Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
624/12.3TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
TESTES DE ADN
RECUSA DA REALIZAÇÃO DOS EXAMES
Nº do Documento: RP20180711624/12.3TVPRT.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º840, FLS.161-182)
Área Temática: .
Sumário: I - Os tribunais portugueses, por força do princípio da coincidência consagrado no art. 62º, al. a) do Cód. de Proc. Civil, são internacionalmente competentes para conhecer de ação de investigação de paternidade relativamente a réu que tem o seu domicílio em território português.
II - O prazo de vinte dias para aditamento do rol de testemunhas, a que alude o art. 598º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, tem como referência a efetiva realização da audiência de julgamento, renovando-se perante cada nova marcação que tenha lugar.
III - Na atualidade, os testes de ADN aos pretensos pai e filho dão um grau de certeza sobre a filiação, quando esta se verifique, próximo dos 100%, excluindo-a quase completamente quando não ocorra, o que significa que tais exames constituem elementos essenciais para a descoberta da verdade.
IV - Aquele que culposamente impede a realização desses exames preenche a previsão do nº 2 do art. 344º do Cód. Civil, dando azo à inversão do ónus da prova.
V - A atitude do réu, pretenso progenitor, que não aceita submeter-se à recolha de sangue ou outro material biológico, sem que para tal apresente qualquer justificação válida, consubstancia recusa ilegítima e, consequentemente violação culposa do dever de cooperação.
VI - Porém, mesmo que não se proceda à inversão do ónus da prova, a recusa ilegítima de sujeição a testes de paternidade não pode deixar ser apreciada livremente pelo tribunal, sendo suscetível de conduzir ao estabelecimento da paternidade quando conjugada com os demais elementos probatórios produzidos nos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 624/12.3TVPRT.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores do Porto – Juiz 2
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora C…, residente em …, Brasil, em representação do filho D…, veio intentar ação de investigação de paternidade, contra o réu B…, residente na Rua …, …, …, Oliveira de Azeméis, pedindo que seja declarado ser o réu o pai do D….
O réu foi citado, tendo vindo contestar, pronunciando-se pela improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido determinada a realização de prova pericial – exames hematológicos – os quais nunca foram realizados, pelo facto de o réu sempre se ter recusado a submeter-se aos mesmos.
Em 5.9.2017 foi proferido o seguinte despacho:
“No seguimento da informação remetida pela Justiça Brasileira em 15 de Maio de 2017 – fls. 615 – veio a autora pronunciar-se pelo prosseguimento dos autos – requerimento de fls. 620 e seguintes, datado de 12 de Junho de 2017 – enquanto que o réu [pronunciou-se] pela incompetência dos tribunais portugueses, em razão da nacionalidade – requerimento de 14 de Junho, a fls. 629 e seguintes.
Ora, cumpre dizer que o réu, no momento próprio, não veio invocar tal excepção, o que deveria ter feito em sede de contestação.
Cumpre ainda realçar que foi já proferido despacho saneador – 17 de Outubro de 2012.
Assim, e nos termos do artigo 98º do CPC, se a incompetência for arguida antes de ser proferido o despacho saneador, pode conhecer-se dela imediatamente ou reservar-se a apreciação para esse despacho; se for arguida posteriormente ao despacho, deve conhecer-se logo da arguição.
Nos termos do artigo 62º do C. Civil os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência internacional estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
Parece-nos claro que, tendo o réu residência em Portugal, estamos perante a previsão da alínea a) do citado preceito, em conjugação com o disposto no artigo 80º do mesmo CPC.
Assim, podendo a ação ser proposta em Portugal pelo facto do réu ter domicílio no nosso país, são os Tribunais portugueses competentes, em razão da nacionalidade, para conhecer da ação.
Em consequência julgo improcedente a exceção de incompetência dos tribunais portugueses, em razão da nacionalidade.
Notifique.”
Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o réu, em 22.9.2017, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Tendo o Recorrente arguido a incompetência internacional dos Tribunais nacionais, o Tribunal a quo julgou improcedente esta excepção ao julgar internacionalmente competente de acordo com a alínea a) do art.º 62.º do CPC.
B) A verificação das regras de competência afere-se pelos factos integradores da causa de pedir e pela prova produzida.
C) Por esse motivo, a incompetência internacional, uma das formas de incompetência absoluta, pode ser arguida em qualquer momento do processo – art.º 98.º do CPC.
D) Para a determinação da competência internacional relevam os seguintes factos integradores da causa de pedir apresentados pelos Recorridos:
- a Recorrida é uma cidadã brasileira;
- a Recorrida reside no brasil;
- o Recorrido menor nasceu no Brasil;
- o Recorrido menor é cidadão brasileiro;
- o Recorrido menor reside no Brasil.
- a concepção do Recorrido.
E) Este último facto, a concepção, vai relevar porque a sua data pode colocar este facto outro ordenamento jurídico estrangeiro.
F) Os Recorridos alegam na sua petição inicial que o nascimento do Recorrido menor ocorreu a 10/09/2010.
G) De acordo com o art.º 1798.º do C.C., a concepção deve ser considerada ocorrida durante os primeiros 120 dias dos 300 dias que antecedem o nacimento.
H) Ora, o 300.º dia antecedente à data de nascimento, foi a 14/11/2009, o que baliza a concepção entre 14/11/2009 e 14/03/2010.
I) Calculando as normais quarenta semanas de gestação, a concepção terá que ter ocorrido algures nos primeiros dias do mês de Dezembro de 2009, período no qual, a Recorrida afirma ter estado em Barcelona, Espanha.
J) Voltando à alegada factualidade da causa de pedir dos Recorridos, a Recorrida alega, no artigo 14.º da sua p.i., ter permanecido entre Novembro de 2009 e 26 de Dezembro de 2009 em Barcelona, Espanha.
K) Os Recorridos perspectivaram que seria elemento principal de conexão internacional, para efeitos de determinação da competência internacional dos Tribunais portugueses, o facto concepção, que alegam ter ocorrido no Porto; e por isso a presente acção correr termos na Comarca do Porto.
L) Os Recorridos consideraram a competência internacional da jurisdição portuguesa assenta nos termos da alínea b) do art.º 62º do C.P.C., que corresponde à atribuição internacional de competência a prática do facto em território português, que serve de causa de pedir.
M) Contudo, não é esse entendimento que segue o despacho agora em crise. O Douto Tribunal a quo considera-se internacionalmente competente com base na alínea a) do mesmo art.º 62.º do C.P.C., ou seja quando a acção puder ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial do C.P.C..
N) Mas assim, o tribunal territorialmente competente, não seria o tribunal a quo, mas o tribunal da residência do Réu – artigo 80º do C.P.C., o que não foi o perspectivado pelos Recorridos, pois não foi aí que intentaram a acção.
O) Os Recorridos tentaram integrar a concepção em Portugal para justificar a competência internacional, nos termos da alínea b) do art.º 62.º do CPC., e por isso, a acção foi intentada na Comarca da hipotética concepção ocorrida no Porto, mas não tiveram em consideração qualquer regra de competência, senão, nunca a Comarca do Porto seria territorialmente competente.
P) Os factos constitutivos da causa de pedir com relevância para o pedido de reconhecimento da paternidade estão balizados com a concepção e os factos associados a esta.
Q) Conforme supra referido, a concepção terá ocorrido nos primeiros dias de Dezembro de 2009, o que atendendo ao alegado no art.º 14.º da p.i., coloca este facto como ocorrido em Barcelona, Espanha, ou seja, em ordenamento jurídico estrangeiro.
R) A restante factualidade da causa de pedir é toda conexa com ordenamento jurídico estrangeiro:
- A Autora é Brasileira e reside no Brasil,
- o Autor menor também é brasileiro e também reside no Brasil.
S) Assim, deve-se concluir também não estarem preenchidos os pressupostos da alínea b) do art.º 62.º do C.P.C..
T) Também não está preenchida a alínea c) do art.º 62.º do C.P.C., para atribuição de competência internacional aos Tribunais nacionais.
U) O reconhecimento da paternidade do Recorrido Menor far-se-á sempre no seu registo nacional, o que, sendo este cidadão brasileiro, implicará sempre o ordenamento jurídico brasileiro.
V) Tanto assim é que, os Recorridos intentaram e têm a correr acção com as mesmas partes, objecto e pedido em Tribunal Brasileiro.
W) Veja-se o ofício da justiça brasileira a fls ….., que assim informa:
- Há uma acção judicial a correr termos sob a forma de Procedimento Ordinário – Investigação de Paternidade, nº 1031071-12.2014.8.26.0002, na 3ª Vara da Família e Sucessões, Foro Regional … – …, Comarca de São Paulo, no Brasil e na qual são partes os mesmos Autores e Réu dos presentes autos, deu entrada em 15 de Julho de 2014.[1]
- Uma outra anterior acção tinha sido já intentada em Fevereiro de 2011 sob forma de Procedimento Ordinário – Investigação de Paternidade, nº 0033259 – 97.2011.8.260002, na 3ª Vara da Família e Sucessões, Foro Regional … – …, Comarca de São Paulo, no Brasil e na qual são partes os mesmos Autores e Réu dos presentes autos. Nesta acção, desistiu a Autora e transitou em julgado em 05/07/2012 – vide o referido ofício da justiça brasileira.
X) Pelo que temos assim, duas acções judiciais a correr termos paralelamente e ao mesmo tempo, em ordenamentos jurídicos diferentes e, em tese, até com possibilidade de chegarem a decisões opostas.
Y) Em suma, os Tribunais Portugueses não são competentes para o julgamento da presente acção, pelo que não está preenchida qualquer das alíneas do art.º 62.º do CPC.
O Min. Público apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela competência internacional dos tribunais portugueses.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Em 6.11.2017 foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Requerimento da autora de 18 de Outubro de 2017 (fls. 712): autora veio requerer o aditamento ao rol de testemunhas.
Por requerimento de 26 de Outubro – fls. 746 – veio o réu pronunciar-se pela inadmissibilidade legal de tal aditamento, pelo facto da audiência de julgamento ter já tido início.
Cumpre apreciar.
Salvo o devido respeito não tem o réu razão.
Com efeito a audiência de julgamento agendada para dia 6 de Dezembro de 2016 foi dada sem efeito (fls. 590) pelo que não podemos considerar que a audiência tenha já tido início.
Em consequência, e nos termos do artigo 598º, nº 2 do CPC, admito o aditamento ao rol de testemunhas.
Custas pelo requerido fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – artigo 7º, nº 4 do RCP e Tabela anexa II.
Notifique.”
Na sessão de julgamento efetuada em 30.11.2017, o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Constata-se agora que não nos pronunciámos sobre o requerimento apresentado em 08-11-2017.
A ilustre mandatária do réu já se pronunciou sobre esse requerimento, conforme requerimento de 20 de Novembro.
Por estar em tempo, e nos termos do artigo 598º, nº 2 do CPC, admito o aditamento ao rol de testemunhas.
Notifique.”
O réu, inconformado com estes despachos, deles interpôs recurso, em 15.12.2017, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Em 26/10/2016 o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo agendou data para audiência de julgamento nos presentes autos para o dia 06/12/2016 – cfr. despacho de 26/10/2016 a fls.. .
B) Na data agendada, a audiência de julgamento foi iniciada.
C) Por despacho de 17/09/2017, a fls., foi agendada nova data para a audiência de julgamento, para o dia 30/11/2017.
D) Tendo a A, posteriormente a esta data, em dois requerimentos, datados de 18/10/2017 e 08/11/2017, vindo a requerer dois aditamentos ao seu rol de testemunhas, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 598.º do CPC.
E) Sobre estes requerimentos, proferiu o Mm Juiz do Tribunal a quo, dois despachos de 6/11/2017 e de 30/11/2017, admitindo, porque em tempo, os dois aditamentos ao rol de testemunhas, decisões que o Recorrente não concorda por entender fazerem uma errada interpretação do n.º 2 do art.º 598.º do CPC.
F) Ora, a audiência final iniciou-se no dia 06/12/2016, foram praticados actos e foi terminada porque mais nenhuma prova havia para produzir em audiência.
G) Assim, o novo agendamento de audiência final pelo despacho de 14/09/2017, apenas continuou audiência já iniciada.
H) Pelo que, assim sendo, não poderia o Tribunal a quo admitir os dois requerimentos de aditamento ao rol de testemunhas apresentados nos termos do disposto n.º 2 do art.º 598.º do CPC, porquanto, os vinte dias anteriores à realização da audiência final, tinham já ocorrido no passado ano de 2016.
I) Em conclusão, o Tribunal a quo fez errada interpretação do preceituado no n.º 2 do art.º 598.º do CPC, ao admitir os aditamentos ao rol de testemunhas.
J) Devendo considerar-se que os requerimentos não são admissíveis, por extemporâneos, e como tal, ser declarados nulos, e sem qualquer efeito, os depoimentos das testemunhas aditadas.
Em 11.12.2017 foi proferido o seguinte despacho:
“O réu veio, por requerimento de 28 de Novembro de 2016 – fls. 371 e seguintes – alegar que a carta rogatória não foi cumprida, uma vez que a testemunha arrolada – E… – foi ouvida na qualidade de interessado, e não de testemunha.
Ora importa dizer que não se aplicando a Convenção sobre a Obtenção de Prova no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, datada de 18 de Setembro de 1970, à data do cumprimento da carta rogatória, sempre teremos de dizer a mesma deve ser cumprida de acordo com a legislação do país requerido.
Mais lido o depoimento escrito de tal testemunha, prestado através de advogado, importa dizer que a mesma respondeu à matéria objecto da contestação do réu, nomeadamente no que se refere à possibilidade de ser aquele o pai da criança.
Concluímos, assim, que a carta rogatória foi cumprida integralmente.
Por todo o exposto indefiro o requerido.
Custas pelo réu fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs – artigo 7º, nº 4 e tabela anexa II do RCP.
Notifique.”
Inconformado com este despacho, em 10.1.2018, dele interpôs recurso o réu que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. Indicou o Recorrente como testemunha, E…, cidadão brasileiro e residente no Brasil.
B. Admitida a testemunha, por despacho de 17/01/2013, a fls.., porque não estava na disponibilidade do Recorrente apresentar a referida testemunha, foi determinado, por despacho de 12/05/2014, a fls.., o envio de carta rogatória à justiça brasileira para efeitos de cumprimento da inquirição da referida testemunha aos pontos 9.º, 25.º, 26.º, 27.º e 33.º a 36.º da contestação – cfr. ofício de 30-05-2014, a fls..
C. A carta rogatória veio devolvida a 26/05/2015, com toda a documentação respectiva em suporte CD.
Sucede que,
D. Analisado o conteúdo da carta rogatória recebida, verifica-se que a solicitada inquirição da testemunha E… não foi realizada, constando apenas um documento apresentado electronicamente por advogado - Dr. F…, OAB/SP n.º …….. -, onde por escrito, expõe a sua posição quanto à matéria dos autos, não dando respostas à matéria indicada para inquirição à testemunha, na qualidade de seu “advogado e bastante procurador” - cfr. fls. 29 a 53 da carta rogatória.
E. Ora, este documento elaborado e assinado por advogado, em nome da testemunha, não consubstancia uma inquirição de testemunha.
F. Apresentada reclamação, alegando falta de cumprimento da inquirição da testemunha, por requerimento de 28/11/2016, a fls. 371 e ss, veio o Tribunal a quo decidir no seguinte sentido: “Ora importa dizer que não se aplicando a Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, datada de 18 de Setembro de 1970, à data do cumprimento da carta rogatória, sempre teremos de dizer a mesma deve ser cumprida de acordo com a legislação do país requerido.
Mais lido o depoimento escrito de tal testemunha, prestado através de advogado, importa dizer que a mesma respondeu à matéria objecto da contestação do réu, nomeadamente no que se refere à possibilidade de ser aquela o pai da criança.
Concluímos, assim, que a carta rogatória foi cumprida integralmente.
Por todo o exposto indefiro o requerido”.
G. O tribunal a quo decidiu mal ao considerar válida a “inquirição de testemunha” recebida com a carta rogatória junta aos autos, pelos seguintes motivos:
H. A convenção sobre a obtenção de provas no estrangeiro em Matéria civil ou comercial foi assinada em Haia a 18 de Setembro de 1970.
I. Portugal aderiu a esta convenção em 12 de Março de 1975 e, por sua vez, o Brasil aderiu a esta convenção em 9 de Maio de 2014, com vigência a partir de 8 de Junho de 2014.
J. A carta rogatória foi autuada na justiça brasileira em 22/10/2014.
K. Assim, e porque o Brasil aderiu e fixou início da vigência da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, datada de 18 de Setembro de 1970, a partir de 8 de Junho de 2014, dúvidas não subsistem quanto à aplicabilidade do respectivo regime na situação em apreço, ao contrário do afirmado no despacho em crise.
L. Segundo o artigo 9.º da Convenção, a carta rogatória segue o regime legal do país de destino, quanto às formalidades a seguir.
M. Ora, no que toca ao regime de prova testemunhal, o regime brasileiro em muito pouco difere do nosso regime.
N. A prova testemunhal deve ser colhida segundo preceituam os artigos 450.º a 463.º do Código de Processo Civil Brasileiro.
O. Ou seja, não existe na lei brasileira qualquer regime de inquirição de testemunha através de depoimento escrito, ainda mais por depoimento escrito e assinado por advogado, que seja aplicável à testemunha em causa.
P. Assim, a testemunha em questão não foi ouvida na forma da lei Brasileira, pois não foi notificada para tal fim e, muito menos inquirida pessoalmente.
Q. Em conclusão, a carta rogatória não foi cumprida, pois, efectivamente, a testemunha não foi ouvida na forma legal prevista no ordenamento jurídico Brasileiro.
R. Sendo certo que, conforme demonstrado, e ao contrário do que consta da decisão recorrida, é aplicável no caso em concreto a Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, datada de 18 de Setembro de 1970.
Por outro lado,
S. A carta rogatória visava a inquirição de testemunha a factos concretos indicados pela parte que requereu o seu depoimento.
T. Por motivos que se desconhece, o despacho de cumprimento da carta rogatória – fls. 22 da referida carta – determina a intimação do referido sujeito nos seguintes termos:
“Intime-se o interessado para, querendo, oferecer impugnação à presente carta rogatória, no prazo de 15 (quinze) dias. Ressalto que a prática desse ato exige advogado devidamente constituído (art. 36 do Código de Processo Civil).”
U. Ou seja, ao contrário do rogado na carta, o sujeito E…, não foi notificado para prestar depoimento quanto aos factos a que foi indicado, mas antes, intimado para querendo, impugnar a carta rogatória, representado por advogado.
V. A posição processual de testemunha versus visado/impugnante é completamente diferente, o que coloca em crise, por completo, o que possa constar da resposta apresentada e que possa ter que ver com a matéria dos autos.
W. São posições diametralmente diferentes e que, em concreto, podem levar a respostas também completamente diferentes.
Por último,
X. afirmou o Tribunal a quo que, apesar do “depoimento” escrito ser apresentado por advogado, foram apresentadas as respostas à matéria objecto da contestação.
Y. Tal conclusão enferma de erro quanto ao objecto da carta rogatória e confunde posições processuais de partes e intervenientes processuais. O depoimento de testemunha é um meio de prova dos factos alegados pelas partes. O impugnante - título ao qual a testemunha, foi chamada pela justiça brasileira para os autos da carta rogatória -, é um interessado e visado no pleito.
Z. A justiça brasileira não deu cumprimento à carta rogatória de inquirição de testemunha, mas antes mandou notificar para:
“impugnar a referida Carta Rogatória no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos dos artigos 8º e 9º da Resolução nº 09/2005, deste Tribunal, devendo, para tanto, constituir advogado legalmente habilitado (art. 36 do Código de Processo Civil).”
AA. E porque assim foi notificado, nos presentes autos foi recebido um requerimento de resposta apresentado e assinado por advogado que, de nenhuma forma consubstancia uma inquirição de testemunha, conforme prevista nos art.ºs 495.º e ss do CPC, mas antes uma verdadeira “impugnação” da matéria de facto constante da contestação apresentada pelo R., na qual a indicada testemunha se apresenta e toma posição, como se de parte nos autos se tratasse.
BB. Por esse motivo, não podia o Tribunal a quo considerar esse requerimento de advogado, mandatado para o efeito ou não, como uma efectiva inquirição de testemunha, independentemente de terem sido ou não apresentadas as respostas à matéria objecto da contestação do réu, e no que o Recorrente não concede.
CC. Por outro lado, - e tal factualidade não é despiciente - conforme demonstrado, não foram cumpridos os formalismos legais previstos para a tomada de declaração como testemunha no caso em concreto.
DD. O Tribunal a quo violou assim o disposto nos artigos 500.º al. b) e 516.º do CPC.
EE. Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, a carta rogatória para inquirição de testemunha de E… ser mandada repetir, para ser tomado o depoimento à testemunha, enquanto tal e nos precisos termos previstos na lei.
A autora respondeu aos recursos interpostos pelo réu em 15.12.2017 e 10.1.2018, tendo relativamente a este último recurso pugnado pela sua inadmissibilidade.
Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 20.12.2017, que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou que o réu, filho de G… e H…, é o pai biológico de D…, filho da autora, nascido em 10 de Setembro de 2010.
Inconformado com esta sentença, dela interpôs recurso o réu que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. A A. intentou acção de investigação de paternidade contra o R., aqui Recorrente, peticionando que este seja declarado pai do menor D…. Contestou o R. concluindo pela não procedência da acção. Foi proferido despacho saneador, tendo sido determinada a realização pelo R. de exames hematológicos, que o R. se recusou a fazer. O Tribunal considerou a recusa do R. ilegítima, condenou-o em multa e determinou que as consequências da recusa seriam, “…oportunamente apreciadas à luz do disposto na 2ª parte do nº 2 do artigo 417º do NCPC”(…)”.
II. Realizada audiência de julgamento, foram dados como provados os seguintes factos:
a. “1. Em 10 de Setembro de 2010, nasceu em …, o D…, o qual tem a maternidade registada em nome da autora, não tendo registada a paternidade;
b. O réu nasceu em 23 de Fevereiro de 1942, o qual tem paternidade e a maternidade em nome de, respectivamente, e G… e H…;
c. Autora e ré mantiveram relações sexuais de cópula completa entre dia não concretamente apurado do ano de 2011 e o mês de Fevereiro de 2010;
d. O D… é fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre autora e réu.”
III. Por outro lado, deu como não provados os seguintes factos:
a. “a) Que a criança não tenha sido gerado fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre o réu e a autora;”
IV. A final, o Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida, que decidiu julgar a acção procedente, e consequentemente, declarar que o R. é o pai biológico de D…, nascido em 10 de Setembro de 2010.
V. O que fundamentou, por um lado, porque, conforme se pode ler a fls. da douta sentença recorrida, “…cabia ao réu a prova de que o autor não era seu filho, tendo em conta o disposto no artigo 417, nº 2 do CPC, tendo em conta a recusa ilegítima em realizar exames determinados. Tal implica a inversão do ónus de prova, nos termos do artigo 344º, nº 2 do C. Civil...”, e, por outro lado, porque considerou “… assente que a criança é fruto das relações sexuais de cópula completa entre autora e réu, importando ainda realçar que, atentos os factos assentes, sempre valeria a presunção do artigo 1871º, nº 1, e), tendo em conta o disposto no artigo 1798º, ambos do c. Civil. (…)”.
VI. Discorda o Recorrente, da matéria dada como provada e como não provada, assim como, discorda da aplicação do direito realizada perante tais factos.
VII. A prova produzida e considerada relevante para a fundamentação da matéria de facto, “resume-se…”, às declarações de parte da A. e ao depoimento de três testemunhas.
VIII. A A. prestou declarações de parte, que o Meritíssimo Juiz a quo considerou de “…principalmente relevantes…” e que considerou como “…o único meio prova relacionado com quem tinha efectivo e directo conhecimento directo do relacionamento com o réu.(…)”
IX. No que à valoração das declarações de parte pelo julgador diz respeito, a nossa mais hodierna Jurisprudência tem vindo a seguir o entendimento no sentido de que as mesmas, e porque se tratam disso mesmo – declarações de parte -, e como tal, prestadas por quem é sujeito processual no litígio e interessado no objecto do mesmo, devem ser consideradas cum grano salis,
X. não sendo suficientes para, por si só, permitirem estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo, apenas coadjuvar a prova de um dado facto desde que devidamente conjugado com os demais elementos de prova.
XI. Devendo assim, as declarações de parte ser apreciadas como um elemento auxiliar na formação da convicção do julgador, mas em correlação com a demais prova produzida nos autos.
XII. No sentido acima explanado, e a título de exemplo (entre outros), referem-se os seguintes arestos:
Acórdão do TRP, de 15-09-2014, (…) e Acórdão do TRP, de 20-11-2014, (…), no qual se conclui que: “(…)As declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.” (…)
XIII. Pelo que, as declarações de parte prestadas pela A., porque “interessadas” e desacompanhadas de outra prova que as sustente, não podem ser consideradas suficientes para dar como provado que:
a. “3. Autora e ré mantiveram relações sexuais de cópulacompleta entre dia não concretamente apurado do ano de 2011 e o mês de Fevereiro de 2010;
b. 4. O D… é fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre autora e réu.”
XIV. Demais que, das declarações de parte da A. o que resulta é uma versão dos factos tendenciosa e “colada” à versão vertida nos seus articulados (como, aliás, seria de esperar).
XV. Sendo que, quando inquirida pelo meritíssimo Juiz a quo, quanto a questões directamente relacionadas com os factos por si alegados nos seus articulados, a A. conseguiu responder de forma objectiva, sem vacilar quanto à confirmação desses mesmos factos, que a serem confirmados eram favoráveis à procedência da acção.
XVI. Mas, quando inquirida pela Mandatária do R., perdeu fluidez e serenidade no seu depoimento, demonstrando desconforto e nervosismo, perante questões para as quais não se encontrava previamente preparada, porque “fora do guião” das suas peças processuais.
XVII. Face ao que, as declarações de parte da A. de per si, e conforme é entendimento jurisprudencial dominante, não podem ser valoradas para prova do facto essencial da causa de pedir nos autos – a existência de relações sexuais de cópula completa entre A. e R. no período legal de concepção do menor -.
XVIII. In casu, efectivamente, para além das declarações (interessadas) da A., nenhuma outra prova complementar foi produzida nesse sentido, aliás tal como reconhece o meritíssimo juiz a quo: as declarações da A. são “…o único meio de prova relacionado com quem tinha efectivo e directo conhecimento directo do relacionamento com o réu.” (sic).
XIX. De igual modo, surgem os depoimentos das testemunhas arroladas pela A., que tentaram demonstrar que entre A. e R. existiu um relacionamento, como se de “casal constituído” se tratassem,
XX. mas que, tiveram um depoimento através do qual tentaram, de forma tendenciosa, “colar” à tese da Ré, tendo entrado em contradições várias e demonstrando mesmo que não conheciam o R., resultando da análise conjugada dos seus depoimentos que estavam no tribunal para corroborar a “estória” da Ré e nada mais!!!
XXI. A testemunha I…, ora diz uma coisa, ora afirma o seu contrário, sem qualquer coerência ao longo do seu depoimento, demonstrando desconhecimento e uma preocupação visível de tentar dar uma versão dos factos que possa coincidir com a versão da A. (sua Filha).
XXII. Mas ao mesmo tempo, acaba por contrariar a “estória” da A. (sua Filha), não sendo capaz de localizar temporalmente o ano do nascimento do seu neto, ou o continente onde alegadamente A. e R. se conheceram.
XXIII. Quanto ao depoimento da testemunha J…, resulta do mesmo, na sua globalidade, a tentativa de convencer o tribunal de que entre A. e R. existiu uma relação amorosa.
XXIV. Sendo que, quanto ao busílis da questão - a concepção do menor no respectivo período legal – nada disse ou sabia.
XXV. No que ao depoimento da testemunha K… diz respeito, quanto à concepção do menor – que é o que se discute nos autos – nada sabe,
XXVI. até porque, desde 2004 até há pouco tempo, perdeu todo o contacto com a A..
XXVII. Pelo que, deviam ter sido dados como não provados os seguintes factos:
a. 3. Autora e ré mantiveram relações sexuais de cópula completa entre dia não concretamente apurado do ano de 2011 e o mês de Fevereiro de 2010;
b. 4. O D… é fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre autora e réu.”
E dado como provado:
c. “a) Que a criança não tenha sido gerado fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre o réu e a autora;”
XXVIII. Ao decidir de forma diversa o tribunal à quo fez errada aplicação do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPC, o que implica a modificabilidade da decisão de facto – artigo 662º, nº 1 do CPC -.
XXIX. Na douta sentença recorrida, - parte “Fundamentação de facto” -, e a propósito da recusa pelo R. em realizar exames hematológicos, diz-se “…valoramos essa mesma recusa como uma aceitação da sua paternidade, só assim se compreendendo a recusa radical em se submeter a tais exames. (…)”.
XXX. Ou seja, o tribunal recorrido, considerou haver recusa do R. em realizar exames hematológicos, e consequentemente, terem ocorrido in casu os pressupostos para a verificação da inversão do ónus da prova, nos termos previstos no artigo 344º, nº 2 C. Civil ex vi artigo 417º, nº 2 (2ª parte) do CPC.
XXXI. Desta forma concluindo pela paternidade do menor por parte do R..
XXXII. A recusa do R. em comparecer para a realização de exames hematológicos, não determina per se e de “forma automática” a inversão do ónus da prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 344º, nº 2 do C. Civil.
XXXIII. Nunca o R. foi notificado para a realização de exames hematológicos, - e tal, não resulta de nenhuma das notificações que lhe foram dirigidas - com a advertência de que a sua falta ou recusa, teria como cominação a inversão dos ónus de prova, nos termos previstos nos artigos 417º, nº 2 do CPC e 344º, nº 2 do C. Civil.
XXXIV. Tendo o R. faltado à realização dos exames, foi condenado em multa, mas nunca lhe foi feita qualquer notificação de que a sua falta teria como cominação a inversão do ónus da prova, nos termos previstos nas disposições legais acima referidas.
XXXV. Não bastando para o efeito que, o tribunal, aluda a essa possibilidade no despacho datado de 10-10-2016, sem que o concretize através de notificação pessoal e expressa ao R., de que a sua falta aos exames em causa, por constituir uma situação de recusa de colaboração, e pelo facto de ser parte nos autos, terá como cominação a inversão do “…ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.” – artigo 417º, nº 2 (2ª parte) do CPC -.
XXXVI. Conforme se extrai do Acórdão do STJ, de 23 de Fevereiro de 2012 – transcrito (em parte) na decisão recorrida -, “(…) tendo em conta as consequências decisivas para a decisão da causa resultantes da injustificada recusa em comparecer – a inversão do ónus da prova – impõe-se a notificação do réu sem a respectiva cominação. O réu tinha de conhecer quais seriam as consequências processuais do seu acto. (…)”.
XXXVII. O que, inexoravelmente, tem que ser feito através da marcação de novos exames hematológicos, “…de cuja notificação ao réu conste a menção de que a recusa injustificada em comparecer implica a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344º nº 2 do C. Civil.”.
XXXVIII. E como tal, deve a sentença recorrida ser revogada, e ordenada a realização de exames de hematológicos, sendo o R. notificado nos termos acima referidos, e posteriormente, ser realizado novo julgamento e proferida nova decisão.
XXXIX. Fez assim, o tribunal a quo errada interpretação do disposto nos artigos 417º, nº 2 (2ª parte) do CPC e 344º, nº 2 do C. Civil.
XL. “1. A paternidade presume-se:(…) e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.(…)” - Artigo 1871º, nº 1, al. e) do C. Civil.
XLI. Ora, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não resulta que no período legal de concepção do menor A. e R. tenham tido relações sexuais de cópula completa.
XLII. Devendo, consequentemente, os factos assentes nesse sentido ser julgados como não provados e, como tal, não pode operar in casu a presunção legal de paternidade.
XLIII. Ao julgar de forma diversa o douto tribunal incorreu em violação do disposto nos artigos 607º, nº 4 do CPC e artigo 1871º, nº 1, alínea e) do C. Civil.
XLIV. Resumindo, a decisão recorrida incorre em violação do disposto nos artigos 607º, nº 4 do CPC, 1871º, nº 1, alínea e) do C. Civil, 417º, nº 2 do CPC e 344º, nº 2 do C. Civil.
Pretende o réu a revogação da sentença recorrida; caso assim não se entenda deve ser ordenada a realização de exames hematológicos, mediante notificação pessoal do réu para comparecer com a expressa cominação de, no caso de não comparecer, se inverter o ónus da prova, e posteriormente, ser realizado novo julgamento e proferida nova decisão.
A autora apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido e pela condenação do réu como litigante de má-fé.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Recurso interposto em 22.9.2017 (fls. 667 e segs.):
Competência internacional dos tribunais portugueses.
II - Recurso interposto em 15.12.2017 (fls. 789 e segs.):
Admissibilidade dos aditamentos ao rol de testemunhas requeridos pela autora.
III – Recurso interposto em 10.1.2018 (fls. 816 e segs.):
Cumprimento da carta rogatória expedida à justiça brasileira para inquirição da testemunha E….
IVRecurso interposto da sentença proferida em 20.12.2017 (fls. 862 e segs.):
Impugnação da matéria de facto/Valor das declarações de parte da autora/Inversão do ónus da prova (recusa do réu relativamente à sujeição a exames hematológicos).
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É a seguinte a matéria de facto que foi dada como provada na sentença recorrida:
1. Em 10 de Setembro de 2010 nasceu em …, Brasil, o D…, o qual tem a maternidade registada em nome da autora, não tendo registada a paternidade;
2. O réu nasceu em 23 de Fevereiro de 1942, o qual tem paternidade e a maternidade em nome de, respectivamente, G… e H…;
3. Autora e réu mantiveram relações sexuais de cópula completa entre dia não concretamente apurado do ano de 2001[2] e o mês de Fevereiro de 2010;
4. O D… é fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre autora e réu.
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Não se deu como provado o seguinte facto:
- que a criança não tenha sido gerada fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre o réu e a autora.
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Passemos à apreciação do mérito dos recursos.
I – Recurso interposto em 22.9.2017 (fls. 667 e segs.)[3]
O réu B… veio arguir a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem a presente ação, exceção que, porém, foi julgada improcedente por despacho proferido em 5.9.2017, acima transcrito (fls. 647/649).
Aí consideraram-se os tribunais portugueses como competentes em razão da nacionalidade com fundamento na alínea a) do art. 62º do Cód. de Proc. Civil conjugada com o art. 80º do mesmo diploma.
Contra este entendimento se insurge o réu, por via recursiva, continuando a sustentar não se encontrar preenchida qualquer das alíneas do art. 62º do Cód. de Proc. Civil.
Vejamos então.
Dispõe o art. 62º que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Existem pois três critérios para a definição da competência internacional dos tribunais portugueses, sendo de realçar que basta a verificação de um para que haja tal competência.
O primeiro critério – alínea a) – assenta no princípio da coincidência, isto é, a competência internacional dos tribunais portugueses resulta da circunstância de a ação dever ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência interna territorial estabelecidas pela lei portuguesa e que constam dos arts. 70º e segs. do Cód. de Proc. Civil. Deste modo, pode dizer-se que, por força da coincidência entre a competência territorial e a competência internacional, os tribunais portugueses podem julgar quaisquer ações que devam ser propostas em Portugal, segundo a aplicação das regras daquela competência interna.
O segundo critério – alínea b) – pode ser designado como princípio da causalidade, o que significa que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de uma causa de pedir complexa, algum dos factos tenha ocorrido em Portugal.
O terceiro critério – alínea c) –, que radica no princípio da necessidade, traduz-se em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de uma ação proposta em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, embora sempre se exija que entre a ação a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
Significa este regime do art. 62º que nas hipóteses aí previstas a ação pode ser proposta nos tribunais portugueses, embora não seja forçoso que tal aconteça. Pode assim suceder que ação dê entrada no tribunal de outro país, de tal forma que a competência dos tribunais portugueses se desenha como concorrencial ou alternativa face à dos tribunais de outros estados.[4]
Regressando ao caso dos autos, há que ter em conta o preceituado no art. 80º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil onde se diz que em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a ação o tribunal do domicílio do réu.
Como no que concerne às ações de investigação de paternidade inexiste qualquer disposição específica em matéria de competência territorial, a regra a seguir é a do foro do réu.
Ora, tendo o réu domicílio em território português, tal implica que a presente ação, por força das disposições conjugadas dos arts. 80º, nº 1 e 62º, al. a) do Cód. de Proc. Civil, pode ser proposta em tribunal português, daí decorrendo, por força do denominado princípio da coincidência, a competência dos tribunais portugueses em razão da nacionalidade.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, há que julgar improcedente este recurso interposto pelo réu, confirmando-se a decisão proferida pelo Mmº Juiz “a quo” em 5.9.2017 (fls. 647/649).
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IIRecurso interposto em 15.12.2017 (fls. 789 e segs.)
O réu B… insurge-se também por via recursiva contra os despachos proferidos em 6.11.2017 (fls. 755) e 30.11.2017 (fls. 767), através dos quais o Mmº Juiz “a quo” admitiu aditamentos ao rol de testemunhas da autora com fundamento no disposto no art. 598º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Sustenta o réu/recorrente que nas datas em que tais aditamentos foram requeridos (18.10.2017 e 8.11.2017) a audiência de julgamento já se iniciara, donde resulta, na sua perspetiva, a extemporaneidade desses aditamentos.
Vejamos então.
O art. 598º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil estatui que «o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias
Flui dos autos que em 26.10.2016 foi designado para a realização da audiência de julgamento o dia 6.12.2016 (fls. 336) e que nesta data foi proferido o seguinte despacho judicial (fls. 590):
“Tendo em consideração o supra exposto, dou sem efeito a presente audiência de julgamento.
Aguardem os autos o decurso do prazo para que a autora se pronuncie quanto ao requerimento do réu datado de 28-11-2016.
Solicite ainda ao processo 1031071-12.2004.8.26.0002, da 3ª Vara de Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo, Comarca de S. Paulo, Foro Regional … – …, via email – documento 2 do requerimento supra identificado, informação sobre o seu estado, bem assim como sobre a pendência dos presentes autos, com data da sua entrada em juízo, solicitando que informe em que data se considera interposta tal acção, qual a sua relação com o processo 0033259-97.2011.8.26.0002, e ainda quando à data em que se considera citado o ali réu.
Notifique”.
Depois, por despacho constante de fls. 661, foi a audiência de julgamento agendada para 30.11.2017.
Os aditamentos ao rol de testemunhas foram requeridos pela autora, respetivamente, em 18.10.2017 e 8.11.2017, sendo o prazo de vinte dias reportado a 30.11.2017, data em que se procedeu à realização da audiência de julgamento.
No entanto, o réu/recorrente, como já se referiu, pugna pela extemporaneidade dos aditamentos, sustentando que na data em que foram requeridos a audiência já se iniciara.
Mas não lhe assiste razão.
Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pág. 448) pronunciando-se sobre o art. 512º-A do anterior Cód. de Proc. Civil, que corresponde no essencial ao art. 598º, nºs 2 e 3 do atual Código, escreve que “a possibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas é limitada em função de dois parâmetros fundamentais:
a) a necessidade de actuação da regra do contraditório, notificando-se a parte contrária da modificação introduzida e permitindo-se-lhe usar idêntica faculdade;
b) a necessidade de evitar que o exercício de tal direito colida com a realização da audiência, não devendo constituir, em nenhum caso, nova causa de adiamento; daí que se estabeleça um termo final para o exercício deste direito (20 dias antes do dia em que se realiza a audiência), se encurte o prazo para a contraparte exercer o contraditório (5 dias) e se onere a parte com o ónus da apresentação das testemunhas tardiamente indicadas (e que já não haveria normalmente tempo para notificar)[5].”
A questão que aqui se colocará é a de saber o que se deve entender por data da realização da audiência final: se valerá como audiência final a sua simples abertura sem produção de provas, ainda que ali se pratiquem atos decisórios não probatórios ou se se exige, para tal efeito, a efetiva produção de prova, ainda que apenas parcial?
Lebre de Freitas (in “A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., págs. 290/291 e 331) diz-nos que aqui releva tão-somente a data da realização efetiva da audiência final. A fixação duma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que esta já tenha sido aberta, não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento. [6]
Tal significa que, contando-se o prazo de 20 dias a que se reporta o art. 598º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil com referência à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se renova relativamente a cada um das novas marcações que venham a ter lugar.
Isto é, o que importa para a contagem de tal prazo de 20 dias é a data da audiência de julgamento em que ocorreu efetiva produção de prova, mesmo que parcial, independentemente de a audiência poder ter sido declarada aberta e de nela ter sido efetuado algum requerimento e proferido algum despacho.
Em linha com esta orientação, que em termos jurisprudenciais e em relação à situação dos autos se nos afigura uniforme, cremos não haver dúvidas quanto à tempestividade dos aditamentos ao rol de testemunhas que foram requeridos pela autora.[7] [8]
Com efeito, a audiência de julgamento fora inicialmente designada para 6.12.2016, mas nesta data, conforme consta da respetiva ata (fls. 590), viria a ser dada sem efeito, sem agendamento de nova data e sem produção de qualquer prova.
Em bom rigor nem sequer houve adiamento da audiência final. E sendo posteriormente agendada para 30.11.2017 é nesta data, que corresponde a uma nova marcação, que vai ocorrer o seu início – não a sua continuação -, de tal modo que os aditamentos ao rol feitos pela autora em 18.10.2017 e 8.11.2017 respeitaram o prazo de 20 dias a que alude o art. 598º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
São, por isso, tempestivos, o que implica a improcedência deste recurso e a consequente confirmação dos despachos proferidos pelo Mmº Juiz “a quo” em 6.11.2017 (fls. 755) e 30.11.2017 (fls. 767).
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III - Recurso interposto em 10.1.2018 (fls. 816 e segs.)[9]
Na sequência do despacho constante de fls. 194 foi expedida carta rogatória às autoridades judiciais brasileiras para inquirição da testemunha E… à matéria dos arts. 9º, 25º, 26º, 27º e 33º a 36º da contestação, onde, em relação a esta testemunha, se alega o seguinte:
“25º - Ao que à defesa foi permitido apurar é que a Autora viveu e viverá em união de facto, partilhando cama, mesa e habitação, com um indivíduo de nome “E…”, em imóvel propriedade daquele, sito na Rua …, …, Apartamento …, …, CEP …… – … …, antes, durante e bem após o alegado período de concepção.”
A carta rogatória foi autuada pelo Superior Tribunal de Justiça do Brasil, em 22.10.2014, tendo sido proferido inicialmente o seguinte despacho:
“Intime-se o interessado para, querendo, oferecer impugnação à presente carta rogatória, no prazo de 15 (quinze) dias. Ressalto que a prática desse ato exige advogado devidamente constituído (art. 36 do Código de Processo Civil). Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para os devidos fins.”
Após este despacho, E… respondeu à matéria da carta rogatória através de advogado constituído e a mesma, estando cumprida, foi devolvida à justiça portuguesa na sequência de decisão de 5.2.2015.
Pronunciando-se sobre o cumprimento da carta rogatória, o réu veio alegar o seguinte:
“ (…)
Sucede que, da leitura e análise atenta da carta rogatória constatámos que a testemunha foi notificada na qualidade de interessado, para querendo oferecer impugnação, tendo sido advertida da necessidade de constituir mandatário (…).
Assim, esta acabou por não ser inquirida na qualidade de testemunha e, por conseguinte, a carta rogatória não foi cumprida.
Porque a inquirição da testemunha se revela crucial para a descoberta da verdade, e não prescindindo o Réu do seu testemunho, requer-se a V. Exa. a emissão de nova carta rogatória para a sua inquirição.”
Acontece que o Mmº Juiz “a quo”, através da decisão recorrida, considerou que a carta rogatória foi integralmente cumprida e indeferiu a requerida expedição de nova carta.
A nosso ver, nada há censurar a tal decisão, agora objeto de recurso por parte do réu.
Vejamos então.
A República Federativa do Brasil aderiu à Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial de 18.3.1970, a qual aí entrou em vigor em 8.6.2014, razão pela qual é já aplicável à presente carta rogatória que deu entrada na justiça brasileira em 22.10.2014.
Esta Convenção no seu art. 9º dispõe o seguinte:
«A autoridade judiciária que proceda à execução de uma carta rogatória aplicará as leis do seu país no que diz respeito às formalidades a seguir.
Contudo, aquela autoridade atenderá ao pedido da autoridade requerente de que se proceda de forma especial, a não ser que tal procedimento seja incompatível com a lei do Estado requerido ou que a sua execução não seja possível, quer em face da praxe judiciária seguida, quer em virtude de dificuldades de ordem prática.
As cartas rogatórias deverão ser cumpridas urgentemente
Resulta daqui que a presente carta rogatória deveria ter sido cumprida de acordo com a lei brasileira.
Ora, o Superior Tribunal de Justiça do Brasil não deixou de ter em atenção as normas do Cód. de Proc. Civil brasileiro de 1973 no seu cumprimento, tendo entendido ouvir E…, face ao teor das questões que lhe eram colocadas e onde se apontava claramente no sentido de poder ser ele o pai da criança, como interessado, advertindo-o ainda no sentido de constituir advogado, no que remeteu para o art. 36º do respetivo Código.
E… apresentou então o seu depoimento por forma escrita e através de advogado, sendo que nele se pronunciou sobre a matéria da contestação indicada pelo réu, designadamente sobre a possibilidade de ser o pai da criança.
Cremos que não cabe ao tribunal português sindicar a forma como o Superior Tribunal de Justiça do Brasil, no cumprimento da carta rogatória, procedeu à aplicação da lei processual civil brasileira.
Cabe-nos apenas verificar se a carta foi cumprida ou não e, neste caso, não oferece dúvidas que tal cumprimento ocorreu, uma vez que a testemunha E… foi inquirida sobre a matéria factual indicada pelo réu.
Questão diferente será o valor a atribuir às suas declarações, prestadas através de advogado, sendo certo que a força probatória dos depoimentos das testemunhas sempre é de livre apreciação por parte do tribunal (cfr. art. 396º do Cód. de Proc. Civil).
Neste contexto, entendemos não existir fundamento para determinar a expedição de nova carta rogatória à justiça brasileira para inquirição da testemunha E…, do que resulta a improcedência do recurso interposto e a confirmação do despacho proferido pelo Mmº Juiz “a quo” em 11.12.2017 (fls. 772).
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IVRecurso interposto da sentença proferida em 20.12.2017 (fls. 862 e segs.)
1) O réu/recorrente ao insurgir-se contra a sentença proferida nos autos que declarou ser ele o pai biológico de D…, filho da autora, nascido em 10.9.2010, impugnou, em primeira linha, a factualidade provada e não provada.
Pretende que sejam dados como não provados os seguintes factos:
“3. Autora e réu mantiveram relações sexuais de cópula completa entre dia não concretamente apurado do ano de 2001 e o mês de Fevereiro de 2010;
4. O D… é fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre autora e réu.”
E que simultaneamente seja dado como provado que a criança não tenha sido gerada fruto de relacionamento sexual de cópula completa entre o réu e a autora.
Nesse sentido o réu/recorrente transcreveu excertos das declarações prestadas pela autora e dos depoimentos das testemunhas I…, J… e K….
Procedemos assim à audição integral de todos estes depoimentos e declarações.
I… é mãe da autora. Disse que conheceu o réu no Brasil por volta de 2003/2004, pois este quis conhecê-la por ser a mãe da C…. O réu e a sua filha já se relacionavam desde 2001, tendo-se conhecido em Barcelona. Antes ela tinha vivido com o E…. O relacionamento com o réu terá durado até final de 2008, 2009. Nessa altura ela estava na Europa e ligou-lhe a dizer que estava grávida do Sr. B… e pediu-lhe conselho. Viria a regressar ao Brasil estando grávida de três meses e o réu mandava-lhe uma mesada de 500 euros, o que terminou quando o filho nasceu. Mais referiu que o réu comprou um apartamento para a sua filha no Brasil, em …, apartamento que esta teve de vender para poder manter o filho. Disse também que presentemente o E… ajuda a sua filha e trata muito bem o seu neto. Recebeu-a, inclusive, na sua casa, em …, como amiga, não como mulher. Atualmente a filha vive em ….
J… é amiga da autora há aproximadamente vinte anos. Conheceu o réu B…, por volta de 2001/2002, quando ele adquiriu um apartamento para a C… (autora). Indicou a imobiliária e foi jantar com eles para tratar desse assunto. A C… antes tinha vivido com o E…, de quem se separara e então foi morar no seu prédio, mas nessa altura já conhecera o B…. A C… e o B… comportavam-se como um casal normal. Ela acompanhava-o em vários lugares, públicos inclusive. A testemunha não sabia que ele era casado em Portugal. Mais esclareceu que o apartamento e as obras que nele se fizeram foram pagas pelo Sr. B…. Disse igualmente que o E… acolheu a C… quando ela retornou ao Brasil estando grávida. Ela não tinha para onde ir. Porém, em nenhum momento se falou que o E… seria o pai do menino. Referiu ainda que viu o Sr. B… 3 ou 4 vezes no contexto da compra do apartamento.
K… disse que conheceu a autora e o réu em 2001 em …. Era responsável pelo departamento jurídico da … que, indicada pela J…, tratou da compra do apartamento para a C…. Nessa altura conheceu também o Sr. B… que era a pessoa que ia pagar o imóvel e que tinha interesse em saber se ele tinha dívidas, porque ia pagá-lo à vista. O Sr. B… não assinou nenhum documento, porque sempre disse que nada podia ser em nome dele. Ele não queria aparecer. Mais disse que foi buscá-lo ao aeroporto e foi com ele e com a C… para um hotel onde sempre se hospedavam – o L… na …. Depois da compra do apartamento, voltou a encontrar-se com o Sr. B… e a D.ª C… para ver como seria feita a reforma do apartamento e depois dessa reforma para ver como o apartamento tinha ficado. “Por conta dessa relação comercial, quando ele vinha ao Brasil, eles me chamavam para jantar ou para almoçar.” Referiu, inclusive, que uma vez foi à fábrica dele em …, onde foi rececionada por um seu funcionário de nome M…. Em 2004, porque se mudou, perdeu todo o contacto com eles, contacto que foi retomado recentemente pela C… que a encontrou na rede social “facebook”. Quando contactou com eles comportavam-se como namorados. Não sabia que ele era casado. Também conheceu o E…, que era o ex-namorado da C…, e cujo relacionamento terminou quando ela conheceu o B….
A autora C… foi ouvida em declarações. Disse que conheceu o B… em … em 2001, tendo-se iniciado logo entre ambos um relacionamento afetivo. O B… ia ao Brasil todos os meses porque tinha lá empresas em … e …. Mas a autora também vinha ao Porto, onde ficava no N…. Depois foi viver para Barcelona, onde passava a maior parte do tempo e onde o B… também tinha negócios. Encontravam-se todos os meses, tendo o seu relacionamento durado até aos inícios de 2010. Soube que estava grávida no dia 8.2.2010. O réu não queria que a criança nascesse, mas a autora quis levar a gravidez por diante. Por causa disso, o réu começou a ignorá-la (não queria falar com ela e não lhe ligava) e regressou ao Brasil já no quarto mês de gravidez. O B…, como não queria registar a criança em seu nome, chegou a propor-lhe que ela arranjasse alguém que quisesse assumir a paternidade e que ele lhe pagaria, o que não aceitou. A instâncias do Mmº Juiz disse que ao longo dos anos do seu relacionamento, nomeadamente em 2009, manteve relações sexuais completas apenas com o Sr. B… e que nunca teve dúvidas de que era ele o pai da criança. Acrescentou depois que o B… durante seis meses de gravidez lhe enviou mensalmente 2.500,00€. Na altura em que pensa ter engravidado, no final de Dezembro de 2009, esteve quatro dias no Porto com o B… e teve relações com ele em todos esses dias. Este comprou um apartamento para si que a autora depois veio a vender quando estava grávida. Referiu também que antes de conhecer o autor tinha vivido com o E… até 1999, 2000 e que depois do seu filho nascer esteve igualmente em casa do E….
2) O Mmº Juiz “a quo”, referindo-se à convicção do tribunal, conferiu, num primeiro momento, importante significado às declarações que foram prestadas pela autora, tendo escrito que “… principalmente relevantes foram as declarações da autora, o único meio de prova relacionado com quem tinha efectivo e directo conhecimento do relacionamento com o réu.”
Posição que mereceu reservas por parte do réu, que sustenta que as declarações de parte devem ser apreciadas tão-somente como um elemento auxiliar na formação da convicção do julgador em correlação com a demais prova produzida nos autos.
O atual Cód. de Proc. Civil no seu art. 466º prevê, ao lado da prova por confissão, como meio de prova autónomo, a figura da prova por declarações de parte, sendo que no seu nº 3 se estabelece que tais declarações são livremente apreciadas pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Cremos não haver dúvidas de que as declarações de parte que a autora prestou na sessão de julgamento efetuada em 12.12.2017 podem ser valoradas pelo tribunal, estando sujeitas à sua livre apreciação, tal como também não podem caber dúvidas de que as mesmas devem ser conjugadas com os demais meios de prova produzidos nos autos.
É, de resto, o que se mostra feito na sentença recorrida em que o Mmº Juiz “a quo”, para além das declarações de parte da autora, teve ainda em atenção os depoimentos prestados pelas testemunhas e, igualmente, as consequências resultantes da falta de colaboração do réu, expressa na sua recusa de sujeição a exames hematológicos, extraindo daí uma situação de inversão de ónus de prova.
Ou seja, nos termos dos arts. 417º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil e 344º, nº 2 do Cód. Civil, onerou o réu com a prova de que não era o pai da criança, tendo escrito, inclusive, o seguinte: “… valoramos essa mesma recusa como uma aceitação da sua paternidade, só assim se compreendendo a recusa radical em se submeter a tais exames.”
3) Sucede que o réu, nas suas alegações, entende não terem ocorrido os pressupostos para a verificação da inversão do ónus da prova referida na sentença recorrida, uma vez que nunca foi notificado para a realização de exames com a advertência de que a sua falta ou recusa teria como cominação essa inversão.
Pretende, por isso, que a sentença recorrida seja revogada e ordenada a realização de exames hematológicos, sendo o réu advertido nos termos acima referidos, a que se seguiria a realização de novo julgamento e a prolação de nova sentença.
Vejamos o que resulta dos autos quanto à realização de exames de sangue:
- Na petição inicial a autora requereu desde logo a “citação” do réu para a perícia hematológica, com a cominação prevista nos arts. 344º, nº 2 e 519º, nº 2, 2ª parte do Cód. de Proc. Civil;
- Em 2.10.2012 foi proferido o seguinte despacho:
“(…) antes de nos debruçarmos sobre todas as diligências probatórias requeridas pelas partes, digam estas em 10 dias se estão de acordo a que [se] proceda desde já a exame hematológico e genético a solicitar ao INML.”;
- Em 15.10.2012 o réu opôs-se à realização antecipada de exame hematológico;
- Por despacho de 17.10.2012 foi determinada a realização de exame pericial nos termos do art. 1801º do Cód. Civil, tendo sido solicitada a sua marcação ao INML;
- Tal exame foi marcado para o dia 22.11.2012, pelas 9,00 horas;
- O réu não compareceu e, em 6.12.2012, justificou a sua falta, com o facto de entre os dias 17 e 24 de Novembro ter estado no Brasil e em Buenos Aires por motivos profissionais;
- Por despacho de 17.1.2013 a falta foi considerada justificada e solicitou-se ao INML a marcação de nova data para colheita de amostras biológicas ao réu;
- O novo exame no INML foi marcado para o dia 4.3.2013, pelas 9,00 horas.
- O réu não compareceu e, em 12.3.2013, justificou a sua falta com a circunstância de se encontrar no estrangeiro e solicitou que as notificações lhe sejam enviadas para a sede da sociedade de advogados sua mandatária, sita na Rua …, …., Porto;
- Por despacho de 20.3.2013 foi solicitada ao INML a marcação de nova data para exame, solicitando-se ainda comunicação prévia ao tribunal com antecedência mínima de 30 dias e efetuando-se a respetiva notificação ao réu como por ele requerido;
- O novo exame no INML foi marcado para o dia 6.5.2013, pelas 9,00 horas;
- O réu voltou a não comparecer e, em requerimento apresentado em 13.5.2013, veio alegar o seguinte: “Não obstante a sua anterior disponibilidade, o certo é que o requerido, após muita ponderação, entendeu que não deveria sujeitar-se ao exame para o qual foi convocado. (…)”;
- Em 2.9.2013 foi proferido o seguinte despacho:
“A fls. 153 vem o réu B…, por intermédio do seu ilustre mandatário, declarar que “não obstante a sua anterior disponibilidade, o certo é que o requerido, após muita ponderação, entendeu que não deveria sujeitar-se ao exame para o qual foi convocado”.
Mostra-se junta aos autos procuração passada pelo réu ao seu ilustre mandatário (fls. 35) na qual declara conceder-lhe “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de substabelecer”.
O exame em causa, porém, é um acto que só poderá ser prestado pessoalmente pelo réu. Assim sendo, também a recusa a submeter-se ao mesmo é uma declaração que deverá igualmente ser pessoalmente efectuada (até pelas eventuais consequências processuais que poderão advir de tal recusa tal como, aliás, o réu aflora no seu requerimento).
Pelo exposto, notifique o réu para, querendo, juntar aos autos declaração pessoal de recusa de submissão ao exame (que poderá ser substituída por procuração com poderes especiais para esse efeito)”;
- Face ao silêncio do réu, foi proferido novo despacho em 24.9.2013 com o seguinte teor:
“(…)
Assim permitimo-nos renovar o anterior despacho, notificando-se pessoalmente o réu para, querendo, juntar aos autos declaração pessoal de recusa de submissão a exame (que poderá ser substituída por procuração com poderes especiais para esse efeito), sob pena de, nada dizendo, o tribunal solicitar a marcação de exame e, eventualmente, vir a condenar o réu se vier a faltar injustificadamente ao mesmo, bem como em custas do incidente.”;
- Uma vez que o réu nada fez, por despacho de 25.2.2014, foi solicitada ao INML a marcação de nova data para exame;
- O exame foi marcado para o dia 2.4.2014, pelas 9,00 horas, voltando o réu a não comparecer.
- Em 10.10.2016 foi proferido o seguinte despacho:
“No mais, e conforme despacho de 6 de Novembro de 2013[10], foi determinada a realização de exames ao réu – fls. 189 – tendo o mesmo faltado, sem qualquer justificação – fls. 192 – apesar de regularmente notificado (14 de Março de 2014) com a advertência de condenação em multa, em caso de falta injustificada.
Em consequência condeno-o na multa de 1 UC – artigo 417º, nº 2 do CPC, sem prejuízo de inversão do ónus da prova, nos termos da citada disposição.”;
- Por requerimento de 12.9.2017 a autora veio solicitar que seja ordenada a notificação do réu para se submeter aos testes de ADN com advertência expressa de que a sua recusa ou nova dilação do exame implicará a inversão do ónus de prova, nos termos do disposto no artigo 344º, nº 2 do Cód. Civil.
- Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho datado de 14.9.2017:
“Por requerimento de 12 de Setembro de 2017 – fls. 654 e seguintes – veio a autora requerer, novamente, a notificação do réu para se submeter a testes de ADN, requerendo que o mesmo seja notificado de, em caso de recusa, se inverter o ónus de prova, nos termos do art. 342º, nº 2 do C. Civil.
Ora, salvo o devido respeito, a inversão do ónus de prova foi já referida no nosso despacho de 10 de Outubro de 2016, a fls. 329, precisamente pelo facto do réu se ter recusado a fazer os exames hematológicos.
Assim, e nesta parte, nada mais temos a determinar sem prejuízo de, naturalmente, ocorrendo uma situação de inversão do ónus de prova, o réu requerer a realização de tais exames.”[11]
4) Prosseguindo.
No art. 1801º do Cód. Civil estabelece-se que «nas ações relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados
Na atualidade, os exames de sangue aos pretensos pai e filho dão um grau de certeza sobre a filiação, quando esta se verifique, próximo dos 100%, excluindo-a quase completamente quando não ocorra.
Significa isto que nas ações de investigação da paternidade tais exames constituem elementos importantes e até essenciais para a descoberta da verdade, secundarizando as outras provas, designadamente a testemunhal que se recorta como muito mais falível e aleatória.[12]
O art. 417º do atual Cód. de Proc. Civil preceitua o seguinte:
« 1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 – Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do Código Civil.
3 – A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4.
(…)».
Daqui resulta que as partes têm a obrigação de se sujeitarem aos exames laboratoriais pertinentes, como sejam os ordenados nos presentes autos, devendo prestar-se, até pela decisiva importância destes, aos procedimentos que visam a recolha de sangue ou até de outros materiais biológicos, como sejam saliva, cabelo ou unhas.
Por outro lado, há que ter em conta o art. 344º, nº 2 do Cód. Civil, onde se estatui o seguinte:
«2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações
Verifica-se o condicionalismo do art. 344º, n.º 2 do Cód. Civil, quando a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: art. 313º, n.º 1 e art. 364º do Cód. Civil), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos. Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante – cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 440.
Por seu turno, Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pág. 454) sobre a mesma questão escreve que “…se o exame se configurava como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando, consequentemente, a recusa do pretenso pai a verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica (por exemplo, em consequência de, no caso concreto, inexistirem meios probatórios que a possam demonstrar indirectamente) deverá aplicar-se o preceituado no n.º 2 do art.º 344.º, presumindo-se a paternidade e passando a incumbir ao recusante o ónus de criar “dúvidas sérias” sobre ela”.
Como já se referiu, nas ações de investigação de paternidade manifesto é o valor probatório dos exames de sangue, que tanto podem ser favoráveis ao autor como ao réu, pretenso progenitor.
Continuando, sempre terá que se salientar que neste tipo de ações está em causa o direito fundamental do menor D… ao estabelecimento da sua paternidade biológica e à sua “historicidade pessoal”, o que abrange o direito ao conhecimento da identidade dos seus progenitores.
Ora, sobre esta questão escreve-se o seguinte no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/11 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):
«O direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico (…), cabem no âmbito de protecção quer do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição).
A identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, isto é, “uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, em “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 609, da 2.ª ed., da Coimbra Editora).
Este direito fundamental pode ser visto numa perspectiva estática – onde avultam a identificação genética, a identificação física, o nome e a imagem – e numa perspectiva dinâmica – onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação do indivíduo com a sociedade ao longo do tempo.
A ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de auto - definição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afectiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das acções de investigação”, ob. cit., pág. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um factor conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo.
Mas o estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação, com todos os seus efeitos, conferindo ao indivíduo o estatuto inerente à qualidade de filho de determinadas pessoas, assume igualmente um papel relevante na caracterização individualizadora duma pessoa na vida em sociedade. A ascendência funciona aqui como um dos elementos identificadores de cada pessoa como indivíduo singular. Ser filho de é algo que nos distingue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade.
Por outro lado, o direito fundamental a constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, abrange a família natural, resultante do facto biológico da geração, o qual compreende um vector de sentido ascendente que reclama a predisposição e a disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos que permitam estabelecer o vínculo da filiação, com realce para o exercitável pelo filho, com o inerente conhecimento das origens genéticas.
Na verdade, o direito a constituir família, se não pode garantir a inserção numa autêntica comunidade de afectos – coisa que nenhuma ordem jurídica pode assegurar – implica necessariamente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos e deveres decorrentes de uma ligação familiar susceptível de ser juridicamente reconhecida. Pela natureza das coisas, a aquisição do estatuto jurídico inerente à relação de filiação, por parte dos filhos nascidos fora do matrimónio, processa-se de forma diferente da dos filhos de mãe casada, uma vez que só estes podem beneficiar da presunção de paternidade marital. Mas essa aquisição deve ser garantida através da previsão de meios eficazes. Aliás a peremptória proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4, da CRP) não actua só depois de constituída a relação, projecta-se também na fase anterior, exigindo que os filhos nascidos fora do casamento possam aceder a um estatuto idêntico aos filhos nascidos do matrimónio. A infundada disparidade de tratamento, em violação daquela proibição, tanto pode resultar da atribuição de posições inigualitárias, em detrimento dos filhos provenientes de uma relação não conjugal, como, antes disso, e mais radicalmente do que isso, do estabelecimento de impedimentos desrazoáveis a que alguém que biologicamente é filho possa aceder ao estatuto jurídico correspondente.
É, pois, pacífica a previsão constitucional dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais.
Isso não impede, contudo, que o legislador possa modelar o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores constitucionalmente tutelados. Não estamos perante direitos absolutos que não possam ser confrontados com valores conflituantes, podendo estes exigir uma tarefa de harmonização dos interesses em oposição, ou mesmo a sua restrição.»
Como tal, em sintonia com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2016 (proc. 8928/11.6 TBOER.L2.S1, disponível in www.dgsi.pt.), há que concluir que sendo os testes de ADN como que uma prova plena da paternidade do ponto de vista científico, ou seja do ponto de vista da realidade factual, manifesto é que aquele que culposamente impede a sua realização está a preencher a previsão do nº 2 do art. 344º do Cód. Civil, assim dando azo à inversão do ónus da prova.[13]
5) Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o réu depois de por várias vezes não ter comparecido no INML nas datas que tinham sido designadas para recolha de amostras biológicas (sangue) veio, através do seu advogado, comunicar que não se sujeitaria a tal tipo de exame.
Isto é, deu conhecimento ao tribunal que não se submeteria àquele que é hoje em dia o exame decisivo, do ponto de vista científico, para o estabelecimento da paternidade, sem que adiantasse qualquer razão válida para tal conduta, além de considerar estar a ser perturbado pela alegação de paternidade feita pela autora.
Após vicissitudes várias relacionadas com o facto da declaração de recusa de submissão aos exames hematológicos estar subscrita não pelo réu mas pelo seu advogado, e que revelam, pela inércia evidenciada, espírito obstrutivo, o Mmº Juiz “a quo” entendeu proferir o despacho de 10.10.2016 (fls. 329), no qual, depois de condenar o réu em multa, procedeu à inversão do ónus da prova nos termos do art. 417º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil que remete para o nº 2 do art. 344º do Cód. Civil.
Inversão do ónus da prova que foi corroborada no posterior despacho judicial de 14.9.2017, sem prejuízo da possibilidade do réu requerer ele próprio a realização dos exames.
Acontece que o réu confrontado com estes despachos, onde, pela sua recusa de submissão a exames hematológicos, se procedeu à inversão do ónus da prova, com eles se conformou.
Sucede que tal recusa não se mostra justificada.
Com efeito, o réu limita-se a afirmar que a sua submissão aos referidos exames seria conceder à requerente e a qualquer putativa progenitora, o privilégio de, potestativamente, poder perturbar quem quer que seja pela simples alegação de paternidade.
Nada mais invoca.
Ora, se estávamos perante uma alegação gratuita e infundada feita pela mãe do menor D…, não se compreende porque razão o réu não se submeteu aos referidos exames de sangue que, com toda a certeza, afastariam a sua paternidade.
E afastada esta, tinha o réu à sua disposição meios processuais que lhe permitiriam responsabilizar a autora pela sua afirmação destituída de fundamento e pelas perturbações que a mesma introduzira na sua vida.
Não enveredando pelo caminho simples e escorreito da sua sujeição aos exames, face à inequívoca valia científica que têm hoje os testes de ADN para o estabelecimento da paternidade, antes os recusando de forma perentória e ilegítima, o réu violou de forma culposa o dever de cooperação para a descoberta da verdade.
Culpa esta que decorre da sua atitude de inequívoca recusa de submissão aos exames, sem apresentar para tal qualquer razão atendível, escudando-se em argumentos vagos e genéricos, o que assim tornou desnecessária a realização de novas diligências com vista à efetivação desses exames e plenamente justificou a inversão do ónus da prova através do despacho de fls. 329, posteriormente confirmada no despacho de fls. 661, despachos com os quais o réu se conformou.
Por isso, não se vê fundamento para neste momento processual, em que a audiência de julgamento já foi efetuada, sendo que o réu de forma clara se tinha oposto à realização dos exames de sangue e ciente estava da inversão do ónus da prova, para diligenciar novamente no sentido da realização de tais exames com marcação de data para esse efeito e notificação do réu com advertência das consequências do art. 344º, nº 2 do Cód. Civil.
A inversão do ónus da prova, já decidida nos despachos de fls. 329 e 661, e retomada pelo Mmº Juiz “a quo” na sentença recorrida, mostra-se pois isenta de censura.
Como tal, tendo em atenção o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas e das declarações de parte da autora, que acima se deixaram sintetizados, o que se conjuga com a inversão do ónus da prova resultante da recusa de sujeição a exames de sangue, entendemos que a matéria de facto provada e não provada não deve ser objeto de qualquer alteração.
Conforme se afirma na sentença recorrida, por força da inversão do ónus da prova, cabia ao réu a prova de que não era o pai da criança, o que ele poderia fazer se demonstrasse, por exemplo, que nunca tinha mantido relações sexuais com a autora (ou que tal não acontecera no período legal de conceção), ou que, apesar de ter mantido relações, sempre tinha utilizado contracetivo ou que não era fértil.
Manifestamente essa prova não foi feita.
Mas mesmo que não se tivesse procedido à inversão do ónus da prova, a recusa ilegítima de sujeição a testes de paternidade não poderá deixar de ser livremente apreciada pelo tribunal nos termos do art. 519º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil e, no caso “sub judice”, conjugada esta recusa com os demais elementos probatórios reunidos nos autos, somos levados à mesma conclusão factual, no sentido do estabelecimento da paternidade com a necessária segurança.[14]
Deste modo, mantendo-se nos seus precisos termos a factualidade provada e não provada, forçoso é concluir pela procedência da ação, inclusive com fundamento na presunção estabelecida no art. 1817º, nº 1, al. e) do Cód. Civil.[15]
Por conseguinte, o recurso interposto pelo réu será julgado improcedente, o que implica, sem necessidade de outras considerações, a confirmação da sentença recorrida.[16]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelo réu B… e, em consequência, confirmam-se os despachos de 5.9.2017 (fls. 647/649), de 6.11.2017 e 30.11.2017 (fls. 755 e 767) e de 11.12.2017 (fls. 772), bem como a sentença recorrida proferida em 20.12.2017 (fls. 800 e segs.).
Custas dos recursos interpostos, pelo seu decaimento, a cargo do réu/recorrente.
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Porto, 11.7.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Anote-se que, para efeitos de litispendência, é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira – cfr. art. 580º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil.
[2] Procedeu-se aqui à retificação de um manifesto erro de escrita cometido na sentença, uma vez que onde se escrevera “dia não concretamente apurado do ano de 2011” só poderia ser, até pelo teor da petição inicial, “dia não concretamente apurado do ano de 2001” – cfr. art. 249º do Cód. Civil.
[3] Este recurso foi admitido com subida em separado, mas como esta entretanto não se concretizou, será agora objeto de conhecimento em conjunto com os demais recursos interpostos e admitidos.
[4] Cfr. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2015, págs. 88/89.
[5] No nº 3 do art. 598º estabelece-se que «incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior
[6] Cfr. também do mesmo autor, em colaboração com Montalvão Machado e Rui Pinto e no âmbito do anterior Cód. de Proc. Civil, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 420.
[7] Cfr., por ex., Ac. Rel. Coimbra de 14.12.2016, proc. 3669/14.5 T8VIS.C1 [“O prazo de vinte dias, previsto no art.º 598.º, n.º 2, do NCPCiv., para aditamento ao rol de testemunhas tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência final, com tentativa de conciliação, seguida de suspensão, sem produção de quaisquer provas, para conclusão das negociações entre as partes e designação de nova data para realização da audiência”], Ac. Rel. Coimbra de 8.9.2015, proc. 2035/09.9 TBPMS-A.C1 [O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º nº 2 do CPC refere-se à data da efectiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar] e ainda os Acórdãos da Relação de Guimarães de 11.12.2008, proc. 1903/08-1 e do Porto de 5.3.2007, proc. 0656916, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Assinala-se que os dois acórdãos mencionados pelo réu/recorrente nas suas alegações de recurso se reportam a situações diferentes da ocorrida nos presentes autos.
[9] Consigna-se que este recurso é admissível, porquanto o despacho recorrido não é de mero expediente, nem foi proferido no uso de um poder discricionário, nem tão-pouco se enquadra na previsão do art. 630º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
[10] Este despacho é de 25.2.2014.
[11] A autora interpôs recurso deste despacho (fls. 696 e segs.), o qual, porém, não foi admitido (fls. 754/755).
[12] Cfr. Ac. STJ de 16.10.2012, proc. 194/08.7 TBAGN.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. também, por ex., Acórdãos do STJ de 23.9.2008, proc. 08B1827, de 28.5.2002, proc. 02A1633 e de 16.10.2012, proc. 194/08.7 TBAGN.C1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. Rel. Porto de 19.6.2012, proc. 530/10.6 TVPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Estatui-se neste artigo que a paternidade se presume quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período lega de conceção.
[16] Assinala-se ainda que a circunstância de o réu pugnar, em via recursiva, pela marcação de uma nova data para realização de exame hematológico não configura, a nosso ver, litigância de má-fé, uma vez que envolve tão-somente a defesa de uma posição processual que não obteve acolhimento por parte deste tribunal.