Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
168/20.0GAARC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
QUALIFICAÇÃO
TENTATIVA
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DURAÇÃO
Nº do Documento: RP20231018168/20.0GAARC.P1
Data do Acordão: 10/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Atirar pedras a militares da GNR que, no exercício das suas funções, iam abordar o agente, de tal forma que os levou a abandonar o local e desistirem do seu objectivo, reveste, por si só, uma especial censurabilidade (conjecture-se se todos os indivíduos que fossem abordados pelos agentes da autoridade, começassem a atirar-lhes pedras para os afastar);
II - Integrando-se estes factos numa sequência de outros donde resulta que o arguido antes tinha desobedecido a uma ordem de paragem da GNR, e depois foi buscar um cão e ameaçou os militares da GNR de que o soltava, injuriando-os, o que os levou a chamarem reforços e a tentarem abordá-lo junto à sua casa, os mesmos consubstanciam a prática ─ em concurso real com os restantes praticados ─ de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, visto que não lhes acertou;
III - Perante a actual redacção do nº 5 do art.º 50 do C.P, deixou de se exigir que o período de suspensão da pena tenha duração igual à da pena principal de prisão, repondo--se a versão original da norma: “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos” (essa alteração tinha sido introduzida pela lei 59/2007 de 04/09, e foi revogada pela lei 94/2017 de 23/08).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 168/20.0GAARC.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, S.M.Feira - JC Criminal - Juiz 1



Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, S.M.Feira - JC Criminal - Juiz 1, processo supra referido, foi julgado AA, tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“a) julgar extinto, por falta de queixa/participação, o procedimento criminal pelo crime de injúria agravado, p.p. nos art. 181.º e 184.º do CP, imputado ao arguido, AA por referência ao ofendido BB (quanto às injúrias agravadas relativas aos ofendidos CC, DD e EE, como se referiu supra, já se determinou o arquivamento do procedimento criminal por homologação das desistências de queixa apresentados pelos mesmos);
b) absolver o arguido AA da prática dos seis crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, a) e n.º2, ex vi alínea l) do n.º2, do art. 132.º, todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal, dos quais vinha acusado;
c) condenar o arguido AA numa pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de perseguição, p.p. pelo art. 154.ºA, n.º1 do C. Penal;
d) condenar o arguido AA em duas penas parcelares 9 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal;
e) condenar o arguido AA em três penas parcelares de 1 mês de prisão, pela prática de três crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º 2, l) do C. Penal;
f) condenar o arguido AA em duas penas parcelares de 7 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal.
g) condenar o arguido AA em sete penas parcelares de 6 meses de prisão, pela prática de sete crimes de coação agravada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal.
h) condenar o arguido AA como autor material, em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. c), d), e) f) e g) supra, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com sujeição às seguintes imposições/obrigações:
- proibição de contactar por quaisquer meios ou de se aproximar ou seguir a ofendida durante o período da suspensão;
- à sujeição ao tratamento psicológico adequado à avaliação e orientação para o desenvolvimento/treino de competências pessoais de controlo dos impulsos perante situações de frustração, a determinar pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 2 al. b) e d) e n.º 3, todos do CP).
i) ordenar a recolha de amostras de ADN ao arguido e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02;
j) condenar o arguido no pagamento das custas penais e demais encargos do processo, fixando a taxa de justiça em 4 UC (cf. art. 513.º e 514.º do CP).”
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Deste Acórdão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
“1. Foi o arguido AA absolvido da prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada por que vinha acusado, tendo ainda sido condenado numa pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução.
2. Não podemos, de todo, concordar nem com a absolvição por tais crimes, nem com a suspensão da execução da pena de prisão. E precisamente com base em tudo quanto foi dado como demonstrado no acórdão ora colocado em crise.
3. É que, se concordamos que as circunstâncias mencionadas no n.º2, do citado artigo 132º, do Código Penal não funcionam de modo automático (sendo certo que o artigo 143º, n.º2, do Código Penal também se reporta a factos perpetrados em militares da GNR no exercício das suas funções), e que se desconhece efectivamente quantas pedras foram arremessadas pelo arguido, assim como qual o seu tamanho e concretas motivações subjacentes a tal comportamento, a verdade é que aquele, mesmo após ter perpetrado os factos descritos sob os pontos 10º e 11º e saber (ou, pelo menos, suspeitar) que os militares da GNR iriam no seu encalço, não se coibiu de, apercebendo-se da sua presença nas imediações da sua residência, decidiu arremessar pedras na direcção daqueles, com o claro objectivo de os atingir. E isto, não obstante não ter tido qualquer desavença com aqueles, nem mesmo qualquer motivo, por mais discutível que fosse, para o fazer. O comportamento do arguido para com os militares da GNR é susceptível de revelar uma especial censurabilidade que não podia, de todo, ter sido afastada.
4. Pese embora não se tenha logrado apurar qual a concreta dimensão das pedras arremessadas, nem a sua quantidade, a verdade é que AA não actuou do modo descrito na sequência de alguma fiscalização por parte dos ofendidos, nem na sequência de algum desentendimento com aqueles; na verdade, arremessou pedras na direcção daqueles, ciente do que havia feito instantes antes, ciente de que se tratavam de militares da GNR no exercício de funções, querendo atingi-los na sua integridade física (o que apenas não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade). E fê-lo, mesmo depois de os ofendidos se terem identificado e de terem referido ao que vinham - revelando, por isso, uma especial censurabilidade.
5. A própria circunstância de se munir de um objecto, como seja uma pedra (que, no caso, foi mais do que uma) – e independentemente de se averiguar qual o seu tamanho – já é revelador de uma especial censurabilidade a que o Tribunal não pode ser alheio. Resultou demonstrado que era sua intenção atingi-los na sua integridade física, apenas “porque sim”; e que sabia que tais comportamentos eram proibidos e punidos por lei, tendo actuado livre, deliberada e conscientemente, consciente da condição de militares da GNR daqueles. Parece-nos, pois, evidente que a conduta do arguido não integra a mera tentativa de ofensas à integridade física simples (não puníveis).
6. De acordo com a alínea l), do art. 132º, n.º2, do Código Penal, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, a circunstância de o agente praticar o facto contra agente das forças ou serviços de segurança.
7. Ficou demonstrado que AA quis molestar fisicamente os corpos dos ofendidos. Verificados estão, assim, os condicionalismos do tipo da ofensa à integridade física, p. p. pelo art. 143º, n.º1, do referido Código. E a conduta descrita nos factos provados reflectiu uma especial indiferença para com o direito e é, por via disso, merecedora de uma especial censurabilidade, nos termos e para efeitos do mencionado art. 145º, do aludido diploma legal - que nos remete para as diversas alíneas do art. 132º, n.º2.
8. O desvalor da acção reside num “mais” consistente, no caso da alínea l) do art. 132º, nº2, agredir fisicamente militares da GNR no exercício das suas funções – e sem qualquer motivo que o justificasse ou sequer atenuasse a sua culpa.
9. In casu, o meio de que o arguido lançou mão – arremessar de pedras (independentemente do tamanho) – é susceptível de causar lesões de alguma gravidade.
10. A actuação do arguido constitui uma (tentativa de) violação inaceitável da integridade física dos militares da GNR e uma demonstração intolerável de força física intencionalmente dirigida à lesão do corpo e da saúde daqueles.
11. Reveste, assim, a especial censurabilidade geradora de uma culpa agravada, de que as circunstâncias previstas no art. 132º, nº 2, al. l), do referido Código constituem exemplo padrão – o que apenas não logrou conseguir por circunstâncias alheias à sua vontade.
12. Os crimes em apreço são punidos com pena de 1 mês a 2 anos e 6 meses de prisão. Tudo ponderado, tendo em consideração a ilicitude manifestada (mediana), o dolo directo, o comportamento do arguido, afigura-se-nos que este deverá ser condenado pela prática dos supra referidos crimes na pena de 9 meses de prisão por cada um deles.
13. Vistos os factos dados como provados relativamente às condutas do arguido, quer quanto às condutas que levou a cabo, quer quanto à sua personalidade e modo como actuou, cotejado com o lapso temporal em causa e, bem assim, o facto de ter perpetrado os factos em causa perante inúmeras vítimas, sendo que todos os crimes se tratam de crimes contra as pessoas, e tendo em consideração a moldura penal abstractamente aplicável (mínimo de 1 ano e 3 meses de prisão a 12 anos e 4 meses de prisão – cfr. Artigo 77º, n.º2, do Código Penal), chamando aqui à colação todos os fundamentos expostos no acórdão recorrido a propósito da personalidade do arguido (e o que resulta dos factos dados como demonstrados, supra transcritos), designadamente, as dificuldades de controlo dos seus impulsos, é nosso entendimento que a pena única dever-se-á fixar nos 5 anos de prisão.
14. Tal pena não deverá ser suspensa na sua execução, atendendo a que o arguido já havia sido condenado pela prática do crime de violência doméstica tendo por vítima a aqui ofendida FF, sua ex-esposa, sendo que iniciou o cumprimento dos factos susceptíveis de integrar a prática do crime de perseguição (e de ameaça agravada tendo por vítima o actual companheiro daquela) logo após o termo do prazo da suspensão da execução da pena de prisão cumprido no âmbito do aludido processo de violência doméstica – demonstrando, por isso, e à saciedade que tal advertência não lhe serviu de suficiente advertência para que não voltasse a cometer crimes da mesma natureza axiológico-normativa; só esperou que a pena aplicada naqueloutro processo cessasse.
15. De facto, e não obstante o arguido se encontre social e profissionalmente inserido, a verdade é que não se coibiu de voltar a atentar contra a integridade psíquica da sua ex-esposa, esperando apenas o termo do cumprimento da pena aplicada naqueloutro processo. Depois, demonstra uma especial tendência para o cometimento de crimes contra as pessoas, ameaçando tudo e todos que se lhe aparecem – seja a sua ex-esposa, seja o companheiro desta, sejam militares da GNR que apenas o abordam. E, não satisfeito, ainda telefona para o posto da GNR, numa clara tentativa de constranger todo e qualquer militar a não se deslocar à sua residência. Acresce que não demonstrou qualquer sentido crítico ou arrependimento relativamente às condutas que perpetrou.
16. Que prognose favorável se pode fazer relativamente a alguém que, mesmo após cumprir pena pela prática de crime contra uma determinada pessoa, volta a cometer crimes contra essa mesma pessoa? Depois de ter sido deixado “à prova”? Na nossa opinião, nenhuma.
17. E isto, ainda que se entenda que não merece provimento a primeira parte do recurso por nós interposto (quanto à punição pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada).
Deste modo, e em suma, ao absolver o arguido pela prática de 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada e ao suspender a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 145º, 132º, n.º2, alínea l), 22º, 23º e 50º, n.º1, a contrario, todos do Código Penal, devendo, por isso, o acórdão recorrido ser revogado nesta parte e substituído por outro que condene aquele pela prática dos aludidos crimes e não suspenda a execução da pena de prisão aplicada a AA.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se nesta parte o acórdão proferido, sendo substituído por outra que condene o arguido nos moldes supra descritos.”
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Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela procedência do recurso.
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O arguido AA respondeu ao parecer, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
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Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido:
Factos Provados
“1.º O arguido e a denunciante FF contraíram casamento no dia 06/06/2002, o qual veio a ser dissolvido por divórcio aos 26/07/2017.
2.º No âmbito do processo n.º 257/16.5GAARC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Arouca, o arguido foi condenado pela prática, sobre a pessoa de FF, de um crime violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º nº 1, alínea a), nºs 2 e 4 do Código Penal, na pena de 2 [dois] anos e 3 [três] meses de prisão, suspensa na execução por igual período, com sujeição a regime de prova, e à condição de o arguido não se aproximar da residência da ofendida FF, até uma distância de um quilómetro; não contactar por qualquer forma, quer pessoal quer telefonicamente, com a ofendida; Sujeitar-se a programa específico de prevenção da violência doméstica; Sujeitar-se a consultas de psiquiatria e/ou psicologia com vista a controlar a sua impetuosidade e descontrolo. E na pena acessória de proibição de contactos com a vítima e afastamento da habitação onde a mesma vive, até uma distância de um quilómetro, pelo período de 2 anos e 3 meses e na proibição de uso e porte de armas, por igual período.
3.º As penas acessórias em que o arguido foi condenado naqueles autos atingiram o seu termo tendo sido extintas, pelo cumprimento, aos 12/01/2020
4.º Desde essa data e até meados de Junho de 2020, o arguido, bem sabendo que a denunciante trabalhava na “A...”, sita na Rua ..., em ..., deslocou-se, pelo menos uma vez por semana, às imediações daquele local e aguardou que a denunciante saísse do seu local de trabalho.
5.º No interior do seu veículo automóvel, o arguido aguardava que a denunciante ingressasse no dela e iniciasse viagem, para seguir no seu encalço, mantendo o seu seguimento, quase encostando o veículo ao daquela, até cerca de meio do percurso até à residência da vítima, sita em ....
6.º No dia 12/05/2020, pelas 23h30min, o arguido dirigiu-se à residência da denunciante e, a partir do interior de veículo automóvel que conduzia, gritou para a denunciante e o seu companheiro, GG, que se encontravam no interior da residência: “eu mato-vos a todos seus filhos da puta”, “qualquer dia mato-vos”, “eu vou para a cadeia, mas antes de ir preso eu mato-vos”.
7.º Após, abandonou o local.
8.º No dia seguinte, pelas 4h, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-BI-.., em ..., ..., quando a GNR lhe deu sinal de paragem através de recurso a raquete luminosa.
9.º No entanto, o arguido não imobilizou o veículo e seguiu até ao interior da sua residência, sita em ....
10.º Após, o arguido, saiu novamente da sua residência, trazendo um cão pela trela, dirigiu-se aos militares da GNR ali presentes, HH e CC, devidamente fardados e identificados e disse-lhes: “solto-vos o cão que vos fode a todos”; “sois uns filhos da puta. Não valeis merda nenhuma”.
11.º Acto contínuo, encetou fuga para o interior da sua residência.
12.º Na circunstância, os militares solicitaram reforço, deslocando-se ao local os militares da GNR, BB, DD, II e EE, também estes devidamente fardados e identificados, que, a partir do exterior da residência do arguido, lhe solicitaram que saísse.
13.º No entanto, o arguido, mantendo-se no interior da sua residência gritou para os militares ali presentes: “filhos da puta, canalhas, ide para a puta que vos pariu”, enquanto atirou pedras na direcção daqueles, só não tendo logrado acertar em nenhum dos militares ali presentes, por razões alheias à sua vontade.
14.º O arguido apenas cessou a sua conduta quando os militares abandonaram o local.
15.º Pelas 07h51min do mesmo dia, o arguido, através do número de telemóvel ...36, contactou o Posto da GNR ..., tendo sido atendido pelo Militar JJ, a quem disse: “não quero que a Guarda me chateie mais, esteve aqui a patrulha à minha porta, não os abati porque não quis. Se continuarem a incomodar vou-vos matar a todos aí no Posto. Não são uns putos com uma arma na cintura que metem medo, (…) limpo-vos a todos, um por um”.
16.º Proferiu tais expressões, bem sabendo que as dirigia a Militar da GNR, o qual, tal como pretendia, as transmitiria, também, aos militares que o haviam abordado, nessa noite, enumerados nos pontos 10. e 12..
17.º Ao aparecer no local de trabalho da vítima FF e ao segui-la durante parte do caminho até à sua residência, o arguido pretendeu e logrou conseguir provocar, na vítima, medo, inquietação e insegurança, bem sabendo que assim prejudicava a sua liberdade de circulação e de autodeterminação, que lhe causava perturbação da sua paz e tranquilidade.
18.º Não obstante agiu em conformidade com essa sua representação.
19.º Com o comportamento descrito em 6. o arguido pretendeu provocar, nas vítimas FF e GG, medo de virem a ser mortos ou molestados fisicamente, o que logrou conseguir, bem sabendo que a sua conduta era apta a provocá-lo.
20.º Em consequência do comportamento assumido pelo arguido, as vítimas GG e FF viveram e vivem angustiadas e assustadas, temendo pela sua vida e integridade física.
21.º Com o comportamento descrito em 10., o arguido pretendeu ofender a honra e consideração dos militares da GNR HH e CC, o que logrou conseguir, bem sabendo que os mesmos eram militares e se encontravam no exercício das suas funções.
22.º Pretendeu, ainda, provocar, nos Militares da GNR que sabia estarem no legítimo exercício das suas funções, medo de virem a ser molestados fisicamente, bem sabendo que a sua conduta era apta a consegui-lo, tanto mais que se fazia acompanhar de um cão.
23.º Quis, ainda, tal como logrou conseguir, com o comportamento descrito em 13., atingir a honra e consideração dos militares da GNR, BB, DD, II e EE e, bem assim, novamente, de HH e CC, bem sabendo que os mesmos eram guardas, porquanto se encontravam devidamente fardados, e que se encontravam no exercício das suas funções.
24.º Ademais, ao atirar pedras na direcção dos militares nos termos supra descritos, pretendeu o arguido molestá-los fisicamente, apenas não tendo cumprido os seus intentos por motivos alheios à sua vontade, bem sabendo que o meio que utilizava era apto a consegui-lo e que os militares que tentava atingir eram órgãos de polícia criminal em exercício de funções.
25.º Ao telefonar para o Posto da GNR ... proferindo as expressões descritas no ponto 15. pretendeu o arguido provocar, no militar da GNR que o atendeu e, bem assim, nos demais Militares que, naquele dia, se haviam deslocado à sua residência, medo de virem a ser mortos ou molestados fisicamente e constrangê-los, dessa forma, a não mais o abordar, o que apenas não logrou conseguir por motivos alheios à sua vontade.
26.º O arguido agiu sempre de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
27.º O arguido cresceu junto dos seus progenitores, comerciantes, na freguesia ..., Barcelos sendo o mais novo de seis irmãos.
28.º Integrou o sistema de ensino em idade normal, tendo abandonado o 6.º ano do ensino básico, sem o completar,
29.º Mais tarde, já em idade adulta, concluiu o 9.º ano de escolaridade, em ....
30.º Trabalhou em meio empresarial dos 14 aos 18 anos de idade e aos 19 emigrou para a Suíça, onde conheceu e iniciou uma relação amorosa FF, natural de ....
31.º No ano de 1996, aproximadamente, o casal regressou a Portugal e foi residir temporariamente para a casa dos progenitores do arguido, em Barcelos, após o que fixaram residência em ....
32.º Contraíram casamento em 2002 e passaram a residir numa moradia, com boas condições de habitabilidade, sita na freguesia ... – ....
33.º Divorciaram-se no ano de 2017, na sequência de conflitos conjugais, tendo o arguido se mantido a viver na casa de morada da família AA.
34.º Entre os anos de 2000 a 2021, o arguido manteve atividade laboral na área da construção civil na empresa “A... Lda”.
35.º Desde meados de 2021 trabalha na empresa “B... Unip., Lda.”, como chefe de equipa da área de construção civil, apresentando um desempenho profissional positivo, cumpridor e de respeito cordial para com os superiores e para com os elementos da equipa que chefia.
36.º Aufere cerca de 1000€ mensais, despendendo cerca de 130€ para pagamento de despesas referentes ao consumo mensal de eletricidade, água, gás, telecomunicações, bem como farmácia.
37.º Paga ao ex-cônjuge uma prestação mensal de 125€ de modo a usufruir da casa de morada de família.
38.º Na comunidade onde se insere beneficia de uma imagem social positiva, sendo descrito como uma pessoa dedicada ao trabalho e não sendo o mesmo associado a consumos em excesso de bebidas alcoólicas e/ou estupefacientes, bem como a grupos ou práticas consideradas como à margem da lei.
39.º Realizou um tratamento ao alcoolismo em 1998, sendo que actualmente só consome álcool em situações de convívio com amigos e/ou familiares.
40.º Em cumprimento da condenação sofrida no âmbito do PCC n.º 257/16.5GAARC do Juízo de Competência Genérica de Arouca, foi acompanhado, em regime de prova, pela DGRS tendo demonstrado, uma evolução positiva.
41.º Apresenta dificuldades de controlo dos seus impulsos quando confrontado com situações de contraditoriedade e frustração, mas manifesta disponibilidade para cumprimento de obrigações que possam vir a ser decretadas no âmbito da aplicação de uma pena de execução em comunidade, nomeadamente a sujeição a acompanhamento psicológico orientado para a aquisição de competências pessoais de controle de impulsos.
42.º Já foi condenado por sentença transitada em 12/10/2017, na pena principal de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por 3 anos, com sujeição a regime de prova e nas penas acessórias de proibição de uso e porte de armas e de contactos com a vítima pelo mesmo período, todas já declaradas extintas pelo cumprimento, pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica.”
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Motivação da convicção do Tribunal
“O Tribunal Colectivo escorou a resposta dada à factualidade sujeita à sua apreciação na análise de toda a prova produzida na audiência de julgamento e constante dos autos, levada a cabo segundo as regras da lógica e da experiência comuns e no âmbito da livre convicção de cada um dos Juízes que o compõem – cf. art. 127.º do CPP.
Assim, o facto inscrito no § 1º dos factos provados, assentou-se com base na análise da certidão do assento de nascimento da ofendida FF, junta a fls. 195 e 196 v.
Depois, os factos descritos nos §§ 2.º, 3.º e 42.º julgaram-se provados com apoio na análise conjugada da certidão da sentença proferida no PCS 257/16.5GAARC do Juízo de Competência Genérica do Tribunal de Arouca junta a fls. 269 e da certidão do registo criminal do arguido junta a fls. 229 a 234.
Já no que concerne à factualidade inscrita nos §§ 4.º e 5.º, a decisão do Tribunal escorou-se no depoimento manifestamente sincero e imparcial prestado pela testemunha e ofendida FF que assistiu à mesma e a relatou de forma suficientemente segura e consistente – tendo conta o tempo entretanto decorrido e as naturais falhas de memória e imprecisões daí decorrentes –, explicando ao Tribunal onde o arguido a costumava esperar, como e até onde a seguia no seu carro e com que frequência, aproximadamente, o fazia. Também contribuiu para convicção do Tribunal o depoimento da testemunha KK que conhecia os ofendidos FF e GG por frequentarem o Café ..., sito em ... e que, localizando tal evento por alturas do início da pandemia Covid-19, em 2020, declarou que certo dia, pelas 19.00h, viu a ofendida a chegar nervosa ao referido café porque o arguido a estaria a seguir. Ainda neste âmbito, por outro lado, cumpre esclarecer que os documentos apresentados pela defesa do arguido através do requerimento com a ref.ª 13643441 – demonstrativos de que o arguido, no período temporal em causa, se terá dirigido algumas vezes ao Centro de Saúde, situado próximo do local de trabalho da ofendida, para renovar baixas médicas de que beneficiou – não foram minimamente suficientes para abalar a convicção formulada pelo Tribunal com base no depoimento da ofendida. Desde logo, porque tais documentos, podendo explicar a presença do mesmo algumas vezes naquele local, não explicam a frequência com que essa presença acontecia, nem o facto de o arguido estar à espera da ofendida à hora da sua saída do trabalho e depois a seguir de veículo no seu caminho de casa.
Passando, agora à factualidade constante dos §§ 6.º e 7.º, a convicção do Tribunal fundou-se nos depoimentos sinceros, claros e manifestamente credíveis das testemunhas/ ofendidos FF e GG que, tendo presenciado directamente à mesma a relataram de forma imparcial, segura e globalmente coincidente, com as incongruências e a ausência de alguns pormenores que são naturalmente de esperar face ao tempo entretanto decorrido e que, no fundo, apenas atestam que estas testemunhas não combinaram ou orquestraram previamente os depoimentos que prestaram, assim os credibilizando aos olhos do Tribunal.
Quanto à factualidade constante dos §§ 8.º a 12.º, esclarece-se que a convicção do Tribunal assentou nos depoimentos absolutamente sinceros, seguros e desinteressados das testemunhas HH e CC, militares da GNR que tendo sido intervenientes em tais factos os descreveram de forma globalmente congruente.
O factos descritos nos §§ 13.º e 14.º, por sua vez, assentaram-se com apoio nos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, CC, BB, DD, II e EE, militares da GNR que neles intervieram directamente e que os relataram de forma absolutamente segura, sincera, globalmente coincidente entre si e desinteressada, tanto mais que nenhum deduziu pedido indemnizatório com o arguido e três deles declaram mesmo desistir das queixas apresentadas contra o mesmo no decurso das suas declarações.
A factualidade constante do § 15.º, por outro lado, julgou-se provada por força do depoimento da testemunha JJ, militar da GNR que atendeu o telefonema em causa e relatou o seu teor de forma segura e convicta, com a precisão expectável face ao período temporal entretanto decorrido. Ainda quanto a esta factualidade, o Tribunal valorou a informação junta pela Altice a fls. 177/178, da qual resulta que o telemóvel que realizou a chamada em causa estava registado em nome do arguido.
Por sua vez, a factualidade constante dos §§ 16.º a 26.º – relativa às representações mentais e às intenções do arguido subjacentes à prática dos factos e, nessa medida, insuscetível de prova directa – julgou-se provada com base na análise das condutas encetadas pelo arguido à luz das regras da experiência comum e do contexto situacional em que o mesmo se encontrava: a de um indivíduo com dificuldades de controlo dos seus impulsos mediante situações de frustração ou contraditoriedade, divorciado após 15 anos de casado, com historial de violência doméstica contra a sua ex-cônjuge que, entretanto, já tinha um novo companheiro.
Já quanto à factualidade provada relativamente ao percurso e condições de vida do arguido (cf. §§ 27.º a 41.º) valorou-se o relatório social de fls. 306 e ss..
Acrescentar, por fim, que as declarações prestadas pelo arguido não se mostraram minimamente credíveis aos olhos do Tribunal, não tendo abalado minimamente a convicção formulada pelo Colectivo de Juízes nos termos expostos supra.”
*
Qualificação Jurídica
“a. Do crime de perseguição, p.p. pelo art. 154.ºA, n. º 1 do C. Penal;
Nos termos do art. 154.º-A, n.º 1 do CP, comete o crime de perseguição Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação,
Inscrito, no Capítulo IV, do Título I, da Parte Especial do Código Penal, que versa Dos crimes contra a liberdade pessoal, este novo tipo legal visa a protecção do bem jurídico liberdade de ação e autodeterminação do indivíduo face ao conhecido fenómeno social do “stalking” que se consubstancia com a prática, de forma reiterada e minimamente persistente, de um multiplicidade de diferentes condutas destinadas a assediar, vigiar, importunar ou controlar a vítima e adequadas a gerar-lhe sentimentos de medo, revolta, impotência ou ansiedade.
Constituem, assim, elementos do seu tipo objectivo:
- a acção de perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto (o seguimento físico da vítima, as esperas à porta da sua habitação e ou seu local de trabalho, a presença em lugares socialmente frequentados pela mesma, contactos excessivos e indesejados por telefone e/ou por mensagens escritas, as intromissões na vida privada e nos assuntos pessoais, etc.);
- a adequação da acção a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima: que há de ser avaliada segundo o critério objectivo-individual do homem médio colocado no especifico circunstancialismo de facto que a envolvia.
- a reiteração da acção: i.e. a repetição mais ou menos persistente da prática de condutas de perseguição ou assédio.
Já no que diz respeito ao seu tipo subjectivo, estamos perante um crime doloso (cf. art. 14.º do CP), exigindo-se apenas que o agente pratique as condutas típicas de forma livre, deliberada e consciente, sabendo-as adequadas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima.
Ora, revisitando os factos que se julgaram provados nos §§ 1.º a 5.º, 17.º a 18.º e 26.º à luz deste enquadramento jurídico, logo se verifica que o arguido deverá ser condenado pela prática deste crime na pessoa da ofendida, FF.
E isto, em síntese, porque deles decorre que num contexto pós-marital e após ter cumprido uma pena de prisão suspensa pela prática de um crime de violência doméstica contra a sua ex-cônjuge, ora ofendida, o arguido encetou, de forma regular e persistente, condutas típicas de perseguição/assédio da mesma, deslocando-se ao seu local de trabalho, esperando-a e seguindo-a de carro no percurso de casa, o que fez de forma deliberada e consciente de que tais comportamentos, sobretudo no aludido contexto, eram adequados a causar-lhe medo e inquietação.
Há, pois que o condenar pela prática deste crime.
b. Dos crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal;
Nos termos do art. 153.º n.º 1 do CP, comete um crime de ameaça “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação…”.
Inscrito, no Capítulo IV, do Título I, da Parte Especial do Código Penal, que versa Dos crimes contra a liberdade pessoal, este tipo legal visa, assim, a protecção do bem jurídico liberdade de decisão e de acção – ou, segundo a designação da doutrina alemã perante normativo semelhante contido no § 241 do CP alemão, a paz jurídica individual (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 342.) – dado que as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade e medo na pessoa do ameaçado, afectam naturalmente a sua paz individual e, por essa via, tolhem a sua liberdade de acção, fazendo-a evitar ou tomar certos comportamentos, com receio de que quem fez a ameaça a cumpra.
Por isso mesmo, o seu tipo objectivo é basicamente composto por dois os elementos:
- a existência de uma ameaça, consistente na promessa da prática futura de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor do ameaçado; e
- a adequação, dessa mesma ameaça a provocar medo, inquietação ou afectação da liberdade de determinação ofendido, avaliada segundo o critério objectivo-individual do homem médio colocado no especifico circunstancialismo de facto que envolvia a vítima.
Trata-se, portanto, de um crime de execução livre, podendo a acção de ameaçar revestir qualquer forma (escrita, oral, gestual, etc..) deste que apta a transmitir a ameaça ao destinatário.
Apresenta, contudo, um conteúdo substancial vinculado, pois como decorre da análise do respectivo tipo objectivo, só existirá ameaça típica quando o mal ameaçado, isto é, o objecto da ameaça, configurar em si mesmo um facto ilícito típico cujo objecto de protecção, por sua vez, seja um dos bens jurídicos que o art. 153.º, n.º 1 do CP, taxativamente enumera (cfr. Ac.RC de 12/12/2001, acessível in www.dgsi.pt).
Consubstancia, por outro lado, um crime de perigo de concreto, não se exigindo um resultado de dano – a causação efectiva do medo – mas tão só um resultado de perigo (cf. Ac.s RP de 10/01/2001, 10/10/2001 e 16/01/2002, acessíveis in www.dgsi.pt), pois a ameaça terá apenas que ser realizada de forma adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, bastando à sua consumação a verificação objectiva dessa adequação e já não que o agente tenha, efectivamente, provocado medo ou inquietação na vítima.
Já no que diz respeito ao seu tipo subjectivo, por outro lado, salienta-se apenas que se exige o dolo por parte do agente (cf. art. 14.º do CP), bastando-se este, no entanto, com a consciência e a intenção (ou conformação) da adequação da conduta (objectivamente típica) a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo irrelevante que o agente pretenda, ou não, concretizar a ameaça realizada. Isto é, o dolo exigido reconduz-se, tão-somente, à consciência de que a conduta voluntariamente desenvolvida é objectivamente adequada a limitar a liberdade de acção ou a paz individual do ofendido, quer o agente pretenda directamente provocar esse efeito (dolo directo), quer se conforme com a sua verificação necessária ou eventual (dolo necessário ou eventual) – cf. Ac. RC de 12/12/2001, acessível in www.dgsi.pt.
Por outro lado, de acordo com o 155.º, n.º 1 al. a) do CP, se o crime em causa for praticado por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos haverá lugar ao agravamento da sanção penal nos termos aí previstos.
Ora, assim delimitado o tipo legal deste crime de ameaça agravada, logo se vislumbra que os factos que se julgaram provados nos §§ 6.º, 7.º, 19.º e 26.º, integram a prática, pelo arguido, de um destes crimes na pessoa de cada um dos ofendidos FF e GG.
Tudo porque, na ocasião aí descrita, o arguido, de forma livre e deliberada transmitiu aos referidos ofendidos (sua ex-cônjuge e actual companheiro da mesma) que qualquer dia os iria mataria – ou seja que cometeria, contra cada um deles, um crime de homicídio que é punível com uma pena superior a 3 anos –, bem sabendo que no contexto relacional dos intervenientes tal conduta era adequada a causar-lhes medo e inquietação.
E note-se aqui que o crime de ameaça protege bens jurídicos eminentemente pessoais, pelo que apesar de estarmos perante uma única conduta, basta o facto de ter visado os dois ofendidos, como visou, para se concluir que estamos perante a comissão de dois destes crimes (cf. art. 30.º, do CP)
Importa, pois, condená-lo pela prática dos dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal, de que vinha acusado.
c. Dos oito crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts. 181.º, n.º1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal;
Conforme se dispõe no art. 181.º, n.º 1, do CP, comete o crime de injúria quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração...
Almejando a protecção do bem jurídico honra das pessoas – perspectivado no nosso ordenamento jurídico-penal como um bem jurídico complexo, onde se inclui, quer o valor pessoal e interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação e consideração exteriores (cfr. José de Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, p. 607) – o crime de injúria pressupõe, assim, ao nível do seu tipo objectivo, a concretização de um ataque directo, sem intromissão de terceiros, do agente à honra do ofendido.
Estrutura-se, por isso, este ilícito penal – e fazendo nossas as palavras de Faria Costa (cf. ob. cit., p, 629) – numa “relação de existência comunicacional bipolar” que se estabelece directamente entre agente e ofendido – não se verificando qualquer interposição de terceiros, ao contrario do crime de difamação.
Além desta forma de imputação directa, o tipo objectivo do ilícito da injúria, pressupõe, simultaneamente, que os factos imputados ou as palavras proferidas pelo agente contra o ofendido sejam ofensivas da sua honra ou consideração. A avaliação deste carácter ofensivo deve, porém, assentar num processo de contextualização dos factos, sendo de rejeitar, por um lado, a verificação de um qualquer automatismo entre a proferição de certas palavras, mesmo que comunitariamente tidas por obscenas, e a existência de uma ofensa e, por outro, a percepção dessa ofensa do ponto de vista estritamente subjectivo do ofendido – o que teria como consequência deixar-se o preenchimento do conceito, e por essa via, do tipo legal do crime, ao sabor das especiais sensibilidades de cada um.
O que interessará, assim, à aferição deste pressuposto é, como já fomos adiantando, tentar perceber se em determinado contexto, a imputação de certos factos ou a proferição de certas palavras, pode considerar-se ofensiva, ou não. No que, no fundo, mais não é do que um apelo a um critério de índole objectiva, no sentido de que não basta ao preenchimento do tipo que o injuriado se sinta ofendido na sua honra e consideração, sendo, ainda, essencial que os factos que lhe são imputados pelo agente, ou as palavras que por este lhe foram dirigidas, sejam objectivamente ofensivas, isto é, sejam susceptíveis de ofender o homem médio – mais uma vez – “colocado no lugar” da vítima.
Já quanto ao elemento subjectivo, temos que a injúria é um crime que só pode ser cometido com dolo, podendo este, no entanto, assumir qualquer uma das formas previstas no art. 14.º do CP.
Por outro lado e como resulta do disposto conjugadamente nos art. 184.º e 132.º al. l), do CP as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
Analisados, então, os factos provados nos §§ 10.º a 14.º, 21.º, 23.º e 26.º à luz deste enquadramento jurídico, logo vemos que as condutas desenvolvidas pelo arguido integram a prática dos oito crimes de injúrias agravadas de que vinha acusado.
E tudo porque se se provou que o mesmo, agindo livre, deliberada e conscientemente, com intenção de ofender, na primeira ocasião (cf. § 10.º), os ofendidos HH, CC e na segunda ocasião (cf. § 13.º), os ofendidos HH, CC, BB, DD, II e EE, dirigiu aos dois primeiros as expressões “sois uns filhos da puta” e “não valeis merda nenhuma” e depois a todos os seis as expressões “filhos da puta, canalhas, ide para a puta que vos pariu”, expressões estas que, se bem julgamos, não podem deixar de se considerar objectivamente ofensivas da honra e bom-nome dos ofendidos.
Mais do que isso, porém, temos também que se provou que o arguido sabia em ambas as ocasiões que os ofendidos eram militares da GNR no exercício das suas funções, o que, por si só, permite dar por integrada a estatuição normativa prevista no art. 184.º do CP, com referência ao art. 132.º, n. 2 al. l), do CP e, nessa medida, subsumir juridicamente a sua conduta ao crime de injúria agravada ali estabelecido.
De salientar, por outro lado, que o crime de injúria também protege bens jurídicos pessoais, pelo que apesar de estarmos apenas perante duas acções, basta o facto de terem visado dois ofendidos na primeira e seis na segunda, como visaram, para se concluir que estamos perante a comissão dos oito crimes de que o arguido vinha acusado (cf. art. 30.º, do CP).
E não se esgrima contra esta conclusão – como bem tentou a defesa durante o julgamento – o argumento de que o arguido não saberia ao certo, pelo menos na segunda ocasião, quantos militares estava a injuriar, pois a realidade é que os factos provados demonstram que o mesmo, ao proferir as expressões injuriosas que proferiu, visou injuriar todos os militares que estavam no local, estendendo assim o dolo de injuria a todos eles.
Chegados, porém, a esta conclusão, cumpre atentar no facto de que este é um crime de natureza semi-pública que exige, como condição de procedibilidade, que o ofendido apresente queixa ou participação, manifestando o desejo de procedimento criminal contra o arguido [cf. art. 184.º e 188.º, n.º 1, al. a) do CP e 48.º e 49.º, n.º 1, ambos do CPP] – cf. Ac. RP de 18/05/2022, acessível in www.dgsi.pt : “I – O crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, é de natureza semi-pública pois que o procedimento criminal depende de queixa ou participação.”
E no caso dos autos, para além de já terem sido homologadas as desistências de queixa apresentadas pelos ofendidos CC, DD e EE (cf. acta da sessão de julgamento de 13/12/2022), cumpre verificar que o ofendido BB nunca chegou a manifestar nos autos o desejo de procedimento criminal contra o arguido. Não constando essa manifestação do seu auto de inquirição como testemunha constante de fls. 125, nem servindo para o efeito a frase “os militares em serviço presentes na respectiva ocorrência, desejam procedimento criminal contra o autor (es) do ilitico criminal” aposta no auto de notícia de fls. 69 a 72, pelo militar HH, único que o assinou, pois que o direito de queixa/participação só pode ser exercido pelo próprio titular, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais, não estando aquele militar legitimado, por qualquer meio, a exercê-lo em nome ou representação do mencionado ofendido (cf. art. 49.º, n.º 3 do CPP).
Na verdade e como se refere no supracitado Ac. da RP de 18/05/2022:
“II - A legitimidade para apresentar queixa, no prazo de seis meses “a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto e dos seus autores”, pertence ao “ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” (n.º 1 do art. 113.º do CP).
III - A formulação de queixa para que o Ministério Público possa promover o processo tanto pode ocorrer perante essa autoridade judiciária como perante um órgão de policia criminal (n.º 2 do art. 49.º do CPP), sendo que a mesma (queixa) não está sujeita a qualquer regime especial ou fórmula sacramental, para tal bastando a manifestação de vontade do ofendido de onde resulte que o mesmo quer proceder criminalmente contra o autor ou autores dos factos ilícitos, pois que para o Ministério Público promover o processo a lei apenas exige que o ofendido lhe dê “conhecimento do facto” (n.º 1 do mesmo art. 49.º).
IV - A manifestação de vontade de queixa ou de participação quanto aos factos integradores do ilícito de natureza semipública (ou particular) tem ser inequívoca, ou seja, tem de resultar claro que o ofendido pretende que o Ministério proceda criminalmente contra o(s) seu(s) autor(es).”
Conclui-se, portanto, que além do arquivamento dos autos pelos crimes de injuria agravados nas pessoas dos ofendidos CC, DD e EE (já decidido na audiência de julgamento), deverá agora determinar-se a extinção do procedimento criminal e o consequente arquivamento dos autos pelo crime de injúria relativo ao ofendido BB.
E assim sendo, resta-nos a prática de apenas três crimes de injúria agravada [dois na pessoa do ofendido HH (cf. § 10.º e 13.º) e um na pessoa do ofendido II (cf. § 13.º)], pelos quais o arguido deverá ser condenado.
d. Dos crimes de ameaça agravada, p.p. pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º 2, l), do mesmo diploma legal;
Repristinando tudo quanto o se disse supra sobre o crime de ameaça agravada supra, cumpre apenas acrescentar, no caso deste tipo legal em concreto, que a circunstância agravante da ameaça reside no facto de a acção típica ser praticada contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas.
E no mencionado art. 132.º, n.º 2 al. l) do CP, no que ao caso interessa, referem-se os agentes das forças ou serviços de segurança (..) e os agentes de força pública, categorias nas quais se incluem, inquestionavelmente, os militares da GNR.
Assim, resultando dos factos provados nos §§ 10.º, 21.º e 26.º que o arguido, agindo de forma livre deliberada e consciente, dirigiu aos militares da GNR HH e CC a expressões “Solto-vos o cão que vos fode a todos, sois uns filhos da puta. Não valeis merda nenhuma”, pretendendo provocar-lhes medo e sabendo que a sua conduta era adequada ao efeito, emerge clara a conclusão de que o mesmo deverá ser condenado pela prática destes dois crimes de ameaça agravada.
e. Dos seis crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, a) e n.º2, ex vi alínea l) do n.º2, do art. 132.º, todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal;
Dispõe o tipo fundamental do ilícito em causa, p.p. no art. 143.º, n.º 1 do CP que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Estamos assim perante um crime de resultado, exigindo o respectivo tipo legal que haja uma ofensa efectiva à integridade física ou psíquica do ofendido (Cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal – Anotado, II, p. 135), que pode assumir qualquer forma de ofensa ao seu corpo ou saúde, devendo considerar-se, segundo Maia Gonçalves (cfr. Código Penal Português – Anotado e Comentado, 13ª ed., 1999, p. 497), que traduz ofensa ao corpo “toda e qualquer alteração ou perturbação da integridade corporal, do bem estar físico ou de morfologia do organismo”.
Trata-se, outrossim, de um crime de execução livre, na medida em que pode ser perpetrado por qualquer meio adequado a provocar o resultado danoso.
Constitui, também, um crime instantâneo, pois “consuma-se com a acção ou omissão produtiva do dano, pouco importando que este perdure além da actividade causal” (Nelson Hungria, apud. Leal Henriques e Simas Santos ob. cit., p. 136).
Já no que concerne, especificamente, ao crime de ofensas qualificadas, decorre do art. 145.º n.º 1, al. a) do CP, que se a ofensa descrita no tipo fundamental for produzida em circunstância que revele especial censurabilidade ou perversidade por parte do agente, deverá este ser punido como a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Nos termos do respectivo n.º 2 serão susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, além de outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132.º do CP, entre as quais e ao que aqui nos interessa, a circunstância, prevista na respectiva al. l) de a conduta ilicita ser praticada contra agentes das forças de segurança pública
No que diz respeito, por outro lado, ao tipo subjectivo do ilícito, estamos claramente perante um crime doloso que, como tal, pressupõe «uma conduta intencional dirigida à lesão do corpo ou da saúde» – Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2º Volume, Rei dos Livros, pág. 135.
Chegados, então, a este ponto, deve ainda constatar-se que a lei prevê, também, a punição da tentativa de comissão do crime de ofensas à integridade física qualificada (cf. art. 145.º, n.º 1 al. a) e 23.º do CP), ocorrendo a mesma – como aliás é típico nos crimes de resultado dano, como este – quando o agente praticar actos de execução do mesmo sem que chegue a consumar o respectivo resultado (neste caso, sem que chegue a ofender a integridade física da vítima visada – cf. art. 22.º do CP). Por actos de execução, diz, por fim, o n.º 2 do art. 22.º do CP, devem entender-se, a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
Revisitada, então, a factualidade que se provou quanto a esta temática (cf. §§ 13.º, 24.º e 26.º), fica-se, porém, com a clara impressão que a mesma se mostra manifestamente insuficiente para julgar verificada a circunstância qualificativa prevista no art. 145.º, n.º 1 al. a) do CP.
Na verdade, e como resulta do texto legal do n.º 2 desse mesmo preceito, tal circunstância (cujo relevo, como é consabido, se circunscreve ao domínio da culpa – cf. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Vol. I, p. 251), não é de funcionamento automático, havendo que apurar no caso concreto se a sua verificação objectiva é susceptível de consubstanciar os juízos de censurabilidade ou perversidade ali exigidos.
Daí que, como bem refere Figueiredo Dias (ainda que a propósito do crime de homicídio qualificado, mas com aplicação directa ao caso dos autos – cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, p. 27) “será sempre necessário provar (…) que tais circunstâncias revelam, no caso, a especial censurabilidade ou perversidade do agente; o que só acontecerá se ao homicídio (ofensas qualificadas no nosso caso) puder ligar-se uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica.”
Dito de outra forma, não basta o facto de as ofensas visarem agentes das forças públicas de segurança para que se conclua pela especial censurabilidade ou perversidade do agente, sendo necessário a prova concomitante de outros factos, seja ao nível da gravidade conduta concretamente desenvolvida, seja ao nível das suas motivações, que revelem um grau acrescido, especial, exagerado daquelas.
Tanto mais, aliás, que o art. 143.º, n.º 2 do CP prevê, expressamente, a possibilidade da prática de crimes ofensas à integridade física simples contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas, atribuindo-lhes apenas a natureza de crimes públicos.
Ora, dos factos provados a este nível decorre unicamente que o arguido arremessou do interior do logradouro da sua residência algumas pedras nas direcção dos militares da GNR, não se sabendo quantas, qual o seu tamanho, qual o respectivo potencial lesivo da integridade física daqueles, quais as concretas motivações subjacentes a tal conduta, etc.
E isto, se bem julgamos, não é minimamente suficiente para que se possa concluir que a sua conduta revestiu o grau especial – no sentido de acrescido, exagerado – de censurabilidade ou perversidade que o facto de os visados serem militares da GNR era apenas susceptível de poder revelar. Tudo porque para além deste facto, nada de concreto se provou quanto à gravidade da conduta, ou à baixeza das suas motivações que demonstrasse essas especiais censurabilidade ou perversidade.
Conclui-se, portanto, pela não verificação da circunstância qualificativa do art. 145.º, n.º 1 al. a) do CP, pelo que somos remetidos para o âmbito do crime de ofensas à integridade física simples, p.p. no art. 143.º, n.º 1 do CP.
Sucede, porem, que estes ilícitos estão imputados ao arguido na forma tentada – não foram produzidas quaisquer lesões da integridade física dos ofendidos – e legislador penal não prevê a punição de ofensas à integridade física simples na forma tentada (cf. art. 23.º, n.º 1 e 143.º, n.º 1, ambos do CP).
Deverá, por conseguinte, o arguido deve ser absolvido dos crimes de ofensa à integridade física qualificada de que vinha acusado.
f. Dos sete crimes de coacção agravada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 154.º, n.º1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º 2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal.
Comete o crime de coacção, p.p. pelo artigos 154.º, n.º 1 do CP quem por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outrem, a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade.
Como demonstra, desde logo, a sua inserção sistemática no CP (Capítulo IV, do Título 1.º, do Livro II), o tipo legal da coação simples visa, assim, proteger o bem jurídico liberdade pessoal, nas vertentes liberdade de decisão e liberdade de acção.
Trata-se de um tipo legal fundamental, na medida em é residual relativamente a uma plêiade de outros ilícitos que, por todo o Código Penal, protegem especificamente diferentes expressões do bem jurídico liberdade pessoal (cf. art. 163.º, 333.º, 340.º, 347.º, entre outros), e que, portanto, se podem dizer numa relação de especialidade/subsidiariedade perante este.
Do ponto de vista da sua estrutura típica, consubstancia um crime material de resultado de dano, pois o seu preenchimento típico pressupõe, na forma consumada, o efectivo constrangimento da vítima a realizar, contra a sua vontade, uma acção ou uma omissão, ou a suportar uma actividade.
Já na forma tentada – em que o arguido está incurso – pune-se a conduta típica em si mesma, independentemente da obtenção do resultado desejado (cf. art. 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e b) e 23.º, n.º 1 e 2, todos do CP).
Por outro lado e nos termos do art. 155.º, n.º 1 do CP este crime será agravado se, quanto ao nos que interessa:
- for cometido por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos [al. a)]; e/ou
- for cometido contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas [al. c)] (note-se que aqui, ao contrário do crime de ofensas qualificadas de que falamos supra, o legislador basta-se com o facto de os visados pela conduta típica sejam agentes das forças de segurança no exercício das suas funções).
Constitui, assim, a conduta típica objectiva do ilícito concretamente imputado ao arguido: a realização de uma ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, com o objectivo de constranger uma das pessoas referidas na al. l) do n.º 2 do art. 132.º do CP, no exercício de funções ou por causa delas, a uma acção ou omissão,
Quanto ao tipo subjectivo do ilícito, trata-se de um crime doloso, dolo esse que pressupõe, ao nível do processo anímico do agente, o conhecimento e a vontade da realização da conduta típica (elementos cognitivo e volitivo), podendo assumir qualquer uma das formas previstas no art. 14.º do CP (directo, necessário ou eventual).
Ora, analisados os factos que se provaram nos §§ 15.º, 16.º, 25.º e 26.º à luz destes ensinamentos, emerge clara a conclusão de que os mesmos integram a prática, pelo arguido dos sete crimes de coacção, na forma tentada pelos quais vinha acusado, pois que deles decorre, em síntese, apertada que o arguido, agindo de forma livre, deliberada e consciente, ameaçou matar um a um os militares da GNR de forma a condicioná-los a que não o abordassem novamente, resultado que apenas não logrou conseguir por razões alheias à sua vontade.
E, mais uma vez, não se aduza contra esta conclusão, o argumento de que o arguido não saberia ao certo quantos militares estava a coagir, pois a realidade é que os factos provados demonstram que o mesmo, ao actuar nos termos descritos, visou coagir todos os militares da GNR que o tinham abordado nessa noite, bem como o militar da GNR que lhe atendeu a chamada telefónica estendendo, assim, o dolo típico da coacção a todos eles.
Impõe-se, assim, a sua condenação em consonância.”
*
Espécie e medida da pena
“O crime de perseguição, previsto pelo art. 154.º-A, n.º 1 do C. Penal é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
O crime de ameaça agravada, previsto pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
O crime de injúria agravada, previsto pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal é punível com pena de prisão até 4 meses e 15 dias, ou multa até 180 dias.
O crime de ameaça agravada, previsto pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
O crime de coacção agravada, na forma tentada, previsto pelos arts. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal, é punível com uma pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão (cf. art. 73.º do CP).
(…)
Transpondo estes ensinamentos para o caso concreto, cumpre salientar que são relativamente prementes as necessidades de prevenção geral, pois estamos perante a comissão de vários crimes contra as pessoas, incluindo agentes da autoridade, no contexto de uma relação enquadrável no fenómeno da violência doméstica sobre as mulheres, impondo, assim, a aplicação de penas que evidenciem o elevado desvalor da conduta do arguido aos olhos da comunidade, como forma de repor a paz social e de reafirmar, perante aquela, a validade e efectiva vigência das normas penais por si violadas.
Do mesmo modo, importa também constatar que se mostram elevadas as necessidades de prevenção especial, uma vez que a análise dos factos provados permite concluir que o arguido é um indivíduo com alguma propensão para a prática deste tipo de condutas, sobretudo sobre a ofendida FF, contra quem já cometeu um crime de violência doméstica pelo qual foi condenado numa pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na execução e que voltou a perseguir e importunar praticamente mal essa pena foi declarada extinta.
Por tudo isto pode, desde já, dizer-se, relativamente à escolha da natureza das penas a aplicar, que a salvaguarda das exigências de prevenção no caso dos autos não se compadece com a aplicação de penas de multa, pelo que será de optar pela aplicação de penas de prisão relativamente a todos os crimes.
Para concretização das medidas concretas das penas a aplicar, deverá ainda atender-se ao art. 71º, n. 2 do CP que enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da medida da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o(s) agente(s).
Assim, no âmbito da al. a) preceito em causa, temos que:
- o diminuto grau de gravidade das consequências das condutas do arguido na pessoa dos ofendidos, ligeiramente mais grave no caso dos ofendidos FF e GG; e, bem assim
- o modo de execução dos factos que não foge ao padrão médio para este tipo de condutas;
apontam para um grau de ilicitude diminuto, quer ao nível do desvalor da conduta, quer ao nível do desvalor do resultado produzido.
Ao nível da previsão da al. b), temos que o dolo manifestado pelo arguido é de intensidade médio, não se tendo provado qualquer grau de premeditação, nem a ocorrência de qualquer período relevante de persistência na intenção de executar os factos.
No que concerne à previsão da al. c) temos que a prática dos crimes se inscreve num quadro de um relacionamento pós-conjugal entre o arguido e a ofendida FF, no âmbito do qual o arguido demonstra uma total falta de respeito para com os sentimentos desta e uma notória incapacidade de conter/moderar os seus comportamentos violentos para com a mesma.
No que diz respeito, outrossim, às circunstâncias referidas na al. d), temos que os factos provados demonstram que arguido revela ser um indivíduo com hábitos regulares de trabalho, residência fixa, bem integrado profissionalmente e na comunidade onde se insere, mas que já conta com uma condenação anterior pela prática de um crime de violência doméstica contra a mesma ofendida.
No que concerne, por fim, à previsão das al. e) e f), remete-se para o que já se disse supra acerca das exigências de prevenção especial.
Tudo ponderado, afigura-se-nos necessária, adequada e proporcional a aplicação de:
- uma pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática do crime de perseguição, p.p. pelo art. 154.ºA, n.º1 do C. Penal;
- duas penas parcelares 9 meses de prisão pela prática dos dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal;
- três penas parcelares de 1 mês de prisão, pela prática dos três crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º2, l);
- duas penas parcelares de 7 meses de prisão pela prática dos dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal.
- sete penas parcelares de 6 meses de prisão, pela prática dos sete crimes de coação agravada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal.
b) Cúmulo jurídico e determinação da pena única
Passando agora a dar cumprimento ao comando previstos no art. 77.º, n.º 1 e 2 do CP, temos, antes de mais, que a pena única a aplicar ao arguido terá de ser fixada dentro da seguinte moldura penal: de um mínimo de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (pena parcelar mais alta aplicada: cf. art. 77.º, n.º 2 do CP), a um máximo de 7 (sete) anos e 8 (quatro) meses de prisão (soma das penas parcelares aplicáveis cf. art. 77.º, n.º 2 do CP);
Prosseguindo, temos que por força do n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única a fixar devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos.
Ora, reeditando tudo o que já se disse ao nível da fixação das penas parcelares e salientando o facto de estarmos perante um arguido que apresenta claras dificuldades de controlo dos seus impulsos, nomeadamente quando confrontado com situações que se mostrem contrárias às suas perspetivas e/ou interesses, julga-se adequada e proporcional a aplicação da pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
c) Da suspensão da execução da pena principal única de prisão:
De acordo com o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Já nos termos do n.º 5 desde mesmo normativo, o período de suspensão deverá ser fixado entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão.
(…)
Ora, considerando que resulta dos factos provados que o arguido se mostra bem integrado social e profissionalmente, inserindo-se os comportamentos criminosos até agora perpetrados no estrito âmbito da sua relação pós-conjugal com a ofendida, o Tribunal conclui que a simples censura do facto, aliada à ameaça do cumprimento da pena de 3 anos e 8 meses de prisão aplicada, ainda se mostram, por ora, susceptíveis de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, intervindo no comportamento futuro daquele de modo adequado a evitar a prática de novos crimes no futuro.
Por isso mesmo e ao abrigo dos aludidos preceitos, ir-se-á determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido por período igual à duração da mesma.
Não obstante, visto o disposto no art. 52.º, n.º 1 al. c), n.º 2 al. d) e 3, ambos do CP e porque resulta dos factos que se provaram que os crimes foram praticados no âmbito de um quadro de conflitualidade pós-conjugal, por um arguido com dificuldade em controlar os seus comportamentos impulsivos quando frustrado ou contrariado julga-se ser de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada às seguintes imposições e obrigações:
- à proibição de contactar por quaisquer meios ou de se aproximar da ofendida durante o período da suspensão;
- à sujeição ao tratamento psicológico adequado à avaliação e orientação para o desenvolvimento/treino de competências pessoais de controlo dos impulsos perante situações de frustração, a determinar pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 2 al. b) e d) e n.º 3, todos do CP)”.
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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o M.ºP.º pretende suscitar as seguintes questões:
- Prática de 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada;
- Medida da pena das penas parcelares pela prática destes crimes, e da pena única;
- Espécie da pena fixada e não aplicação de pena substitutiva.
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Resulta dos autos que o AA estava acusado de:
- 1 crime de perseguição;
- 4 crimes de ameaça agravada;
- 8 crimes de injúria agravada;
- 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada;
- 7 crimes de coacção agravada na forma tentada.
Efectuado o Julgamento foi:
- julgado extinto o procedimento pelo crime de injúria agravada em que era ofendido BB (já tinha sido determinado a extinção do procedimento criminal relativamente às injúrias agravadas em que eram ofendidos CC, DD e EE);
- foi o arguido absolvido da prática dos 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada;
- foi o arguido condenado pela prática do crime de perseguição, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- foi condenado pela prática de 2 crimes de ameaça agravada, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles;
- foi condenado pela prática de 3 crimes de injúria agravada, na pena de 1 mês de prisão por cada um deles;
- foi condenado pela prática de 2 crimes de ameaça agravada na pena de 7 meses de prisão por cada um deles;
- foi condenado pela prática de 7 crimes de coacção agravada, na forma tentada, na pena de 6 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à obrigada de “tratamento psicológico” e à proibição de contactar com a ofendida.
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O recurso do M.ºP.º tem como objecto a absolvição da prática dos 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, pretendendo a condenação, a medida das penas parcelares pela prática destes crimes e da pena única, e a espécie da pena fixada, discordando da aplicação da pena substitutiva de suspensão da execução da pena principal de prisão.
Quanto à absolvição daqueles crimes, alega que não funcionando automaticamente as circunstâncias do n.º 2 do art.132.º do C.P, “é certo que o 143.º, n.º 2 também se reporta a factos perpetrados em militares da GNR no exercício de funções”, e “o comportamento do arguido para com os militares da GNR é susceptível de revelar uma especial censurabilidade que não podia, de todo, ter sido afastada”.
Acrescenta que mesmo não se tendo apurado nem a dimensão nem a quantidade das pedras, o arguido arremessou-as na direcção dos militares da GNR, “ciente do que havia feito instantes antes”, e “depois de os ofendidos se terem identificado e de terem referido ao que vinham”.
Considera que a própria circunstância de se munir de uma pedra (mais do que uma) já é revelador de especial censurabilidade, podendo causar “lesões de alguma gravidade”.
Contesta que a conduta do arguido integre apenas “a mera tentativa de ofensas à integridade física simples (não puníveis)”, e “de acordo com a alínea l), do art. 132º, n.º2, do Código Penal, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, a circunstância de o agente praticar o facto contra agente das forças ou serviços de segurança”.
Debruçando-se em seguida sobre a pena concreta propõe que “tendo em consideração a ilicitude manifestada (mediana), o dolo directo, o comportamento do arguido”, numa moldura entre 1 mês e 2 anos e 6 meses, lhe seja aplicada a pena de 9 meses por cada um deles.
Quanto à pena única, considerando as “condutas que levou a cabo, quer quanto à sua personalidade e modo como actuou, cotejado com o lapso temporal em causa e, bem assim, o facto de ter perpetrado os factos em causa perante inúmeras vítimas, sendo que todos os crimes se tratam de crimes contra as pessoas”, propõe a pena de 5 anos de prisão.
Defende que não “não deverá ser suspensa na sua execução, atendendo a que o arguido já havia sido condenado pela prática do crime de violência doméstica tendo por vítima a aqui ofendida”, FF, sua ex-mulher, realçando que “iniciou o cumprimento dos factos susceptíveis de integrar a prática do crime de perseguição (e de ameaça agravada tendo por vítima o actual companheiro daquela) logo após o termo do prazo da suspensão da execução da pena de prisão cumprido no âmbito do aludido processo de violência doméstica”, demonstrando que tal não lhe serviu de suficiente advertência para que não voltasse a cometer crimes da mesma natureza, só esperando “que a pena aplicada naqueloutro processo cessasse”.
Argumenta que “demonstra uma especial tendência para o cometimento de crimes contra as pessoas, ameaçando tudo e todos que se lhe aparecem – seja a sua ex-esposa, seja o companheiro desta, sejam militares da GNR que apenas o abordam. E, não satisfeito, ainda telefona para o posto da GNR, numa clara tentativa de constranger todo e qualquer militar a não se deslocar à sua residência”.
Conclui que nenhuma “prognose favorável se pode fazer relativamente a alguém que, mesmo após cumprir pena pela prática de crime contra uma determinada pessoa, volta a cometer crimes contra essa mesma pessoa”.
Termina pedindo que o Acórdão deve ser revogado nessa parte “ e substituído por outro que condene aquele pela prática dos aludidos crimes e não suspenda a execução da pena de prisão aplicada” e ainda que não mereça o recurso provimento na parte em que pretende a punição pela prática dos referenciados crimes, não deve ser mantida a suspensão da execução da pena.
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Apreciando e decidindo:
Na parte que para aqui interessa, encontra-se provado, em síntese que o AA foi condenado, pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica ─ na pessoa da FF com quem foi casado até 26/07/2017─ na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, com a condição de não se aproximar da residência da ofendida e não contactar com ela, e ainda “sujeitar-se a consultas de psiquiatria e/ou psicologia com vista a controlar a sua impetuosidade e descontrolo”, assim como na pena acessória “de proibição de contactos com a vítima e afastamento da habitação onde a mesma vive, até uma distância de um quilómetro”.
Extinta esta pena acessória em 12/01/2020, desde essa data até meados de Junho de 2020, o arguido deslocou-se pelo menos uma vez por semana às imediações do local de trabalho da ex-mulher, aguardava que ela saísse e seguia no seu encalço, até à morada daquela.
Em 12/05/2020 gritou de dentro do seu automóvel, para a ex-mulher e para o companheiro daquela, que se encontrava no interior da sua residência ““eu mato-vos a todos seus filhos da puta”, “qualquer dia mato-vos”, “eu vou para a cadeia, mas antes de ir preso eu mato-vos”.
No dia seguinte, quando conduzia o seu automóvel foi mandado parar pela GNR, “através do recurso a raquete luminosa”, não parou e seguiu até à sua casa, foi buscar um cão com a trela dirigiu-se aos militares da GNR HH e CC, “solto-vos o cão que vos fode a todos”; “sois uns filhos da puta. Não valeis merda nenhuma”.
Os militares solicitaram reforço dos colegas BB, DD, II e EE, e do exterior da residência, solicitaram-lhe que saísse, e o arguido “mantendo-se no interior da sua residência gritou para os militares ali presentes: “filhos da puta, canalhas, ide para a puta que vos pariu”, enquanto atirou pedras na direcção daqueles, só não tendo logrado acertar em nenhum dos militares ali presentes, por razões alheias à sua vontade”, apenas cessando a conduta “quando os militares abandonaram o local”.
No dia seguinte telefonou para o posto da GNR dizendo ao militar JJ que o atendeu “não quero que a Guarda me chateie mais, esteve aqui a patrulha à minha porta, não os abati porque não quis. Se continuarem a incomodar vou-vos matar a todos aí no Posto. Não são uns putos com uma arma na cintura que metem medo, (…) limpo-vos a todos, um por um”.
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Pretendida condenação pela prática de 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada;
Na qualificação jurídica, o Julgador considera que a matéria de facto que se provou “quanto a esta temática”, “se mostra manifestamente insuficiente para julgar verificada a circunstância qualificativa prevista no art. 145.º, n.º 1 al. a) do CP”.
Argumenta que como resulta do n.º 2, essas circunstâncias não são de funcionamento automático e “dos factos provados a este nível decorre unicamente que o arguido arremessou do interior do logradouro da sua residência algumas pedras na direcção dos militares da GNR, não se sabendo quantas, qual o seu tamanho, qual o respectivo potencial lesivo da integridade física daqueles, quais as concretas motivações subjacentes a tal conduta, etc”.
Acrescenta que para além “do facto dos visados serem militares da GNR”, “nada de concreto se provou quanto à gravidade da conduta, ou à baixeza das suas motivações que demonstrasse essas especiais censurabilidade ou perversidade”.
Conclui estar apenas perante crimes de ofensa à integridade física simples, que não são puníveis na forma tentada.
No recurso, e tal como resulta da síntese acima efectuada, desvaloriza-se o não se ter apurado a dimensão e quantidade das pedras atiradas, considerando-se que o facto de se munir de pedras e arremessá-las os agentes das forças de Segurança já é revelador de especial censurabilidade, a que acresce o estar ciente de que havia feito “instantes antes”, e de saber “ao que os agentes vinham”.
O recorrente tem razão.
Sendo certo que as circunstâncias previstas no art.132.º, n.º 2 do C.P, para o qual remete o art.145.º, n.º 2, não são de funcionamento automático, constituem no entanto exemplos - padrão, indicadores que apontam para um especial aumento da censurabilidade (a agravante que aqui está em causa) da conduta.
E, no caso, é indubitável verificar-se a circunstância da al. l) do n.º 2, do art.132.º C.P: “Praticar o facto contra (…) agente das forças ou serviços de segurança (…) agente de força pública (…) no exercício das suas funções ou por causa delas”.
Atirar pedras aos militares da GNR que, no exercício das suas funções, o iam abordar, de tal forma que ─ tal como se encontra provado ─ os levou a abandonar o local e desistirem do seu objectivo, reveste, por si só, uma especial censurabilidade (conjecture-se se todos os indivíduos que fossem abordados pelos agentes da autoridade, começassem a atirar-lhes pedras para os afastar).
Com efeito, respeitando esta agravante ─ como é reconhecido na decisão ─ à culpa do agente tem de se concluir que o aqui arguido demonstra, só com este comportamento, um enorme e particular desrespeito pelos agentes da autoridade, e pelas funções que exercem.
Em complemento, esta circunstância integrante do exemplo-padrão, não é a única que no caso se verifica e revela essa especial censurabilidade.
Neste âmbito, mostra-se, aliás, particularmente errada a conclusão do Julgador no sentido de que “nada de concreto se provou quanto à gravidade da conduta” que demonstrasse essa especial censurabilidade.
Provou-se.
Concretizando, estes factos integram-se numa sequência com outros ─ também provados ─, donde resulta que o arguido antes tinha desobedecido a uma ordem de paragem da GNR, e depois foi buscar um cão e ameaçou os militares da GNR de que o soltava, injuriando-os, o que os levou a chamarem reforços e a tentarem abordá-lo, junto à sua casa.
E mais, não satisfeito, no dia seguinte a ter-lhes atirado as pedras que os obrigou a afastarem-se, ainda telefonou para o posto da GNR insultando-os e ameaçando-os.
Tem de se concluir que o “atirar das pedras”, integrado nesta sequência comportamental, e conjugado com a verificação do referenciado exemplo-padrão, confere à conduta do arguido uma marcante e especial censurabilidade, que não pode passar impune.
A conduta do arguido integra, assim, a prática pelo mesmo ─ em concurso real com aqueles em que já se encontra condenado ─ do crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelos artg.ºs 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência à al. l) do art.132.º, n.º 2, e 22.º e 23.º do C.P.
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Medida das penas parcelares pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada
A moldura penal aplicável, tem o mínimo de 1 mês e o máximo de 2 anos e 8 meses (artg.sº 23.º, n.º 1 e 2, 73.º, n.º 1, al. a) e 145.º, n.º 1, al. a) do C.P).
Na fixação da sua medida concreta, tem de se ter em conta os seguintes factores:
─ O grau de ilicitude é reduzido, perante a pouca gravidade das suas consequências;
─ O dolo é o directo;
─ As exigências preventivas especiais são de relevo, considerando a personalidade manifestada nos factos;
─ As exigências preventivas gerais também revestem alguma relevância, sendo este o principal factor agravante.
Ponderados estes factores, mostra-se adequado fixar a pena respeitante a cada um deles em 5 meses (como é evidente, e porque se trata de Direito Público, este Tribunal não está sujeito a qualquer princípio do pedido, relativamente à pena a fixar).
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Determinação da pena única
Há, agora, que rever a pena única resultante do concurso de crimes, acrescentando-se as penas parcelares agora fixadas.
Passamos, assim, a ter as seguintes penas parcelares:
─ pela prática do crime de perseguição, pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
─ pela prática de 2 crimes de ameaça agravada, pena de 9 meses de prisão por cada um deles;
─ pela prática de 3 crimes de injúria agravada, pena de 1 mês de prisão por cada um deles;
─ pela prática de 2 crimes de ameaça agravada pena de 7 meses de prisão por cada um deles;
─ pela prática de 7 crimes de coacção agravada, na forma tentada, pena de 6 meses de prisão por cada um deles;
─ pela prática dos 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, pena de 5 meses de prisão por cada um deles.
A moldura penal passa a ser de 1 ano e 3 meses de prisão, a 10 anos e 2 meses.
Considerando o grau global de ilicitude dos factos, e de censurabilidade da conduta, e as exigências preventivas especiais e gerais (mantendo inteira validade o já referido a esse respeito), mostra-se adequada a pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.
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Determinada a pena única, há que apreciar o último segmento do recurso, em que é posta em causa a espécie da pena, pretendendo-se a não aplicação da pena substitutiva de suspensão da execução da pena principal de prisão.
Tal como resulta do acima sintetizado, defende o M.ºP.º que nenhum prognóstico favorável se pode fazer relativamente a quem, após cumprir pena pela prática de crime contra a sua ex-mulher, volta a cometer crimes contra a mesma, e contra outras pessoas, “ameaçando tudo e todos os que lhe aparecem”, incluindo os militares da GNR, demonstrando que a condenação anterior não lhe serviu de suficiente advertência.
Efectivamente o arguido demonstra uma personalidade pouco conforme às regras a que regem a nossa Colectividade e constituem a nossa Ordem Jurídica, e mostra um particular desrespeito pelos agentes da Autoridade Policial.
Parece ter, efectivamente, grande dificuldade em controlar a sua conduta “perante situações de frustração”, ou de oposição à sua vontade, verificando-se que na anterior condenação já tinha sido incluída como condição de suspensão de execução da pena a obrigação de se sujeitar “a consultas de psiquiatria e/ou psicologia com vista a controlar a sua impetuosidade e descontrolo”, o que não teve, como se viu, qualquer êxito.
Não obstante isso, tem de se ter em conta ser reduzido o grau global de ilicitude dos factos (isto é, em termos simples, do “mal” provocado pelos crimes).
Ou seja, o arguido persegue, ameaça, injuria, tenta coagir e atingir os agentes de Autoridade na sua integridade física, mas as consequências acabam por ser de pouca gravidade.
A fixação de uma pena de prisão efectiva colidiria, para além do mais, com os princípios da necessidade e da proporcionalidade na aplicação das penas.
No entanto ─ e tal tem de se considerar incluído no objecto do recurso, em que é impugnada a espécie da pena ─ uma alteração se pode efectuar na pena substitutiva que poderá dar satisfação de forma mais adequada e eficaz às particulares exigências preventivas especiais pelo caso requeridas.
Tal como consta dos factos provados, o AA apenas praticou os factos sob punição, após ter terminado o período de suspensão da pena de prisão em que tinha sido condenado, o que significa que a ameaça dessa prisão, sob esse prisma, funcionou.
Assim sendo, dar-se-á uma resposta mais eficaz às finalidades preventiva, e psico-pedagógica da pena com o alargamento o período de suspensão da respectiva execução para o máximo de 5 anos, mantendo-se as condições e obrigações fixadas.
A esse respeito tem de se relembrar (porque parece esquecido) que perante a actual redacção do nº 5 do art.º 50 do C.P, deixou de se exigir que o período de suspensão da pena tenha duração igual à da pena principal de prisão, repondo-se a versão original da norma: “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos” (essa alteração tinha sido introduzida pela lei 59/2007 de 04/09, e foi revogada pela lei 94/2017 de 23/08).
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Em conclusão, o recurso merece parcial provimento.
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Nos termos relatados, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso do M.ºP.º, alterando-se o dispositivo do Acórdão recorrido pela seguinte forma:
“(…)
b) condenar o arguido AA da prática dos seis crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, a) e n.º2, ex vi alínea l) do n.º2, do art. 132.º, todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal, na pena de 5 meses de prisão por cada um deles;
c) condenar o arguido AA numa pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de perseguição, p.p. pelo art. 154.ºA, n.º1 do C. Penal;
d) condenar o arguido AA em duas penas parcelares 9 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal;
e) condenar o arguido AA em três penas parcelares de 1 mês de prisão, pela prática de três crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º 2, l) do C. Penal;
f) condenar o arguido AA em duas penas parcelares de 7 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal.
g) condenar o arguido AA em sete penas parcelares de 6 meses de prisão, pela prática de sete crimes de coação agravada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal.
h) condenar o arguido AA como autor material, em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. b), c), d), e) f) e g) supra, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos com sujeição às seguintes imposições/obrigações:
- proibição de contactar por quaisquer meios ou de se aproximar ou seguir a ofendida durante o período da suspensão;
- à sujeição ao tratamento psicológico adequado à avaliação e orientação para o desenvolvimento/treino de competências pessoais de controlo dos impulsos perante situações de frustração, a determinar pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 2 al. b) e d) e n.º 3, todos do CP).
(…)”.
Mantém-se em todo o restante o dispositivo do Acórdão recorrido.
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Sem custas.
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Porto, 18/10/2023
José Piedade
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos