Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2469/08.6TBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
CONHECIMENTO DE EMBARQUE
PERDA E DANOS NA MERCADORIA
DECLARAÇÃO DE CARGA
LIMITES DA RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RP201302252469/08.9TBOAZ.P1
Data do Acordão: 02/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 31º, Nº 1 DO DL 352/86 DE 21/10
Sumário: Se no conhecimento de embarque consta a natureza da mercadoria transportada e a indicação do número de volumes em que se mostra acondicionada (711 caixas), com indicação do peso total, da tara e do tipo de embalagens em questão, fica afastado o limite indemnizatório constante do artº 31º, nº 1 do DL 352/86, de 100 000$00 por volume ou unidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2469/08.6TBOAZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, Lda., intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €29.593,22, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A fundamentar aquele pedido, alega que foi contratou com a ré o transporte marítimo de queijos, desde a ilha do Pico até Lisboa e, por terra, desde aí até às suas instalações, mas que tal mercadoria chegou deteriorada ao destino.
Tal sucedeu por factos imputáveis à ré, que não cumpriu com as suas obrigações contratuais e, assim, causou prejuízos à autora, que esta quer ver ressarcidos por esta via.

A ré contestou, excepcionando a caducidade do direito da autora, invocando o limite indemnizatório constante do nº 5 do artigo 4 da Convenção de Bruxelas e artigos 31º e 24º do Decreto Lei nº 352/86, com a redacção do artigo 25º do Decreto Lei nº 323/2001, de 17/12; e alegando que o carregamento marítimo foi feito pela “D…”, assim impugnando todas as anomalias que a autora inculca ao transporte.
Requereu a Intervenção Provocada dessa transportadora “D…” e da seguradora que cobriu os riscos do transporte, “E…”, com sede …, ….. …, Alemanha.

A Autora replicou, pugnando pela tempestividade da reclamação dos defeitos e não se opondo aos chamamentos.
A chamada “D…, S.A.”, com sede no …, …, ….-… …, contestou, arguindo a excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria e impugnando que as deficiências encontradas pela autora nas mercadorias se devam a qualquer causa imputável ao transporte marítimo, que aceita ter feito, já que o contentor frigorífico que trazia as mesmas veio sempre devidamente ligado, a temperaturas adequadas e devidamente monitorizado pelo pessoal de bordo especializado nessa tarefa.

A chamada “E…” também contestou com invocação da incompetência absoluta em razão da matéria, com a limitação do valor indemnizatório que a ré “C… …” aduziu e impugnando o demais alegado pela autora.

O despacho saneador julgou o Tribunal absolutamente competente para conhecer da causa, bem como se decidiu pela improcedência da excepção da caducidade.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenada a ré C…, S.A., a pagar à autora B…, Lda., a quantia de €19.925,10, à qual acrescem os juros moratórios vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, contados às taxas legais sucessivamente em vigor para os juros comerciais.

Inconformadas, C…, S.A., e D…, S.A., respectivamente, ré e interveniente, recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
I. A ora recorrente D… apresenta a qualidade processual de interveniente provocada acessória, conforme decorre do douto despacho de fls. ... dos autos que admitiu a sua intervenção;
II. Nessa sua qualidade de sujeito processual, a ora recorrente D… encontra-se vinculada pelos factos e direito da decisão ora recorrida (cfr. artigos 332º, nº 1, e 341º do C.P.C.),
III. Entende a ora recorrente D… que existem alguns factos que foram julgados pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo de forma incorrecta, os quais apresentam a natureza de factos pessoais e a prejudicam, directa e efectivamente, em face de uma eventual acção de regresso (artigos 4º e 16º a 19º da base instrutória), pelo que será de admitir o presente recurso quanto à interveniente D… para efeitos de impugnação dos aludidos factos e do correspondente direito aplicável pela douta Sentença recorrida (artigo 680º nº 2 do C.P.C.),
IV. Entendem as ora recorrentes que o artigo 4º da Fundamentação de facto da sentença recorrida (correspondente ao mesmo artigo 4º da base instrutória) se encontra incorrectamente julgado, por não ter sido produzida prova bastante para o mesmo se poder considerar como provado,
V. As duas únicas testemunhas da autora que responderam a este quesito (F… e G…), não estiveram presentes durante a consolidação pelo carregador H… do contentor … em causa nos autos, desconhecendo, portanto, o estado e acondicionamento da mercadoria nesse momento.
VI. As aludidas testemunhas também não revelaram conhecer qual o estado e acondicionamento da mercadoria, quando a mesma foi entregue pelo carregador/expedidor H… à interveniente, ora recorrente, D… (cfr. os referidos depoimentos das testemunhas F… e G…),
VII. As testemunhas F… e G…, referem, quando muito, em geral, que o médico veterinário ao certificar a origem do produto (mediante a emissão do respectivo certificado) também atestaria a salubridade do mesmo.
VIII. Porém, quanto à situação em concreto, as testemunhas da autora não souberam dizer (porque também não estiveram presentes quando o médico veterinário elaborou o certificado de origem), se efectivamente foi feita qualquer verificação quanto ao estado e acondicionamento da mercadoria.
IX. O certificado de origem, emitido pelo Serviço de Desenvolvimento Agrário do Pico, da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas, que foi junto aos autos como documento nº 7 da P.I., não atesta o que as aludidas testemunhas da autora referem.
X. O certificado apenas se destina a atestar a proveniência do queijo, atenta a conhecida denominação de origem protegida (DOP) do queijo oriundo da ilha do Pico.
XI. Este certificado (de origem) nunca seria de molde a certificar as características, condições e qualidades da mercadoria (queijo).
XII. O aludido certificado faz referência à seguinte mercadoria: “Produto Queijo Bola e Prato (600 Caixas de Cartão), Peso Líquido 8.000 Kgs. Peso Aproximadamente”,
XIII. A mercadoria declarada para transporte pelo carregador H… que se fez constar no conhecimento de embarque que se encontra junto a fls. 30 dos presentes autos refere uma quantidade de mercadoria maior “711 Caixa Queijo, Requeijão” com um peso de 9.806,50 Kg,
XIV. Verifica-se, assim, que a mercadoria consolidada no interior do contentor apresenta uma quantidade diferente (superior) da indicada no certificado, o que demonstra, desde logo, que após a passagem do aludido certificado (de origem) a mercadoria foi objecto de manipulação por parte do carregador H…,
XV. Mesmo que se entenda que certificação feita pelo médico veterinário que emitiu o certificado de origem abrangeu um juízo técnico sobre as características, condições e qualidades do queijo (o que não se concede e se aduz por mero dever de patrocínio), esse atestar sempre teria ficado afectado pela posterior manipulação da mercadoria pelo carregador;
XVI. O aludido certificado (de origem) foi “passado em 2008/07/17”, mas a mercadoria apenas foi embarcada no dia 18-07-2008 (conforme conhecimento de embarque de fls. 30 dos autos), pelo que nunca esse documento podia atestar que no momento da entrega da mercadoria pelo carregador H… ao transportador marítimo para embarque que a mesma estava dotada das características, condições e qualidades para o consumo humano.
XVII. O artigo 4º da Fundamentação de facto da Sentença recorrida (correspondente ao artigo 4º da Base Instrutória) encontra-se incorrectamente julgado, pelo que deverá ter lugar a corresponde modificação da matéria de facto, devendo o mesmo ser considerado como não provado (cfr. artigo 712º nº 1, alínea a) do C.P.C.),
XVIII. - Conforme resulta dos factos provados nºs 14 e 15 da Fundamentação de facto da Sentença “o contentor foi entregue à interveniente D… fechado e selado” e a mesma desconhecia “o estado em que a mercadoria se encontrava antes de ser colocada no contentor e fechado e selado”,
XIX. Razão pela qual, a interveniente D…, ora recorrente, procedeu à aposição de uma reserva no conhecimento de embarque (fls. 30 dos autos) quanto ao acondicionamento, conteúdo e estado da mercadoria, a reserva “Said to Contain /que se diz conter, (...) contentor consolidado pelo carregador”
XX. Em face da aposição dessa reserva, perfeitamente válida em face do artigo 3º, nº 3, da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, tornada direito interno pelo DL nº 37748, de 1/2/1950 e artigo 25º nº 2 do Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10, competia à autora, ora recorrida, provar o adequado acondicionamento e o bom estado da mercadoria previamente ao momento do embarque no navio, o que, operada a modificação da matéria de facto nos termos requeridos, manifestamente não fez,
XXI. Pelo que, sempre a ré C…, ora recorrente, deveria ter sido absolvida do pedido contra si formulado por a autora recorrida não ter logrado provar que anteriormente ao início do transporte a mercadoria estava em boas condições de estado e acondicionamento,
XXII. Os artigos 16º a 19º da base instrutória, encontram-se incorrectamente julgados, pois não deviam ter sido considerados não provados, uma vez que foi produzida prova suficiente para que fossem julgados provados,
XXIII. Existem elementos documentais e de prova testemunhal que permitem confirmar que as temperaturas do contentor … em causa nos autos foram controladas durante o período de transporte marítimo, e que o mesmo manteve a temperatura de 5ºC positivos durante esse período, bem como que após a descarga do referido contentor no porto de Lisboa o mesmo apresentava uma temperatura de 6º C positivos;
XXIV. O registo de temperaturas de contentores frigoríficos efectuado a bordo do navio relativo ao contentor e à viagem em questão nos autos que se encontra junto como documento nº 1 da contestação da interveniente D…, ora recorrente, o qual atesta, de forma inequívoca, a temperatura de entrada (TE) do contentor (+11º C) e as temperaturas verificadas durante a viagem (+5º C),
XXV. A realização das verificações de temperatura a bordo do navio, bem como a existência do documento que as titula, incluindo o bom estado de funcionamento do contentor frigorífico … antes, durante e após o transporte foi confirmada pelas testemunhas da interveniente D…, ora recorrente, I…, J… e K….
XXVI. O documento relativo ao controlo de temperaturas efectuado pelo operador portuário L…, S.A. - … demonstra que o contentor frigorífico … foi objecto de dois controlos de temperatura, no dia 23/07/2008, precisamente, quando foi ligado (L), às 11h:18m, após a descarga do navio e quando foi desligado (D) para entrega ao transportador rodoviário, às 18h:22m (doc. nº 2 da Contestação da recorrente D…),
XXVII. A realização das verificações de temperatura pelo operador portuário, bem como a existência do documento que as titula, incluindo o bom estado de funcionamento do contentor frigorífico durante a permanência no terminal foi confirmado pelas testemunhas F… e I…
XXVIII. Em face dos elementos documentais e de prova testemunhal referenciados nas conclusões XXIV a XXVII, deviam ter sido dados como provados os factos constantes nos artigos 16º a 19º da base instrutória, pelo que se requer a modificabilidade da decisão de facto nos termos do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), do C.C.
XXIX. Considerando-se tais quesitos 16º a 19º da base instrutória como provados, encontra-se demonstrado que durante a fase marítima do transporte, as recorrentes, não praticaram qualquer acto nem tiveram qualquer omissão que pudesse ter causado ou contribuído para a alegada danificação da mercadoria transportada, sendo que a mesmas não são responsáveis pela fase terrestre anterior ao transporte marítimo (das instalações do carregador H… até ao cais do porto do Pico),
XXX. É certo, porém, que o contentor foi apresentado a embarque pelo carregador com uma temperatura de + 11º C (cfr. Documento 1 da contestação da interveniente D…, ora recorrente),
XXXI. Encontra-se, igualmente, evidenciado que a mercadoria chegou ao destino com uma temperatura de 9,8º C, temperatura esta considerada ainda de conservação adequada para a mercadoria em causa, conforme resulta do depoimento da testemunha da autora G….
XXXII. O único momento em que a mercadoria esteve com uma temperatura de valor superior à temperatura de conservação adequada (até +10ºC) foi, precisamente, na altura da entrega para embarque no navio (quando apresentava +11º C), pelo que sempre teríamos um facto imputável ao carregador susceptível de afastar a responsabilidade de qualquer das recorrentes, razão pela qual a ré C… deveria ter sido absolvida na presente acção (cfr. artigo 4º, nº 2, alínea i), da Convenção de Bruxelas de 1924, e artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho).
XXXIII. Ou, em qualquer caso, sempre estaríamos perante uma situação de vício oculto da mercadoria,
XXXIV. A deterioração das mercadoria – não sendo resultado de temperaturas desconformes ao exigível pela legis artis para a conservação dos produtos, que no caso a transportadora atendeu e sempre providenciou para serem refrigerados na temperatura aconselhada (aproximadamente 5 graus positivos), tal como resulta da prova produzida – teria de resultar, necessariamente, de vício oculto da mercadoria.
XXXV. O vício oculto constitui, nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea m), da Convenção de Bruxelas, motivo de exclusão de responsabilidade do transportador.
XXXVI. Encontrava-se aposta uma reserva válida no conhecimento de embarque (cfr. artigo 3º, nº 3, in fine, da Convenção de Bruxelas de 1924 e artigo 25º, nº 2, do Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10), a qual tem o efeito de reverter o ónus da prova, pelo que caberia à autora recorrida provar as boas condições da mercadoria previamente ao embarque, coisa que, salvo o devido respeito, não logrou provar.
XXXVII. À cautela, por dever de patrocínio, sempre se dirá que andou mal o tribunal a quo no tocante à fixação do valor de indemnização, pois a decisão sob recurso fez uma errada aplicação do direito, ao não atender ao limite da responsabilidade previsto no artigo 4º, nº 5, da Convenção de Bruxelas de 1924, e artigos 24º e 31º do Decreto-Lei nº 352/86 (este último com a redacção do artigo 25º do Decreto Lei n.º 323/2001, de 17/12).
XXXVIII. A recorrente C… no caso dos autos, interveio como transitária, e, consequentemente, o contrato de transporte por si celebrado está subordinado às disposições da Convenção de Bruxelas de 1924, por força do disposto no artigo 15º do Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho.
XXXIX. A recorrente C… não poderia deixar de beneficiar da limitação de responsabilidade prevista no artigo 4º, nº 5 da referida Convenção de Bruxelas, fixado nos termos do artigo 31º, nº 1 do Decreto-Lei nº. 352/86, de 21/10, em 100.000$00 (498,80 euros) por unidade ou volume.
XXXX. A haver uma condenação no sentido da responsabilidade da ré C…, ora recorrente, não poderia, em caso algum, ser superior a € 498,80, uma vez que a mercadoria correspondia a um só volume ou unidade de carga;
XXXXI. O tribunal a quo não atendeu à limitação da responsabilidade nos termos referidos anteriormente por considerar que estão reunidos todos os elementos que deveriam constar na declaração de “conhecimento de embarque”.
XXXXII. Do conhecimento de embarque em causa nos autos não consta o valor da mercadoria, condição para fazer funcionar a excepção do artigo 4º, nº 5, da Convenção de Bruxelas de 1924, e dessa forma, afastar o limite de responsabilidade do transportador (cfr. douto Acordão da Relação Lisboa de 16-01-0997, in C.J, ano XXII, tomo I, pág. 99 e B.M.J nº 463, pág. 632),
XXXXIII. No caso sub iudice o valor das mercadorias em momento algum foi comunicado e declarado pelo carregador antes do seu embarque e a declaração e menção de tal elemento não constava na declaração de conhecimento de embarque.
XXXXIV. Pelo que não há lugar à exclusão da limitação da responsabilidade, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, sob pena de violação expressa do artigo 4º, nº 5, da Convenção de Bruxelas de 1924.
XXXXV. A existir indemnização, que só por mera hipótese se pode conceber, nos termos da parte final do primeiro parágrafo do artigo 4º nº 5 da já referida Convenção de Bruxelas, tem que se concluir que o valor de eventual condenação, em circunstância alguma poderia ser superior ao montante de €498,80 e nunca pelo valor em que a ré C… foi condenada.
XXXXVI. A sentença recorrida violou as disposições legais constantes do artigos 3º nº 3 in fine, 4º nº2, alíneas i) e m), e 4 nº 5 da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, tornada direito interno pelo Decreto-Lei nº 37748, de 1/2/1950 e artigos 25º nº 2, 31º nº 1 do Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10 e artigo 15º nº 2 do DL nº 255/99, de 7/7 e demais legislação referida ao longo das presentes conclusões.

Não foram apresentadas conclusões.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
A) A autora dedica-se à produção, transformação e comercialização de produtos lácteos;
B) A ré dedica-se ao exercício da actividade de transitária, processando a intermediação de transportes aéreos, terrestres e marítimos, desde o expedidor da mercadoria até ao seu destinatário;
C) Um contentor com a designação … foi entregue pela empresa H…, Lda., com sede na Ilha do Pico, nos Açores, no cais de embarque de … do Pico, nos Açores, para ser transportada, via marítima, desde a referida ilha, até ao porto de Lisboa, dali seguindo com destino à sede e instalações da autora, sitas em Oliveira de Azeméis, via terrestre;
D) O serviço de transporte marítimo e terrestre foi assegurado através da ré, acordando as partes como contrapartida o pagamento do preço de €1.594,00 (mil quinhentos e noventa e quatro euros);
E) Com data de 1 de Agosto de 2008, a autora enviou à ré o “email” junto aos autos a fls. 12 e do qual consta o seguinte: “Considerando que decorrida uma semana sobre a nossa primeira comunicação não tenhamos recebido quaisquer instruções sobre eventuais procedimentos a ter com a mercadoria avariada por parte do transportador, informamos que na próxima 3ª feira, dia 5, vamos vender a mercadoria para fundir ao preço de 1,25€ kg, uma vez que não podemos continuar com a mercadoria dentro das nossas instalações neste estado.”
F) A ré contratou o transporte da mercadoria desde o porto de origem até ao porto de destino com a interveniente D…, S. A;
G) O contentor … foi entregue à interveniente referida na alínea anterior para transporte via marítima com destino a Lisboa, tendo a interveniente emitido o documento denominado “conhecimento de embarque” constante de fls. 30, que aqui se dá por reproduzido;
H) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………, junta aos autos de fls. 31 a 41, a ré transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua actividade de transitária para a interveniente E…;
1º) A autora encomendou, em 18-07-2008, à empresa “H…, Lda.”, um contentor com 9.296 Kg de queijo – peso líquido – que constituía o conteúdo do contentor referido em C) pelo valor global de €31.545,10;
2º) Preço que pagou;
3º) A autora recebeu o contentor nas suas instalações em 24 de Julho de 2008;
4º) O queijo referido em 1º na data em que foi entregue pelo expedidor – a empresa H… – estava dotado das características, condições e qualidades para o consumo humano;
5º) O transporte desse produto deveria efectuar-se, ao nível da temperatura interior, a 5 º C;
6º) Os produtos, quando recebidos, encontravam-se à temperatura de 9.8 graus centígrados;
7º) Com sinais de deformação, com bolores e “reimado”...
8º) Com odor não característico;
9º) Ficando impróprios para venda;
10º) Sendo o único destino possível proceder à sua fundição...
11º) Pelo preço de €11.620,00 (onze mil seiscentos e vinte euros);
13º) A interveniente D… encarregou-se de carregar a mercadoria no navio, proceder à sua deslocação marítima, desde … do Pico até Lisboa e de proceder à sua estiva no porto de Lisboa;
14º) O contentor foi entregue à interveniente D… fechado e selado;
15º) Desconhecendo a interveniente o estado em que a mercadoria se encontrava antes de ser colocada no contentor e fechado e selado.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: Impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no que concerne aos números 4 e 16 a 19 da base instrutória; se o direito está conforme aos factos que se consideraram ou vierem a considerar provados.

I. Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento, nos termos do disposto nos artigos 522º-B e 522º-C, do C. P. Civil, pode alterar-se a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 685º-B, como o permite o disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), ambos do mesmo diploma.
Igualmente, nos termos do citado artigo 712º, nº 1, alínea b), do C. P. Civil, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
O registo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento tem como objectivo facilitar a reparação de um eventual erro de julgamento. Esta tarefa – apreciação da prova – está cometida, em primeira linha e como regra geral, à primeira instância e em execução do princípio da imediação, que a reforma processual trazida pelo Decreto Lei nº 329-A/95, de 12/12, veio reforçar quanto à prova testemunhal.
Os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em primeira instância, terão de ser, concretamente, evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2, do citado artigo 522º-C (artigo 685º-B, nº 2, do C. P. Civil).
As apelantes, mencionando os concretos meios probatórios, constantes do processo, da gravação ou das transcrições parciais realizadas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, preenchem, no essencial, estes requisitos legalmente impostos, para que se possa apreciar o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
Os pontos da matéria de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados são os seguintes: “O queijo referido em 1, na data em foi em que foi entregue pelo expedidor – a empresa H… –, estava dotado das características, condições e qualidades para o consumo humano?”; “Durante a viagem do navio …, onde o contentor se encontrava, nos dias 18 a 23 de Julho de 2008, as temperaturas do contentor … foram sucessivamente verificadas e registadas?”; “Mantendo uma temperatura constante de 5ºC positivos?”; “No dia 23 de Julho de 2008, data da descarga, o contentor tinha uma temperatura de 6ºC positivos?”.
Ao número 4 foi dada a resposta de provado.
Aos números 16 a 19 foram dadas respostas de não provado.
Com base na reapreciação dos depoimentos das testemunhas F… e G…, I…, J…, K… e M…, bem como de alguns documentos juntos, pretendem as apelantes que ao número 4 seja dada a resposta de não provado; e aos números 16 a 19 a resposta de provado.
Analisados os documentos juntos, o relatório pericial de fls. 366 a 369, e ouvida a gravação dos referidos depoimentos prestados em audiência, dir-se-á que a valoração que o tribunal a quo deles fez corresponde à sua correcta interpretação.
É certo que a testemunha F…, director de produção da autora, onde trabalha desde 1989, não esteve presente, como o próprio afirma, “no momento em que o contentor foi consolidado, foi colocada a mercadoria dentro do contentor em … do Pico”.
Porém, esteve presente na chegada do contentor com a mercadoria às instalações da autora, tendo procedido à análise visual, verificando as deformações e bolores dos queijos, bem como o aspecto reimado, que se traduz na casca escorregadia, devido a microrganismos.
Mais referiu que estes problemas encontrados nos queijos se deviam à temperatura no interior do contentor que, na recepção, rondava os 20º, temperatura que confirmou, através da análise do aparelho destinado à respectiva medição no interior daquele.
Também a testemunha G…, directora de qualidade da autora, não conhecia o estado de acondicionamento da mercadoria, quando a mesma foi entregue pelo carregador/expedidor H… à interveniente, ora apelante, D….
Referiu que supostamente está (o queijo estava dotado das condições e da qualidade, características próprias para consumo humano), porque vem com um certificado de salubridade e origem, que é emitido por uma autoridade competente, um médico veterinário. E antes de selar o contentor, são selados, supostamente estará de acordo. O certificado de origem garante que o produto está de acordo com as regras de higiene e segurança alimentar para ser expedido para o cliente. Sim (o produto antes de entrar no próprio contentor é devidamente certificado).
No entanto, não sabe porque não estava presente, “não sei o que é que o médico veterinário faz quando está a testar. Eu presumo que um médico veterinário vai atestar a origem e salubridade…”.
Não tem nenhuma análise de origem microbiológica. Não tenho acesso. Não exigem. Não exigimos porque nós temos um certificado de origem atestado por um veterinário. Não sabe se o veterinário vê o queijo ou não vê.
Confirmou o teor do documento nº 3 (fls. 9), tendo a medição da temperatura (9,8ºC) sido feita pela testemunha, que mede a caixa que está no meio do contentor por ser aí que se encontra a medição mais rigorosa.
A testemunha I…, director comercial da apelante D…, referiu que “o carregador, nas instruções de embarque, veio dizer que a mercadoria deve ser mantida, neste caso, a 5ºC. O contentor foi logo regulado para essa temperatura. Sim, sim. (Estava em perfeitas condições de funcionamento este contentor, quando foi entregue ao carregador). “Perfeito, correcto. Correcto e afirmativo”. Sim. A bordo do navio fazem-se três verificações diárias…três verificações por dia, existe um relatório de bordo em que o electricista regista as temperaturas. Esse controlo é efectuado, “fazendo a leitura do chek point… no diplay tem um valor em que está a temperatura dele, a que está regulado”.
A testemunha J…, director da agência da apelante D… em Ponta delgada e responsável pelas agências nas demais ilhas dos Açores, referiu, em resumo, que “o contentor é-nos pedido pelo cliente para determinada carga e determinada temperatura, nós levamos, testamos o contentor, está a funcionar, entregamos o contentor ao carregador para encher a mercadoria. Vai a carga à fábrica encher, ao armazém do cliente, ele enche, fecha sela o contentor, entrega-nos o contentor no cais para ser carregado, contentor carregado no navio, é ligado, é verificada a temperatura que o contentor tem, se está de acordo com aquela que o cliente requereu…
Quem faz o transporte do local de carga até ao cais é o dono da carga. A D…, a responsabilidade da D… como transportador começa no cais de embarque, como embarque do contentor para o navio e cessa quando o contentor sai do navio para o cais…a nossa função é, de facto, o transporte marítimo.
A bordo do navio existe um electricista (...). Este electricista durante uma viagem do navio, desde a carga até à descarga inspecciona todos os contentores que estão a bordo e faz um registo diário das temperaturas que cada contentor tem, este electricista tem em seu poder uma relação dos contentores que leva a bordo, o tipo de carga que cada um leva, a temperatura que é requerida para cada um dos contentores e controla duas vezes por dia se as temperaturas do “display” de leitura (...) estão ou não de acordo com aquilo que o cliente requereu, aquilo que está no manifesto de carga, a nota que ele tem e no tal conhecimento de embarque.
Sim. Todos os contentores, sem excepção, são sujeitos a esse controlo de temperatura durante todo o tempo que decorre desde o porto de carga ao porto de descarga (...) isto é feito em todos, todos os contentores.
É objecto. Tem um registo, uma folha, com o número de contentor, as horas a que faz a leitura e regista lá a temperatura que estava na altura que ele foi lá (...). Este registo deve estar no processo. Este registo é entregue à chegada do navio no destino final, no fim da viagem, no caso concreto é Lisboa, estes registos são entregues, fazem parte do processo”.
A testemunha K…, técnico de frio, referiu, em síntese, que “eu calculo que sim, porque os electricistas de bordo dos navios estão instruídos para tirar as temperaturas de 8 em 8 horas (...); eu li a folha de temperaturas do electricista do navio (...) as ordens que ele tinha era retirar as temperaturas do “display”, o “display” está a indicar a temperatura da sonda do contentor, de uma das sondas do contentor (...) e ele, à partida, pelo que eu vi na folha, ele estava a 6 graus, que acho que era a temperatura solicitada para a carga.
Fazem, fazem. Assim que o contentor sai de bordo do navio, ele é desligado e é imediatamente ligado no terminal e é reportada a temperatura para uma central que eles têm lá e se houver alguma avaria eles reportam imediatamente para os técnicos de frio irem lá verificar o contentor.
Sim. Eles são muito exigentes, no terminal são muito exigentes e, normalmente, à mínima discrepância de temperatura eles avisam ...
Foi, foi inspeccionado por mim. Eu não detectei nenhuma avaria, o contentor seguiu viagem nessa mesma semana para 20 graus negativos e não houve nenhuma reclamação da carga. Estava tudo em funcionamento.
Sim, de 8 em 8 horas, é normalmente o que eles fazem de registo, não sei quem é que estipulou esse escalonamento de temperaturas.
É passar revista aos contentores frigoríficos e apontar a temperatura e verificar se está tudo a funcionar.
É o electricista do navio sim.
Sim, eles são muito, é como disse, os contentores frigoríficos eles tem muito medo (...) e então eles andam sempre em cima dos contentores frigoríficos e andam sempre a ver as temperaturas e apontar as coisas, porque eles são muito medrosos, eles tem muito medo que os contentores avariem e pode ser incumbida alguma responsabilidade (...) portanto, eu calculo que se tivesse havido algum problema, nesse caso acho que é o “…” e o electricista do navio, por acaso é alemão, e era o 1º oficial electricista (...), esse, então, era mesmo muito rigoroso”.
Finalmente, a testemunha M…, director de manutenção da empresa L…, referiu, em síntese, que “eu antes de vir para aqui estive a consultar o processo e o contentor esteve no terminal durante um período de tempo muito curto, ele entrou de manhã e saiu a meio da tarde. (…) No terminal de contentores, o pessoal de manutenção tem a incumbência de quando qualquer contentor que chega ao terminal vindo do navio, o contentor é estacionado no parque e o pessoal da manutenção liga-o à energia eléctrica e regista num computador portátil a temperatura que mostrava quando o ligou, automaticamente, no sistema fica registada a hora em que foi efectuada essa operação. Do mesmo modo, quando o contentor é desligado para ser entregue ao cliente, também é registada a temperatura a que ele é desligado e o sector de manutenção não faz mais nada.
(…) Fica registada, quando há uma anomalia é registada no computador portátil e fica automaticamente no sistema”.
Mas, além desta prova testemunhal, foram também apreciados todos documentos juntos, salientando-se, nomeadamente, o documento de fls. 13, certificado de origem nº 105/2008, subscrito por um médico veterinário; o documento de fls. 9, recepção de produtos, refere que os produtos em causa se encontravam à temperatura de 9,8ºC, tendo sido confirmado pela testemunha G….
E também foi tido em conta o relatório pericial de fls. 366 a 369, no qual é referido, além do mais, que: «Como perito não posso indicar como foi efectuado o controlo de temperatura no contentor, por não ter verificado o valor para o qual a temperatura estaria regulada. Para o transporte em causa, a temperatura de 5ºC é um valor adequado. Os valores registados no disco que me foi entregue são superiores.
Não é possível afirmar a que contentor pertence o disco, pois, a identificação que foi preenchida no espaço reservado para tla está rasurado. Consegue-se observar que o que estava escrito não corresponde pelo menos em algum algarismo à identificação do contentor ….
O campo referente ao preenchimento da data não se encontra preenchido, pelo que não se pode identificar quando foi usado o disco.
Como não existe registo da data não se pode identificar qual o período a que corresponde a medição de temperatura. Pose apenas afirmar-se que o registo foi efectuado durante um período de 20 dias.
Como referido antes, não é possível identificar em que contentor o disco foi utilizado, nem em que data. Por isso, não se pode identificar qual a temperatura no interior do contentor … durante a viagem. No processo existe um registo manual da temperatura durante a viagem que indica valores de 5ºC, referindo o contentor e as datas, mas não se encontra assinado pelo electricista, nem pelo imediato. Estes valores podem não ser rigorosos se o mostrador for analógico mas, no entanto, o eventual erro não deve ultrapassar metade da escala do mostrador. Pode-se afirmar apenas que o registo da temperatura apresentado no disco mostra uma variação diária e, por isso, é possível que esteja a funcionar correctamente, mas não se pode identificar a que contentor pertence, nem em que data foi usado».
Por conseguinte, dos documentos juntos, do relatório pericial de fls. 366 a 369 e dos referidos depoimentos testemunhais, o que resulta é que a matéria de facto retrata com fidelidade e exactidão daquelas provas produzidas em audiência de julgamento.
É isto que, aliás, se confirma na motivação da decisão sobre a matéria de facto: «O Eng. F… (…) esteve presente na chegada do contentor com a mercadoria às instalações da autora, tendo procedido à respectiva análise visual e constatado as deformações e bolores dos queijos, bem como ao aspecto reimado que se traduz na casca escorregadia devido a microrganismos. Tudo isto devido à temperatura no interior do contentor que estava muito acima do desejável, na recepção rondava os 20º.
Com o depoimento desta testemunha foi possível concluir que a temperatura no interior do contentor, durante a viagem, não esteve nos graus adequados ao tipo de mercadoria que nele seguia.
A Eng. G… (…) assistiu à chegada da mercadoria e à abertura do contentor.
Constatou que as caixas dos queijos estavam amassadas, o que se devia à absorção de humidade pelo cartão originada pelo aumento da temperatura dentro do contentor, o que, por sua vez, determina condensação.
Confirmou o teor do documento de fls. 9, tendo a medição da temperatura sido feita pela testemunha que mede a caixa que está no meio do contentor por ser aí que se encontra a medição mais rigorosa.
O queijo apresentava mau cheiro e leveduras, tendo sido considerado avariado e destinado a fundir.
N…, funcionário da ré C… (...) Desconhecia o estado em que se encontrava o contentor para fazer o transporte.
Sobre as condições concretas em que o transporte se fez, maxime temperatura no interior do contentor, nada sabia.
I… (…) descreveu as condições em que geralmente são feitos estes tipos de transportes e os procedimentos efectuados quanto aos contentores frigoríficos, bem como as regras para actuar em caso de anomalia ou avaria nos contentores.
No caso concreto, não acompanhou o contentor durante a viagem e não sabia o que terá acontecido no decurso da mesma.
(…) Desta forma, não fica arredada a possibilidade de falhas no manuseamento/funcionamento do contentor que transportou a carga ajuizada.
(…) Pese embora o depoimento deste técnico (K…) aponte para um bom estado do contentor, não deixa de ser certo, por um lado, que a mercadoria chegou ao destino em mau estado e isso foi objectivamente comprovado; por outro lado, competia à ré, pelo ónus da prova, demonstrar que outros factores poderiam ter determinado a deterioração da mercadoria e isso não ocorreu.
Assim, o tribunal não afasta, sem mais, uma eventual anomalia do funcionamento do contentor que até não poderá ter sido detectada».
As apelantes, no fundo, pretendiam que esta Relação fizesse uma nova valoração dos meios de prova, de forma a concluir que os factos que discriminam foram julgados erradamente e que, por consequência, eles deveriam ser alterados. Tal valoração foi feita e, como se referiu, a decisão sobre a matéria de facto retrata com fidelidade e exactidão as provas produzidas em audiência de julgamento.
No caso concreto, tendo em atenção a referida prova, a convicção desta Relação é a de que as dúvidas levantadas pelas apelantes não tinham fundamento, considerando-se, por isso, correcta a forma como o tribunal a quo decidiu a matéria de facto questionada – números 4 e 16 a 19 da base instrutória.

II. Não havendo fundamento para alterar as respostas que foram dadas aos referidos números 4 e 16 a 19 da base instrutória, também inexiste razão para alterar a decisão de direito: quer porque o objecto do recurso, visando a alteração da decisão de direito, na medida em que fosse alterada a matéria assente, essa alteração não procedeu; quer porque, em face dos factos provados, a decisão de direito é a adequada e não merece qualquer censura.
Está em causa a deterioração dos queijos, cujo transporte a autora contratou com a ré desde a Ilha do Pico até à sua sede em Oliveira de Azeméis.
A ré confiou o transporte via mar à interveniente D…, tendo esta carregado o contentor com os queijos, na Ilha do Pico, e efectuado a viagem, desde aí até ao Porto de Lisboa.
O facto de o transportador ser pessoa diversa da ré em nada altera a posição desta, porquanto, continua a ser ela quem se obrigou perante a autora a transportar a mercadoria de um porto para o outro e deste para as instalações daquela.
À chegada, os produtos encontravam-se à temperatura de 9.8 graus centígrados, com sinais de deformação, com bolores, reimado e com odor não característico.
Por estas razões, os técnicos especializados da autora consideraram que seriam impróprios para consumo e o seu único destino seria, como foi, a fundição.
Os produtos foram embarcados em boas condições e que o seu transporte devia ser feito à temperatura de 5ºC.
Está em causa um contrato de transporte marítimo, cuja regulamentação jurídica se encontra prevista na Convenção de Bruxelas introduzida no nosso ordenamento jurídico, entre outros, pelos Decretos nº 37.748, de 1.2.1950, e 352/86, de 21.10.
Nos termos nº 1 deste último diploma – DL nº 352/86 – o “contrato de transporte de mercadorias por mar é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria, de um porto para porto diverso, mediante uma retribuição pecuniária, denominada «frete»”.
Este contrato implica uma obrigação de resultado, ou seja, o transportador ou armador, na designação do artigo 1º da Convenção de Bruxelas, 25 de Agosto de 1924, obriga-se a deslocar as mercadorias de um porto para outro – o do destino – entregando-as incólumes.
Sendo a obrigação do transportador uma obrigação de resultado e não um mera obrigação de meios, aquele será, em princípio, responsável se, no momento da descarga, forem verificadas faltas ou avarias nas mercadorias, a si imputáveis.
Na apreciação da responsabilidade por danos causados nas mercadorias transportadas por mar deve atender-se à Convenção de Bruxelas, ao DL 352/86, ao C. Comercial e ao C.C.
Da combinação de tais diplomas, como se refere no Acórdão do STJ, de 31.5.2001, «resulta que quer o capitão do navio, quer o seu armador respondem pelos danos causados nas mercadorias transportadas, se tais danos forem devidos a culpa sua.
Porém, a culpa do armador presume-se e ele só poderá exonerar-se de tal responsabilidade se provar que os danos foram devidos a qualquer das circunstâncias indicadas no artigo 4º da Convenção de Bruxelas». CJ, Ano IX, Tomo II, pág. 115.
Isto é, a Convenção de Bruxelas prevê uma presunção de responsabilidade do transportador que prescinde da culpa, salvos os casos de exoneração previstos nas várias alíneas do nº 2 do citado artigo 4º. Consideram-se nulas as cláusulas, tendo por efeito diminuir a responsabilidade do transportador ou inverter o ónus da prova. Neste sentido, Alfredo Proença e J. Espanha Proença, Transporte de Mercadorias, pág. 246.
Como resulta da matéria de facto provada, em consequência da deterioração dos queijos, a autora sofreu prejuízos, pois, aqueles tornaram-se impróprios para o consumo e o seu destino foi a fundição.
Nos termos do artigo 562º do C.C., «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
A autora despendeu o valor global de €31.545,10 na aquisição dos queijos e realizou €11.620,00 com a sua venda para fundição.
O diferencial entre estes valores – €19.925,10 – é quanto a ré deve pagar à autora, a título de indemnização.
É claro que a autora defende a aplicação do limite indemnizatório constante do nº 5 do artigo 4º da Convenção de Bruxelas e dos artigos 31º e 24º do Decreto-Lei nº 352/86, com a redacção do artigo 25º do Decreto-Lei nº 323/2001, de 17/12, dado que a mercadoria vinha acondicionada dentro de um contentor, o qual, sendo um só volume ou unidade de carga, limita a responsabilidade da ré ao valor de €498,80.
Efectivamente, da conjugação dos nºs. 1 e 2 do artigo 31º e do artigo 24º do Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10, com a actualização mencionada para euros, resulta que se o conhecimento de carga não contiver e enumeração a que alude o nº 1 do art. 24º, por ela não constar da declaração de carga referida no artigo 4º, cada contentor, palete ou outro elemento análogo é considerado para efeito de limitação legal da responsabilidade, como um só volume ou unidade de carga.
O citado artigo 24º, nº 1, refere que «quando as mercadorias forem consolidadas, para transporte, em contentores, paletes ou outros elementos análogos, consideram-se volumes ou unidades de carga os que estiverem enumerados no conhecimento de carga».
Quanto ao artigo 4º, nº 1, especifica que o carregador deve entregar ao transportador uma declaração de carga, contendo os seguintes elementos:
a) A natureza da mercadoria e os eventuais cuidados especiais de que a mesma careça;
b) As marcas principais necessárias à identificação da mercadoria;
c) O número de volumes ou de objectos e a quantidade ou o peso;
d) O tipo de embalagem e o acondicionamento da mercadoria;
e) O porto de carga e o de descarga;
f) A data.
O nº 2 atribui ao carregador a responsabilidade de responder perante o transportador pelos danos resultantes das omissões ou incorrecções de qualquer elemento da declaração de carga.
O nº 5, por sua vez, estabelece que tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declaradas pelo carregador antes do embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento. O artigo 9º da Convenção refere que «os Estados contratantes em que a libra esterlina não é empregada como unidade monetária reservam-se o direito de converter em números redondos, segundo um sistema monetário, as somas indicadas em libras esterlinas na presente Convenção».
Assim, nos termos do artigo 31º, nº 1, do DL 352/86, o limite legal da responsabilidade do armador foi fixada em 100.000$00 por volume ou unidade (hoje €498,80).
Como referem Alfredo Proença e J. Espanha Proença, «definiu-se ainda, no seu nº 2, à semelhança do que já decorria do protocolo de Bruxelas de 1968 (Regras de Visby), que, se o conhecimento não fizer a enumeração dos volumes ou unidades consolidados em contentores, paletes ou sistemas análogos, por ela não constar da declaração de carga, cada contentor, palete ou sistema análogo é considerado, para efeitos de limitação legal de responsabilidade, como um só volume ou unidade de carga.
Desnecessário encarecer a importância para o carregador ou o destinatário a enumeração, no conhecimento, do número de volumes acondicionados na unidade de carga (por exemplo, 20 paletes com x sacos de açúcar cada uma; um contentor com 200 cartões de confecção). Isto para não ocorrer na situação a que se refere o número anterior». ob. cit., pág. 247.
A fls. 30, encontra-se uma cópia do “conhecimento de embarque”, do qual consta a natureza da mercadoria: queijo, requeijão; as marcas principais necessárias à sua identificação: estão inseridas no campo a isso destinado no formulário do documento; o número de volumes: 711 caixas; o peso: total de carga, 9.805,50; total de tara: 3.880,00; total: 13.685,50; tipo de embalagem e acondicionamento da mercadoria: caixas, contentor consolidado pelo carregador; portos de carga e descarga: Pico e Lisboa; data: 18.7.08.
Donde, o “conhecimento de embarque” respeita as exigências acima referidas e fica afastado o limite indemnizatório a que alude o citado artigo 31º, nº 1.
Deste modo, como bem se decidiu, a ré deve indemnizar a autora pelo montante de €19.925,10, acrescido de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor para os juros comerciais, desde a data da citação até integral pagamento.
Improcedem, deste modo, as conclusões das alegações e os recursos da ré C…, S.A., e da interveniente D…, S.A.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas apelantes.

Porto, 25.2.2013
António Augusto de Carvalho
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Rui António Correia Moura