Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/08.4TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RP2013032189/08.4TTGMR.P1
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: Tendo o alegado acidente de trabalho ocorrido em Espanha, encontrando-se o sinistrado ao serviço de empresa espanhola, sendo a Seguradora demandada espanhola, e não se verificando a extensão da competência a que alude o art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, carecem os tribunais portugueses, mormente o Tribunal do Trabalho, de competência internacional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Procº nº 89/08.4TTGMR.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 626)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. António José Ramos
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:



I. Relatório:

B….., residente em Portugal, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos 24.01.2008 apresentou participação de acidente de trabalho (indicando como entidade participada C…., SL”) de que foi vítima D…. e de que lhe resultou a morte aos 04.05.2007, acidente esse ocorrido em Espanha quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da mencionada entidade, com sede em Espanha.
No decurso da fase conciliatória do processo, E…. (de ora em diante apenas designada de “E…”), com sede em Espanha, foi notificada para os efeitos do despacho do Ministério Público (MP), de fls. 39, com o seguinte teor:
“Solicite via fax à entidade indicada a fls. 35 [a referida E…] que informe se a entidade empregadora tem seguro de acidentes de trabalho que abranja o sinistrado e, em caso afirmativo, cópia da apólice.
Solicite ainda informação se assumem a responsabilidade e se já efectuaram o pagamento das pensões aos beneficiários legais do sinistrado falecido.”,
Havendo a E…., por fax, respondido nos termos constantes de fls. 48 a 54, em que refere “(…), adjunto remitimos certificado indicando que la empresa C…., SL, tien asseguradas las contigencias profisionales com esta Entidad, acompanhado de la fotocopia del documento de associación.(…)”, tendo junto o documento de fls. 51, no qual “CERTIFICA” “Que la empresa “C…. S.L., (…), tiene en la actualidad suscrito com esta Entidad el Documento de Asociación número 201.532, para la cobertura de los acidentes de trabajo y enfermidades profisionales, asi como el Anexo al mismo para la cobertura de la prestación económica por contingências comunes, (…)”, bem como os de fls. 52 e 53, intitulados “DOCUMENTO DE ASOCIACION” e “ANEXO AL DOCUMENTO DE ASOCIACION”.

Por despacho de fls. 83/84, proferido aos 03.06.2008, a Mmª Juíza declarou o tribunal internacionalmente incompetente para conhecer do acidente em apreço, absolvendo da instância as mencionadas entidades (C…., SL e E…), do qual a participante/autora interpôs recurso para esta Relação que, por acórdão de 19.01.2009, lhe concedeu provimento, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos (fls. 119 a 130), não havendo a interposição do recurso, bem como a tramitação subsequente ao mesmo, sido notificadas à E…..

Prosseguindo o processo a fase conciliatória, designada data para tentativa de conciliação (27.01.2010) e, notificada a E…. para a mesma, foi, por F…., remetido ao tribunal o “mail” de fls. 147/148[1] (22.01.2010), referindo o seguinte: “(…) Em relação a um caso de morte em nome de D….. S/ref. 1021145.89/8.4TTGMR taxa de processamento, que citou uma conciliación tentativa.
Gostaríamos diz-nos o nome do candidato, e qual é o propósito da conciliação, uma vez que não nos fornecem lescrito recuperação ningu de intimação.
Nós pedimos a sua resposta, porque intimação é para o dia 27/10/09.”

E, aos 26.01.2010, pela referida E…. foi apresentado o requerimento, subscrito por G…., de fls. 149 a 151[2] (a fls. 182/183 encontra-se redigido em português), em que, para além do mais que dele consta, se refere o seguinte[3]:
“(…)
SEGUNDO – Que esta parte, ante las dificultades de poder asistir ante esa Unidad de Apoyo del Tribunal de Trabajo de Guimaraes, para la celebración de tentiva de conciliación en 27/01/10. Y ante la indefensión que le produce el no conocer la identidad de la parte reclamante Y el objeto material de lacto de conciliacion, solicita uma suspensión del referido acto de conciliación, hasta que por esa Unidad de Apoyo del Ttibunal de trabajo de Guimaraes, se nos dé traslado de la identidad de la outra parte, así como copia del escrito de reclamacion presentado por la misma. Igualmente se solicita se nos permita, presentar nuestra defensa por escrito ante esse Tribunal. Otrosí, y aprovechando este escrito, les manifestamos los siguientes hechos y fundamentos de derecho, que consideramos deben tenerse en cuenta, en este expediente.
(…)
ONCEAVO – En esta Mutua se recibe escrito em 21/04/09, de Doña B…., como compañera de hecho de Don D…., solicitando pensión de viudedad, en base al art. 3 de la Lei 6/2001, de 11 de mayo e del art. 2020 del Código Cicil Portugés. Alegando que vivia como pareja de hecho, com el falecido desde finales de enero de 2005.
DOCEAVO – Por esta Mutua, se contesta en 29/04/09 denegando la solicitude al amparo de la disposición adicional tercera de la Ley 40/2007 de 4 de diciembre, al no reunir todos los requisitos exigidos en la mencionada disposición de la Legislación vigente. (se adjunta copia de la Ley 40/2007. Doc 3). Todo ello, en base al ordenamiento jurídico español. Que según el Reglamento (CEE) 1408/71 del Consejo de 14 de junio, es el ordenamiento juridico aplicable. Ya que en virtud del art. 13 del citado Reglamento, la persona que ejerza una actividad por cuenta ajena en el território de un Estado membro, estará sometida a la legislacion de este Estado. Y el causante ejercia una actividad por cuenta ajena, en la empresa C…., S.L., (…), que tiene su domicilio social e su centro de trabajo em España. (…)
En su virtud;
SUPLICO A LA UNIDAD DE APOYO DEL TRIBUNAL DE GUIMARAES. Que se sirva admitir este escrito e sus copias junto com la documentación que se acompanha, y se proceda a la suspensión de lacto de conciliación del dia veintisiete de enero de dos mil diez, hasta que no se nos dé translado de la información solicitada, Y se nos permita presentar nuestra defensa por escrito.”.

Aos 27.01.2010, conforme auto de fls. 179/180, e à qual não compareceu a E…., foi a tentativa de conciliação adiada (para o dia 01.03.2010), dele constando, ainda, o seguinte despacho proferido pelo Ministério Público: “(…) Envie à Seguradora E… (…), cópia da participação de fls. 2 e 3 com vista a um melhor esclarecimento, conforme solicitado no segundo ponto do requerimento de fls. 149.”.

Notificada, veio a mencionada E…, aos 17.02.2010, apresentar o requerimento de fls. 188 a 194, no qual refere, para além do mais, o seguinte:
“(…), y no siendo posible nuestra comparencia ante esse Tribunal, efectuamos las siguientes alegaciones:
PRIMEIRA – Que tras las aceriguaciones que há podido hacer esta Entidad, el processo que nos ocupa se sigue por el falecimento de D…., debido a acidente de trabajo sufrido em 04/05/2007, fecha en la que prestaba servicios para la empresa C…., S.L. (…), com documento de asociación para la cobertura de la Seguridad Social (…).
SEGUNDA – Que en primer lugar, hemos de poner de manifesto la incompetência de jurisdicción de los jueces y tribunales portugueses para resolver sobre las matérias de prestaciones de la Seguridad Social frente a Entidades españolas o que tengan su domicilio, afencia, delegación o cualquier outra representación en España, siendo competência de los tribunales españoles por aplicación del art. 13 del Reglamento (CEE) 1408/71 del Consejo de 14 de junio de 1971, relativo a la aplicación de los regímenes de la Seguridad Social a los trabajadores por cuenta ajena, que, em su apartado 2 a), dipone que la persona que ejerza una actividad por cuenta ajena en el território de un estado membro estará sometida a la legislación de este estado. Disponiendo el art. 25 de nuestra LOPJ (LO 6/1985, de 1 de julio) que, en el orden social, los Juzgados y Tribunales españoles serán competentes em materia de pretensiones de Seguridad Social frente a Entidades españoloas o que tengan domicilio, agencia, delegación o cualquier outra representación en España.
En el supuesto que nos ocupa, el acidente de trabajo de din D…. ocurrio en España, en la localidade de (…), prestando servicios para uma empresa española, (…), com domicilio social y centro de trabajo en la citada localidade espñola, y com documento de asociación para la cobertura de las contingencias profisionales com una Entidad Española, MAS (…), com domicilio social en España, (…).
Asó las cosas, consideramos que se dan todas las circunstancias previstas en los citados Art. 13 del Reglamento CEE y 25 de la LOPJ española a fin de resolver favorablemente sobre la competência de los órganos jurisdiccionales españoles.
TERCERA - Que aun en el caso de entederse que son competentes los jueces y tribunales portugueses para resolver sobre este asunto, la legislación aplicabele sería la española, y ello en aplicación y cumplimiento del citado Art. 13 del Reglamento (CEE) 1408/71 del Consejo de 14 de junio de 1971.
(…)
Por lo expuesto,
SUPLICO A LA UNIDAD DE APOYO DEL TRIBUNAL DE TRABAJO: que teniendo por presenado este escrito, (…), se sirva admitirlo, y apreciando la incompetência de jurisdiccion portuguesa, remita las actuaciones a los tribunales españoles, por entender que la cuestión planteada corresponde a los Tribunales de Justicia Españoles, y subsidiariamente, de conformidade com la legislación española, tenga por hechas las manidestaciones contenidas en el cuerpo de esto escrito y se admitan las mismas en defensa de nuestro derecho el día previsto para el intento de conciliación, 01/03/2010.”.

Frustrada a tentativa de conciliação designada para 01.03.2010, à qual não compareceu a Seguradora E…., a A. apresentou petição inicial demandando tal Ré, na qual pediu a condenação da mesma a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 5.734,72 com início a 5/5/2007 e em prestações de 1/14, o subsídio por morte no valor de € 4.835 e as despesas pelas deslocações ao tribunal no valor de € 40.
Para o efeito, alegou que vivia em união de facto com o sinistrado desde Janeiro de 2005, que este trabalhava remuneradamente e a favor de uma empresa espanhola e que estava ao serviço da mesma, em território espanhol, quando sofreu um acidente de viação que lhe causou a morte. E que a mesma empregadora havia celebrado com a ré, uma seguradora espanhola, um contrato de seguro de acidentes de trabalho relativamente a esse trabalhador.

A Ré, citada por carta registada com A/R, não contestou, após o que foi proferida sentença concluindo pela incompetência internacional do Tribunal do Trabalho e absolvendo a Ré da instância.

Inconformada, a A. recorreu, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
.........................
.........................
........................
A Recorrida não contra-alegou.

O recurso foi admitido pela 1ª instância como sendo de apelação.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto

A. Na decisão recorrida, a respeito da factualidade provada, referiu-se o seguinte:
“Assim, consideram-se provados, por confissão, todos os factos articulados pela autora e para os quais se remete [dando-os aqui por reproduzidos nos termos dos arts. 130º e 57º, nº 1, do C.P.T.] e que são, na parte com interesse:
- A autora (B….) e o trabalhador (D….) viviam em união de facto desde finais de Janeiro de 2005, como se fossem marido e mulher, habitando a mesma casa onde o trabalhador se recolhia no regresso das viagens e nos dias de descanso e férias, dormindo no mesmo leito como se fossem cônjuges, tomando em conjunto as refeições, vivendo dos rendimentos conjuntos dos seus trabalhos e com os quais faziam face às despesas do casal;
- Desde 12/3/2007 que este trabalhador exercia a actividade profissional de motorista de veículos automóveis pesados de mercadorias, mediante a retribuição mensal de € 1.365,41 por 14 meses/ano, sob as ordens, direcção e fiscalização da empresa “C…., S.L.”, com sede na CL …., …., …. 03450, em Espanha;
- Esta entidade empregadora havia celebrado com a ré (E….) um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 210.532, através do qual transferira para esta a responsabilidade emergente de acidente de trabalho relativamente a esse trabalhador;
- No dia 4/5/2007, pelas 9 horas, em Ontim Yent, Estrada CV-81, Barrancos, Alicante, em Espanha, ao serviço da empregadora, este trabalhador conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula ..-..-CLP quando ocorreu um acidente de viação que lhe causou lesões de tal modo graves que lhe determinaram a morte;
- A autora despendeu € 40 nas deslocações a este tribunal;
- A fase conciliatória deste processo findou sem conciliação pelas razões constantes do auto de fls. 197-198 aqui dadas por reproduzidas em conjugação com fls. 188-195 e 170-178 cujo teor também se dá por reproduzido;
- A autora reside na Rua de . …, nº .., em …., Guimarães.
Também resultam comprovados documentalmente (através de fls. 5, 6, 7-10, 139 e 185 dos autos) os seguintes factos com interesse para a presente lide:
- O trabalhador morreu no dia 4/5/2007, em Boicarente, Valência, Espanha, no estado de divorciado de H…. e com última residência habitual em …, Partida la Marja, s/n;
- A empregadora do trabalhador, com sede social acima citada em Espanha, tem como NIF espanhol B0421260 e a mesma havia celebrado com o trabalhador um contrato de trabalho escrito e por tempo determinado com início a 12/3/2007 e termo a 11/6/2007;
- A autora nasceu no dia 3/3/1963, é viúva desde 14/7/1998 e, pelo menos, desde 12/5/2004, reside em …(…), Guimarães.”.
*
B. Tem-se ainda como assente a factualidade descrita no relatório do presente acórdão.
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III. Questão Prévia
Da espécie do recurso (agravo e não apelação)

O recurso foi admitido pela 1ª instância como sendo de apelação.
Tendo o acidente de trabalho em apreço sido participado aos 24.01.2008, ao caso não são aplicáveis as alterações introduzidas ao Código Processo do Trabalho (CPT) pelo DL 295/2009, de 13.10, as quais entraram em vigor aos 01.01.2010 e se aplicam, apenas, às ações que se iniciem após esta data (cfr. arts. 6º e 9º). E, daí, que aos presentes autos seja aplicável Cód. Processo de Trabalho (CPT) aprovado pelo DL 480/99, de 09.11 e ao qual, de ora em diante, nos reportaremos.
É certo que o DL 303/2007, de 27.04, que é aplicável aos processos instaurados após 01.01.2008 (cfr. arts. 11º, nº 1, e 12º, nº 1, do DL 303/2007), veio reformar o regime de recursos do processo civil, acabando com o então recurso de agravo, passando a prever, apenas, a apelação, nas situações referidas no art. 691º, nºs 1 e 2, e, quanto às demais decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância, preceituando que poderão ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (ou do despacho referido na al. l) do nº 2).
Acontece que, nos termos do art. 1º, nºs 1 e 2, al. a), do CPT, o processo do trabalho é regulado pelo Código de Processo do Trabalho e, só nos casos omissos, lhe será aplicável a legislação processual comum civil que diretamente os previnam, diploma aquele que dispõe de normas próprias em matéria de recursos na jurisdição laboral, incluindo sobre o agravo (arts. 80º, nº 1, 84º, 85º e 86º).
Ora, o DL 303/2007, não procedeu à revogação expressa das normas do CPT que regulam o regime dos recursos, assim como não introduziu qualquer modificação expressa a tais normas.
Por outro lado, não se nos afigura poder entender-se que a reforma processual civil operada pelo citado diploma haja revogado ou modificado, tacitamente, as normas do processo laboral. Este constitui um normativo próprio, dotado de autonomia relativamente ao processo civil e prosseguindo objetivos próprios, não podendo ser considerado como legislação avulsa, designadamente para efeitos do disposto no art. 4º do DL 303/2007[4]. Trata-se, pois, de legislação autónoma e especial, que, naquilo que nele esteja expressamente previsto, não poderá ser revogado por lei geral (art. 7º, nº 3, do Cód. Civil), tanto mais quando esta é de aplicação meramente subsidiária.
Aliás, nem essa parece ter sido a intenção do legislador. Com efeito, e como diz António Santos Abrantes Geraldes, inA reforma dos recursos introduzida pelo Dec-Lei nº 303/2007 e os seus reflexos no Código de Processo do Trabalho”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nºs 74/75, págs. 159 e segs, numa da últimas versões do Projecto de Decreto-Lei, sequencial à Lei de Autorização Legislativa nº 6/2007, de 2.2., previa-se a adaptação do CPT às alterações a que seria sujeito o CPC, o que, no entanto, se gorou, “por razões não declaradas, porventura relacionadas com a carência de autorização legislativa e com a necessidade de audição das associações sindicais ou com a simples ideia de deixar para outra ocasião a revisão global dos recursos em matéria laboral.
Assim, e como entende o mencionado autor, in ob. citada (pág. 166/167), consideramos igualmente que o novo regime processual civil não prejudica a regulamentação que especificamente consta do CPT, a que prioritariamente se deverá continuar a recorrer, revertendo para o CPC apenas em situações de lacuna legis.
Resta acrescentar que esse tem sido o entendimento desta Relação quanto à manutenção dos recursos de agravo na jurisdição laboral (no âmbito do CPT de 2000).

O recurso de apelação cabe da sentença final e do despacho saneador que decidam do mérito da ação, bem como de tais peças processuais que julguem da procedência ou improcedência de alguma exceção perentória (artº 691º do CPC), enquanto que o agravo cabe das decisões, suscetíveis de recurso, de que não se pode apelar (artº 733º do CPC).
No caso, a decisão recorrida, que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência internacional do Tribunal do Trabalho e absolveu a Ré da instância não conhece de mérito, não consubstanciando nenhuma daquelas situações de que cabe recurso de apelação, pelo que a espécie do recurso adequada será o agravo, pelo que deverá ser retificada a distribuição, carregando na espécie competente e descarregando na espécie em que foi distribuído.
Importa todavia referir que o recurso foi tempestivamente interposto, havendo sido apresentado no prazo de 10 dias (art. 80º, nº 1, do CPT).
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IV. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redação anterior à introduzida pelo DL 295/2009), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Daí que sejam as seguintes as questões suscitadas:
a. Da ausência de tradução dos documentos em língua espanhola juntos aos autos pela Ré;
b. Da competência internacional do Tribunal do Trabalho;
c. Subsidiariamente, da inconstitucionalidade de todas as normas do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22.12.2000 e sua alteração introduzida pelo Regulamento (CE) nº 2245/2004 da Comissão, de 27/07/2004.

2. Previamente e tendo em conta, como resulta do relatório do presente acórdão, que esta Relação, por acórdão de 19.12.2009, havia revogado anterior decisão da 1ª instância (de 03.06.2008) que havia julgado ser o Tribunal do Trabalho internacionalmente incompetente, importa esclarecer que não se nos afigura que tal decisão obste, por força da eficácia do caso julgado formal (art. 672º, nº 1, do CPC), à decisão ora recorrida, que julgou, também, verificada a exceção da incompetência internacional (o caso julgado, a porventura verificar-se, seria de conhecimento oficioso).
Com efeito, e desde logo, tal decisão não vincula a Ré, sendo certo que ela não interveio no mencionado recurso já que, como decorre dos autos, não foi ela notificada de qualquer ato relativamente a tal recurso: nem a anterior decisão recorrida lhe foi notificada, nem o foi a interposição do recurso, o despacho que o admitiu, o parecer então emitido pelo Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto e o acórdão em causa.
Trata-se de situação similar ou análoga à do recurso de despacho de indeferimento liminar da petição inicial, em que, precisamente para que a decisão do recurso possa vincular o Réu/Recorrido, se prevê no art. 234º-A, nº 3, do CPC, a intervenção do mesmo para os termos do recurso, norma essa que deveria ter sido, com as devidas adaptações, observada no caso do 1º recurso, então interposto pela A. (e que não foi), sob pena de a decisão do mesmo não vincular, nem fazer caso julgado, quanto ao “vencido”, mas não interveniente no recurso.
Por outro lado, como resulta do referido acórdão[5], a razão essencial do provimento do recurso radicou, então, na intempestividade da arguição e do conhecimento da incompetência internacional que, segundo decorre do que aí se referiu, só poderia ter lugar posteriormente. Ora, a decisão recorrida, agora em apreço, foi proferida em momento em que, segundo o anterior acórdão, já o poderia ser.

3. Da 1ª questão

Tem esta questão por objeto a alegada ausência de tradução dos documentos em língua espanhola juntos aos autos pela Ré. Nas alegações a Recorrente transcreve os documentos de fls. 170 a 178, bem como o que consta de fls. 188 a 195, mais referindo que:
“se coloca o problema da junção aos autos, pela R. Seguradora de documentação em língua estrangeira.
Sem tradução e versando matéria técnica, o seu sentido não pode ser entendido com a margem e segurança considerada necessária”, para, depois, concluir nos termos das conclusões 1ª e 2ª, considerando que o constante de tais fls. (170 a 178 e fls. 188 a 195) se encontra redigido em espanhol, pelo que, até oficiosamente, deverá ser determinada a sua tradução.
Desde já se dirá que tal pretensão não procede.
Com efeito, e desde logo, tal processado (fls. 170 a 178 e 188 a 195) foi junto aos autos a 26.01.2010 e a 17.02.2010, sendo que apenas agora no recurso, apresentado aos 21.05.2012, é que a Recorrente vem suscitar a questão, cabendo salientar que, aos 27.05.2010, o ilustre mandatário da Recorrente requereu a confiança do processo para exame no seu escritório (cfr. requerimento de fls. 203), o que foi deferido por 5 dias conforme despacho de 27.05.2010. Ora, qualquer eventual irregularidade e/ou nulidade decorrente da não junção de tradução desse expediente ou da omissão de despacho a ordenar tal tradução estaria sanada (art. 205º, nº 1, do CPC), para além de que a A., agindo com a diligência devida (art. 266º, nº 1, e 266º-A do CPC), caso não entendesse corretamente o teor do mesmo por estar escrito em espanhol, deveria disso ter dado oportuna conta à 1ª instância, e não aguardar cerca de dois anos para vir suscitar a questão da não tradução.
Por outro lado, e pese embora a Recorrente nem fundamente juridicamente o alegado, não vemos qualquer necessidade de junção de tradução.
Nos termos do art. 139º, nºs 1 e 2, do CPC, nos atos judiciais deverá usar-se a língua portuguesa (nº 1); porém, quando hajam de ser ouvidos, os estrangeiros podem exprimir-se em língua diferente, devendo nomear-se um intérprete, quando seja necessário, para estabelecer a comunicação, sendo a intervenção deste limitada ao que for estritamente indispensável.(nº 2).
Por sua vez, dispõe o art. 140º, nº 1, do CPC, que “quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte.”.
Conquanto o nº 2 do art. 139º esteja direcionado para a prestação de declarações orais, não vemos que a sua doutrina não possa ser, devidamente adaptada, transponível para as declarações que preste por escrito. Ora, no caso, do requerimento de fls. 188 a 194, constam declarações, por escrito, prestadas pela Ré, as quais, porque prestadas em espanhol e lendo o seu conteúdo, são perfeitamente percetíveis, não se vendo qualquer necessidade de tradução dessas declarações. De todo o modo, e por essa razão (percetibilidade), mesmo tendo em conta o art. 140º, nº 1, não vemos que seja necessária a tradução, o mesmo se dizendo quanto ao documento de fls. 170 a 178.
Com efeito, dele resulta que se trata de uma procuração emitida pela Ré conferindo poderes ao subscritor de fls. 188 a 194, não se vendo, atento o objeto da ação e do recurso (para além da sua percetibilidade, no essencial), necessidade e interesse na junção de tradução.
Acresce que, como acima se disse, caso entendesse a A. que a leitura e compreensão de tais documentos não estaria ao seu alcance e que carecia da tradução dos mesmos, sempre deveria tê-lo solicitado, de forma atempada e diligente, junto da 1ª instância.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

4. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto a competência internacional do Tribunal do Trabalho, competência essa que a Recorrente sustenta com base no disposto no art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

4.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“O Tribunal não é competente em razão da nacionalidade para decidir a presente acção.
Isto apesar das normas citadas pela autora e contidas nos arts. 10º e 15º do Código de Processo do Trabalho (na redacção dada pelo D.L. nº 480/99, de 9-11, em conjugação com o disposto no art. 24º, nº 1, da Lei nº 3/99, de 13-1, atenta a data da propositura da acção através de participação datada de 24/1/2008) disporem, respectivamente, que:
- «..Na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código…»;
- «As acções emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais devem ser propostas no tribunal do lugar onde o acidente ocorreu… Se o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado.. É também competente o tribunal do domicílio do sinistrado, doente ou beneficiário se a participação aí for apresentada ou se ele o requerer até à fase contenciosa do processo..».
E – subsumindo o caso concreto -, apesar de este (Tribunal do Trabalho) ser o tribunal da residência da autora enquanto beneficiária do sinistrado, apesar de o sinistrado, para além da residência em Espanha, também ter vivido com ela naquela residência e apesar de a autora ter participado o acidente neste tribunal português.
Pois, como sabemos, há normas jurídicas comunitárias que, em certos casos por elas regulados, afastam (substituindo) as legislações processuais internas, com vista a haver um espaço judiciário comum (a par do espaço económico comum) que possibilite a livre circulação de sentenças ou de decisões judiciais (ao lado da livre circulação de pessoas, incluindo trabalhadores, mercadorias e capitais), tornando as decisões dos tribunais dos Estados-Membros mais justas e eficazes. Por isso, ao nível da integração europeia há normas que regulam a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros da CE (da qual fazem parte, desde 1986, quer Portugal quer Espanha), abdicando cada um dos Estados das suas regras próprias que sejam incompatíveis com as das normas comunitárias.
Tal é o caso do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho da União Europeia, de 22-12-2000, relativo à competência judiciária, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias nº L 12 de 16-1-2001 e com última redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 2245/2004 da Comissão, de 27-12-2004, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias nº L 381 de 28-12-2004 que, nos termos do seu art. 68º, nº 1, substituiu entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia (excepto nas relações com a Dinamarca – cfr. o seu art. 1º, nº3) a denominada Convenção de Bruxelas também relativa à competência judiciária.
Aplicando-se o Regulamento na nossa ordem interna por força do disposto no art. 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. E dentro da nossa ordem interna estão as acções emergentes de acidente de trabalho intentadas nos tribunais do trabalho, pois, por um lado, este tipo de acções não está excluído, expressamente, do âmbito de aplicação do Regulamento e, por trata-se de um litígio fundado e regras especiais de direito privado do domínio da responsabilidade civil que integram a matéria de direito civil segundo os princípios gerais de direito privado (por oposição à matéria de direito público) do nosso sistema jurídico nacional e que, por isso, se inscrevem no âmbito de aplicação material do Regulamento – neste sentido cfr. Pedro Romano Martinez, na obra “Direito do Trabalho”, Coimbra, 2002, pág. 735, Rui Moura Ramos, na obra “A Convenção de Bruxelas sobre competência judiciária e execução de decisões: Sua adequação à realidade juslaboral actual” na Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro – 1996, Ano xxxviii, nºs 1 a 4, pág. 3 e ss, o Acórdão do STJ de 3-10-2007, em http.www.gde.mj.pt/jstj, e o Acórdão do TJCE no Proc. 25/79 de 13-11- 1979 transcrito (na parte com interesse) no Acórdão RP de 25/10/2010 em http.www.gde.mj.pt/jtrp, que se mantêm actuais nas considerações feitas, sobre esta matéria, a propósito da referida Convenção de Bruxelas dada a similitude com o Regulamento, sendo o entendimento pacífico.
Estipulam os arts. 2º, nº1, 3º, 5º, nº3, 19º e 24º do Regulamento, respectivamente, que:
- «…Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado..»;
- «..As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.» – e que em Portugal são os arts. 10º do C.P.T. e os arts. 65º, nºs 1, al. c) e nº 2 e 65º-A, al. c), do C.P.C. -;
- «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:..Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso..»;
- «Uma entidade patronal que tenha domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada:1. Perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território tiver domicílio; ou 2. Noutro Estado-Membro: a) Perante o tribunal do lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efectuou mais recentemente o seu trabalho; ou b) Se o trabalhador não efectua ou não efectuou habitualmente o seu trabalho no mesmo país, perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador..»; «..Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência..».
No presente caso, ficou provado que estamos perante um acidente mortal de um trabalhador português, ocorrido em território espanhol, ao serviço de uma empregadora com domicílio espanhol, no qual foi contratado o trabalhador, e cuja seguradora/ré tem domicílio em Espanha.
Tendo a autora (na qualidade de beneficiária desse trabalhador) demandado a ré (na qualidade de seguradora para a qual a empregadora transferira a responsabilidade pela reparação de eventuais acidentes de trabalho sofridos por aquele trabalhador), através desta acção destinada à obtenção da reparação de danos emergentes desse acidente por parte dessa mesma ré.
E sem que a ré tenha comparecido nos presentes autos, tendo somente enviado requerimento escrito (durante a fase conciliatória do processo), manifestando a sua oposição à aplicação da legislação portuguesa e pelos tribunais portugueses e não apresentado contestação à petição inicial contra si apresentada (durante a fase contenciosa do processo) para a qual foi citada – não configurando esta última atitude (omissiva) da ré qualquer aceitação tácita da competência deste tribunal português quando esta já havia manifestado, anteriormente, a não aceitação e o citado art. 24º do Regulamento (para atribuir valor de uma aceitação tácita para a chamada extensão de competência) exige que tivesse havido uma comparência da mesma em tribunal e desacompanhada da arguição da incompetência deste tribunal.
Por outro lado, não tem aplicação, no caso em apreço, a norma contida no art. 9º, nº1, al.b), da Secção 3 (Competência e matéria de seguros) do Regulamento, segundo o qual: «..O segurador domiciliado no território de um Estado-Membro pode ser demandado:..Noutro Estado-Membro, em caso de acções intentadas pelo tomador de seguro, segurado ou um beneficiário, perante o tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio..». Pois, conforme refere, expressamente, o art.8º e a própria designação desta secção do Regulamento, trata-se de normas relativas a litígios em matéria de seguros, enquanto que, no presente caso, não existe nenhum litígio quanto ao contrato de seguro.
Ora, tudo isto significa que, subsumindo o presente caso (pedido, causa de pedir e factos provados) às citadas normas aplicáveis do Regulamento, prevalece o “forum rei”, ou seja, o foro da ré que se situa em Espanha por aí estar domiciliada ou o “forum delicti”, ou seja, o foro do local onde ocorreu o facto danoso ou acidente que foi em Espanha - conforme, aliás, tem sido o entendimento da nossa jurisprudência e a título de exemplo veja-se o Acórdão do STJ de 25-1-2012, em www.gde.mj.pt/jstj.
Pelo que, o foro competente estava e está situado em Espanha e não em Portugal – soçobrando o entendimento da autora – e, nesta conformidade, desde já, impõe-se concluir pela incompetência internacional deste Tribunal.
E, por isso mesmo, abstenho-me de conhecer o pedido da autora, Rosa Pereira Fernandes, e absolvo da presente instância a ré, “E….”– cfr. os arts. 131º, nº1, al. a) e 1º, nº2, al. a), do C.P.T. e os arts. 101º, 102º, nº1, 105º, nº1, 288º, nº 1, al.a), 494º, al.a) e 495º do C.P.C.
Valor da acção: 43.107,50.
Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
(…)”.
4.2. Estamos, no essencial, de acordo com o aduzido na decisão recorrida, importando, todavia, tecer algumas considerações adicionais.
A Recorrente, na questão ora em apreço, não põe em causa que a regra relativa à competência internacional dos tribunais do trabalho constante do art. 10º do CPT, ceda perante o regime previsto nos arts. 2º, nº1, 3º, 5º, nº3, 19º e 68º do citado Regulamento (CE) 44/2001 e, daí que, no caso em apreço, a jurisdição espanhola seria a competente internacionalmente.
Todavia, considera a Recorrente que ao caso é aplicável a extensão da competência decorrente do disposto no art. 24º desse Regulamento, uma vez que a Ré teria comparecido nos autos, comparência essa que não teve como única finalidade arguir a incompetência internacional.
Relembrando, dispõe o citado preceito que:
“Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver tido como único objectivo arguir a incompetência (…)”.
Tal preceito tem por objeto uma extensão tácita da competência internacional, admitindo que outro tribunal (que não o resultante das demais disposições) possa ser o competente se as partes assim o pretenderem, aceitação essa que se tem como tacitamente assente se o requerido intervier no processo sem arguir logo a incompetência.
Tal norma pressupõe que haja um requerido, ou seja, que exista alguém que haja sido demandado e, naturalmente, que tenha conhecimento dessa sua qualidade de requerido pois que, apenas neste caso, terá consciência do direito que lhe assiste de invocar a incompetência internacional, para além de que só nessa qualidade terá legitimidade para a invocar. O preceito tem subjacente uma manifestação tácita da vontade, a qual, todavia, apenas poderá ser exercida se o requerido o for e se dispuser dos necessários elementos que lhe permitam conformar a sua vontade no sentido de decidir e manifestar, expressa ou tacitamente, essa vontade.
Por outro lado, importa ter presente que o processo especial emergente de acidente de trabalho tem uma estrutura própria, especial, que se decompõe em duas fases distintas:
- Uma primeira - a conciliatória-, dirigida pelo Ministério Público, que tem por objeto os procedimentos necessários à averiguação dos factos relevantes à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho participado [designadamente, o apuramento das entidades eventualmente responsáveis, da existência de beneficiários[6], da existência de seguro de acidentes de trabalho, da retribuição do sinistrado, da determinação da sua incapacidade para o trabalho[7], da junção do relatório de autópsia, em caso de falecimento, etc] e a composição, por acordo, da questão relativa a essa reparação, fase essa que culmina numa tentativa de conciliação obrigatória, para a qual deverão ser chamados o sinistrado ou beneficiários legais e as entidades responsáveis [estas apenas a seguradora e/ou esta e a empregadora, consoante os casos], – cfr. arts. 99º a 113º do CPT.
Obtendo-se, na mencionada tentativa de conciliação, o acordo relativamente a todas as questões relevantes é o mesmo celebrado e presente ao juiz para homologação – art. 114º do citado diploma.
- Não se obtendo acordo, inicia-se, então, a segunda fase – contenciosa – com a propositura da ação nos termos previstos no art. 117º, nº 1, do CPT e à qual se seguirá a tramitação subsequente: realização de exame médico, no caso previsto no nº 1, al. b), desse art. 117º; citação do Réu (cfr. art. 128º), no caso do nº 1, al. a), do art. 117º.

4.3. Revertendo ao caso em apreço, a tramitação verificada e descrita no relatório do presente acórdão não permite a conclusão, nos termos e para os efeitos do art. 24º do Regulamento, de que a ora Ré haja comparecido nos autos e que não haja suscitado a questão da incompetência internacional.
Com efeito,
- Aquando da sua intervenção nos autos, aos 11.04.2008, a fls. 48 e segs, a mesma mais não fez do que, apenas, responder, por fax, a um pedido de informação do MP (fls. 39), também formulado por fax, qual seja o de informar se a entidade empregadora tinha seguro de acidentes de trabalho que abrangesse o sinistrado, cópia da apólice, se assumiam a responsabilidade e se já tinham efetuado o pagamento das pensões aos beneficiários legais do falecido. Não tinha, então, a ora Ré a qualidade de requerida, nem havendo sido notificada ou sido-lhe transmitida essa qualidade, não havendo ainda sido, contra ela, formulada qualquer demanda, nem, consequentemente, praticado qualquer ato que determinasse o seu chamamento ao processo como eventual responsável com necessidade de, na qualidade de requerida, nele participar ou, na terminologia do Regulamento, nele comparecer. Foram-lhe, apenas, pedidas informações, às quais a mesma respondeu, situação esta que não configura caso de comparência do requerido a que se reporta o art. 24º do Regulamento (CE).
- Quanto ao expediente apresentado pela ora Ré, aos 22.01.2010, por fax, (fls. 147/148) e a 26.01.2010, por requerimento escrito, (fls. 149 a 151): tendo sido designada a tentativa de conciliação (para o dia 27.01.2010) e a ora Ré para ela convocada, o que (aproveitando embora para tecer considerações sobre o ordenamento jurídico espanhol e dizendo que é este o aplicável), no essencial, esta solicitou foi informação quanto a elementos/factos do processo (designadamente, identificação da entidade reclamante, cópia do pedido e do objeto do “acto de conciliação”) e a possibilidade de apresentação, por escrito, de defesa, elementos esses – cópia da participação do acidente de trabalho de fls. 2 e 3 - que vieram a ser remetidos à Ré posteriormente (por correio registado com A/R remetido aos 02.02.2010 – cfr. fls. 187-A), na sequência de determinação do MP de 27.01.2010 (cfr. fls. 179).
Ainda que se possa considerar que a convocatória para tentativa de conciliação e posterior participação na mesma ou, até, a falta de comparência, mas com declarações escritas apresentadas ao processo tomando posição quanto às questões a tratar na tentativa de conciliação, possam consubstanciar a comparência do requerido a que alude o art. 24º, a verdade é que tal, com base no referido expediente, não ocorre no caso em apreço, nem como tal poderá ser considerado.
Nesse expediente, a ré, no essencial, mais não fez (e pretendeu fazer) do que solicitar informações relativas à questão em debate no processo, informações essas que não lhe haviam sido fornecidas (apenas o vindo a ser posteriormente). E, como acima se disse, só na posse dos elementos mínimos necessários – participação do acidente de trabalho – poderia a Ré ficar conhecedora do que era o objeto do processo e minimamente habilitada a tomar qualquer posição sobre a aceitação, ou não, da competência internacional dos tribunais portugueses e, consequentemente, da sua participação/comparência nos termos e para os efeitos do art. 24º.
- Quanto ao requerimento apresentado pela ora Ré, aos 17.02.2010 (fls. 149 a 151): remetida à Ré a participação do acidente de trabalho, conforme acima referido, veio esta, no requerimento de 17.02.2010, invocar a “incompetência de jurisdicción de los jueces y tribunales portugueses”, ou seja, veio invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, o que, assim e nos termos do art. 24º do Regulamento (CE), exclui a extensão da competência aí prevista.
Por fim, resta dizer que a Ré não contestou a ação, pelo que também não compareceu.
Deste modo, e concluindo, tendo o acidente ocorrido em Espanha, encontrando-se o sinistrado ao serviço de empresa espanhola, sendo a Seguradora demandada espanhola, e não se verificando a extensão da competência a que alude o art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, carecem os tribunais portugueses, mormente o Tribunal do Trabalho, de competência internacional, assim improcedendo, nesta parte, o recurso.

5. Da 3ª questão

Tem esta questão, suscitada subsidiariamente, por objeto alegada inconstitucionalidade de todo o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 (cfr. conclusão 13ª), dizendo a Recorrente, nas alegações, que, tanto quanto a ré anunciou nas suas intervenções nos autos, a pretensão da Recorrente, que é legítima face ao direito nacional, não tem proteção jurídica em Espanha. E, assim, considera terem sido violados os arts. 14 e 20 nº 1 da CRP.
Deveria a Recorrente ter especificado, nas conclusões, que concretas normas do Regulamento considera serem inconstitucionais, não se descortinando o mínimo fundamento para a apreciação da (in)constitucionalidade de todas as normas, mormente das muitas demais constantes desse diploma que não foram aplicadas no caso e que com este nada têm a ver.
Quanto às normas que, concretamente, estão em causa nos autos, não se vislumbra, também, qualquer fundamento para a alegada inconstitucionalidade, mormente por violação dos arts. 14º e 20º, nº 1, da CRP.
As normas, ora em causa, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 e de onde decorre a incompetência internacional dos tribunais portugueses não atribuem, nem retiram direitos, apenas determinam a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros, o que nada tem a ver com a lei substantiva que regula as relações jurídicas, mormente com a lei que regularia o direito à reparação do acidente de trabalho em apreço nos autos, não sendo esta determinada pelo mencionado Regulamento, nem pelas normas que fixam a competência internacional. Os tribunais portugueses podem ser internacionalmente competentes, mas ser aplicável à concreta relação jurídica o direito substantivo estrangeiro.
Assim, nesta parte e sem necessidade de considerações adicionais, improcedem as conclusões do recurso.
***
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Mais se acorda em determinar a retificação da distribuição do recurso, carregando na espécie competente – agravo - e descarregando na espécie em que foi distribuído.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Porto,21.03.2013
Paula Alexandra Pinheiro G. Leal S.M. de Carvalho
Maria José Costa Pinto
António José Ascensão Ramos
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SUMÁRIO
Tendo o alegado acidente de trabalho ocorrido em Espanha, encontrando-se o sinistrado ao serviço de empresa espanhola, sendo a Seguradora demandada espanhola, e não se verificando a extensão da competência a que alude o art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, carecem os tribunais portugueses, mormente o Tribunal do Trabalho, de competência internacional.
_____________________
[1] Fls. 147 está redigido em português e fls. 148 em espanhol.
[2] E constando, de fls. 152 a 169, documentos anexos a tal requerimento e, a fls. 170 a 178, “Escritura de PODER otorgado por Don Valeriano Castillon Salas, En nombre y representación de la e…., (…), A favor de G….”.
[3] Procedemos à transcrição em espanhol por maior facilidade de apreensão do seu conteúdo atenta a “versão” em português.
[4] Cfr. Albino Mendes Baptista, A Reforma dos Recursos e o Processo do Trabalho, in Temas de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho, Petrony, pág. 256.
[5] Nele refere-se, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Na participação do acidente feia pelo Mº Pº para além de se ter relatado o acidente a viúva do acidentado apenas pediu que se designasse dia para tentativa de conciliação prevista no art. 100º do CPT não tendo efectuado nenhum pedido de condenação dos eventuais responsáveis pela reparação do acidente em indemnização ou pensão. Tal pedido só teria cabimento na fase contenciosa. E só nesta se pode falar de uma verdadeira acção judicial. Acrescenta-se ainda que nos processos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais a instância inicia-se com o recebimento da participação; certo é que a acção propriamente dita com definição das partes, de causa de pedir e do pedido só surge aquando da entrada em juízo da petição inicial (fase contenciosa).
Ainda segundo o acórdão acima citado [do STJ de 22.05.2002, in www.dgsi.pt] “só então o Tribunal, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça, é chamado a dirimir um conflito estabelecido entre as partes, não resolvido na tentativa de conciliação. Antes disso, estamos tão somente numa mera fase vestibular do processo, de natureza não jurisdicional, tendente a uma composição amigável de interesses…”.
O que importa dizer é que na fase conciliatória o processo emergente de acidente de trabalho tem natureza essencialmente administrativa ou instrutória visando a averiguação de várias situações tendentes a conseguir o acordo dos interessados quanto à fixação devida. Toda ela é dirigida pelo Mº Pº (…). Na fase conciliatória do processo que é a que aqui importa constitui momento decisivo a denominada tentativa de conciliação.
Na fase em que o processo se encontra quando foi proferido o despacho recorrido ainda não estava desenhado nos autos o conflito a dirimir, nenhuns factos estavam afixados, as partes não estavam definidas e não foi formulado qualquer pedido. Ora ainda segundo o Acórdão do STJ acima citado “para se decidir da competência ou incompetência de um Tribunal nas suas várias vertentes é necessário pelo menos que as partes sejam conhecidas e que estejam fixados no processo os factos determinantes da possibilidade ou impossibilidade legal do Tribunal julgar a acção”.
No que diz respeito à pronúncia sobre a excepção da incompetência dir-se-á que foi praticado um acto que indevidamente antecipou o momento em que tal excepção pode ser arguida – só o pode ser na fase contenciosa e não na fase conciliatória do processo, por isso trata-se de um acto inútil.
No que concerne ao Regulamento invocado e sob o ponto de vista substantivo sempre seria de reconhecer a prorrogação tácita da competência prevista no Regulamento em causa uma vez que a posição de uma das partes, pelo menos a seguradora sempre foi no sentido de aceitar a sua responsabilidade ou seja dever-se-á atender que até compareceu no Tribunal sem invocar a incompetência deste.
(…)”.
[6] Em caso de falecimento do sinistrado.
[7] Se for, naturalmente, o caso.