Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6242/15.7T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
ARQUIVAMENTO
REABERTURA DO PROCESSO
QUANDO TEM LUGAR
Nº do Documento: RP201805076242/15.7T8MTS.P1
Data do Acordão: 05/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 674, FLS 2-8)
Área Temática: .
Sumário: I - A possibilidade de reabertura do processo judicial de promoção e protecção apenas pode ocorrer quando o mesmo tenha sido arquivado logo na fase liminar ou após o encerramento da instrução [cfr. artigos 106.º, nº 2 al. b), 110.º, nº 1 al. a) e 111.º da LPCJP].
II - Se no âmbito do processo judicial de promoção e protecção foi aplicada uma medida protectiva que mais tarde vem a ser declarada cessada com o consequente arquivamento dos autos, não podem os mesmos ser reabertos ainda que a nova situação de perigo esteja conexionada com a anterior, devendo, portanto, ser iniciado um novo processo perante a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens por, só assim, se respeitarem os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade [cfr. artigo 4.º als. d) e k) da LPCJP].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6242/15.7T8MTS.P1-Apelação
Origem: Comarca Judicial do Porto Juízo de Família e Menores de Vila do Conde-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Os presentes autos de Promoção e Protecção, relativamente à menor B..., nascido a 16/06/2003, iniciaram-se por existirem indícios de que se encontrava em situação de perigo por suspeitas de ter sido abusada sexualmente pelo seu progenitor, C..., por se encontrar exposta a situações de violência doméstica entre os progenitores e por o progenitor consumir álcool e drogas em excesso e causar situações de conflito entre o casal.
Em 25 de Fevereiro de 2016 foi declarada encerrada a instrução e aplicada a favor da criança medida de apoio junto dos pais, pelo período de 1 ano e verificando-se que a menor se encontrava em situação de perigo também quanto à sua educação e formação, foi inserida no acordo de promoção e protecção uma cláusula em que os progenitores se obrigaram a estarem atentos ao projecto educativo da menor, de forma que a mesma recuperasse as notas negativas a nível escolar e inscrevessem num centro de estudos.
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A medida foi sendo revista e prorrogada por a situação de perigo não se mostrar ultrapassada, uma vez que o processo de inquérito crime que corria termos no DIAP de Vila do Conde ainda não tinha sido encerrado e a criança continuava exposta a episódios de violência verbal por parte do progenitor sobre a progenitora nos períodos de tempo em que passava em casa, já que exercia a profissão de pescador de longo curso estando ausente por períodos de cerca de três meses.
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Foram realizadas perícias psiquiátricas médico legais aos progenitores, concluindo o relatório pericial quanto ao progenitor: “Não se avaliam ao exame pericial sinais ou sintomas de padecer de anomalia psíquica ou psicopatologia aguda”; constando ainda de tal relatório que o progenitor tem antecedentes de consumos alcoólicos excessivos e de outras substâncias e quanto à progenitora: “Não se avaliam ao exame pericial sinais ou sintomas de padecer de anomalia mental ou psicopatologia aguda que por si interfira com as capacidades parentais”.
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Foi junto relatório com vista à revisão da medida.
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Foi cumprido o disposto nos artigos 84.º e 85.º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
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O Ministério Público promoveu a cessação da medida na sequência do sugerido pela Srª Técnica que acompanhou a situação.
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Por decisão proferida em 23 de Novembro de 2017 o processo foi arquivado e a medida aplicada a B... declarada cessada por o processo de inquérito n.º 1720/15.0JAPRT ter sido arquivado, por despacho de 14.06.2017, por inexistência de indícios suficientes da prática de crime, por ter sido decretado o divórcio dos progenitores não obstante o progenitor continue a viver na mesma casa, por a irmã mais velha da B... se manter no agregado familiar e manter algum acompanhamento e supervisão à menor e ainda porque no presente ano lectivo a menor se encontrava mais estável por ter deixado de acompanhar o grupo de pares com que privava.
Mais se determinou que se oficiasse ao ISS para continuar a acompanhar a menor e a família pelo período de três meses devendo ser comunicada nos autos qualquer situação que implicasse a reabertura do processo.
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Em 13/03/2018 o Ministério Público solicitou a reabertura do processo de promoção e protecção, alegando em suma que a menor B... se encontra em nova situação de perigo, quer por falta de supervisão parental no que toca aos cuidados de educação e formação, já que apresenta absentismo escolar, quer por estar exposta a episódios de violência doméstica exercida pelo progenitor sobre a progenitora que colocam em causa o seu bem-estar emocional.
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Na sequência do assim promovido foi exarado, em 14/03/2018, o seguinte despacho:
Os presentes autos de promoção e protecção mostram-se findos desde a prolação da decisão de fls. 151 a 154, datada de 23 de Novembro der 2017 mediante a qual foi declarada cessada a medida aplicada à criança B..., nos termos previstos nos arts. 62.º, nº 5 e 63.º, nº 1, al. e) da LPCJP.
Como tal e desde então encontra-se esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, conforme o disposto no art. 619.º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A questão que se coloca é a de saber se é legalmente admissível a reabertura de tal processo.
Depois de uma melhor ponderação da LPCJP aprovada pela Lei nº 147/99, de 1/09, alterada pela Lei nº 31/2003, de 22/08 e da Lei nº 142/2015, de 8/09, e ao contrário de posição anteriormente defendida pela subscritora, basta atentar que o único preceito legal que regula esta matéria é o art.º 111.º da LPCJP que reza o seguinte: “o juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e protecção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação”.
Tal normativo dá a entender que a reabertura só é admissível nas situações aí contempladas, ou seja, quando o processo tenha sido liminarmente arquivado por desnecessidade de aplicação de medida de promoção e protecção e já não nas situações em que tenha ocorrido intervenção. Repare-se que o legislador usa a terminologia “podendo o processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação” (de medida de promoção e protecção), ou seja, condiciona expressamente a reabertura às situações em que não tenha ainda sido aplicada qualquer medida protectiva.
Repare-se, aliás, que a redacção do art.º 111.º é substancialmente distinta do art.º 99.º, onde se prevê a reabertura dos processos das CPCJ’s. Aí se diz “cessando a medida, o processo é arquivado, só podendo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a aplicação de medida de promoção e protecção”.
Portanto, aqui a situação é diametralmente oposta à do art.º 111.º já que a reabertura pressupõe que tenha sido aplicada uma medida de promoção e protecção entretanto cessada.
Pelo exposto, a reabertura do processo judicial de promoção e protecção não é juridicamente defensável em situações como a dos autos, em que ocorreu uma efectiva intervenção com aplicação de medida protectiva, sem prejuízo, como é óbvio de, se por qualquer razão, a Comissão não lograr obter os consentimentos ou os meios necessários à intervenção, deverá comunicar a situação ao Ministério Público junto deste Tribunal, a fim de ser requerida a abertura de um novo processo Judicial de Promoção e protecção. E a favor desta interpretação importa considerar o princípio da subsidiariedade dos Tribunais expressamente previsto no art. 4º, al. j), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
O que bem se compreende, já que o princípio da subsidiariedade impõe que, tratando-se de uma nova situação de perigo, a intervenção obedeça aos parâmetros previstos no art.º 6.º da Lei de Protecção, ou seja, incumba sucessivamente às entidades com competência em matéria de infância e juventude, às comissões de protecção e, finalmente, aos tribunais.
Do que fica dito decorre que o processo de promoção apenas terá lugar a requerimento do Ministério Público e desde que não se verifiquem os pressupostos de intervenção da CPCJ.
Pelo exposto, não há lugar a qualquer reabertura dos presentes autos de promoção e protecção, devendo a situação descrita a fls. 162 e ss. ser alvo–sendo esse o entendimento–de processo a correr termos na CPCJ respectiva.
Notifique e desentranhe o expediente em causa e remeta ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Ministério Público interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1. Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, antes optando por critérios de oportunidade e conveniência.
2. Verificada nova situação de perigo após cessação da medida judicial de promoção e protecção em tudo idêntica àquela que estava em causa aquando da intervenção judicial protectiva, deve o processo ser reaberto nos termos do artigo 111.º da LPCJP.
3. A nova redacção do artigo 111.º da LPCJP, permitindo a reabertura de processos judiciais de promoção, deve ser interpretada no sentido de que a nova situação deve ser intrinsecamente relacionada com a primitiva situação de perigo.
4. Assim, só ocorrerá a reabertura do processo judicial de promoção e protecção quando a nova situação de perigo estiver conexionada com a anterior intervenção protectiva, independentemente de ter sido ou não aplicada medida.
5. No caso em apreço a situação de perigo que resulta da nova sinalização está relacionada com a exposição da criança a comportamentos de violência doméstica por parte do progenitor, que afectam gravemente o seu equilíbrio emocional e ainda ao facto de assumir comportamentos que afectam gravemente a sua educação e formação, sem que os pais se lhes oponham de modo adequado a remover a situação.
6. Esta mesma situação de perigo estava já em causa no processo de promoção e protecção antes do seu arquivamento.
7. Pelo que a decisão recorrida ao não aplicar medida protectiva judicial à criança fez errada interpretação do disposto nos artigos 4.º, als. a) e b) e 111º, da L.P.C.J.P, 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro e artigos 986º, 2 e 987º do Código de Processo Civil.
8. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine a reabertura do processo para aplicação à criança B... de medida de promoção e protecção que se vier a concluir ser a adequada e que salvaguarde o seu superior interesse, afastando-a da situação de perigo em que se encontra.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se o processo de promoção e protecção a decorrer judicialmente deve ser reaberto quando o mesmo tenha sido arquivado por ter, entretanto, cessado a medida que havia sido aplicada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta é a que supra ficou exposta no relatório e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO

Como supra se referiu é apenas uma a questão a decidir:

a)- saber se o processo de promoção e protecção a decorrer judicialmente deve ser reaberto quando o mesmo tenha sido arquivado por ter, entretanto, cessado a medida que havia sido aplicada.
Encontrando-nos perante um processo de promoção e protecção judicial o mesmo é caracterizado e estruturado pela Lei como um processo especial, de Jurisdição Voluntária, o que vale dizer que são aplicáveis os artigos 986.º e ss. do Código de Processo Civil que, por sua vez, remetem directamente para os artigos 292.º a 295.º do mesmo diploma legal, sendo ainda aplicável, em tudo o que não estiver especialmente regulado no processo especial, as normas previstas no CPC para o processo comum (cfr. artigo 549.º do CPCivil).
Ora, o processo judicial é constituído por quatro fases (cfr. artigo 106.º, nº 1 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo-n.º 147/99, de 01 de Setembro-LPCJP): a instrução[1], a fase do debate judicial, a fase da decisão e a fase da execução da medida.
Inicia-se por alguma das situações previstas no artigo 11.º da LPCJP, cabendo a iniciativa processual ao Ministério Público.
Após dar entrada o requerimento inicial, o juiz pode adoptar duas posições[2], de acordo com as circunstâncias: uma, profere despacho de abertura da fase da instrução, outra, considerando que dispõe de todos os elementos necessários:
a)- designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção ou tutelar cível adequado;
b)- decide o arquivamento do processo, nos termos do artigo 111.º; ou
c)- ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114.º, seguindo-se os demais termos aí previstos.
No caso de o juiz proferir despacho de abertura da instrução, o mesmo designa data para proceder à audição obrigatória da criança ou jovem, dos pais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto da mesma[3], sendo estes últimos ainda notificados para requererem a realização de diligências instrutórias ou juntarem meios de prova.[4]
Ainda nesse despacho, pode o juiz–se julgar conveniente–designar dia para ouvir os técnicos que conheçam a situação da criança ou jovem.[5]
Após o juiz ouvir o MP, declara encerrada a fase da instrução e adopta uma de três atitudes processuais:
Primeira, se o Juiz concluir que a aplicação de uma qualquer medida de promoção e protecção se tornou desnecessária, em virtude de a situação de perigo já não subsistir ou no caso dessa situação não se comprovar, decide pelo arquivamento do processo.
Segunda, concluindo o juiz que existe uma situação de perigo para a criança ou jovem, antes de enveredar por uma “situação de conflito”, designa dia para uma conferência, a qual visa a obtenção de um acordo de promoção e protecção da criança ou jovem em perigo, isto é, procura uma “solução de consenso”.[6]
Terceira, caso o juiz conclua que é improvável chegar a uma “solução negociada”[7], determina o prosseguimento do processo para a realização do debate judicial–entrando-se, assim, numa nova fase[8]–e ordena as notificações referidas no n.º 1 do artigo 114.º da LPCJP.
Isto dito, detenhamo-nos, agora, na referida primeira fase-a do arquivamento.
Estatui o artigo 111.º da LPCJP sob a epígrafe “Arquivamento” o seguinte:
O juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e protecção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação”.
A questão que agora importa deslindar é: em que situações tem lugar a reabertura do processo que tenha sido arquivado?
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que a reabertura do processo apenas é possível nos casos em que o processo judicial de promoção e protecção é arquivado sem aplicação de qualquer medida.
Deste entendimento dissente o Ministério Público propugnando que a reabertura do processo deve ocorrer quando a nova situação de perigo estiver conexionada com a anterior intervenção protectiva, independentemente de ter sido ou não aplicada medida.
Quid iuris?
A actual redacção do artigo 111.º corresponde à alteração nela introduzida pela Lei n.º 142/2015, de 08/09 que veio aditar a possibilidade de reabertura do processo.[9]
Portanto, antes desta alteração não existia, no âmbito do processo judicial de promoção e protecção, norma que permitisse a sua reabertura.
Efectivamente, essa possibilidade apenas se verificava no processo a decorrer nas comissões de protecção de crianças e jovens e cujo artigo 99.º sob a epígrafe “Arquivamento do processo” tem a seguinte redacção:
Cessando a medida, o processo é arquivado, só podendo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a aplicação de medida de promoção e protecção”.
O referido inciso refere-se, portanto, ao arquivamento de processo onde tenha sido aplicada uma medida e na sequência da sua cessação, abrindo a possibilidade de reabertura dos autos se ocorrerem novos factos justificativos de aplicação de medida, no caso de se verificar nova situação de perigo.
Não há dúvida que este normativo admite, de forma expressa, a reabertura do processo nos casos em que tendo sido aplicada uma medida protectiva e a mesma tenha cessado quando o processo, sublinhe-se, tenha corrido nas comissões de protecção de crianças e jovens.
Antes da alteração do citado artigo 111.º discutia-se a possibilidade de aplicação analógica do referido artigo 99.º e, portanto, da reabertura do processo judicial de promoção e protecção, face à inexistência de um preceito legal que acolhesse tal previsão.
Todavia, essa possibilidade sempre foi postergada em virtude do referido dispositivo legal (artigo 99.º) estar inserido no Capítulo VIII, que regula o processo nas CPCJ (Comissões de Protecção de Crianças e Jovens), não tendo paralelo no Capítulo IX, que regula o processo judicial e, por conseguinte, se após o arquivamento do processo judicial de promoção e protecção, ocorressem novos factos que justificassem a aplicação de nova medida, devia a CPCJ ser chamada a intervir.
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Mas prevendo-se agora, no referido artigo 111.º, a possibilidade de reabertura do processo judicial de promoção e protecção será que tal abertura é possível, como sustenta o Ministério Público nas suas alegações recursivas, quando a nova situação de perigo estiver conexionada com a anterior intervenção protectiva, independentemente de ter sido ou não aplicada medida?
Como supra se referiu após dar entrada o requerimento inicial o juiz ou declara aberta a fase de instrução ou, considerando que dispõe de todos os elementos necessários, pode, desde logo, decidir o arquivamento do processo nos termos do artigo 111.º.
Da mesma forma que se optar por declarar aberta a fase de instrução pode, no seu encerramento, decidir o arquivamento do processo [cfr. al. a) do citado artigo 110.º da LPCJP].
Ora, o referido arquivamento quer na fase liminar quer após o encerramento da fase de instrução pressupõe que o decisor formule um juízo conclusivo de que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e protecção.
Portanto, na base do arquivamento dos autos está sempre a desnecessidade de aplicação de qualquer medida de promoção e protecção, seja porque a situação de perigo reportada se não veio a verifica, seja porque, verificando-se, deixou de existir.
Pode, todavia, acontecer que, a final, a situação de perigo que num primeiro momento se conclui não existir se venha efectivamente a verificar (por exemplo: a ocorrência posterior de novas situações e factos vieram a demonstrá-la) ou tendo existido voltou de novo a ocorrer.
Ora, quando assim seja, e os novos factos demandem a aplicação de uma medida de promoção e protecção, preceitua o mencionado artigo 111.º, o processo pode ser reaberto.
Significa, assim, que a reabertura do processo, no âmbito judicial, apenas está prevista para as situações em que num primeiro momento o processo tenha sido arquivado por se verificar qualquer uma das situações supra referidas o que, diga-se, faz todo o sentido.
Na verdade, se o pressuposto que esteve na base do arquivamento dos autos se alterou porque, a final, a situação de perigo veio mesmo a concretizar-se ou tendo existido, voltou a repetir-se, não se entenderia que o processo não pudesse ser reaberto para que fosse aplicada a medida de promoção e protecção adequada à situação.
É que nestes casos de arquivamento, quer na fase liminar quer na fase subsequente ao encerramento da instrução, estamos, por assim dizer, perante a mesma ou idêntica situação de perigo inicialmente reportada e que suscitou a intervenção judicial e que, assumindo, num momento posterior, diferentes contornos justifica, agora, a aplicação de uma medida de promoção e protecção, ou seja, nestas situações a observância dos princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade a que se reportam as als. d) e k) do artigo 4.º da LPCJP deixaram de ter sentido útil.
Na realidade, a intervenção para promoção e protecção obedece a vários princípios orientadores, expressos no artigo 4.º do citado diploma e que agora se destacam–dado o seu interesse para o caso que nos ocupa–os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade.
Deste modo, a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo, só podendo interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário e deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais [alíneas d), e) e k) da citada Lei].
Na realidade, os demais princípios constantes do referido 4.º são desenvolvimentos e concretizações do interesse superior da criança e do jovem, princípio indicado em primeiro lugar e critério prioritário e prevalente; os princípios da intervenção mínima, proporcional e subsidiária indicam o que se pretende por parte das entidades públicas e privadas que actuam no campo da promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
Tudo o que é exterior ao núcleo familiar, porque “anómalo”, deve ser feito com a intervenção mínima, limitado ao menor número possível de interferências e apenas justificado quando e na medida em que dessa intervenção possa resultar a remoção do perigo que afecte ou possa afectar o desenvolvimento físico e psíquico do menor.
Devem, assim, apenas intervir as entidades e instituições cuja participação seja indispensável à promoção dos direitos e à protecção da criança ou jovem em perigo, evitando-se actuações excessivas bem como a sobreposição de intervenções na vida do menor e da sua família.
Ora, nas referidas situações de arquivamento em que tenha sido suscitada a intervenção judicial[12] a observância dos referidos princípios deixou de ter razão de ser e, por assim ser, justifica-se a sua reabertura para que, afinal, seja aplicada uma medida de promoção e protecção adequada ao caso concreto e que num primeiro momento se conclui não ser necessária, não fazendo então sentido que, e nome dos citados princípios, o processo tivesse de se iniciar ou na entidade com competência em matéria da infância e juventude ou na comissão de protecção de crianças e jovens.
Bom, mas dir-se-á, tais razões valem também para os casos em que tenha sido aplicada uma medida e o processo tenha sido arquivado em virtude da sua cessação e ocorra nova situação de perigo conexionada com a anterior.
Não cremos, respeitando opinião diferente, que assim seja.
Com efeito, nessas situações de intervenção judicial foi, efectivamente, aplicada uma medida protectiva e, posteriormente, verificados os respectivos pressupostos e fundamentos, foi declarada cessada e o processo arquivado.
Portanto, para aquela situação a intervenção judicial passou pela aplicação efectiva de uma medida protectiva e esgotou-se com a cessão dessa medida e consequente arquivamento dos autos.
Como assim e fazendo apelo aos referidos princípios de intervenção mínima e da subsidiariedade, ocorrendo nova situação de perigo ainda que conexionada com a anterior, a reabertura do referido processo já não encontra aí justificação devendo, nesses casos, ser iniciado um novo processo fora do quadro judicial e perante a Comissão de Protecção.
Evidentemente que isso não invalida que a nova situação não seja sinalizada perante o tribunal onde decorreu o primitivo processo como, aliás, resulta do artigo 21.º, nº 3 do D. Lei 12/2008 de 17/01 (Regime de Execução das Medidas de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo), não obviamente para que seja reaberto o processo, como parece entender o Ministério Público nas respectivas alegações recursivas, mas antes para que este dê dela imediato conhecimento à Comissão de Protecção acautelando o seu não ainda conhecimento, bem como, para que esta saiba (acautelando também aqui o desconhecimento por qualquer razão) de que, efectivamente, correu um processo de promoção e protecção relativo à mesma criança ou jovem, e dessa forma possa pedir todas as informações que se revelem úteis para aquilatar e decidir a nova situação de perigo em que se encontra.
Poder-se-á dizer que, prevendo o artigo 99.º a possibilidade de reabertura do processo quando, cessada a medida aplicada no âmbito do processo nas Comissões de Protecção, ocorram novos factos que justifiquem a aplicação de medida de promoção e protecção, idêntico entendimento devia ser seguido nos casos de cessação de medida e arquivamento dos autos no âmbito do processo judicial de promoção e protecção.
Importa, porém, enfatizar que a possibilidade de reabertura do processo nas Comissões de Protecção respeita o princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade, pois que é aí que ele se inicia, o que já não aconteceria se essa possibilidade se verificasse nas situações da cessação da medida e consequente arquivamento dos autos no decurso do processo judicial.
Destarte, se o propósito do legislador tivesse sido o de a reabertura do processo de promoção e protecção também nos casos da cessação da medida protectiva aplicada tê-lo-ia dito de forma expressa, como o fez em relação ao processo que decorra perante as Comissões de Protecção.
Ora, partindo-se do princípio de que se deve presumir que o legislado soube exprimir em termos adequados o seu pensamento e consagrou as soluções mais acertadas (cfr. artigo 9.º, nº 3 do CCivil), quer-nos parecer, respeitando-se opinião em sentido divergente, que no âmbito do processo judicial a reabertura do processo de promoção e protecção ficou apenas reservada para os casos de arquivamento na fase liminar ou após o encerramento da instrução, nos termos preceituados no já citado artigo 111.º da LPCJP.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo recorrente Ministério Público e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Sem custas (artigo 4.º, nº 1 do RCP).

Porto, 7 de Maio de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] Cuja duração não pode ultrapassar os quatro meses (artigo 109.º da LPCJP). Findo o prazo de quatro meses para realizar a instrução, ao Juiz resta as opções previstas no artigo 110.º da LPCJP.
[2] Artigo 106.º, nº 2 LPCJP.
[3] Artigo 107.º, nº 1 al. b) LPCJP.
[4] Artigos 107.º, nº 3 e 104.º, nº 1da LPCJP.
[5] Artigo 107.º, nº 2 da LPCJP.
[6] Artigos 110.º, alínea b), 112.º e 113.º, da LPCJP.
[7] Artigo 110.º, alínea c) da LPCJP.
[8] Na fase de debate judicial e de recurso, são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as normas relativas ao processo civil declarativo comum (artigo 126.º da LPCJP).
[9] A anterior redacção do preceito era a seguinte: “O juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção”.
[10] Artigos 100.º e ss. da LPCJP.
[11] Artigos 93.º e ss. da LPCJP.
[12] Cfr. artigo 11.º da LPCJP.