal programa, cuja conceção e direção estava a cargo dos primeiros réus no âmbito de um acordo prévio de repartição de espaços e tempos de emissão, o que justificou a aplicação do disposto no art. 70º, nº 2 da Lei da Televisão, ainda assim a se imporia a responsabilização desta ré.
Com efeito, há que ter atenção o teor do art. 486º do Cód. Civil onde se estatui que «as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido
Acontece que a “A..., S.A.”, por força de imperativo constitucional – art. 34º, nº 1 da Constituição da República – tinha o dever de impedir a divulgação da correspondência dos autores e nada fez, donde para estes resultaram danos.
É que – e tal deverá ser salientado - a divulgação ilícita dos mails prolongou-se durante mais de dez meses e nessa divulgação utilizaram-se por vezes técnicas folhetinescas, de forte impacto, em que no fim dos programas se fazia referência a novas revelações em próximos programas [nºs 57, 82, 91 e 93].
Ou seja, de todo este cenário flui que a ré “A..., S.A.”, através dos seus administradores, que também o são dos demais réus [nº 38], não poderia ignorar o conteúdo ilícito das sucessivas sessões do programa “...” e nada fez para impedir o prosseguimento desta atividade e para remover ou minorar os danos que eram causados aos autores.[115]
Deste modo, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida e sem desdouro para esta que beneficia de ampla fundamentação jurídica, principalmente no âmbito doutrinal, concluímos no sentido de que também a ré “A..., S.A.” deverá ser responsabilizada civilmente e assim condenada solidariamente com os outros réus no pagamento da indemnização arbitrada aos autores, exceto no que tange ao segmento indemnizatório relativo à apropriação dos segredos de negócio e de elementos clínicos a que se mostra alheia.
Como tal, nesta parte, procede o recurso interposto pelos autores.
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VII - A absolvição dos réus BB, CC e DD/O disposto no art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais
Os autores, nas suas alegações de recurso, discordam também da absolvição dos réus BB, CC e DD, todos eles membros dos conselhos de administração/direção dos réus demandados, pugnando pela sua condenação.
A absolvição destes réus foi fundamentada na sentença recorrida pela seguinte forma:
«18. Da responsabilidade dos RR administradores
Pretendem as AA a condenação de três Administradores das Rés Sociedades por aplicação do disposto nos arts. 64, 73 e 79 do CSC.
Vejamos.
Estas três normas prevêem a imputação de um evento danoso ao património pessoal dos Administradores quando estes actuem de forma culposa.
O art. 79º, dispõe que: “Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos nºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º
Essa é uma responsabilidade (neste caso) extracontratual e subjectiva, que pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade (cfr. Ac STJ de 28.2.2013 nº 89/11.3TBCBR.C1.S1.).
No que respeita aos terceiros é discutido o […] sentido a dar à expressão directamente constante do art. 79.
Mas como salienta o Ac do STJ de 29.1.2014 nº 548/06.3TBARC.P1.S1 “Para os efeitos previstos no art. 79º, nº1 do CSCom., danos causados directamente pelo gerente aos sócios ou a terceiros são aqueles que, assentes em responsabilidade delitual comum, ocorrem em termos que não são interferidos pela presença da sociedade – designadamente, a recusa ilícita de informações ou o fornecimento de informações falsas que causem prejuízos –, sendo irrelevante para a produção de tais danos, ainda que invocada, a representação da sociedade”.
Ou seja, esta norma excepcional pressupõe e exige que a conduta pessoal dos Administradores tenha uma participação essencial no processo causal que provocou o dano sem interferência (total ou parcial) da sociedade.
Nesta medida Menezes Cordeiro afirma que na sua previsão estão em causa danos causados pelos administradores sem a interferência da pessoa colectiva.[116]
Ora, no presente caso e face aos factos provados é evidente que todos os actos danosos foram praticados através das sociedades não tendo as AA demonstrado qualquer acto isolado dos RR administradores.
Deste modo, sem necessidade de mais considerações impõe-se a absolvição dos RR Srs. BB; CC e DD.”
Vejamos.
No art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais estatui-se o seguinte:
«Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.»
Pronunciando-se sobre esta norma legal, MENEZES CORDEIRO (in “Direito das Sociedades”, I, Parte Geral, 5ª ed., pág. 903) diz-nos que temos aqui uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por inobservância de normas de proteção, nos termos do art. 483º, nº 1 do Cód. Civil.
Porém, do seu texto, resulta logo uma especial delimitação para esta responsabilidade: apenas cobre os danos diretamente causados.[117]
“Pode acontecer e aos mais diversos títulos, que administradores no exercício das suas funções, causem danos a sócios e a terceiros. Estes “terceiros” englobam, designadamente: o Estado, os trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores (…). Quando isso suceda: a sociedade é responsável, mercê dos nexos de imputação orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado. Num desvio à lógica da personalidade coletiva, a Lei admite porém que os administradores sejam demandados quanto a danos que causem diretamente.”
A questão estará então em saber como se interpreta este advérbio.
MENEZES CORDEIRO (in ob. e loc. cit.) prossegue escrevendo que “a responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará: (1) ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado; (2) ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa. Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no art. 79º/1. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a ideia de personalidade coletiva (…)”
Por seu turno, no Ac. STJ de 28.1.2016 (proc. nº 1916/03.8 TVPRT.P2.S1, relator Orlando Afonso, disponível in www.dgsi.pt), sobre o campo de aplicação do art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, escreve-se o seguinte:
“A responsabilidade de que aqui se cuida, no que aos terceiros concerne, é também uma responsabilidade extracontratual resultante de factos ilícitos, culposos e danosos praticados pelos administradores no exercício das suas funções, isto é, durante e por causa da actividade de gestão e/ou representação social – artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. Porém, os administradores apenas poderão ser responsabilizados quando violem deveres no tráfico a que pessoalmente estejam obrigados, ou seja, quando desrespeitem o dever jurídico de actuar sobre aspectos da organização ou do funcionamento empresarial-societário que constituam fontes especiais de risco para terceiros. Por conseguinte, não serão responsáveis por toda e qualquer deficiência organizativo-funcional da sociedade geradora de danos como se tivessem a “posição de garantes” desses terceiros já que, a entender-se de outra forma, tal levaria a uma extensão ilimitada da sua responsabilidade que não se encontra consagrada no nosso ordenamento jurídico.
Por outro lado, os danos aqui visados, contrariamente ao que sucede na responsabilidade que se mostra consagrada no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais, são apenas os que incidem directamente no património do terceiro, não relevando já o dano meramente reflexo, derivado de dano causado directamente à sociedade por ter sido afectado o património desta (cf. J. M. Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, ob. cit.[118], p. 904 e segs.).
Tem sido este, de resto, o entendimento deste Supremo Tribunal em casos similares, de que é exemplo o citado Acórdão de 29/01/2014[119], no qual se decidiu que Para os efeitos previstos no art. 79º, nº1 do CSCom., danos causados directamente pelo gerente aos sócios ou a terceiros são aqueles que, assentes em responsabilidade delitual comum, ocorrem em termos que não são interferidos pela presença da sociedade – designadamente, a recusa ilícita de informações ou o fornecimento de informações falsas que causem prejuízos –, sendo irrelevante para a produção de tais danos, ainda que invocada, a representação da sociedade (cf., no mesmo sentido, Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, 2009, p. 279).
É de sublinhar que, também aqui, os administradores não respondem perante os terceiros (credores) pelo incumprimento das obrigações da sociedade, já que nesse caso apenas existirá responsabilidade contratual e esta apenas à sociedade poderá ser assacada (cf. Ilídio Duarte Rodrigues, A administração das Sociedades por Quotas e Anónimas – Organização e Estatuto dos Administradores, Lisboa, 1990, p. 230).”
Entre os exemplos de aplicação do disposto no art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, no tocante à violação de direitos de terceiros, COUTINHO DE ABREU e ELISABETE RAMOS (in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, Almedina, IDET, págs. 908/909) indicam:
- Um administrador que dirige pessoalmente o bar da sociedade, resultando da sua exploração ruídos e fumos que ofendem o direito geral de personalidade e o direito à saúde de quem habita no andar de cima;
- Um administrador que vende o automóvel que o proprietário tinha confiado à sociedade para reparação;
- Os administradores que, mediante a elaboração e apresentação de relatório de gestão e de balanço (ou outros elementos de escrituração social) não verdadeiros, induzem terceiros a adquirir participações na sociedade por preço excessivo ou a conceder crédito depois não satisfeito;
- Os administradores que em prospeto relativo a oferta pública de distribuição de ações da sociedade omitem informação importante quanto ao património social.
Ora, face ao que tem vindo a ser expendido e perante os exemplos que se deixaram mencionados, cremos não ser possível subsumir o caso dos autos à previsão normativa do art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Tal como se salienta na sentença recorrida, este preceito pressupõe que a conduta pessoal dos administradores tenha uma participação essencial no processo causal que provocou o dano, sem interferência – total ou parcial – da sociedade, sendo que no caso dos autos, face à factualidade que foi dada como assente, se constata que todos os atos danosos foram praticados através das sociedades, sem que nesse sentido se tenha provado qualquer ato isolado dos réus administradores.
Não ficou demonstrado que tenha havido da parte dos administradores dos réus um plano global de ataque aos autores e nenhuma ação própria, concreta e exclusiva lhes pode ser atribuída, não bastando para tal efeito a mera produção de afirmações retóricas ou irónicas.
Cabe, de resto, realçar que, a perfilhar-se a tese avançada pelos autores/recorrentes, tal teria como consequência considerar-se que os administradores dos réus surgiriam, perante terceiros, como uma espécie de garantes face a todas as atuações ilícitas das sociedades que administram, solução que não se coaduna com o espírito do ordenamento jurídico societário, que se funda na personalidade jurídica das sociedades comerciais e na responsabilidade civil destas pelos atos praticados por quem legalmente as representa (cfr. art. 6º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais).
“Responsabilizar os administradores com fundamento numa geral “posição de garante” significaria uma extensão ilimitada da responsabilidade dos administradores perante terceiros. O que previsivelmente implicaria o êxodo de pessoas qualificadas, a obrigação de contratar um seguro a preços mais elevados e, no limite, o prejuízo para o bom desempenho das empresas.”[120]
Deste modo, em consonância com a posição assumida na sentença recorrida, ancorada na factualidade assente[121], entendemos ser de manter a absolvição dos réus BB, CC e DD, o que implica, nesta parte, a improcedência do recurso interposto pelos autores.
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VIII A não aplicação dos arts. 484º do Cód. Civil e 317º, nº 1, al. b) do Cód. da Propriedade Industrial 2003
Conforme se explanou no ponto IV deste acórdão, a propósito do recurso interposto pelos réus, a responsabilidade civil destes pela divulgação dos mails apoia-se em exclusivo na violação do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência das autoras constitucionalmente consagrado no art. 34º da Constituição da República, e consequentemente na cláusula geral do art. 483º do Cód. Civil.
Rejeitou-se, por isso, em sintonia com o decidido em 1ª Instância, a aplicação tanto do art. 484º do Cód. Civil, como do art. 317º, nº 1, al. b) do Cód. da Propriedade Industrial de 2003 em vigor à data da ocorrência dos factos.
Normas por cuja aplicação agora pugnam, em sede recursiva, os autores.
No art. 484º do Cód. Civil estatui-se que «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados.»
Por seu turno, no art. 317º, nº 1, b) do Cód. da Propriedade Industrial, em vigor à data dos factos, diz-se o seguinte:
«1 - Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: (…)
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; (…)»
A aplicabilidade desta última norma foi afastada pelo Mmº Juiz “a quo” com base na argumentação que se passa a transcrever:
“ (…) Resta agora abordar a relevância das imputações efectuadas pelas RR aquando e por causa da divulgação desses emails, incluindo o conteúdo do livro “...”.
As AA fundamentam o seu pedido com base no instituto da concorrência desleal.
Nos termos do Artigo 317.º, do CPI vigente à data dos factos 1 - Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: (…) b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
Ora, como vimos com excepção das deturpações efectuadas (que visam embelezar a tese das RR) as opiniões das RR não são falsas.
É certo que segundo os pareceres junto a estes autos esse facto não impediria o funcionamento autónomo da cláusula geral. Mas, sempre com o devido respeito por melhor opinião, parece-nos que a cláusula geral sendo indicativa ou exemplificativa não pode permitir a integração de uma situação contrária à de uma das suas alíneas enunciadas. O resultado obtido seria contraditório com o teor literal e sistemático da norma. E, segundo Carlos Olavo, esta norma pressupõe sempre uma afirmação não verdadeira, pois, “alusões verdadeiras, ainda que prejudiquem um concorrente beneficiam o regular funcionamento do mercado”. Mesmo que assim não seja, ao não se aplicar o art. 484º, do CPC existe uma relação de consunção entre o regime civil e o da concorrência desleal.
Daí concluirmos que essa conduta das RR não poderia ser sancionada com base nas normas de concorrência.”
Referenciado na decisão recorrida, escreve o seguinte CARLOS OLAVO (in “Propriedade Industrial”, vol. I, 2ª ed., pág. 278): “Tem sido discutido se os actos de descrédito proibidos abrangem tão-somente afirmações falsas ou também abrangem afirmações verídicas, isto é, se se poderá considerar concorrência desleal o facto de determinado empresário atribuir aos produtos de um concorrente defeitos de que estes efectivamente padeçam.
A meu ver, uma actuação deste tipo não deve ser considerada como concorrência desleal.
É que a repressão da concorrência desleal visa regular o funcionamento do mercado. Ora, aquele tipo de alusões, quando verídicas, ainda que venham prejudicar um dado concorrente, beneficiam o regular funcionamento do mercado, e nessa medida, não são censuráveis.”
Em concordância com a sentença recorrida e com respaldo no autor acabado de citar, porque as afirmações produzidas não se suportam numa realidade que possa ser havida como falsa, entendemos ser de afastar do caso dos autos a aplicação do disposto no art. 317º, nº 1, al. b) do Cód. da Prop. Industrial de 2013, tal como também se afasta a aplicação do art. 484º do Cód. Civil.
Sucede que a utilização deste segundo preceito legal, na sentença recorrida, foi objeto de análise por parte do Mmº Juiz “a quo”, a nosso ver acertada, já acima transcrita no ponto IV do presente acórdão.
Sobre a interpretação do art. 484º do Cód. Civil escreve o seguinte MENEZES LEITÃO (in “Direito das Obrigações”, vol. I, 7ª ed., pág. 303):
“(…) A primeira diz respeito [a] saber se esta previsão abrange indistintamente a afirmação ou difusão de quaisquer factos, sejam eles falsos ou verdadeiros, questão que tem levantado grande debate na nossa doutrina. PESSOA JORGE pronunciou-se no sentido de que, desde que a divulgação não integrasse os pressupostos de uma previsão penal, não haveria responsabilidade pela divulgação de factos verdadeiros, já que, a não se entender assim, teria que se considerar ilícita a actividade das agências de informações, quando estas desempenham factos socialmente relevantes.[122] ANTUNES VARELA, pelo contrário, considerou abrangida também aqui a divulgação de factos verdadeiros já que esta representa igualmente uma ofensa do crédito ou do bom nome, considerando que o exemplo das agências de informação não depõe em sentido contrário, atento o facto de estas estarem legalmente autorizadas a exercer a sua actividade, o que as colocaria no âmbito da causa de exclusão do exercício de um direito[123], tendo posteriormente aderido a esta posição MENEZES CORDEIRO[124]. Já ALMEIDA COSTA veio considerar que, embora a regra seja a irrelevância da veracidade ou falsidade do facto, sempre que a difusão corresponda a interesses legítimos deve-se admitir a exclusão da responsabilidade com base na exceptio veritatis.[125] Finalmente, RIBEIRO DE FARIA entende que a divulgação de factos verdadeiros apenas deverá envolver responsabilização do agente se for efectuada dolosamente, pelo que, a não considerar consagrada esta solução no art. 484º, não poderá admitir-se a inclusão no seu âmbito da divulgação negligente de factos verdadeiros.[126]”
Tomando posição nesta querela doutrinária, MENEZES LEITÃO (in ob. cit., pág. 304) escreve então que “destas normas resulta que a afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida, pelo que o agente que com dolo ou negligência adopte esse comportamento responderá por todos os danos causados ao visado. Quanto aos factos verdadeiros, a sua divulgação poderá ser admitida, mas desde que tal se efectue para assegurar um interesse público legítimo.”
Na sentença recorrida, como já se apontou, afastou-se a aplicação deste art. 484º do Cód. Civil, tendo o Mmº Juiz “a quo”, a propósito, escrito o seguinte que aqui novamente se reproduz:
“16. Da utilização do art. 484º, do CC
Numa concepção tradicional esta norma visa as imputações de factos verdadeiros desde que estes afectem o bom nome ou o crédito de qualquer pessoa, singular ou colectiva. Todavia mesmo que esta estivesse preenchida sempre teríamos de considerar que, nessa medida e tendo apenas em conta a liberdade de expressão a conduta das RR estaria legitimada.
Segundo Renato Lopes Militão “Apenas os juízos de valor totalmente desprovidos de base factual poderão ser considerados «excessivos», devendo por isso ser submetidos a um «critério de proporcionalidade».
Neste sentido os Acs. do STJ de 13/01/2005, proc. n.º 04B3924, e de 14/02/2012, consideram que «a prova da exactidão dos juízos de valor é impossível de realizar e seria atentatória da liberdade de expressão, importando, tão-só, que os mesmos não se encontrem, totalmente, desprovidos de base factual, sob pena de poderem ser considerados excessivos, devendo, então, ser sujeitos a apreciação, de acordo com um critério de proporcionalidade”.
Por seu turno o TEDH entende que ainda que se esteja perante a manifestação de juízos de valor ofensivos da honra dos visados, o direito à liberdade de expressão deve prevalecer no caso de tais juízos possuírem alguma sustentação factual. Segundo afirmou este Tribunal no seu aresto de 15/02/2005, proferido no caso Steel e Morris c. Reino Unido, “se a verificação dos factos é susceptível de ser provada, já a verdade dos juízos de opinião é insusceptível de ser demonstrada; quando uma determinada afirmação corresponde à manifestação de uma opinião, a proporcionalidade da ingerência. Importa ainda referir que, mesmo no âmbito do direito de informação, a exigência da verdade dos factos não deve ser rigorosa, sob pena de se inviabilizar o exercício desse direito. Assim, apenas se exige que o agente atue de boa fé no que concerne à verdade dos factos que transmite. Consistindo essa boa fé na convicção do agente na verdade de tais factos, decorrente de diligências investigatórias adequadas às circunstâncias do caso por si desenvolvidas.”
Por isso, neste caso e face ao teor literal dos emails das AA é evidente que existe uma base factual mínima que por si só legitimaria a liberdade de expressão das RR que, não são manifestamente desproporcionados face ao campo de actividade de ambas as partes (veja-se qualquer programa de comentário desportivo nacional para se ver que acusações e teorias da conspiração semelhantes são repetidas quase semanalmente em função de qualquer caso futebolístico).
Diga-se por fim que mesmo quanto ao livro “...” igual conclusão terá de ser efectuada. Por um lado, como veremos, a publicação do mesmo não pode ser assacada às RR nos termos do art. 500º, do CC. Por outro, o mesmo não reproduz qualquer email, mas enuncia apenas a tese da conspiração que as RR e esse autor defendem. Saber se a tese é certa ou errada depende da leitura esclarecida e crítica do livro. Considerar o seu título atentatório do bom nome das AA está no limite da liberdade de expressão, sendo que a expressão ... como sinónimo de mafioso já foi usada largamente dirigida a entes vários, incluindo alguns órgãos do Estado.
Por exemplo, o TEDH no Ac de 23/07/2013, proferido no caso Sampaio e Paiva c. Portugal Urbino Rodrigues c. Portugal, no qual estava em causa a condenação interna do requerente pela prática de um crime de difamação, por haver escrito, num artigo de opinião publicado num periódico, que determinados métodos eram «típicos de mafiosos» e que a pessoa visada nesse artigo — um jornalista — omitira deliberadamente factos. Tais juízos possuíam alguma base factual, pelo que se encontravam protegidos pela liberdade de expressão, o que levou esse Tribunal a condenar o Estado português por violação do art. 10.º da CEDH.
Ou seja, os juízos factuais e opiniões usadas pelos RR estão legitimados ao abrigo do direito de liberdade de expressão e por isso não podem fundar qualquer indemnização.”
Em concordância com a argumentação expendida na sentença recorrida, ancorada em jurisprudência europeia, concluímos, como nesta, que os juízos factuais e as opiniões veiculadas pelos réus estarão legitimados ao abrigo do direito à liberdade de expressão, o que inviabiliza a atribuição de qualquer indemnização com fundamento no art. 484º do Cód. Civil.
Afastada “in casu” a aplicação do preceituado nos arts. 484º do Cód. Civil e 317º, nº 1, b) do Cód. da Prop. Industrial de 2003, no que se mantém a decisão recorrida, a atribuição de indemnização às autoras, tal como exposto em IV, suportar-se-á na violação do seu direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência constitucionalmente consagrado no art. 34º da Constituição da República, e também no disposto no art. 483º do Cód. Civil.
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IXO não decretamento definitivo das providências cautelares decididas no anterior Acórdão da Relação do Porto de 21.2.2018/A fixação de sanção pecuniária compulsória
Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:
“26. Pedem as AA a condenação das RR a absterem-se de aceder à sua correspondência privada (pedido c); absterem-se de a publicar ou divulgar (pedido d); absterem-se de dar acesso (al e).
Estes pedidos visam evitar danos futuros. Nos termos do art. 564º, nº2, do CC os danos futuros só são indemnizáveis, se foram previsíveis.
Portanto é necessário determinar se esses pedidos devem ser deferidos e se devem também ser sancionados com a sanção pecuniária compulsória pedida em K). Saber o que é ou não previsível é uma tarefa delicada, mas podemos ter como critério seguro que a possibilidade de lesão futura tem que ser elevada. Assim, é necessário efectuar um juízo de prognose do futuro com base na situação de facto adquirida do presente[127].O que nós sabemos da actuação da Ré é que esta cessou a divulgação dos emails da autora quando tal lhe foi ordenado no decurso do procedimento cautelar. Daí resulta, pois que a continuação do comportamento danoso futuro não é nem certo nem de elevada probabilidade.
Importa frisar que a injunção da decisão cautelar se vai manter até o trânsito que só irá acontecer, por certo, após vários recursos. Ora, nessa data parece que caso esta condenação se mantenha a mesma será suficiente para demover as RR de qualquer tentação.
Depois não podemos esquecer que esta questão não é nova nem inovadora. Oliver Wendell Holmes, criou em 1919 a doutrina norte-americana do “clear and present danger”, nos termos do qual um direito de personalidade só pode ser limitado quando existir um perigo claro e actual. Esta doutrina foi já defendida no TEDH pelo juiz Giovanni BONELLO: “Exige-se o requisito do “perigo claro e atual” para justificar restrições à liberdade de expressão: “A questão em cada caso é se as palavras foram usadas de tal forma e sejam de tal natureza que criem um perigo claro e atual [...] que se deva prevenir”.
Entre nós essa questão já foi debatida precisamente num caso recente de direitos fundamentais.
O já citado Ac do STJ de 3.5.2018 nº 428/12.3TVLSB.L1.S1 considerou que uma injunção semelhante seria aplicável num caso de ofensas à honra graves e reiteradas entre particulares. Mas, teleologicamente a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829º-A do CC visa precisamente: “uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”. In casu, porém as RR. respeitaram até à data as injunções do tribunal, pelo não existe um perigo sério e actual que legitime a aplicação dos pedidos formulados nessas alíneas.”
Acontece que na sequência do aqui expendido os réus foram absolvidos dos pedidos formulados sob as alíneas c), d), e) e k) com a seguinte redação:
“c) Absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada das Autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais das Autoras, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados das Autoras e todos os documentos contendo segredos de negócio das Autoras;
d) Absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada das Autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais das Autoras, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados das Autoras e todos os documentos contendo segredos de negócio das Autoras;
e) Absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada das Autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais das Autoras, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados das Autoras e todos os documentos contendo segredos de negócio das Autoras; e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;
(…)
k) Pagarem, ao abrigo do artigo 338º-N, n.º 4, do CPI e do artigo 829.º-A, do Código Civil, a sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento do(s) pedido(s) condenatório(s) nas alíneas c) a h) supra, em valor que se sugere não inferior a €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), por cada infração da decisão judicial e/ou das injunções nela determinadas que venha a ocorrer desde a data da sua notificação aos Réus.”
Mais se consignou na sentença recorrida que todas as injunções do procedimento cautelar mantêm a sua validade até ao trânsito em julgado da presente decisão.
Os autores, nas suas alegações de recurso, insurgem-se contra este segmento do decidido pela 1ª Instância e, a nosso ver, com fundamento.
Conforme escreve o Sr. Prof. Lebre de Freitas, no parecer que se encontra junto aos autos, a intimação para que não continue a violação de um direito reconhecido, ou de um interesse juridicamente tutelado pelo Cód. da Prop. Industrial deve ser decretada, e acompanhada de sanção pecuniária compulsória se o ofendido o requerer, quando se verifique que a infração cometida foi largamente repetida e só cessou quando o infrator foi notificado da providência cautelar ordenada, na qual se determinou que se abstivesse de continuar tal infração.
Por um lado, face a esse comportamento reiterado, é justificado o receio de que, uma vez cessada a compulsão judicial para a abstenção do comportamento ilícito, o infrator o volte a adotar.
Por outro, o pedido de intimação do infrator para que definitivamente abandone o seu comportamento constitui um ónus do lesado que, a não ser observado, constitui causa de caducidade da providência.
Assim, só a procedência do pedido no que tange às suas alíneas c), d) e e) garante a subsistência do efeito prático da abstenção que foi logrado através da intimação feita, a título provisório, através do procedimento cautelar.
Deste modo, como assinala o Prof. Lebre de Freitas, a procedência destes pedidos, que visam a prevenção do dano, não se confunde com o da indemnização por dano futuro, uma vez que não é exigível um juízo de prognose sobre a alta probabilidade da continuação do comportamento doloso, não sendo de aplicar ao caso a disciplina do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, antes constituindo lugar paralelo o art. 368º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, onde se alude à probabilidade séria da existência do direito como requisito da providência cautelar.
O tribunal não pode absolver os réus destes pedidos, o que em bom rigor determinaria a imediata caducidade da providência cautelar – art. 373º, nº 1, c) do Cód. de Proc. Civil –, argumentando com a previsibilidade da interposição de sucessivos recursos nem com a subsistência no decorrer da causa da providência cautelar decretada e do seu efeito prático, que é necessariamente provisório e carece de dar lugar, na ação, a um efeito definitivo.
Aliás, se a providência cautelar viesse a caducar, por inexistência de decisão de procedência do pedido de intimação que mantivesse o efeito que com ela fora conseguido, não é de descurar a forte probabilidade do comportamento dos réus vir a ser retomado.
Como tal, impõe-se a condenação dos réus também nos pedidos formulados nas alíneas c), d) e e), bem como a fixação de sanção pecuniária compulsória [al. k)], o que será feito na importância de 200.000,00€ por cada infração ao judicialmente determinado.
Colhe esta sanção o seu fundamento no art. 829º-A do Cód. Civil, onde no seu nº 1 se preceitua que «nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.»[128]
Se a aplicação da sanção pecuniária compulsória tem de partir do credor, já a fixação do respetivo montante fica ao critério do tribunal, que o concretizará segundo critérios de razoabilidade – cfr. art. 829º-A, nº 2 do Cód. Civil.
Tal implica assim um apelo à equidade, em que o juiz, tomando em consideração os dados concretos da relação jurídica controvertida e a situação das partes, irá fixar um montante adequado que permita à sanção pecuniária compulsória ser eficaz na realização dos objetivos que lhe são próprios – o cumprimento da obrigação e a obediência ao tribunal.[129]
No caso “sub judice”, tal como se sustentou no procedimento cautelar – Ac. Rel. Porto de 21.2.2018, proc. 17448/17.4 T8PRT.P1, relatora Maria de Jesus Pereira, disponível in www.dgsi.pt. –, considerando-se que o futebol, enquanto atividade económica, movimenta no que diz respeito aos grandes clubes elevadíssimas somas pecuniárias, entendemos que a fixação da sanção pecuniária compulsória no valor de 200.000,00€ por cada dia de infração se mostra adequada, razoável e proporcional.
Por conseguinte, neste segmento, o recurso interposto pelos autores obterá parcial procedência.
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X - Os pedidos formulados nas alíneas f) e g) da petição inicial
É a seguinte a redacção destes dois pedidos formulados pelos autores:
“f) Retirarem e apagarem todos os suportes de comunicação dos Réus que se encontrem (ou venham a ser) publicados, seja em meios digitais e/ou em papel, controlados pelos Réus ou por terceiros, incluindo Youtube e outras plataformas similares, contendo alusões à correspondência (ou suposta correspondência) privada das Autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais das Autoras, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados das Autoras, e todos os documentos contendo segredos de negócio das Autoras;
g) Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 338º-C, n.º 1 do CPI, todos os suportes em seu poder contendo correspondência (ou suposta correspondência) privada das Autoras, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados das Autoras, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados e segredos de negócio das Autoras; (…).
O pedido formulado na alínea f) foi julgado improcedente e o da alínea g) julgado extinto por inutilidade superveniente da lide nos termos do art. 277º, al. e) do Cód. de Proc. Civil.[130]
No tocante ao pedido da alínea f) o Mmº Juiz “a quo” fundamentou da seguinte forma o decidido:
“27. Do pedido formulado na alínea f).
Este pedido pretende impor às RR uma obrigação de serem “polícias” das AA em “meios digitais controlados pelos RR ou por terceiros”. Quan[t]o aos controlados pelas RR não resulta dos factos provados a publicação de qualquer ofensa, pelo que nada será determinado. Quan[t]o aos meios controlados por terceiros, isso constituiu um pedido impossível, que vai além da possibilidade de agir das RR ou de qualquer entidade pública ou privada nacional e que, face à vastidão do meio pedido seria inexequível.
Deste modo, tendo em conta que a obrigação de fare só pode ter por objecto uma prestação possível (art. 280º, do CC) este pedido formulado pelas AA padece de uma impossibilidade material ou natural. Por um lado, as RR não podem controlar todo o espaço cibernético (logo existe uma impossibilidade objectiva deste pedido). Depois, só poderia incindir sobre os elementos que fazem parte deste pedido e causa de pedir e não “todos os documentos contendo segredos das AA”.
Por isso, o mesmo terá de improceder por violação da possibilidade física do objecto da condenação.”
Já quanto ao pedido formulado na alínea g) o Mmº Juiz “a quo” escreveu o seguinte:
“28. O pedidos formulado em g)
Este parece já ter sido satisfeito. Assim julga-se o mesmo extinto por inutilidade superveniente da lide nos termos do art. 276º, al. e), do CPC.”
Os autores, nas suas alegações de recurso, discordam em ambos os casos do decidido e pugnam pela procedência destes dois pedidos. No que tange ao da alínea f) referem ainda que a impossibilidade física do objeto da condenação constitui uma exceção dilatória inominada, de tal modo que tendo sido afirmado no despacho saneador que inexistem exceções, o tribunal ao conhecer dela em sede de sentença, estando esgotado o seu poder jurisdicional quanto a tais questões, cometeu excesso de pronúncia, o que determina, nesta parte, a sua nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil.
Sucede que quanto a esta questão processual não assiste razão aos recorrentes.
O art. 595º do Cód. de Proc. Civil no seu nº 1, al. a) estatui que o despacho saneador se destina a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.
E o nº 3 desta mesma norma estabelece depois que, neste caso, o despacho saneador constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões nele concretamente apreciadas.
Daqui flui que o caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias, como aquela que consta do despacho saneador proferido nos autos.
Assim, se o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, como sejam a a personalidade, a capacidade e a legitimidade, se verificam, e que inexistem outras exceções, o despacho saneador, nessa parte, não constitui caso julgado formal e, por esse motivo, continua a ser possível a apreciação de uma questão concreta que se possa reconduzir, como aqui sucede, à eventual verificação de uma exceção dilatória inominada.
Com efeito, a jurisprudência que fora fixada pelo Assento do STJ nº 2/63, de 1.2.1963 em relação à legitimidade [“É definitiva a declaração em termos genéricos do despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam”] terá que se considerar ultrapassada, como claramente evidencia a redação já referida do nº 3 do art. 595º do Cód. de Proc. Civil[131], redação esta que, de resto, se compagina com o Assento do STJ de 27.11.1991 [“O despacho a conhecer de determinada questão relativa à competência em razão da matéria do Tribunal, não sendo objeto de recurso, constitui caso julgado em relação à questão concreta de competência que nele tenha sido decidida.”]
Deste modo, porque apesar da declaração genérica feita no despacho saneador quanto à inexistência de exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, se mantém a possibilidade do julgador apreciar, de forma concreta, qualquer eventual exceção dilatória inominada que, sendo de conhecimento oficioso, se possa perfilar, manifesto é que a argumentação dos recorrentes não pode ser acolhida e, como tal, a sentença recorrida não padece, neste segmento, da nulidade de excesso de pronúncia.
Prosseguindo, há apenas a referir que os fundamentos que levaram o Mmº Juiz “a quo” a desatender o pedido formulado na alínea f) pelas autoras se mostram acertados e isentos de censura.
Se o pedido formulado pelas autoras viesse a ser julgado procedente seria então obrigação dos réus monitorizar todo o espaço do Youtube e da Web, diligenciando pela retirada de todos os conteúdos relacionados com a divulgação dos mails que tivessem sido publicados em contas de terceiros, o que não faz sentido, até porque os réus não podem controlar o comportamento – atual e futuro – de terceiros.
Comsequentemente, manter-se-á a improcedência do pedido formulado pelas autoras na alínea f).
Passando à alínea g), constata-se que este pedido, de entrega de todos os suportes que os réus tenham em seu poder contendo correspondência privada das autoras, foi feito nos termos do art. 338º-C, nº 1 do Cód. da Propriedade Industrial de 2003, onde, sob a epígrafe “medidas para obtenção da prova” se preceitua o seguinte:
«Sempre que elementos de prova estejam na posse, na dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro, pode o interessado requerer ao tribunal que os mesmos sejam apresentados, desde que para fundamentar a sua pretensão apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial.»
Tal como refere o Mmº Juiz “a quo” este pedido terá sido satisfeito, tendo sido com referência aos documentos apresentados pelos réus que os autores vieram juntar aos autos uma lista contendo exemplos de segredos de negócios incluídos no conjunto de emails recebidos por AA.
Assim sendo, mostra-se correto o decidido pela 1ª Instância ao julgar tal pedido extinto por inutilidade superveniente da lide, decisão que nesta sede recursiva se mantém.
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XI – A publicação da sentença
Na petição inicial os autores pediram também que se procedesse à publicação da sentença nos termos do disposto no art. 338º-O do Cód. da Prop. Industrial de 2003 [alínea i)], preceito onde se estatui o seguinte:
«1 - A pedido do lesado e a expensas do infrator, pode o tribunal ordenar a publicitação da decisão final.
2 - A publicitação prevista no número anterior pode ser feita através da publicação no Boletim da Propriedade Industrial ou através da divulgação em qualquer meio de comunicação que se considere adequado.
3 - A publicitação é feita por extracto, do qual constem elementos da sentença e da condenação, bem como a identificação dos agentes
Sucede que esta pretensão foi desatendida na sentença recorrida com a seguinte argumentação:
«30. Pedido de publicação da sentença
O mesmo, deriva do art. 338-O do CPI que dispõe: […] Este pedido tem desde logo um limite lógico. As AA pedem que a decisão seja lida no programa B.... Ora, esta ré, como vimos irá ser absolvida pelo que essa condenação não é possível. Depois a causa de publicação da sentença nos termos do art. 338-O do CPI seria apenas e só a violação do segredo de negócio das AA e não qualquer tipo de ofensa ao bom nome. Por fim, essa parte da decisão, como vimos irá ser relegada para liquidação de sentença, pelo que só aí é que os elementos finais de publicação poderão ser apreciados. Assim sem prejuízo de a AA. querendo reiterar esse pedido nessa fase, indefere-se quando à restante parte da decisão por a mesma não se enquadrar na previsão do art. 338-O do CPI.»
Os autores, em via recursiva, insurgem-se contra o decidido, pugnando de novo pela publicação da sentença recorrida e chamando agora em apoio da sua pretensão também o disposto nos arts. 91º, nº 1 da Lei da Televisão e 34º, nº 1 da Lei de Imprensa.[132]
No art. 91º, nº 1 da Lei da Televisão dispõe-se que «a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, e mediante decisão judicial, a parte decisória das sentenças condenatórias transitadas em julgado por crimes cometidos através de serviços de programas televisivos e de serviços audiovisuais a pedido, assim como a identidade das partes, é difundida pelo respectivo operador.»
Por seu lado, no art. 34º, nº 1 da Lei de Imprensa estatui-se que «as sentenças condenatórias por crimes cometidos através da imprensa são, quando o ofendido o requeira, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, obrigatoriamente publicadas no próprio periódico, por extrato, do qual devem constar apenas os factos provados relativos à infração cometida, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas.»
Da simples leitura destas duas disposições legais logo se conclui que as mesmas não se aplicam ao caso “sub judice”, uma vez que nelas se visa tão-somente a publicitação de sentenças condenatórias referentes à prática de crimes cometidos através da imprensa ou através de serviços de programas televisivos e de serviços audiovisuais, quando os presentes autos se reportam a um litígio de natureza cível.
Por isso, o fundamento para a eventual publicação da sentença achar-se-á apenas no citado art. 338º-O do Cód. da Propr. Industrial de 2003, o qual se refere a decisões judiciais condenatórias relacionadas com o âmbito da propriedade industrial, sendo que neste caso a condenação proferida concerne à violação de segredos de negócio dos autores.
A alteração do decidido no tocante à ré “A..., S.A.” (B...), conforme explanado em VI, não leva a que a decisão seja lida em programa do B..., o que foi peticionado em i), uma vez que a condenação a ser objeto de publicitação não respeita a ofensa do bom nome ou da reputação, mas sim à violação de segredos de negócios dos autores.
Assim, a parte do decidido respeitante a questões de propriedade industrial é suscetível de publicitação de acordo com o referido art. 338º-O, mas a circunstância da fixação deste segmento indemnizatório ter sido relegada para ulterior incidente de liquidação é, neste momento e tal como se entendeu na decisão recorrida, impeditivo de que esta se concretize desde já.
Com efeito, afigura-se-nos que a concretização do dano, em termos indemnizatórios, constitui elemento central para se decidir quanto à publicação da decisão, pois é o concreto montante da condenação que melhor permitirá aferir do relevo e importância da infração cometida.
Por isso, e sem prejuízo de eventual publicação da decisão condenatória em sede de incidente de liquidação, indefere-se, neste momento processual, o pedido de tal publicação ao abrigo do art. 338º-O do Cód. da Propr. Industrial de 2003, com o que se confirma, nesta parte, a sentença recorrida.[133]
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Antes de finalizar, referir-se-á que os autores/recorrentes, nas suas alegações de recurso, voltam a pugnar no sentido de que a sua correspondência privada, acedida sem o consentimento dos respetivos titulares, não poderá ser utilizada pelos réus para prova de factos que a estes sejam favoráveis, o que significa que não poderá a mesma ser valorada contra si e a favor da parte contrária – conclusões 40 a 57.
Sucede que esta questão já foi por nós apreciada e resolvida, quando se conheceu do 3º recurso (apenso E), interposto pelos autores, e se confirmou o despacho proferido na sessão de julgamento de 7.3.2019.
Aí se entendeu, em síntese, que tal correspondência privada (mails) constitui elemento estruturante da presente acção e é a ela que tudo se reconduz na procura da justa composição do litígio e, por isso, em nome dos princípios fundamentais que regem o processo civil - aquisição processual, inquisitório, contraditório, livre apreciação da prova –, aos réus, na perspetiva da sua defesa, foi acertadamente concedida a possibilidade de exibirem esses mails aquando da produção da prova testemunhal.
Tal como nenhum óbice se coloca, a nosso ver, a que essa prova possa ser valorada de forma favorável à parte contrária.
Prosseguindo, quanto a esta questão, remete-se para tudo o que atrás se deixou mais largamente expendido a propósito do conhecimento do recurso constante do apenso E, e assim sendo resta-nos reafirmar a nossa concordância com o decidido em 1ª instância ao ser admitida a possibilidade de utilização em audiência, por qualquer das partes, daquela documentação, que será valorada de forma livre, o que se funda nos princípios fundamentais acima referidos.[134]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelos autores X... e “X1..., SAD” e pelos réus Y..., “Y1..., SAD”, “Y2..., S.A.” e AA e, em consequência:
1. Absolvem-se os réus BB, CC e DD de todos os pedidos contra si formulados;
2. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 605.300,90€ (seiscentos e cinco mil e trezentos euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes;
3. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência;
4. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD” e “Y2..., S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133;
5. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;
6. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;
7. Condenam-se os réus Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @X....pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;
8. Condenam-se os réus Y..., “Y1..., SAD”; “Y2..., S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem, ao abrigo do art. 829.º-A do Cód. Civil, sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento das condenações efetuadas em 5., 6. e 7. no valor de 200.000,00€ (duzentos mil euros) por cada infração ao judicialmente determinado naqueles pontos;
9. Julga-se extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido formulado em g) nos termos do art. 277º, al e), do CPC;
10. Julgam-se improcedentes todos os demais pedidos formulados pelos autores absolvendo-se os réus em conformidade;
11. Julga-se improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado e por via disso absolve-se a reconvinda do mesmo.
As custas da acção ficam em ambas as instâncias a cargo das partes na proporção do respetivo decaimento que se fixa:
a) 30% referente à parte a liquidar que será suportada por ambas as partes condenadas em partes iguais, proporção que será corrigida em função do decaimento que resultar da liquidação;
b) 40% da parte restante a cargo dos autores;
c) 30% a cargo dos réus.
As custas da reconvenção, conforme já definido, ficam a cargo da reconvinte.

Porto, 13.9.2022
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
______________
[1] Código da Propriedade Industrial.
[2] No seu requerimento de prova as AA pedem precisamente a junção dos restantes documentos que aqui querem desentranhar.
[3] «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.»
[4] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 783.
[5] Cfr. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 3ª ed., pág. 72.
[6] Neste artigo estatui-se que incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade. A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.
[7] ISABEL ALEXANDRE, “Provas Ilícitas em Processo Civil”, 1998, p. 104.
[8] Cfr. Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 618/11.6TMLSB-A.L1-6 86 e o Tribunal da Relação de Guimarães no processo nº 435234/09.8YIPRT-A.G187.
[9] JUAN MONTERO AROCA, La Prueba en el Proceso Civil, 2012, p.149.
[10] Cfr. http://www.eclegal.it/wp-content/uploads/pdf/2018-06-05_le-prove-illecite-problema-della-utilizza bilita-nel-processo-civile.pdf e Borrillo Serena in https://www.diritto.it/le-prove-atipiche-e-le-prove-illecite/
[11] in La Prueba de los Hechos, 2005, p.364.
[12] Entre nós, neste sentido J. P. REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2011, p.583 e ISABEL ALEXANDRE, ob cit..
[13] Segundo Ada Pellegrini RINOVER, in Liberdades públicas e processo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, o "princípio da proporcionalidade" foi consagrado na Alemanha, admitindo as provas ilícitas no processo desde que essas visassem proteger interesses superiores como, por exemplo, a legítima defesa.
[14] Para mais desenvolvimentos cfr. Maria Rocha in a prova ilícita no processo civil português in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/34891/1/A%20Prova%20Ilicita%20no%20Processo%20Civil%20Portugues.pdf
[15] Cfr. Ac da RG de 30.4.09 nº 595/07.8TMBRG; Ac da RL de 3.6.2004 nº 1107/2004-6; Paulo Mota Pinto, O Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada, BFDUC, 1993, p. 527.
[16] João Abrantes, Rev. Jurídica, nº 7, Julho/Setembro 1986 apud Salazar Casanova, Provas Ilícitas em Processo Civil, Sobre a Admissibilidade e Valoração de Meios de Prova Obtidos por Particulares”, Março de 2003, publicação da Biblioteca do TRL, pág. 53
[17] Note-se que está assente que as RR entregaram à PJ os documentos no âmbito de um processo-crime, que se
encontra em investigação.
[18] No seu requerimento de prova as AA pedem precisamente a junção dos restantes documentos que aqui querem desentranhar.
[19] No dizer de MICHELLE TARUFFO, “La Prova nel processo civil”, Giuffrè, Milão, 2012, p.76 a prova ilícita é “a prova que foi formada fora do processo ou entrou para o processo com o uso de meios ilegais ou ilegítimos, com métodos penalmente ilícitos ou com actos que comportam uma violação de direitos subjectivos constitucionalmente protegidos.” – apud CARLOS CASTELO BRANCO, ob. cit., pág. 87, nota 253.
[20] Princípio da proporcionalidade a que também, nestas situações, apela CARLOS CASTELO BRANCO (ob. cit., págs. 139/140)
[21] Dispõe-se neste artigo que «quando se pretenda fazer uso de documentos em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar
[22] Cfr. art. 425º do Cód. de Proc. Civil.
[23] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 6.12.2017, proc. 3410-12.7 TCLRS-A.L1-6 (Cristina Neves), disponível in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Ac. Rel. Porto de 7.1.2019, proc. 3741/17.0 T8MTS-A.P1 (Carlos Querido), disponível in www.dgsi.pt.
[25] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 519.
[26] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, ob. cit., pág. 520.
[27] Cfr. também Ac. Rel. Lisboa de 25.9.2018, proc. 744/11.1 TBFUN-D.L1-1, relator Rijo Ferreira, disponível in www.dgsi.pt.
[28] Após os autos terem sido remetidos ao Tribunal da Relação do Porto, o presente relator, a quem os mesmos foram distribuídos, requereu, em 14.1.2020, pelos fundamentos que aí expôs, a sua dispensa de intervir no processo ao abrigo dos arts. 119º e 120º do Cód. de Proc. Civil, pedido este que, por despacho de 23.1.2020, foi rejeitado pelo Ex.mº Sr. Presidente deste Tribunal.
Deste despacho os réus interpuseram seguidamente recurso para o Tribunal Constitucional e sobre ele viria a incidir decisão sumária, datada de 11.5.2020, que não o conheceu.
Os réus reclamaram então para conferência, vindo a ser proferido acórdão, em 26.11.2020, que negou provimento a tal reclamação, mantendo a anterior decisão.
Os réus, regressados os autos ao Tribunal da Relação do Porto, em 11.1.2021 vieram requerer ao presente relator que se declarasse impedido para intervir na causa ao abrigo dos arts. 115º e 116º do Cód. de Proc. Civil, pretensão que foi desatendida por despacho de 19.2.2021.
Interpuseram recurso de revista os réus, em 4.3.2021, mas este recurso, por despacho de 8.4.2021, foi convolado em reclamação para conferência. Essa reclamação foi desatendida por acórdão proferido em 8.6.2021.
Em 13.7.2021 os réus interpuseram recurso deste acórdão, o qual, por intempestividade, foi rejeitado por despacho de 15.10.2021. Da rejeição do recurso reclamaram os réus, em 27.10.2021, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 643º do Cód. de Proc. Civil, que, por decisão singular de 29.11.2021, manteve tal rejeição.
Por último, desta decisão singular houve ainda reclamação para conferência por parte dos réus, vindo a ser proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 2.2.2022, que a desatendeu.
[29] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 3ª ed., 2016, págs. 203/204.
[30] Cfr. os Acs. do STJ, de 27-6-00, CJ, tomo II, pág. 131, e de 18-2-03, CJSTJ, tomo I, pág. 103, ou o Ac. da Rel. de Coimbra, de 11-1-94, CJ, tomo I, pág. 16.
[31] Neste sentido cfr. o Ac. do STJ, de 3-3-89, BMJ 385º/545.
[32] “Sim, voltamos em Agosto e para a despedida recordar só que o melhor está para vir.”
[33] “É, é, este ... que há muito sabemos que existe, aos poucos tem que ir sendo destapado. Hoje destapamos o ZZ, teremos que continuar a destapar para deixar tudo isto a nu.”
[34] “É isto o X...! Este X... de GG é isto. E é isto que nós combatemos e vamos continuar a combater. Não pensem que vamos recuar nisto”
[35] Aí se escreveu o seguinte: “Aceita-se, por serem verdadeiros, os factos vertidos pelos Autores nos artigos (…) 57º (…) todos da petição inicial destes autos.”
[36] Atendendo a que este facto foi aceite como verdadeiro pelos réus, torna-se desnecessário, a propósito dele, proceder à audição de quaisquer excertos de depoimentos prestados, designadamente dos que foram transcritos nas contra-alegações relativamente ao seu aditamento.
[37] Aí se escreveu o seguinte: “Aceita-se, por serem verdadeiros, os factos vertidos pelos Autores nos artigos (…) 105º a 113º (…) todos da petição inicial destes autos.”
[38] O que torna desnecessária a consideração do excerto do depoimento da testemunha JJJ, transcrito pelos recorrentes.
[39] Aí se escreveu o seguinte: “Aceita-se, por serem verdadeiros, os factos vertidos pelos Autores no artigo (…) 119º (este com excepção do segmento “E fê-lo com ironia”) e 120º todos da petição inicial destes autos”.
[40] A circunstância deste facto ter sido aceite como verdadeiro pelos réus torna desnecessária a audição de excertos dos depoimentos das testemunhas JJJ (transcritos pelos autores) e HHH (transcritos pelos réus).
[41] Uma vez que a modificação introduzida no nº 67 da matéria de facto se compatibiliza com a redação do art. 192º da petição inicial na parte relativa ao B..., que foi aceite como verdadeira pelos réus, torna-se desnecessária a audição dos excertos das declarações prestadas pelo réu AA e do depoimento da testemunha MMM, referidas a propósito da impugnação deste ponto factual em sede de contra-alegações.
[42] É a seguinte a redacção destes pontos factuais: 113. As audiências do “B...” aumentaram nos dias em que foi transmitido o programa “...”, palco de eleição para a atuação ilícita dos Réus, o qual equivale, por sua vez, a uma maior receita publicitária (cfr. Documento n.º 53 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), mas sem resultados económicos significativos e quantificaveis pois a receita desse canal deriva fundamentalmente do seu patrocínio anual efectuado por uma empresa de comunicações. 114. No dia 13 de junho de 2017, o programa atingiu o seu melhor desempenho de sempre, liderando as audiências do cabo no Norte do país e sendo o segundo programa mais visto em todo o país (cfr. Documento n.º 54 junto com o requerimento inicial da providência cautelar). 115. O programa “...” que, por regra, não chegava aos 30.000 espectadores, conseguiu mais do que duplicar a audiência no programa do dia 13 de junho e manteve-se sempre acima das audiências médias em todas as restantes edições do mês de junho. 116. O réu AA afirmou que a divulgação foi efectuada no âmbito de uma “investigação” da B..., este editou conjuntamente com a testemunha HHH o livro “...” junto aos autos como doc nº 25, no qual afirma ter auferido como lucro liquido até à data do julgamento a quantia de aproximadamente 7 mil euros para os dois autores. 117. No exercício económico de 2016/2017, a Y1..., SAD apresentou o relatório de contas que consta do Documento n.º 54, cujo restante teor se dá por reproduzido, no qual declara que: obteve receitas na ordem dos 65 milhões de euros com as transacções de passes de diversos futebolistas; que investiu 75,2 milhões de euros na aquisição dos direitos desportivos de atletas. 140. O Grupo Y..., designadamente a Ré Y1..., SAD, apresentou os seguintes destaques relativamente ao seu exercício económico .../...: - Melhoria de 6.871m€ no resultado líquido consolidado negativo face ao exercício homólogo - EBITDA (cash-flow operacional) alcançou “um valor bastante positivo” de 27.921m€; - Proveitos Operacionais excluindo proveitos com passes cresceram 6.794m€, atingindo agora os 105.792m€, verificando-se um comportamento positivo face ao período homólogo, na generalidade das suas rubricas. - Rubricas relacionadas com passes de jogadores (Amortizações e perdas por imparidade com passes e Proveitos/Custos com transações de passes) tiveram um saldo líquido de 14.572m€, o que representa um acréscimo de 10.061m€ face ao período homólogo. - Capital próprio consolidado atinge o valor negativo de 38.120m€ em 30 de junho de 2018, o que representa uma diminuição de 28.985m€, pela incorporação do resultado líquido obtido no período. 142. O B... atingiu números recorde nas audiências (300 mil pessoas, em media) no sábado em que o Y... celebrou o 28º título de campeão nacional na A... e voltou 19 anos depois a entrar na Câmara Municipal ....
[43] O motivo pelo qual se rejeitou este ponto da impugnação fáctica – falta de relevância para a decisão conjugado com o seu cariz conclusivo – tornou desnecessária a audição dos excertos das declarações do réu AA e da testemunha MMM referenciados em sede de alegações e contra-alegações.
[44] É a seguinte a redação destes pontos factuais: “109. As acusações feitas ao X... tiveram repercussão na imprensa internacional (vide, por exemplo, a notícia do jornal Espanhol “...”, de 7 de junho, junto como Documento n.º 49 com o requerimento inicial da providência cautelar). 110. Esta associação do desempenho desportivo, mais especificamente a contratação de serviços de bruxaria para a “compra” de resultados desportivos é altamente vexatória e corrosiva para a reputação desportiva e empresarial das Autoras e teve larguíssima repercussão na imprensa desportiva internacional, designadamente: “... accuse rivals X... of using sorcery to win past two seasons” (... acusa o rival X... de usar bruxaria para ganhar nas duas épocas anteriores). “... Y... accuse bitter rivals X... of hiring a WITCH DOCTOR in ... to help them win title.” (... Y... acusa o rival X... de contratar um Bruxo na ... para ajudar a ganhar títulos) – cfr. ... - “X... accused of serious corruption - and hiring a witch doctor” (X... acusado de corrupção grave – e de contratar um bruxo) - cfr. SBNATION. “X... Have Been Accused Of Spending £65,000 On "Witchcraft" To Win The Portuguese League” (X... foi acusado de gastar £65.000 em “Bruxaria” para ganhar o Título Português) – cfr. ESQUIRE - Cfr. Documento n.º 51. 111. Essas notícias lesaram o prestígio nacional e internacional de que gozam as Autoras.”
[45] São assim irrelevantes os excertos dos depoimentos das testemunhas NNN, RRR e SSS que se mostram especificados nas alegações de recurso.
[46] Não se provou que…”a sociedade B..., e os RR. BB, DD e CC tenham praticado os restantes actos.”
[47] São assim irrelevantes os excertos das declarações do réu AA indicados nas alegações.
[48] Corrigiram-se nesta transcrição da sentença recorrida algumas gralhas que nela se evidenciavam.
[49] Nas suas contra-alegações os réus aludiram a excertos das declarações prestadas pelo réu AA.
[50] É o seguinte o texto do art. 10º da contestação na parte que nos interessa: “Impugnam-se, quer por não corresponderem à realidade dos factos quer pelas ilegítimas consequências jurídicas que dos mesmos pretendem os Autores extrair, os factos alegados nos artigos 2º (com excepção da primeira parte, isto é, até “patrocínio comercial, etc.”) … e 6º (sem prejuízo de se aceitar quanto a este último, que os Autores e as sociedades Rés são concorrentes desportivas nas modalidades em que ambas participam) (…).”
[51] Relativamente à data em que se procedeu à sua audição.
[52] Cremos que as duas testemunhas a que alude o Mmº Juiz “a quo” são LLLLLL, a cujo depoimento já nos referimos, e também OOOOOO – ex-diretor do “...”, que referiu quanto à forma de divulgação que não houve contraditório, nem divulgação plena, entendendo ainda que AA atuou como comentador e não como jornalista.
[53] Diz-se neste preceito que constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respetiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente, informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião.
[54] Apesar do esforço feito por AA nas suas declarações no sentido de justificar a divulgação deste mail não se consegue reconhecer no que por este foi referido qualquer interesse público.
[55] Entretanto entrou em vigor um novo Cód. da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei nº 110/2018, de 10.12.
[56] Os arts. 195º e 196º do Cód. Penal, que têm as epígrafes “violação de segredo” e “aproveitamento indevido de segredo”, referem-se também, na esfera criminal, à proteção do segredo.
[57] Cfr. Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2ª ed., Almedina, págs. 429/430.
[58] Cfr. Nuno Sousa, Quando o segredo é a “alma do negócio” – definição de um conceito, in Revista da ABPI [Associação Brasileira da Propriedade Industrial] – nº126 – Set/Out 2013.
[59] Ob. e loc. cit.
[60] Cfr. Lei 54/2017 art. 7º, nº5: “A falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário” e a falta deste impede apenas a participação do praticante desportivo em competições (nacionais).
[61] Cfr. Júlio Gomes, “Direito do Trabalho”, vol. I, p. 603 e ss.
[62] O art. 30º do Regulamento de Deontologia Médica (Regulamento nº 707/2016, de 21.7), a propósito do segredo médico diz-nos o seguinte:
“1 - O segredo médico impõe-se em todas as circunstâncias dado que resulta de um direito inalienável de todos os doentes.
2 - O segredo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende especialmente:
a) Os factos revelados diretamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela;
b) Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros;
c) Os factos resultantes do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica referentes ao doente;
d) Os factos comunicados por outro médico ou profissional de saúde, obrigado, quanto aos mesmos, a segredo. (…)”.
[63] Cfr. Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 252.
[64] Cfr. Azevedo, Miguel (2009), Patrocínios no futebol em Portugal – o caso do X.... Lisboa: ISCTE – Business School, Instituto Universitário de Lisboa Azevedo, 2009: pág 20. Sobre as origens tribais, animistas, e religiosas do futebol Murray, Bill (1998), The World’s Game: A History of Soccer, Illinois: University of Illinois Press, apud Luís Santos Silva Futebol, Media e Sociedade: um fenómeno de sucesso, tese mestrado 2011, disponível https://repositorio.ucp.pt/. Com base nessa origem (análoga ao comportamento tribal e actividade de caça), já se compreende o comportamento irracional de alguns adeptos, e visão belicista, extrema, territorial e grupal.
[65] Citado na decisão recorrida.
[66] Citado na decisão recorrida.
[67] Cfr. Oliveira Ascensão, “Concorrência Desleal”, 1994, pág. 91.
[68] Não se seguiu assim a orientação indicada no Parecer, entretanto junto aos autos, elaborado pelo Sr. Prof. Nogueira Serens.
[69] Decisão que foi entretanto alterada, neste mesmo acórdão, no sentido da não admissão de tais documentos (apenso F).
[70] Cfr. Henrique Sousa Antunes, “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 571.
[71] Neste sentido, cfr. também o Ac. Rel. Lisboa de 6.4.2017 (proc. 519/10.5 TYLSB-H.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves, disponível in www.dgsi.pt.), onde se escreveu o seguinte: “Da conjugação do nº 3 do artigo 566º do C. Civil com o artigo 609º, nº 2 do C.P.C., não pode o Tribunal fazer uma apreciação equitativa dos danos, enquanto houver a possibilidade de esse valor ser averiguado em liquidação ulterior (anterior liquidação em execução de sentença)…”
[72] Solução que, a nosso ver, não é obstaculizada pela circunstância de já ter ocorrido uma liquidação insuficiente no decurso do julgamento.
[73] Relatora Maria de Jesus Pereira, disponível in www.dgsi.pt.
[74] Transcrição com correção de algumas – pontuais – gralhas ortográficas.
[75] O art. 14º dessa lei dispõe: “Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente: a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião; (…) e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem; f) Identificar, como regra, as suas fontes de informação, e atribuir as opiniões recolhidas aos respectivos autores. (…) g) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência; (…) h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas.”
[76] Nesta matéria o depoimento de parte admite que só pode confirmar a autenticidade dos emails após a reacção dos visados, em especial JJ ou seja depois da sua divulgação.
[77] Programa de 13/06/2017 comentador diz “não sabíamos o que consta dos emails e ainda bem”.
[78] Cfr. Dennis McQuail “Media Perfomance - Mass Comunication and the public interest”, Sage Publications,
[79] “Informação - Manipulação” de Alain Woodrow, tradução, notas e anexos de José Manuel Barata Feyo, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1991.
[80] “Court observes a number of shortcomings in the form of the published articles. Firstly, the content of the articles was clearly reductive and truncated. The Court has already observed that the applicant was entitled to concentrate in the articles on the ambassador’s personality (see paragraphs 122-24 above); however, it cannot overlook the fact that the articles quoted at times isolated extracts from the report in question, taken out of context, and that they focused on only one of the strategies outlined by the ambassador”.
[81] O que consta dessa parte do plano é: “ Como ser campeão nas 5 modalidades até 2020
1) Melhor definição dos plantéis. Menos jogadores com o mesmo orçamento permitir-nos-á ter melhores jogadores. Os níveis de investimento dos nossos rivais, obriga-nos a ter melhores atletas, craques que quando chegue “a hora das decisões” assumam a sua responsabilidade e qualidade. Verá isso um a um nos plantéis que vou enviar de seguida.
2) Alterações nos corpos técnicos das equipas. Substituição dos treinadores de andebol e basquetebol são, na minha ótica, determinantes para vencermos. PPPPPP (...) e QQQQQQ (...) são os meus eleitos para os lugares.
3) Manter política de prémios que institucionalizamos este ano.
4) Manter aposta nos jovens da formação e jogadores (portugueses ou estrangeiros) identificados com o Clube. O X... é o melhor Clube para se ganhar, mas deve ser o pior do mundo para se perder. Com tudo o que o Clube nos dá, estar nas finais é obrigação, ganhá-las deve representar a nossa competência. É esta a mentalidade que temos de impor.
5) Continuar o trabalho de “teia do poder” que temos conseguido com instituições, Clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos (empréstimos de jogadores, relações com federação, conselhos de arbitragem e afins).
6) Algumas melhorias na estrutura profissional de apoio às equipas (LAB está top; Gabinete médico cada vez melhor; nutrição e psicologia a caminho do ótimo; mas temos de melhorar na comunicação, serviços administrativos, jurídicos e nas condições que damos aos secretários técnicos – meus braços direitos – de cada modalidade).
7) Responsabilização das equipas técnicas. Não temos tempo, nem dinheiro que nos permita errar. Por isso mesmo, tenho construído uma base de dados por modalidade que responsabiliza as equipas técnicas pela avaliação e sugestões dos jogadores contratados (nas últimas duas épocas falhamos redondamente em algumas contratações)”.
[82] Admite isso no livro doc nº 25.
[83] Ob. cit., págs. 276 e segs.
[84] Adelaide Menezes Leitão, ob. cit., pág. 125 debatendo a delimitação da concorrência face à concorrência.
[85] Cfr. Filipe Albuquerque Matos Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome. Coimbra: Almedina, 2011, e ainda em Ilicitude Extracontratual (umas breves notas) Pág 24 e segs., CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil.
[86] Cfr. AC do STJ de 3.2.99 nº 98A1195.
[87] COSTA, MÁRIO JÚLIO, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Coimbra, 2009 LEITÃO, LUÍS MENEZES, Direito das Obrigações, p. 294.
[88] Sobre a tutela penal da honra das entidades colectivas, Março de 2016, Julgar online que seguimos de perto.
[89] cfr. ROXIN, CLAUS, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. Renato Lopes Militão, FORMULAÇÃO DE JUÍZOS DE VALOR DESONROSOS COM SUPORTE FACTUAL, PERANTE A INCRIMINAÇÃO DA DIFAMAÇÃO, In ROA, nº 75, 2015 pág. 151 e segs, onde concluiu “A formulação de um juízo de valor lesivo da honra da pessoa visada dotado de uma base factual mínima, real ou em cuja veracidade o agente tenha tido fundamento para, em boa fé, acreditar, não representa o tipo objetivo do crime de difamação.”
[90] O livro faz referência ao texto, sumariado, dos emails mas não reproduz na totalidade nenhum.
[91] Cfr. CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria…,págs. 1274.
[92] Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª ed., vol. I, pág. 544.
[93] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 29.6.2010, proc. 843/10.7 TVLSB-B.L1-1, relatora Rosário Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.
[94] Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª ed., vol. I, pág. 544/545.
[95] cfr. Antunes Varela, “ Das Obrigações em Geral “, 7ª edição, pág. 923, 924 e 927, e Pereira Coelho, “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, Coimbra, 1955,pág. 56 e segs.
[96] Cfr. o recente Ac do STJ de 5.6.2018 nº 517/09.1TBLGS.L2.S1. [97] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo III, Coimbra, Almedina, 2010, 550, considera que a causalidade, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, se desenvolve em quatro tempos: a) conditio sine qua non; b) causalidade adequada, em termos de normalidade social; ou c) causalidade provocada pelo agente, para obter o seu fim; d) consoante os valores tutelados pela norma violada, que in casu estão preenchidos.
[98] Aplicando a norma geral do artigo 497.º do nosso Código Civil que afirma, precisamente, a responsabilidade solidária das várias pessoas responsáveis pelos danos.
[99] Cfr. GABRIELA PÁRIS FERNANDES, “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 367.
[100] Cfr. GIORGIO DEL VECCHIO, “Lições de Filosofia do Direito”, Tradução de António José Brandão, Coleção Studium, 3ª ed., 1959, pág. 107.
[101] Cfr. MENEZES CORDEIRO, “O Direito”, 122º/272”.
[102] Sinde Monteiro in Relatório sobre o programa, conteúdo e métodos de uma disciplina de responsabilidade civil, Coimbra, 2009, p. 47. Ou seja, o teor das missivas [geradas] pelas AA credibilizam as acusações, muitas vezes erróneas e superficiais efectuadas pelas RR. Basta dizer que sem o suposto contrato assinado para prestação de serviços de bruxaria (sessão de 27.6.17) a credibilidade da divulgação das AA seria escassa ou diminuta; e note-se que foi este o facto que naturalmente gerou maior ressonância internacional. Do mesmo modo a expressão “quero ser menino querido” (sessão dia 13.6.17); envio de listas de candidatos a árbitros assistentes (sessão 18.4.17); ou o envio de relatórios de jogos (sessão de 5.12.2017), credibilizam a tese das RR e só por isso é que esta teve ressonância mediática, pública e gerou um dano dessa dimensão.
[103] Apesar de dizerem respeito à imputação de factos verdadeiros e não divulgação de correspondência.
[104] Ac do STJ de 8.3.2007, processo:07B566, relator Salvador da Costa.
[105] Cfr https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc
[106] Note-se aliás que neste caso a conduta divulgada é bem mais grave do que no caso E...:: as acusações são: apoio material a claques desportivas; Anuência a solicitações de “bilhetes baratos”; Corrupção desportiva e tráfico de influências junto dos árbitros; Espionagem e devassa da vida privada; Recurso a bruxaria como garante de melhores resultados desportivos; Invasão informática aos dados e informações pessoais de UUU.
[107] A Ré A... foi condenada por deliberação da ERC de 6.1.2016 na coima mínima de 20 mil euros estabelecida para a violação do n.º6 do artigo 35.º da Lei da Televisão", que versa sobre a responsabilidade e a autonomia editorial. A Ré SAD auferiu lucros líquidos de mais de 6,8 milhões de euros nesse ano fiscal.
[108] Bastará visualizar o programa para se ver a cara de “gozo” do divulgador e a assunção que não era criminalmente relevante.
[109] Pereira Coelho, O problema da causa (…), p. 218 «a subsistência da obrigação de indemnizar apesar da causa hipotética é um resultado que está para além deste pensamento; a obrigação de indemnizar não visa, não pode visar aí um fim de compensação do dano, pois não há aí um dano como diferença no património; não é uma ideia de compensação mas uma ideia de sanção que explica um tal resultado.
[110] Corresponde a sensivelmente 2% do volume de negócios da Ré Sad em 2017/18. Ou seja, 280 euros se compararmos com um ordenado médio líquido de 1.000x14 mesesx2%.
[111] Disponível em http://hudoc.echr.coe.int, em língua francesa.
[112] Alguns dos [factos] dessa deliberação correspondem aos provados nesta acção “À Y2... S.A, competia estabelecer a grelha de programas do B..., bem como a política de exploração do mesmo, nos termos do referido «Contrato de cessão de exploração de canal de televisão e opção de compra” (4.17)
[113] É certo que esta como operador televisivo está sempre obrigado ao respeito pelos direitos fundamentais (artigos 27.º e 34.º, n.º 1, da Lei da Televisão), a par do dever de assegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção (artigo 32.º, n.º 2, alínea b), ex vi do n.º 5 do mesmo diploma legal), sem esquecer ainda que entre os fins da atividade televisiva se incluem o de contribuir para a informação do público e o de promover o exercício do direito de informar, de se informar e de ser informado, com rigor e independência (artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal).
[114] Foi alegado que AA seria director de conteúdos do B..., mas tal [facto] não ficou demonstrado.
[115] Cfr. Parecer subscrito pelo Sr. Prof. Jorge Coutinho de Abreu junto com as alegações dos autores.
[116] Da responsabilidade..., cit., p. 496.
[117] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 15.5.2018, proc. 423/14.8 TBCBR.C1, relator Moreira do Carmo, disponível in www.dgsi.pt.
[118] “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, Almedina, IDET
[119] Proc. 584/06.3 TBARC.P1.S1, relator Fernandes do Vale, disponível in www.dgsi.pt., citado na decisão recorrida.
[120] Cfr. ELISABETE RAMOS, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, Almedina, IDET, págs. 909/910.
[121] As modificações que nesta foram efetuadas não são suscetíveis de envolver qualquer alteração da solução jurídica neste segmento.
[122] Cfr. PESSOA JORGE, Ensaio, p. 310.
[123] Cfr. ANTUNES VARELA, Obrigações, I, pp. 548-549, nota (2).
[124] Cfr. MENEZES CORDEIRO, Obrigações, 2º, p. 350.
[125] Cfr. ALMEIDA COSTA, Obrigações, p. 564.
[126] Cfr. RIBEIRO DE FARIA, Obrigações, I, p. 434.
[127] Cfr. Ac STJ de 11-10-94, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 83 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição, 2008, págs. 591/8.
[128] Também no art. 338º-N, nº 4 do Cód. da Prop. Industrial se estatui que «nas decisões de condenação à cessação de uma actividade ilícita, o tribunal pode prever uma sanção pecuniária compulsória destinada a assegurar a respetiva execução.»
[129] Cfr. CALVÃO DA SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Almedina, 4ª ed., pág. 420.
[130] A referência feita na sentença recorrida ao art. 276º, al. e) do CPC ficou a dever-se a manifesto lapso.
[131] O anterior Cód. de Proc. Civil já previa idêntica solução conforme decorria do seu art. 510º, nº 3, em redação introduzida pela Reforma de 1995/96.
[132] Lei nº 2/99, de 13.1.
[133] Ainda uma palavra para referir que não se verifica a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil – omissão de pronúncia -, atendendo a que na decisão recorrida se indeferiu na sua globalidade – e em todas as suas variantes – o pedido de publicitação da sentença.
[134] O Mmº Juiz “a quo”, na sentença recorrida a págs. 6/7 da mesma, também reafirmou a posição que anteriormente assumira no despacho de 7.3.2019 com o seguinte texto:
“Um dos pedidos formulados pelas AA era a condenação na junção desses documentos. Foi proferido despacho, transitado que determinou a junção desses documentos, considerando que face ao princípio da economia processual não faria sentido notificar as AA para juntar esses documentos em seu poder. As autoras conformaram-se com esse despacho. Nestes termos a junção desses documentos foi decidida na audiência prévia e transitou em julgado, na medida em que o único recurso interposto pelas RR diz respeito aos fundamentos e não ao efeito da decisão. Depois, dessa decisão resulta que se manteve a junção dos documentos apenas por economia processual, pois, sempre se trataria de documentos em posse da parte contrária. Logo, nos termos desse processado a junção desses documentos transitou, e não constituiu prova ilícita, mas sim licita porque foi determinada pelo Tribunal. O artigo 515º do CPC [aqui quis referir-se certamente o art. 413º do actual CPC] diz: “O Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto quando não seja feita por certo interessado.” Este princípio determina que todos os elementos que cheguem aos autos, por qualquer meio, passem a fazer parte integrante dos mesmos e possam ser valorados, ainda que contra os interesses dos autores da junção. Conforme salienta Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 357: “Os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que favoráveis à parte contrária. Quanto ao seu outro aspecto o princípio traduz-se na comunidade das provas. Desta comunidade deriva que a parte não pode renunciar às suas provas uma vez produzidas – embora delas possa desistir antes disso”.
O tribunal irá, pois, valorar livremente essa prova junta aos autos a requerimento da autora.”