Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
119553/16.9YIPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
DEVER DE COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Nº do Documento: RP20240222119553/16.9YIPRT-C.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O Princípio da Legalidade do Processo, (segundo o qual a tramitação do processo tem a forma legalmente estabelecida) e os princípios dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes devem ser considerados aquando da aplicação dos princípios vertidos nos artigos 6.º e 7.º do CPC, por forma a não tornar arbitrária a forma de utilização dos deveres de gestão e cooperação processual, designadamente, para suprimir qualquer omissão censurável da parte na instrução da causa.
O princípio do inquisitório- art.º 411.º CPC- não se sobrepõe nem anula os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes; antes tem de ser compaginado e compatibilizado com eles.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 119553/16.9YIPRT-C.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1.AA, residente na Rua ..., ... - ... ... VIANA DO CASTELO, instaurou no dia 17.01.2017 requerimento de injunção contra BB, residente na Rua ..., ..., 6.º Esq, Hab. ... – Porto ... PORTO, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 13.987,80, alegando a celebração de um contrato de empreitada e o incumprimento contratual por parte do requerido.

2.O Requerido deduziu oposição nos autos. 

3.Foram os autos remetidos à distribuição.

4.Procedeu-se à realização de julgamento que decorreu em várias sessões, tendo a primeira sessão ocorrido a 24.05.2017 e as restantes, nas quais, compareceram as testemunhas a apresentar pelas partes, respectivamente, em 16.06.2017, 22.09.2017, 03.10.2017.

5. O A. em 05.06.2017 veio apresentar mais duas testemunhas, as quais se disponibilizou apresentar na audiência de julgamento. Sobre tal requerimento recaiu douto despacho com a refª 382377826, no qual indeferiu a notificação das ditas testemunhas, mas salvaguardando que as mesmas poderiam ser apresentadas em Tribunal na audiência de julgamento.

6.O A. na sessão de julgamento realizada em 16.06.2017 veio a indicar tais testemunhas, a saber:

- CC;

- DD;

as quais foram admitidas.

Foi ouvido nessa sessão de julgamento o R. em declarações de parte.

7. Nos autos foi proferida sentença em 4-10-2017 que decidiu condenar o Requerido a pagar ao Requerente a quantia global de € 8.557,65 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos á taxa legal, contados a partir da citação, até efetivo e integral pagamento.

8.Por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto proferido em 20/10/2017 – apenso A – foi decidido revogar a decisão recorrida, deferindo-se a diligência requerida – notificação do Autor para juntar aos autos todos os documentos/guias de transporte que acompanharam a circulação/transporte de materiais, designadamente da terra preta que o autor alega ter transportado para o terreno do réu para proceder ao respetivo nivelamento.

9.Posteriormente, em 10.10.2018, a Sra Juiz titular do processo determinou a realização de prova pericial.

10.Em 10.05.2019, a Sra Juiz titular do processo declarou-se impedida de intervir nos presentes autos.

11.. No dia 26.09.2019 foi proferido despacho, pela MMª Juiz então titular dos autos, nos termos do qual “A fim de obviar mais delongas processuais e atenta a declaração de impedimento de fls. 482 a 484, é intenção do tribunal proceder à realização de nova audiência de julgamento, a presidir pela atual titular dos autos (a qual tomou posse no pretérito dia 2 de Setembro), com a produção dos meios probatórios a produzir em tal sede e após a apreciação/realização do âmbito da prova pericial considerada relevante para a decisão da causa.”

Foi, ainda, determinada a notificação das partes a fim de, querendo, no prazo de dez dias, se pronunciarem a respeito.

12.Por despacho proferido a 29.10.2019 foi decidido fixar como objeto da perícia a realizar: - Tendo por referência a fatura ..., no montante de €8.963,36, reproduzida a fls. 58, qual é a quantidade de terra e saibro correspondente a tal montante? - Tendo por referência as guias de transporte reproduzidas a fls. 383 a 387, e cujos originais foram juntos a fls. 404 a 407, qual é a quantidade de terra e de saibro que dos mesmos se pode concluir? Tais quantidades – de terra e de saibro – são coincidentes ou não à quantidade de terra e de saibro que são suscetíveis de calcular tendo por referência o teor (as menções) da fatura ..., no montante de €8.963,36, de fls. 58?

13. Por requerimento de 09.01.20223 foi junto aos autos assento de óbito do Réu BB falecido no dia 21 de dezembro de 2019.

14. Por despacho de 13.01.2020 proferido pela MMª Juiz então titular dos autos foi determinada a suspensão da presente instância até à notificação da decisão que considere habilitado(s) o(s) sucessor(es) do mesmo (arts. 269º, nº 1, al. a), 270º e 276º, nº 1, al. a), todos do CPC).

15. De seguida, verificaram-se várias ocorrências processuais que aqui não relevam e por sentença proferida a 1.10.2022 foram habilitados os sucessores do Réu BB, concretamente,  EE, NIF ..., residente na Rua ... ... ... Viana do Castelo; FF, NIF ..., residente Rua ..., n.º ... 6.º andar, Esquerdo, Habitação ... ... Porto e GG, NIF ..., residente na Rua ..., n.º ..., 6.º andar, Esquerdo, Habitação ... ... Porto,   para prosseguirem como sucessores do Réu na presente ação.

16. No dia 27.12.2022 foi junto aos autos o relatório pericial, bem como foram prestados esclarecimentos pelo Sr. Perito.

17. De seguida sucederam-se despachos a marcar datas para julgamento, sendo que, por último ficou marcado o dia 10.05.2023 para julgamento.

18. No dia 13.03.2023 o autor apresentou requerimento cujo teor se reproduz:

“AA, Autor, nos autos à margem referenciados, em que é Réu BB, notificado do despacho que designou a audiência de discussão e julgamento, vem expor o que segue

1. As testemunhas por si indicadas devem ser por si apresentadas;

2. Nos termos do disposto no artigo 251.º/2 CPC «A secretaria entrega à parte os avisos relativos às pessoas que ela se haja comprometido a apresentar, quando a entrega for solicitada, mesmo verbalmente.»

Termos em que requer a V. Exa. ordene à secretaria a emissão dos avisos e a sua remessa ao signatário.”

19. Por ofício remetido pela secretaria os avisos não foram remetidos pelo facto de não terem sido indicadas as concretas testemunhas.

20. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, a qual, decorreu em várias sessões.

21. Na sessão de julgamento de 10.5.2023, entre o mais, o ilustre advogado do Autor ditou para a ata um requerimento sobre o qual a parte contrária se pronunciou e de seguida o tribunal a quo proferiu despacho que indeferiu aquele requerimento, reproduzindo-se aqui, o que, de essencial e a propósito a ata pertinente, revela :

“De seguida, pelo ilustre mandatário do Autor, foi pedida a palavra e, tendo-lhe esta sido concedida, no uso da mesma disse:

A presente acção iniciou-se atraves de um procedimento de injunção que foi transmutado, numa acção especial de Procedimento para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato, face à oposição do Réu, já falecido, BB.

A prova neste tipo de procedimento e conforme despacho de 15/03/2023 é a apresentar, ora, o Autor em momento prévio ao referido despacho, solicitou que lhe fossem emitidos os avisos relativamente às testemunhas por si indicadas, conforme previsto no artigo 251º, n.º 2 do Código do Processo Civil, por ofício remetido pela secretaria os avisos não foram remetidos pelo facto de não terem sido indicadas as concretas testemunhas, ora salvo opinião contrária, o Autor ao solicitar os avisos e ao não ter indicado nenhuma testemunha concreta, pretendia que lhe fossem emetidos avisos sobre todas as testemunhas, por esse facto e não obstante as diligências encetadas, o Autor não conseguiu apresentar as quatro testemunhas que pretendia apresentar, que são inclusivamente  ex-trabalhadores do Autor, acrescido disso duas dessas testemunhas são filhos do Autor, mas se encontram desavindos com o Autor desde 2019, por questões familiares e não trabalham conforme as outras na empresa.

Face ao exposto e perante as acrescidas dificuldades do Autor em apresentar as testemunhas, solicita-se, considerando que o Autor nada sabe sobre os concretos factos, aqui em discussão, não obstante ter sido pedido o depoimento de parte do mesmo, que o tribunal admita a inquirição das mesmas em data a designar, ao abrigo do artigo 411º do Código do Processo Civil.

Dada a palavra à ilustre mandatária da Ré, no uso da mesma disse:

A Ré opõe-se ao requerido pelo Autor, na medida em que o artigo 3º, n.º 4 do Dec-Lei 269/98 de 1 de Setembro, aplicável in casu, refere que as provas são oferecidas na audiência e são a apresentar pelas partes, pelo que os fundamentos aduzidos, salvo melhor opinião, não se coadunam com a referida norma, pelo que deve ser indeferido.

Após, a Mmª Juiz proferiu o seguinte:

DESPACHO

Na presente ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato, a prova deve ser oferecida na audiência de discussão e de julgamento.

Admite a jurisprudência que, excecionalmente e devidamente fundamentada, possa ser requerido ao tribunal, previamente, a realização de diligências que permitam a apresentação tempestiva dessa prova, por exemplo, como sucede com o depoimento de parte. De igual forma, poderá suceder quando a parte por requerimento devidamente fundamentado, expõe os motivos pelos quais não consegue apresentar a testemunha.

Salvo o devido respeito, o requerimento apresentado nos autos não identifica as testemunhas relativamente às quais é pretendida a entrega dos avisos, por outro lado, e, face às dificuldades invocadas poderia a parte previamente ter requerido a sua notificação, alegando de forma concretizada, e por referência à concreta testemunha, o motivo pelo qual não lhe seria possível proceder à respetiva apresentação.

Sendo a alegada dificuldade invocada já no início da audiência de discussão e de julgamento, entende-se que o requerido é extemporâneo e por isso vai indeferido”

22.Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação desse despacho e de outro que foi proferido posteriormente, o qual, foi admitido, sendo que o presente recurso autónomo tem como objecto o despacho proferido a 10.5.2023, reproduzindo-se aqui as conclusões que contendem com esse despacho:

A. Em 24-05-2017 foi realizada a 1º sessão da audiência de discussão e julgamento neste processo, tendo sido indicada, por ambas as partes, toda a prova testemunhal,

B. No decurso do processo ocorreu uma necessidade de repetição de julgamento, sendo que certo que toda a prova já tinha sido anteriormente apresentada.

C. Por requerimento do aqui recorrente de 13-03-2023 o mesmo solicitou a emissão de avisos ao abrigo do artigo 251º/2 do C.P.C., os quais não foram emitidos pela secretaria.

D. Face a este impedimento o signatário impossibilitado de as apresentar ditou o seguinte requerimento na ata de 10 de Maio de 2013, expondo as suas dificuldades e pretensões de forma a que as testemunhas fossem notificadas oficiosamente pelo tribunal.

E. Por despacho proferido em 10-05-2023 tal pedido foi indeferido.

F. O despacho em crise padece novamente de uma errada interpretação.

G. A prova já tinha sida indicada pelas partes e apresentada na audiência de julgamento de 24-05-2017.

H. O recorrente considere que o tribunal ad quo privou o recorrente de produzir a prova por si indicada e indagar e demonstrar a sua versão dos fatos e cujo pedido de produção foi absolutamente, legítimo, fundamentado e tempestivo.

I. Afigura-se que estamos um puro poder-dever e o seu não exercício constitui só de per si a omissão de um ato que a lei prescreve e que influi no exame e na decisão da causa, pelo que estamos perante uma nulidade que desde já se invoca para os devidos efeito legais.

J. Afigura-se que o artigo 3º/4 do Dl 269/98 não pode colocar em crise de forma absoluta, como sucedeu aos princípios basilares de produção de prova

K. Pelo que, o tribunal tinha o poder dever de considerando a omissão da secretaria e atendendo às razões apresentadas pelo recorrente de promover a notificação oficiosa das testemunhas ao abrigo do artigo 411 e 526º ambos do C.P.C.

L. Inclusive essa obrigação decorre do artigo 4º/5 do DL 269/98 e artigos 6 e 7º ambos do C.P.C.(…)

AA. Aliás afigura-se que existe uma clara situação de violação do principio da igualdade de armas previsto no artigo 4º do C.P.C.

BB. Atente-se que ao réu foi inclusive permitido a inquirição de testemunhas via Whatt’s App.

CC. Mas o recorrente solicita avisos à secretaria e a inquirição de uma testemunha fulcral e tal é-lhe negado.

DD. Ao atual como atuou o recorrente viu-se perante uma situação de denegação de justiça

EE. Prescrevem os arts. 6.º, n.º1 e 7.º n.ºs 1 e 4 do CPC, sobre os princípios do dever de gestão processual e cooperação e colaboração entre Tribunais e as partes.

GG. O tribunal a quo ao decidir como decidir violou o estatuído no artigo artigos 6º, 7º 251º/2 410º, 411º, 526º n.º 1 do Código de Processo Civil e art. 20.º n.º 4 e art. 202.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, artigo 4º/5 do Dl 269/98

HH. Razão pela qual o despacho proferido em 10-05-2023 deverá ser substituído que ordene a notificação das testemunhas e/ou emissão de avisos para inquirição das testemunhas indicadas na ata de 24-05-2017.

TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se os despachos proferidos em 10-05-2023 e 15-05-2023, substituindo-se por outros que Que determine que o despacho proferido em 10-05-2023 seja substituído e que ordene a notificação das testemunhas e/ou emissão de avisos indicadas na ata de 24-05-2017.

23.Foram apresentadas contra–alegações.

24. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.A questão que constituiu o objeto deste recurso traduz-se em apreciar e decidir se o Mmo Juiz a quo em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, como é o caso, perante a tramitação processual ocorrida e descrita no relatório introdutório, deveria ter deferido o requerimento do autor -recorrente, pelo qual, este, no início do julgamento ditou para a ata o requerimento cujo teor  no essencial, se reproduz:

“não conseguiu apresentar as quatro testemunhas que pretendia apresentar, que são inclusivamente ex-trabalhadores do Autor, acrescido disso duas dessas testemunhas são filhos do Autor, mas se encontram desavindos com o Autor desde 2019, por questões familiares e não trabalham conforme as outras na empresa. Face ao exposto e perante as acrescidas dificuldades do Autor em apresentar as testemunhas, solicita-se, considerando que o Autor nada sabe sobre os concretos factos, aqui em discussão, não obstante ter sido pedido o depoimento de parte do mesmo, que o tribunal admita a inquirição das mesmas em data a designar, ao abrigo do artigo 411º do Código do Processo Civil.”

III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1 Os factos que relevam para a decisão a proferir são aqueles que estão descritos no relatório introdutório relativos à natureza da ação e às incidências processuais ocorridas desde a instauração da ação até à data da prolação do despacho recorrido.

3.2.Do Mérito da decisão recorrida.

A presente acção iniciou-se através de um procedimento de injunção que foi transmutado, numa acção especial de Procedimento para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato, face à oposição do Réu, já falecido, BB.

Determina o artigo 546.º do Cód. Proc. Civil que o processo pode ser comum ou especial, devendo-se aplicar aquele sempre que ao caso não corresponda processo especial.

Verte-se, assim, em letra de lei o Princípio da Legalidade do Processo, segundo o qual a tramitação do processo tem a forma legalmente estabelecida, que se impõe às partes e ao tribunal.

Como escreve Lebre de Freitas a este propósito: Não há um modelo legal único de processo civil. Quer a acção declarativa, quer a acção executiva podem, em casos expressamente designados na lei, normalmente em função do tipo de pretensão deduzida pelo autor (…) dar lugar a processos especiais, isto é, a sequências ordenadas de actos especificamente predispostos para fazer valer esse tipo de pretensão. …

E porque releva, convocando aqui o Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.12.2015, proferido no processo nº 122528/14.9YIPRT.L1-2, importa aqui descrever, no essencial, a evolução legislativa ocorrida desde que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico a figura processual da injunção, criada com o DL 404/93 de 10/12 (cfr preâmbulo desse diploma).

Nele previa-se, que inexistindo oposição, fosse aposta no requerimento injuntivo uma imediata fórmula executória, “Execute-se”, o que era realizado pelo próprio secretário judicial do tribunal territorialmente competente e não era previsto como acto jurisdicional. A existência de oposição, pelo contrário, implicava a apresentação obrigatória dos autos ao juiz (art 6º/2), passando a observar-se a tramitação prevista para o processo sumaríssimo, com a designação imediata do dia para julgamento.

O citado diploma foi revogado mas a figura processual, que foi retomada pelo DL 269/98 de 1/9.

Este diploma afirmou-se como especialmente vocacionado para as “acções de baixa densidade”, entendendo-se por tais, as que têm por objecto a cobrança de dívidas por parte dos “grandes utilizadores”, os ditos credores institucionais (bancos, seguradoras, operadoras telefónicas, instituições financeiras…). Enquanto diploma destinado, segundo o seu art 1º, a aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, passou a designar-se por RPCOP.

Destinava-se apenas ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e que não excedessem o valor da alçada do tribunal de 1ª instância

Este diploma alterou o art 222º do CPC, criando na espécie 3ª, ao lado do processo sumaríssimo, uma outra modalidade, “acções especiais para o cumprimento de obrigações emergentes de contratos”.

Comporta dois capítulos – um primeiro, referente à “acção declarativa”, e um segundo, referente à “injunção”.

O espírito deste DL era o do credor poder utilizar um destes dois mecanismos à escolha, acção declarativa ou injunção, de forma facultativa e alternativa, num caso e noutro, independentemente do próprio valor do contrato em causa, desde que o montante da prestação exigida fosse igual ou inferior ao valor da alçada do tribunal de 1ª instância e desde que declarasse haver renunciado à outra parte do crédito.

A injunção é configurada como providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art 7º).

Deduzida oposição, ou frustrada a notificação do requerido, os autos iam à distribuição e seguiam os termos da já referida acção declarativa especial para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (arts 16º e 17º).

Surgiu, entretanto, o DL 32/2003 de 17/2, que pretendeu transpor a Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho para a ordem jurídica interna, com a finalidade de «combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais» (art 1º).

Alargou a possibilidade de recurso às injunções a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais (art 2º), e definiu “transacção comercial” (art 3º al a), como «qualquer transacção entre empresas, ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração», e, “empresa” (art 3º al b)), como «qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».

E determinou que, estando em causa o “atraso de pagamento” em tais “transacções comerciais”, o credor teria direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (art 7º/1 do DL 32/2003 e art 7º RPCOP na redacção do DL 32/2003).

A dedução de oposição nestas injunções, desde que estas tivessem valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, determinaria a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma do processo comum (art 7º/ 1 e 2 deste DL).

Por isso, eram susceptíveis de virem a ser processadas em processo sumário, ou mesmo ordinário.

O DL 107/2005 de 1/7, que não revogou nenhum dos outros anteriores, apenas deu nova redacção a muitos dos preceitos do DL 269/98 e ao art 7º do DL 32/2003 de 17/2, veio introduzir alterações nesta matéria de formas processuais.

Sob a motivação de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, elevou a possibilidade de utilização dos dois já referidos mecanismos (a injunção por um lado, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, por outro) para a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada do tribunal de Relação.

No caso da injunção (que não seja decorrente de transacções comerciais), sendo deduzida oposição, ou frustrando-se a notificação do requerido, transmuta-se a mesma em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

Quando decorrente de transacções comerciais, tais como previstas no DL 32/2003, e que como se viu, se podem fazer valer do disposto nesse diploma legal independentemente do valor, estipulou-se neste DL 107/05 que quando o valor fosse superior à alçada do tribunal da Relação, a dedução de oposição ou a frustração da notificação do procedimento de injunção, determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum, que há-de ser o processo ordinário - portanto a acção transmuta-se de injunção, em acção ordinária – art 7º/2 do DL 32/2003 17/2 na redacção do DL 107/2005 de 1/7.

Mas, quando o valor da dívida resultante da tal transacção comercial, seja inferior à alçada do tribunal da Relação, a oposição e a não notificação do procedimento da injunção, já dão lugar à acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato - art 7º/4 do DL 32/2003 17/2 na redacção do DL 107/2005 de 1/7.

Assim, resulta que actualmente, desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor.

.Na situação dos autos, estando em causa o valor de € quantia de € 13.987,8,  lançou mão, a aqui apelante, em 28/6/2013, de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação.

Assim, porque à partida, poderia ter utilizado a acção comum, torna-se evidente que, expectando, de algum modo, a não oposição do requerido e a não frustração da sua notificação, “arriscou” o mecanismo da injunção, com o que a mesma implica de facilitação na obtenção de titulo executivo.

Esse foi o meio processual que escolheu, e é à luz dele que importa, pois, analisar a questão dos autos.

Apreciando e decidindo:

Os presentes autos iniciaram-se mediante instauração de requerimento de injunção por parte do autor que, por terem sido objeto de oposição, foram remetidos à distribuição, passando a seguir a forma de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e injunção, aplicando-se-lhe o regime previsto no DL n.º 269/98 de 01/09 (cfr. artigo 16.º).

Este regime, comporta excepções às regras gerais aplicáveis ao processo comum que encontram fundamento no princípio da celeridade e simplicidade processual próprio de acções da natureza da dos presentes autos, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Anexo do DL n.º 269/98.

Assim, a audiência de julgamento deve realizar-se dentro de 30 dias, por outro lado, a falta de comparência dos mandatários à audiência de discussão e julgamento, ainda que justificada, não constitui fundamento de adiamento, salvo se o valor da causa for superior à da alçada do tribunal de comarca.

Por outra via, contrariamente ao que sucede nas acções declarativas de processo comum, em que (actualmente) as provas devem ser indicadas na petição inicial e na contestação, o oferecimento das provas na acção especial em análise tem lugar no início da audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 4 do Anexo do DL n.º 269/98, o que significa que a prova testemunhal é apresentada pelas partes, não havendo lugar à respectiva notificação.

Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do referido DL, “As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas…”

O legislador, assim, quis impor às partes o ónus da apresentação das suas testemunhas, ónus que postula a proibição de adiamento da audiência por falta das testemunhas que a parte esteja obrigada a apresentar. Assim, o não cumprimento desse ónus de apresentação das testemunhas na audiência obsta à possibilidade de realização da inquirição em momento posterior.

Todavia, como tem sido assinalado pela jurisprudência dos tribunais superiores , essa norma não assume natureza imperativa,  podendo ceder perante circunstâncias excecionais que aconselhem comportamento diferente por parte dos diversos intervenientes processuais e, designadamente, por parte do tribunal, ao abrigo dos deveres -poderes atribuídos ao Juiz Titular do Processo, pelo  atual artigo 6.º do CPC (dever de gestão processual) que  atribui ao juiz, o dever de “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”, bem como, ao abrigo do artigo 7.º do mesmo Código, norma que consagra “o princípio da cooperação “, pelo qual, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

Este último princípio deve ser entendido como recíproco nas relações que se estabelecem entre as partes e entre estas e o tribunal, impondo-se ainda a terceiros.

Todavia, a aplicação dos referidas normas dos arts 6º e 7º do CPC, coexiste com outros princípios  igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios da Legalidade do Processo, do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderão  ser invocadas, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova”.[1]

Assim,  o Princípio da Legalidade do Processo, (segundo o qual a tramitação do processo tem a forma legalmente estabelecida) e   os princípios dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes  devem ser considerados aquando da  aplicação dos princípios vertidos nos artigos 6º e 7º do CPC, por forma a não tornar arbitrária a forma de utilização dos deveres de gestão e cooperação processual, designadamente, para suprimir qualquer omissão censurável da parte na instrução da causa.

Este entendimento é aquele que subjaz à  aplicação do princípio do inquisitório consagrado no art 411º do CPC.[2]

O  dever funcional do juiz emergente do art 411º do CPC , norma processual convocada pelo autor no requerimento que foi indeferido, consubstancia um “poder-dever” subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio cujos  limites são frequentemente assinalados na jurisprudência e que se sintetizam no sumário do acórdão da Relação de Guimarães, de 14.05.2020 [processo n.º 659/18.2T8GMR-A.G1] que parcialmente se transcreve: «I- O uso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer».

Ou seja: o principio do inquisitório não se sobrepõe nem anula os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes; antes tem de ser compaginado e compatibilizado com eles.

E por revelar, convocando aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.05.2023, proferido no proc nº 2352/21.0T8VCT-A.G1, citam-se aqui vários arestos que suportam o referido entendimento:

Assim:

.Ac. da RG de 10/07/2019, processo 68/12.7TBCMN-C.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg afirma-se que:

“O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.

Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.”

E também o Ac. da RG de 05/11/2020, processo 1228/18.2T8PTL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg:

Note-se que o princípio do inquisitório, apesar de consubstanciar um poder/dever que impende sobre o tribunal em sede instrutória, não configura a concessão de um direito substantivo de natureza processual que seja conferido às partes e a que o tribunal tenha de corresponder, uma vez que o cumprimento desse poder/dever tem de ser avaliado, delimitado e aplicado tendo em consideração os restantes princípios que continuam vigorantes no CPC, como sejam os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes e da preclusão dos direitos processuais, sem esquecer o dever da imparcialidade do juiz, princípios esses aos quais o juiz vê também a sua atividade subordinada e que, por isso, também tem de dar cabal cumprimento, pelo que o cumprimento do princípio do inquisitório tem de ser necessariamente conjugado com aqueles outros princípios norteadores da lei processual civil.

O principio do dispositivo traduz, não apenas a liberdade de decisão sobre a instauração do processo, a conformação do objecto – causa de pedir e pedido – das partes, e o termo do processo, mas também a liberdade para, dentro dos condicionalismos legais, desde logo nos momentos estipulados na lei de processo, as partes apresentarem ou requererem as provas que tiverem por pertinentes e adequadas à demonstração do direito ou do facto impeditivo, modificativo ou extintivo, sob pena de verem precludido esse direito.

Nesta última perspectiva, essa liberdade traduz o exercício do direito à prova, corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP, “direito fundamental à prova [que] implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. da RC, de 21.04.2015, processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1, in www.dgsi.pt/jtrc).

Constitui regra geral de direito civil que àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1 do art.º 342º) e a “prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.” (n.º 2 do normativo citado)
Assim, a iniciativa da prova, o ónus da prova, a responsabilidade pela produção de determinada prova, cabe sempre à parte a quem aproveita o facto dela objecto, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga
secundum allegata et probata (art. 346.º do CC e art. 414.º do CPC).

O principio da autorresponsabilidade foi formulado por Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora,1979, pág. 378, do seguinte modo (sublinhado nosso):

«As partes é que conduzem o processo por sua conta e risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo»

Para Castro Mendes, «Estreitamente ligado ao princípio dispositivo está o da auto-responsabilidade das partes. Na medida em que o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou a ausência de alegações, das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão» (Do Conceito de Prova em Processo Civil. Edições Ática, 1961, pág. 162).

E, incisivamente, Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, I, 2ª edição, 2004, pág. 533 (sublinhado nosso): “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. ”.

Quanto aos critérios para operar o inquisitório, Nuno Lemos Jorge, in Os Poderes Inquisitórios do Juiz: Alguns problemas, Julgar n.º 3, 2007, pág. 70 refere (sublinhado nosso):

“Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta. Apenas na hipótese — raríssima — de resultar do já processado, designadamente da produção de outras provas, objectiva e seguramente, a necessidade de tal diligência, revelando-se esta em termos que permitam concluir que se verificaria igualmente caso a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório, é que o juiz deverá, excepcionalmente, atender a tal “sugestão”. Fá-lo-á, então, valorizando essa necessidade da prova, que se impõe por si, e não a pretensão subjectiva da parte. Caso contrário, se a necessidade não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”

E remata referindo( pág 72): “O que se disse para a audição de testemunhas vale, igualmente, para qualquer outra diligência (realização de perícia, prestação de depoimento de parte, inspecção etc.) que a parte pretenda ver determinada pelo juiz. A sua pretensão só pode ter sucesso se lograr convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização.”

Também a jurisprudência se pronuncia em idêntico sentido, como ocorre no Ac. da RP de 11/01/2021, processo 549/19.1T8PVZ-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, onde se afirma:

“(…) a realização oficiosa das diligências probatórias com invocação do princípio inquisitório só deverá ser efectuada, quando resulte da instrução da causa que as diligências probatórias em causa são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (não decorrendo apenas da visão probatória subjectiva das partes).

(…)

Se a necessidade de realização da diligência probatória não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção da mesma resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido (da sua sugestão), a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”

.Feitas estas considerações, reportando-as ao caso em apreço, começaremos por assinalar que com a repetição do julgamento, aplica-se as mesmas regras da anulabilidade, pelo que os actos que dele dependem, têm que ser repetidos, como, aliás, resulta do Art. 195º nº2 CPC.

Deste modo, o Apelante não se pode prevalecer do rol de testemunhas anteriormente indicado, pois, além do mais, a regra da apresentação das testemunhas na audiência de julgamento prevista no Anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro – Art. 3º nº4, mantém-se incólume.

Acresce que, assistia a qualquer das partes indicar outras testemunhas que não aquelas apresentadas anteriormente, o que, a aqui Apelada, aliás, veio a fazer, entretanto nos autos, em relação a uma das testemunhas apresentadas e não indicando outras anteriormente inquiridas.

E o Apelante incorre, com o devido respeito, numa sucessão reiterada de incorrecções, pois, quando solicita à secretaria a emissão dos avisos/convocatórias omite a identificação das testemunhas e no requerimento formulado em audiência de julgamento repete a mesma omissão.

Na alegação de recurso, defende que não precisava de identificar tais testemunhas, pois as mesmas já estavam identificadas nos autos em anterior julgamento.

Ora, com o devido respeito, o autor apelante é quem tinha o direito de apresentar as testemunhas que quisesse, mesmo que fossem distintas daquelas apresentadas no julgamento ocorrido no ano de 2017 e que foi anulado.

De resto, como assinala a apelada nas contra-alegações, uma das testemunhas apresentadas pelo A., ora Apelante, DD, até se apresentou no Tribunal, sem qualquer notificação e aviso/convocatório no dia 06.03.2023, conforme Declaração com a Referência: 446062046

Acresce que a alegação feita pelo autor -apelante no sentido de estar desavindo com  duas dessas testemunhas, situação que alegadamente remonta a 1019 , não releva, porquanto, sendo esse um facto conhecido do Apelante quando foi designado o julgamento, nomeadamente, a audiência de 10.05.2023, permitia ao Apelante atempadamente dar conhecimento ao Tribunal do mesmo, fundamentado convenientemente o seu pedido, o que não aconteceu.

Por outro lado, a circunstância de duas outras testemunhas serem ex-trabalhadores, também não releva, pois, o Apelante nem sequer referiu que desconhecia o paradeiro deles, nem que existia qualquer relutância dos mesmos em depor nestes autos, sendo certo que um deles repete-se esteve presente na data da audiência de julgamento do dia 06.03.2023, o que demonstra que tal testemunha foi avisada para comparecer.

Daí que incumbia ao Apelante apresentar as testemunhas no Tribunal na data da 1ª sessão da audiência de julgamento. Não o tendo feito, sem qualquer explicação plausível, não colhe o argumento que existia qualquer dificuldade, quiçá “obscura”, para essa apresentação.

Importa ainda assinalar que mesmo que o requerimento com a refª 44997184 apresentado nos autos em 13.03.2023, estivesse hipoteticamente bem formulado, que não estava porque não identificou as testemunhas e não o dirigiu à secretaria, como devia, atento o disposto no nº2 do art 251º do CPC, ainda assim,  o A. , ora Apelante,  poderia ter reclamado para o Tribunal, face ao disposto no  Art. 157º nº6 CPC, o que não fez, já que o Requerimento apresentado em audiência no dia 10.05.2023, não tem essa virtualidade, tratando-se de um pedido directo ao Tribunal.

Mas, mesmo que fosse entendido, como uma reclamação de um acto de secretaria, enferma sempre do vício da extemporaneidade, já que haviam decorrido quase 2 meses de total inércia do A., ora Apelante.

Assim, porque o  Apelante limitou-se numa 1ª fase a invocar o Art. 251º nº2 CPC, sem mais, sem identificar as testemunhas, porque em audiência de julgamento, invocou genericamente dificuldade de apresentar 2 testemunhas, filhos do Apelante, alicerçando-se num facto ocorrido há mais de 4 anos e nas outras 2 testemunhas referiu tão só a circunstância de serem ex-trabalhadores, afigura-se-nos que o despacho recorrido não merece censura, atenta a intempestividade do requerimento apreciado e a falta de um fundamento sério e fundamentado para as requeridas notificações, sendo que do requerimento apresentado não resulta qualquer alegação de factos que revelem que as testemunhas, não identificadas, dispõem de conhecimentos essenciais para a justa composição do litígio.

A revelar que a decisão recorrida, contrariamente ao afirmado pelo apelante, no contexto em que foi proferida, não é susceptível de violar o disposto no nº4 do art 20º da CRP, o qual, dispõe: “1. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.”,  nem o disposto no nº2 do art 202º da CRP, o qual dispõe: “ Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

Nestes termos, improcede o recurso interposto.

Sumário:

………………………………

………………………………

………………………………

IV.DELIBERAÇÃO:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).


Porto, 22.02.2022
Francisca Mota Viera
Isoleta de Almeida Costa
João Venade
________________
[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 484 e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 32.
[2] Como se explicita no Ac. da RP de 18/11/2013 (Proc. n.º 851/10.8TTVFR-B.P1) (13), “esta amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita [art. 414º]. Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente no processo de instrução da causa». E mais adiante acrescenta-se no mesmo aresto: «(…) reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário. Condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória»